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terça-feira, 6 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26771: Notas de leitura (1795): "Um preto muito português", da luso-angolana e antiga "rapper" Telma Tvon (Lisboa, Quetzal, 2024)... Parte II (Luís Graça): Uma dedicatória que vale um poema: "Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração".

 


Telma Tvon (aliás, Telma Marlise Escórcio da Silva):
estreia-ase na fição com "Um preto muito português"... Nascida em Luanda em 1980 (em plena guerra civil angolana, que vai de 1975 a 2002), imigra para Lisboa, em 1993 (com a irmã, sendo acolhida pela avó), frequenta o ensino secundário ao mesmo tempo que se integrava, desde os 16 anos, na cultura rap, do soul e do hip hop... Antiga rapper, faz a licenciatura em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e o mestrado em Serviço Social pelo ISCTE-IUL.(Cortesia da Quetzal Editores)



Capa do livro de Telma  Tvon, "Um Preto Muito Português".  Lisboa: Quetzal, 2024, 184 pp. (Série "Língua Comum") (c. 15 €)

O livro tem uma dedicatória que vale um poema: " Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração"... E uma outra,  manuscrita, no exemplar que estou a ler, oferecido à Biblioteca Municipal da Lourinhã: "Obrigada por me acolher tão amavelmente. Beijos. Telma, Lourinhã, 15/05/24".


Sinopse: 

"Cabo-verdianos que vivem há muito em Portugal e neto de cabo-verdianos que nunca conheceram Portugal. Também é bisneto de holandeses que mal conheceram Portugal e de africanos que muito ouviram falar de Portugal. 

Vive em Lisboa, mas não é considerado alfacinha. Terminou a licenciatura na faculdade e vai trabalhar num call center, com outros negros e brancos, pobres e ricos. Budjurra faz parte de uma minoria que, lentamente, vai sendo cada vez menos minoria. É um preto português, muito português, que, ao longo do livro e das aventuras que relata, levanta questões relativamente a temas como racismo, discriminação, estereótipos, igualdade e humanidade, mas também música, rap, identidade - numa Lisboa morena e colorida que é necessário conhecer

«Posso dizer, sem qualquer orgulho, que sou um homem estranho. Tão estranho como a minha alma. […] E assim como os anos e meses fluem no meu espírito bom e impotente, continuo apenas mais um preto muito português.» 

Com a sua rara humanidade, Budjurra mostra-nos como se vive por dentro da invisibilidade da comunidade africana, como se lida com as narrativas falsas que a envolvem, como se sobrevive aos preconceitos e ao esquecimento". (Fonte: Quetzal Editores)


1. Conheci a Telma Tvon,  na Lourinhã,  no festival literário da Lourinhã,  "Livros a Oeste", há já um ano, em 15/5/2024. E gostei da maneira como ela falou do seu livro de estreia ("Um Preto Muito Português"),  com  simplicidade, graça, humor, espontaneidade, frontalidade,  inteligência emocional, empatia, capacidade de comunicação... 

O livro já tinha sido publicado em 2017 sob a chancela da Chiado Books, numa edição infelizmente descuidada,   sem revisão de texto, com muitos erros e gralhas... O editor da Quetzal, Francisco José Viegas, em boa hora, deu-lhe outra vida e visibilidade, publicando o livro na série "Língua Comum", e com uma capa graficamente atraente.

 A autora, até então desconhecido (ou conhecida no mundo mais restrito dos "rappers"),  acabou por ser solicitada, mais recentemente, a falar do seu livro, a aparecer em festivais literários (como o da Lourinhã, "Livros a Oeste", 2024) e a dar entrevistas na imprensa escrita e digital, ou a ser objeto de tema de cronistas conceituados, como por exemplo Diogo Ramada Curto (Expresso).... Eis alguns links:

Facebook > Antena 1 > 30 de novembro de 2024 > Sou Pessoa Para Isso - Telma Tvon
 

Afinal, ela nasceu e viveu em Angola, até aos 13 anos  e tem a desenvoltura e a desinibição dos/das MC ou "rappers", e sobretudo da malta nada e criada em Luanda.  De resto, a dedicatória que consta do seu livro, diz muito: 

"Para os meus de sangue e coração. Para os meus de rua e coração". 

Mas vamos  continuar a falar deste seu primeiro livro (que nasceu de uma tentativa de criar uma letra para uma canção de rap), e onde ela de resto usa (e abusa...) do "calão" falado por estes jovens portugueses, afro-descendentes: contei até agora umas seis ou mais  dezenas de vocábulos e expressões idiomáticas, que vieram enriquecer o meu léxico (é evidente que um "glossário" no fim do livro dava jeito e era simpático para um "cota" como eu, mesmo que "tuga",  "bué fixe", e não propriamente um "pula de merda").

A Telma Tvon tem talento para a escrita e espero que não se fique por este seu primeiro romance, um  "Um Preto Muito Português",  livro de grande atualidade que aborda temas que estão na berra, hoje (para não dizer sempre..), como identidade, pertença, racismo, xenofobia,  discriminação,  minorias, e que fala  da experiência de ser luso-.africano em Portugal (e na Europa),  a exclusão / inclusão, a equidade, etc.  Temas, enfim, que a extrema-direita quer ver abolidos da agenda não só política e mediática como até científica... Mas dá-nos também da cultura "rap"... de que, afinal, também sabemos pouco.

Fiquemos para já com a última das 49 "entradas" do livro em que o "bom do Budjurra" (um "alter ego" da escritora ?)  depois de dar a volta ao bilhar grande (o mesmo é dizer, ao pequeno Portugal retangular onde nasceu)  interrogando-se sobre a sua origem e identidade, acaba por se convencer (e convencer-nos) que afinal é "apenas mais um preto muito português" (pp. 175/716) (**).

Eu confesso que achei o livro divertidíssimo, doce, de  fina ironia, com algumas "cenas" mais duras, feias, pícaras ou dramáticas:

  • o "arrastão em Carcavelos" (5. Tu agora chamas-te Arrastão, Budjurra, pp. 29-33);
  • o "call center" (9. No call center, licenciado, pp. 42-45);
  • a criança com Sida (17. Ela, ele e eu, o Budjurra, no nosso silêncio, pp. 72/73);
  • a morte do amigo (20. O teu amigo morreu, Budjurra, pp. 81/86);
  • a primeira viagem por Portugal: Serra da Estrela (31. O Budjurra a viajar, quem diria, pp.112/113);
  • os putos e os diferentes destinos (32. Entendendo-me, pp.114-118);
  • as ganzas (39. Budjurra, esse stonado, pp. 137/141);
  • pretos, voltem para a vossa terra (41. Os suspeitos do costume, pp.145/151);
  • a rapariga maquiavélica (47. Não estás a bater, Budjurra, pp. 167/171).

Li de um fòlego e, pondo-me na pele do Budjurra, revi(vi) algumas "cenas" em que também já fui "vítima de racismo ou preconceito", quer na Irlanda, quer nos Países Baixos, por exemplo no Aeroporto de Amesterdão-Schiphol: lembro-me de há 35 anos um gajo com 1,90 de altura, louro, de olhos azuis e gabardine bege,  me mandar apartar e me vasculhar o passaporte e bagagem, só por que não deve ter gostado do meu cabelo comprido, barba cerrada e tez morena... Não era a primeira vez que me confundiam com um palestiniano...E eu vinha já de um país "europeu", embora "periférico" (ainda não era a UE, ainda era a CCE, estamos a falar de 1990 ou 1991)..

Mas o mesmo acontece, infelizmente, noutros aeroportos da hoje União Europeia, de Lisboa a Budapeste... Ou por esse mundo fora, de Luanda a Washington, de Moscovo a Pequim. O racismo não tem cor nem pátria.



PS - O pai do Budjurra é da ilha de Santiago. A mãe é da ilha de Santão. Budjurra, Joáo Moreira Tavares, é o mais velhos dos 3 filhos. O Carlos é "calado mas tem bué de miúdas", a Sandra é uma "fala-barato"...Nasceram todos no "gueto" (talvez Cova da Moura, a décima ilha de Cabo Verde ?)...Mas os pais  decidiram que eles fossem, desde muito cedo, "viver nos prédios com uma tia da minha mãe"... "Os miúdos dfos prédios não queriam brincar connosco. Normal, nós éramos pretos"... Os outros múidos do "gueto", quando eles visitava,m os pais (que lá ficara,m a viver). "achavam bué fixe nós estarmos a viver nos prédiso0"...

Ela, a Sandra, "só namorava com rapazes brancos, só tinha amigas brancas, só ia lugares  onde ela tinha a certeza de que seria a única preta", e odiava falar em crioulo... "O meu irmão, assim  que se tornou adolescente, começou a detestar brancos" (pp. 12/13).

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26487: Notas de leitura (1771A): "Um preto muito português", da luso-angolana e antiga "rapper" Telma Tvon (Lisboa, Quetzal, 2024)... Quem somos nós, "pretugueses" ? - Parte I (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 5 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26768: Notas de leitura (1794): Memórias Minhas, por Manuel Alegre; Publicações Dom Quixote, Março de 2024 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26770: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (10): Os grandes azares; Insensatez; O ronco; Caso do Furriel Moreira e Chuveiro do abrigo dos Morteiros

CCAV 2483 / BCAV 2867 - CAVALEIROS DE NOVA SINTRA
GUINÉ, 1969/70


VIVÊNCIAS EM NOVA SINTRA

POR ANÍBAL JOSÉ DA SILVA


31 - OS GRANDES AZARES

O primeiro foi no dia 11/07/69 que vitimou o capitão Bernardo, por ter pisado uma mina antipessoal, que lhe amputou uma perna e ferimentos graves na outra. De salientar o extraordinário trabalho feito pelo furriel enfermeiro António Bettencourt, que sem luz e precário material de socorro consegui evitar males maiores.

O segundo foi no dia 24/07/69, numa coluna de reabastecimento a S. João. Houve o rebentamento de uma mina anti pessoal reforçada com TNT, causando a morte dos soldados Adelino Santos e Pedroso de Almeida e ferimentos no furriel Oliveira Miranda. Os falecidos eram cunhados pois tinham casado com duas irmãs.

O terceiro foi no dia 04/08/69, no rebentamento de uma mina antipessoal reforçada com trotil, que provocou a morte ao soldado António Ventinhas e em que eu fiquei ferido, assunto a que faço referência mais adiante.

O quarto foi no dia 17/11/69. Numa coluna a S. João para ir buscar cimento para construir abrigos à superfície, a camioneta mercedes acionou uma mina anticarro, que a projetou para o lado esquerdo da picada, de encontro a uma árvore, a três metros de distância do rebentamento, tendo ficado parcialmente destruída. Muitos dos sacos rebentaram provocando uma enorme nuvem de pó, prejudicando o socorro aos feridos, por falta de visão. Morreu o 1.º Cabo José Lomba e o soldado António Couto e provocou ferimentos graves em seis, um dele o furriel Barriga Vieira que sofreu fratura de costelas e de duas vértebras. Lamentável e incrédula atitude, teve um major do Serviço de Material que de deslocou de Bissau, no dia seguinte ao rebebtamento, propositadamente para vistoriar e fotografar a viatura danificada. Como ela ainda estava coberta de pó de cimento, o major queria dar uma sanção disciplinar ao Furriel Valente, pelo facto da viatura não estar ainda “devidamente lavada”, sem se importar que a maioria da malta nem banho tinha tomado, ocupada na prestação de auxílio e evacuação dos mortos e feridos. Esta atitude confirmava a tese de que o governo preocupava-se mais com uma perda material do que com uma ou mais perdas humanas. Depois, durante as poucas horas de permanência no quartel foi tratado com total indeferência por parte de todos e creio que até foi sozinho e a pé para a pista de aviação.

Em toda a comissão tivemos cinco mortos e onze feridos, alguns com gravidade.
As malditas minas
Mercedes destruída 17/11/69
Trilhos muitas das vezes minados


32 - INSENSATEZ

Foi o que aconteceu quando o Furriel Azevedo, tocando o seu acordeão foi com alguns soldados, até próximo do cruzamento de Nova Sintra, estrada que liga Nova Sintra, Tite, S. João e Jabadá, local muito perigoso dado ser propício a emboscadas. Felizmente nada de mau aconteceu

O Azevedo e o seu acordeão
Cruzamento de Nova Sintra


33 - O RONCO

Ronco é a palavra utilizada para designar um feito relevante.

O pessoal andava cansado e saturado de ir para Bissassema efetuar segurança à margem do rio Geba defronte a Bissau. O PAIGC já tinha o míssil terra- terra e havia a informação de que estaria previsto atacar Bissau do lado de Bissassema. O capitão Loureiro entendia que era preciso fazer algo mais e mais produtivo. Sabendo onde atuar resolveu efetuar uma operação para atacar e anular um posto avançado do IN.

Ao meio da tarde de determinado dia chamou os alferes e furriéis e disse que precisava de trinta voluntários, suficientemente armados para efetuar uma operação relâmpago e de surpresa. Não foi difícil constituir o grupo. Saíram de madrugada e chegaram ao destino ao nascer do dia. O objetivo foi totalmente alcançado, com a destruição do acampamento, provocando baixas ao IN e a captura de armamento e diverso equipamento. Sabem qual foi o prémio que o capitão teve por este ronco? Não vão adivinhar. Foi preso porque não pediu ao comando do Batalhão autorização para efetuar a ação. No dia seguinte, um helicóptero com a Polícia Militar foi prendê-lo e levá-lo para Bissau. Uma vez mais ficamos sem capitão

Armamento e material capturado


34 - CASO DO FURRIEL MOREIRA

O José Moreira era furriel do 4.º Pelotão e um bom operacional. Padecia de úlceras no estômago e comer ração de combate era certo e sabido que ficava incapacitado. O seu pelotão foi destacado para Fulacunda, a fim de participar numa operação a nível de batalhão, com a previsão de durar três dias. Sabendo ele que ao segundo dia teriam de o ir buscar, em virtude de ter de se alimentar com a ração de combate, foi à messe de oficiais falar com o capitão médico, pedindo para que fosse dispensado da operação e fundamentou o seu pedido. O médico praticamente não o ouviu e disse que ele o que tinha era medo de ir para o mato. O Moreira sem dizer nada virou costas e foi ao quarto buscar a G3, colocando-a sobre uns bidões cheios de terra que serviam de proteção. O médico estava à porta da messe, sentado numa cadeira de baloiço, feita das aduelas dos barris e a beber o seu wishy. O Moreira disparou três tiros. Um deles entrou numa cox,a fraturando o fémur e que ainda lhe esfacelou o pénis. Foram os dois para Bissau, o médico para o hospital e o Moreira para a prisão. Mais tarde veio para a prisão militar da Trafaria e o médico para o Hospital Militar Principal, na Estrela em Lisboa.

O capitão Bernardo, ferido em 11/07/69, também andava em tratamentos naquele hospital. Foi visitar os dois com a intenção de promover um encontro entre eles. Esse encontro foi realizado e ao que se sabe ter-se-ão perdoado um ao outro, mas continuou preso. Foi libertado após o 25 de abril sem ter sido julgado.

O rapaz resolveu casar e ao tratar da papelada foi verificado que o seu caso não estava encerrado. Foi novamente preso e a aguardar julgamento. Como era de Guimarães, foi transferido para o Porto, ficando na Casa de Reclusão, à rua de S. Brás no Porto. Na altura eu trabalhava no centro da cidade do Porto e tinha duas horas para almoçar, o que possibilitava lá ir visitá-lo uma vez por semana. Ajudei-o naquilo que era possível. O Luís Martinho ex-alferes da nossa companhia, trabalhava comigo na Tranquilidade na secção de contencioso. Conhecia vários advogados e conseguiu contratar um que o foi defender no julgamento, o que veio a acontecer. Realizado este, voltou a ser libertado e o rapaz provavelmente lá casou



35 - CHUVEIRO DO ABRIGO DE MORTEIROS

Habitualmente tomava banho neste chuveiro. Um dia após o duche, coloquei a toalha à cintura para ir para o meu abrigo vestir-me. Nesse momento começa uma flagelação. Só tive tempo de saltar para dentro do abrigo do morteiro, completamente nu, pois a toalha caíra ao chão. Era época das chuvas e como o abrigo estava enterrado no solo, talvez com um metro de profundidade, a água dava pelos joelhos. De imediato chegou o apontador e outro militar para ripostar ao fogo. A minha missão foi de municiador. Quando uma granada saía, o chamado prato onde assentava a base do tubo do morteiro, levantava e ao baixar salpicava água enlameada, até para fora do abrigo. Escusado será dizer que fiquei da cor do chocolate.
Passada a tempestade fui tomar outro duche.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26743: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (9): Messe de sargentos; O Correio; A Enfermagem; As Transmissões e A Ferrugem

Guiné 61/74 - P26769: A nossa guerra em números (29): nos quartéis do mato, dentro do arame farpado, a malta consumia em média, por ano e "per capita" , 21 litros de... álcool puro (14 em vinho, 5,4 em cerveja, 1,6 em bebidas destiladas)... (Aníbal Silva / Luís Graça)



O Luís Dias, ex-alf mil,  CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, 1971/74) dizia-nos, em 2010, que ainda tinha lá em casa "5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné"... Eram elas "uma 'President', uma 'Something Special', uma 'Dimple', uma 'Smugler' e uma 'Logan' (conforme foto...). Umas autênticas belezas". (*)

E acrescentava:

 "Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas 'meninas' em conformidade? Outros dirão que não é lá muito de beber e que, por tal facto, foi deixando andá-las lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, também ao meu tio Armando – este sim um grande apreciador – e fui ficando com outras e, olhem, ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ia-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos. (...) Vou abrir a 'Dimple' quando fizer 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue,  e as outras serão para outras 'special ocasions' ” (...).

Comentário do editor LG: A Dimple já se foi!... E não faltarão ainda essas ocasiões outras especiais: os 80, os 90, os 100 anos... O uísque bom e velho não se estraga...

Foto (e legenda): © Luís Dias (2010). . Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Quais os artigos que mais se consumiam nas cantinas da tropa, no mato, na Guiné ?

Temos algumas indicações, a avaliar por uma pequena amostra das vendas (mensais)  na cantina da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), de acordo com os dados do balancete que nos foi fornecido pelo nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-fur mil vagomestre.(**)

Os dados respeitam às vendas no mês de maio de 1970. A companhia tinha 150 homens. Não havia subunidades adidas (a não ser um Pel Caç Nat no início da comissão). Por outro lado, só havia uma cantina / bar, embora houvesse refeitório (para as praças) e messe (para sargentos e oficiais).

Os artigos então mais vendidos foram (em unidades) (> 50):

  • Cerveja 0,3 l > 3977 (garrafas):
  • Tabaco Porto > 1034 (maços);
  • Coca-cola > 1402 (latas);
  • Tabaco SG > 754 (maços);               
  • Fósforos > 718 (caixas);
  • Leite c/ cacau 411 > 595 (embalagens);
  • Tabaco Português Suave > 395 (maços);
  • Cerveja 0,6 > 268 /garrafas);
  • Laranjada Shellys > 223 (latas);
  • Bacalhau > 96 (quilo ? embalagem ?);
  • Água Castelo > 65 (garrafas);
  • Sumol > 53 (garrafas ou latas);
  • Pilhas 1,5 v > 51


2, Se agruparmos estes itens por géneros (cerveja, tabaco, refrigentes, bebidas destiladas),  temos:


(i) Cerveja (0,3 l e 0,6 l) > 4245 garrafas (equivalente a 1353,9 l):

(ii) Tabaco (todas as marcas) > 2215 maços:

(iii) Refrigerantes (coca-coca e sumos) > 1680,5 (latas / embalagens)

(iv) Bebidas destiladas (uísque, gin, vodca, aguardente...) > 72,5 garrafas de 0,75l.


3. Admitindo que o mês de maio não era um mês "atípico" do ano, em matéria de consumo na cantina (estava-se no início da época das chuvas, já se saía menos vezes para o mato, embora no tempo seco, a partir de outubro, se pudesse beber mais cerveja...) podemos tentar calcular um valor médio anual "per capita" destas 4 categorias de bens consumidos:


(i) Cerveja:

  • 1353,9 l a dividir por 150 homens (=9,026 l) e a multiplicar por 12 meses, dá um consumo "per capita" anual de 108,3 l;
  • este valor pode estar subestimado; de qualquer modo, 108.3 l  "per capita" era já um valor seguramente muito superior à média nacional de 1970, e mais do dobro do consumo atual (em 2022, foi de 53 litros, segundo dados da European Beer Trends);

(ii) Tabaco:

  • 2215 maços de cigarros por mês dá uma média anual "per capita" de 177,2 maços;
  • é peciso ter em conta  que nem toda gente fumava: a prevalência de tabagismo entre homens com 15 anos ou mais anos de idade, em Portugal,  era estimada entre 40% e 50% em meados da década de 1970; 
  • portanto, aqueles de nós que fumavam, consumiam pelo menos um maço de cigarros por dia;

(iii) Coca-cola e sumos (refrigerantes):

  • 1680,5 latas ou embalagens num ano:  83,4 % corresponde à coca-cola... 
  • consumo anual "per capita" da coca-cola (=1402 x 12 =16824) seria de 112 latas; 
  • recorde-se que era uma bebida  proibida na metrópole, por teimosia de Salazar e das autoridades de saúde: além de ser vista  como um símbolo do ostensivo estilo de vida americano, haveria também um "argumento de saúde pública": além de poder ser facilmente associada à cocaína  ( e à "droga em geral"), o elevado teor de cafeína podia criar "habituação";
(iv) Uísque, gin, vodca, aguardente e outras bebidas destiladas:

  • temos um consumo mensal de 72,5 garrafas de 0,70l (ou de 0,75l, nalguns casos), o que dá 870 num ano;
  • a  maior parte é uísque de várias marcas =61 (84 %);
  • o restante: brandy (Macieira)= 4,5; gin = 6; vodca=1;
  • é mais difícil é saber o consumo destas  bebibas "brancas" (muito mais caras na metrópole) porquanto havia quem comprasse uísque  (mas também conhaque) para fazer "stock" e levar para casa, nas férias ou no final da comissão;
  • apesar de ser mais barato (no CTIG), o uísque (e o conhaque) era ainda um artigo de luxo para a maior parte da malta (as praças); mas era era também uma mercadoria muito apreciada; 
  • temos mais de 60 dezenas de garrafas de uísque vendidas por mês (720 por ano), incluindo o consumo avulso, na cantina (ao copo, com água mineral e gelo, se o houvesse) 
4. Mais difícil ainda é estimar o consumo de "álcool puro", per capita, anualmente...


(i) Vinho:

  • além destas bebidas (cerveja e bebidas brancas), os militares portugueses tinham direito a um copo de vinho à refeição; e  podiam também comprar na cantinha vinhos de marca como o Mateus Rosé ou o vinho verde branco Aveleda, Três Marias, Lagosta, etc.... (Vamos desprezar esses consumos, o vinho engarrafado era caro, a alternativa era a cerveja);
  • se cada militar bebesse 1 copo de vinho (200 ml) à refeição (almoço e jantar), ao fim de 365 dias seriam 140 litros;
  • admitindo que o vinho fornecido pela Intendência não ultrapassava os 10 graus, temos, um volume de álcool puro de 14 litros... (o vinho era mau e "batizado". toda a gente se queixava):

(ii) Cerveja:

  • sabendo que a cerveja Sagres tinha/tem 5º de teor alcoólico, o valor de 108,3 l consumido anualmente por cada militar correspondia a 5,415 l de álcool puro;

(iii) Bebidas destiladas:

  • o consumo anual médio, por companhia, poderia ser estimado (por baixo...) em  870 garrafas (0,70l, a 40º de teor alcoólico);
  • a dividir por 150  homens corresponderia a  5,8 garrafas (pouco mais de 4 litros);
  •  4060 ml x 0,40 (grau alcoolíco, médio)  = 1624 ml de álcool puro;


(iv) Álcool puro:

  • Somando o vinho (14 l), a cerveja (5,4 l) e as bebidas destiladas (1,6), são 21,0  litros no mínimo de álcool puro "per capita";
  • claro que aqui temos a velha história da falácia da média estatística: metade não fumava, mas grande parte bebia; o álcool era uma necessidade fisiológica e psicológica... nas condições de isolamento e de guerra em que se vivia.

5. Agora com a ajuda da Gemini IA /Google, acrescente-se em jeito de comentário:

  • de acordo com as estimativas mais recentes do SICAD (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências), referentes a 2019, o consumo anual per capita de álcool puro em Portugal (para a população com 15 ou mais anos) era de 12,1 litros;
  • este valor inclui o consumo de vinho, cerveja e bebidas destiladas, tanto o consumo registado como uma estimativa do consumo não registado, e exclui o consumo por turistas;
  • note-se que Portugal apresenta um dos consumos de álcool "per capita" mais elevados entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico).

De qualquer modo estes números, nomeadamente  sobre o consumo de bebidas alcoolólicas, têm que ser lidos e analisados com muitas reservas. 

Baseámo-nos no consumo de um só mês (maio de 1970) e de uma única subunidade de 150 homens (CCAV 2483, aquartelada na região de Quínara)... 

Os resultados são extrapolados... Precisamos de os confrontar com outros dados de outras fontes de informação (balancetes das cantinas de outras companhias, fornecimento mensal / anual da Intendência, etc.). 

Em todo o caso, estes números (***) ajudam-nos a ter uma ideia aproximada da "nossa grande sede", a  que pássavamos/passámos no CTIG, ao longo dos 22, 23, 24 meses de comissão... 

O tema do álcool em tempo de guerra é delicado mas não é tabu... Temos 45 referências a este descritor no nosso blogue. Mais de dois terços da nossa malta bebia, com maior ou menor moderação... E alguns já aqui admitiram, sem bravata nem falso pudor, que sim, que também lá apanharam alguns "pifos... daqueles de caixão à cova"... (AS/LG)
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Notas do editor LG:


(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)

(**) Vd. poste de 4 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26764: (Ex)citações (432): Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Vd. também 2 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26754: (In)citações (269): Quem se lembra destes preços? (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

(***) Último poste da série > 2 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26644: A nossa guerra em números (28): Ainda a nossa 'adorável' ração de combate, nº 20...(que dava 3 refeições para um homem, por dia, no mato)

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26768: Notas de leitura (1794): Memórias Minhas, por Manuel Alegre; Publicações Dom Quixote, Março de 2024 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
As memórias de Manuel Alegre incluem referências a encontros com Amílcar Cabral em Argel, terá sido numa emissão da Voz da Liberdade que Amílcar Cabral concedeu uma entrevista a uma emissora portuguesa. O detentor do Prémio Camões recorda o modo como o dirigente revolucionário dava apreço aos Descobrimentos portugueses, como, quando Marcello Caetano sucedeu a Salazar, numa conferência de imprensa em Argel, Cabral gerou perplexidade ao dizer que estava disposto a ajudar Marcello Caetano a ser um De Gaulle português; e, por fim, uma conversa havida com Cabral a propósito de alguém querer atentar contra a sua vida, ele terá dito algo que repetirá no ciclo de conferências havidas para quadros do PAIGC em Conacri, em novembro de 1971, algo como se um dia eu for morto será por alguém do meu próprio partido, provavelmente um militante da primeira hora, o que não era o caso de Inocêncio Cani, com um histórico de combatente, antigo responsável pela Marinha do PAIGC, é ele quem dá o primeiro tiro em Amílcar Cabral, foi outro sublevado quem lhe deu o tiro de misericórdia.

Um abraço do
Mário



Amílcar Cabral nas memórias de Manuel Alegre

Mário Beja Santos

A obra intitula-se Memórias Minhas, por Manuel Alegre, Publicações Dom Quixote, março de 2024, uma longa viagem de lembranças dos ancestrais, da vida em Águeda, a aprendizagem escolar, a passagem por Lisboa e pelo Porto, os estudos em Coimbra e os primeiros passos na intervenção política, na vida teatral no TEUC; as eleições presidenciais de 1958, que mudaram a sua vida; e depois Mafra, a ilha de S. Miguel e até alguns sonhos de rebelião; a ida para Angola e a vida militar, segue-se a prisão em Luanda, regressa a Coimbra, não para de intervir, mesmo fazendo exames, é membro do PCP; impõe-se partir para o exílio, assim chega a Argel, compete-lhe preparar as emissões da Voz da Liberdade, que ele assim apresenta:

“A Voz da Liberdade foi sempre uma voz portuguesa livre. Dei-lhe dez anos da minha vida, dez anos de oiro da minha juventude, dias e noites a escrever e a preparar a emissão. Em certas noites eu tinha a sensação de que estava a falar para mim mesmo e a combater o meu próprio desalento. Mas depois lá vinha de novo a esperança, a luta renascia, as vozes chegavam de Portugal e ecoavam na nossa própria voz.”

É neste ponto que ele insere a entrevista que fez a Amílcar Cabral, a primeira que o líder do PAIGC concedeu a uma emissora portuguesa. 

“O que mais surpreendeu e tocou quem a ouviu foi o facto de ele ter dito o que a esquerda portuguesa, por complexo, não tinha então coragem de dizer. Cabral exaltou os Descobrimentos portugueses e afirmou: ‘Não é mentira, não, os portugueses deram de facto novos mundos ao mundo e aproximaram povos e continentes’. E sublinhou que o fascismo e o colonialismo estavam a desunir o que a História tinha aproximado. Citou versos de Camões e contou que celebravam algumas datas históricas portuguesas, entre elas o 5 de outubro de 1910. Foi uma entrevista muito inteligente, que procurou quebrar tabus e sublinha que, para ele, o principal aliado no combate pela independência era o Povo Português e a sua luta pela liberdade.”

É neste contexto memorial que Amílcar Cabral aparece nas recordatórias seguintes.

O primeiro texto intitula-se “Uma conferência de imprensa”. Segue-se a transcrição:

“Quando Marcello Caetano sucedeu a Salazar, Amílcar Cabral deu uma conferência de imprensa em Argel. E a certa altura, surpreendeu e confundiu os jornalistas:
- Estou disposto a ajudar Marcello Caetano a ser um De Gaulle português.

Também nós, representantes da Frente Patriótica, ficámos perplexos. Retirei-me da conferência e escrevi um bilhete a Amílcar Cabral dizendo que não compreendia aquela afirmação, era uma grande ajuda ao pseudo-reformismo do sucessor de Salazar, que mudava os nomes às coisas para que tudo ficasse na mesma.

Umas horas depois, Amílcar Cabral veio a minha casa e disse-me que a nossa amizade não era uma amizade circunstancial, mas algo que tinha importância para além de nós. E acrescentou:
- Tens de compreender que eu estou a lutar pela independência do meu país. Essa é a nossa prioridade, não a queda do regime em Portugal. Se o Governo de Caetano quiser negociar, eu estou pronto a fazê-lo. Não é contra vocês. É pelo meu país e pelo futuro das relações entre os nossos povos.”


E segue-se o texto intitulado “Premonição”, como segue literalmente:

“Por vezes chegavam desertores portugueses da Guiné. As autoridades argelinas entregavam-nos à Frente Patriótica e depois seguiam para a Europa. A maior parte não desertava por razões políticas, mas para fugir de eventuais punições de delitos cometidos. Eram acolhidos pelo PAIGC em Conacri e depois encaminhados para Argel. Certa vez chegou-nos a informação de que um desses desertores contava ter pensado cortar a cabeça a Amílcar Cabral para regressar com ela a Bissau.
Piteira Santos e eu contámos o caso a Amílcar Cabral. Ele puxou os óculos para a testa, num gesto que lhe era peculiar, olhou-nos muito direito e disse:
- Se um dia for morto será por alguém do meu próprio partido, provavelmente um fundador.

Quando soube que ele tinha sido assassinado por Inocêncio Cani, fundador do PAIGC, senti um arrepio. Lembrei-me daquela frase e fiquei com a sensação de que Amílcar Cabral estava a pressentir a sua própria morte. Sabia que podia ser morto e até, talvez, por quem [Inocêncio Cani não era fundador do PAIGC, era um veterano da guerrilha, chegou a ser comandante da Marinha do PAIGC, fora castigado e afastado do Conselho Superior de Luta, deu o primeiro tiro a Amílcar Cabral, segundo a versão de Oscar Aramas-Oliva, o embaixador cubano em Conacri, foi outro sublevado, de nome Bacar, quem matou Amílcar Cabral".


Foram estas as referências que encontrei a Amílcar Cabral, a segunda parte deste livro das memórias fundamenta-se essencialmente a sua atividade política e poética depois do 25 de Abril.

Amílcar Cabral, pintura em acrílico por Noronha da Costa
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Nota do editor

Último post da série de 29 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26741: Notas de leitura (1793): Um Trajeto de Vida, por Rui Sérgio; 5 Livros, 2021 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26767: História de vida (61): Eugénia Sousa (Ribeira Grande, Stº Antão, 1935 - Sesimbra, 2025): cap enf pqdt ref, cofundadora da Escola de Serviço de Saúde Militar (ESSM)


Capa do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014), 439 pp (com a devida vénia)



Eugénia do Espírito Santo Sousa, cap enf pqdt ref (Ribeira Grande, Santo Antão,
Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025)




1. Infelizmente não temos nenhum regosto da passagem da Eugénia Sousa pelo TO da Guiné. Ela acaba de morrer, aos 89 anos (*). Publicou dois pequenos textos no livro supracitado, de que também é coautora. Foi enf pqdt durante 12 anos. Ainda estava na FAP no início dos anos 80, com o posto de capitão. Pertenceu ao grupo dos fundadores da Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM). Solteira, vivia em Sersimbra.

A ESSM foi criada pelo Decreto-Lei nº 266/79,de 2 de agosto, como estabelecimento de ensino técnico-militar, funcionando na directa dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Foi herdeira das, entretanto extintas, Escola de Enfermagem da Armada e Escola do Serviço de Saúde do Exército. O seu primeiro regulamento foi aprovado pela Portaria n.º 582/80, de 10 de setembro.

A Eugénia deixou este apontamento biográfico no livro acima citado, pp. 40/41, que tomamos a liberdade de reproduzir.

  •  nasceu na ilha de Sto. Antão, na vila (hoje cidade) de Ribeira Grande, também conhecida por Povoação (**);
  • teve uma infância e adolescência difíceis;
  • só aos 20 anos pôde viajar para Portugal, tendo-se fixado em Penafiel:
  • tirou o curso de auxiliar de enfermagem no Porto e depois o curso geral de enfermagem, em Lisboa;
  • em 1962, fez o 2º curso de enfermeiras-paraquedistas.

Recorde-se que, em 9 cursos (1961, 1962, 1963, 1963, 1964, 1966, 1967, 1970, 1972 e 1974) formaram-se 46 enfermeiras paraquedistas, as primeiras mulheres a integrar as fileiras deas Forças Arnmadas Portuguesas.



Armas da ESSM

 


In "Nós, enfermeiras paraquedistas", op. cit, 2014, pp. 40/41.

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Notas do editor LG:


(**) Último poste da série > 20 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26705: História de vida (60): A esloveno-americana Vilma Kracun, n. 1947, membro nº 900 da nossa Tabanca Grande (João Crisóstomo, grão-tabanqueiro nº 432)

Guiné 61/74: P26766: Efemérides (454): O fim da guerra do Vietname foi há 50 anos ("Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975)

 












Recortes de imprensa, "Diário de Lisboa", 30 de abril de 1975, 2ª ed., pp. 1 e 20.

Fonte: Instituição: Fundação Mário Soares e Maria Barroso |  Pasta: 06822.172.27196 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18752 | Ano: 55 | Data: Quarta, 30 de Abril de 1975 | Directores: Director: António Ruella Ramos; Director Adjunto: José Cardoso Pires | Edição: 2ª edição | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa  


1. Há 50 anos a agência Reuters e o Diário de Lisboa, de 30/4/1975, noticiavam o fim da guerra do Vietname.  Uma guerra com 3 décadas, que foi um pesadelo para todos: os vietnamitas e os outros p0vos da Indochina, os franceses, os americanos... (e demais povos e todo o mundo, já que não foi  uma mera guerra regional, desenrolou-se em pleno clima de "guerra fria"...).

Foi também uma guerra que esteve no nosso "imaginário"... Mais do que isso: também sobrou para nós... Os mísseis terra-ar Strela, por exemplo, já tinham sido testados no Vietname... bem como a passagem da guerrilha à guerra convencional (no caso, port exemplo,  da Guerra dos 3 G: Guidaje, Guileje, Gadamael)...

E havia até quem, mal ou bem, na nossa geração, comparasse a guerra da Guiné com a do Vietname... É evidente que foram duas realidades incomparáveis: pelos meios bélicos empregues, em homens e armas, pela extensão do território, pela violência, pelo nº de baixas, etc.; as nossas guerras foram de "baixa intensidade". Os militares norte-americanos tiveram cerca de 58 mil mortos, e perto de 300 mil feridos. As perdas entre os vietnamitas, civis e militares, do Norte e do Sul são impossíveis de calcular (há estimativas que apontam para 2 a 4 milhões).

Em 30 de abril de 1975 estávamos no rescaldo das eleições, realizadas uns dias antes (em 25 de abril) para a Assembleia Constituinte.  As primeiras eleições livres!... Tinha havido o 11 de março e depois a fúria das nacionalizações...Mas já antes o 28 de setembro de 1974, que alguns historiadores apontam como o  início do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). 

O "verão quente de 1975", já estava em banho maria... E em Angola, a 6 meses da independência,  já havia crescentes sinais da brutal guerra civil que se iria desencadear depois do 11 de novembro de 1975 e  prolongar durante anos e anos até 2002 (com escassos períodos de paz podre pelo meio). 

Os últimos militares portugueses em Angola regressaram a 10/11/1975, na véspera da "dipanda". A sangria de quadros foi brutal... Um amigo meu, angolano, médico, disse-me que nesse dia, histórico, o número de médicos que restavam no território era der 26...

Cinquenta anos depois perguntamo-nos, ingenuamente: porquê ? para quê ? como foi possível ?  A guerrra do Vietname, a guerra da Guiné, a guerra de Angola... A(s) guerra(s)... 

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 26 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26732: Efemérides (453): Lourinhã, 25 de abril de 2025: cerimónia de homenagem aos combatentes da guerra do ulltramar / guerra colonial

Guiné 61/74 - P26765: Parabéns a você (2373): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Gandembel e Nova Lamego, 1968/69)

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Nota do editor

Último post da série de 3 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26758: Parabéns a você (2372): Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAV 3366/BCAV 3846 (Susana e Varela, 1971/73)

domingo, 4 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26764: (Ex)citações (432): Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

1. Mensagem do nosso camarada Aníbal José Soares da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), com data de 2 de Maio de 2025:

Caro Carlos Vinhal
Relativamente ao Post de hoje[1] e como não sei dar resposta, via Blogue, às perguntas que me são feitas, passo a responder:

1 - Gosto de arquivar para mais tarde recordar e por vezes surpreender os amigos com peripécias vividas há anos;

2 - Quanto aos preços de revenda que se praticavam na cantina de Nova Sintra, em anexo envio o "anexo" relativo aos lucros, do balancete de 31 de Maio de 1970, uma vez que não tenho o relacionado com o mês de Junho (falha indesculpável). Fico a aguardar a vossa conversão dos valores referidos, a exemplo da que já enviaram e que muito apreciei.

3 - Relativamente à falta de águas engarrafadas, aqui entrava a funcionar o mercado da oferta e da procura. Como a procura era pouca, a oferta tinha de corresponder. Refiro-me às Águas Castelo que em Maio/70 só foram vendidas 65 garrafas, o que equivale a dizer que só 1/3 do pessoal as consumia. Lembro que chegamos a ter água engarrafada da marca francesa "Perrier", um luxo em tempo de guerra e uma vez que era cara deixou de ter compradores. Já agora lembro também a "Água Tónica Ross"

Para futuros e melhor contacto agradeço que me envies por mensagem o teu número de telemóvel.

Um abraço
Aníbal Silva


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Nota do editor

(1) - Vd. post de 2 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26754: (In)citações (269): Quem se lembra destes preços? (Aníbal José da Silva, ex-Fur Mil Vagomestre)

Último post da série de 29 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26212: (Ex)citações (431): Ainda o caso do nosso saudoso António da Silva Baptista (1950-2016), o "morto-vivo": nas vésperas do "verão quente de 1975" era herói da literatura de cordel nas feiras e romarias do Norte

Guiné 61/74 - P26763: In Memoriam (546): Eugénia do Espírito Santo Sousa, cap enf pqdt (Ribeira Grande, Santo Antão, Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025): era do 2º curso (1962) e passou pelos 3 teatros de operações


 Eugénia do Espírito Santo Sousa,  cap  enf pqdt (Ribeira Grande, Santo Antão, 

Cabo Verde, 1935 - Sesimbra, 2025)


1. Faleceu, no Hospital Militar das Forças Armadas,  em 28 de abril passado,  aos 89 anos (iria completar os 90 em 13 de novembro próximo), a Eugénia (*). 

Foi enfermeira paraquedista durante 12 anos, passou pelos TO de Angola, Guiné e Moçambique. Fez parte do 2º Curso (1963) (que formou 5 enfermeiras pqdt).  

Foi nomeada em 1982 para prestar serviço, a partir de 1/1/1982,  na Escola do Serviço de Saúde Militar, com o posto de "capitão enfermeiro paraquedista (001373-A)", nos termos do Decreto-Lei nº 266/79, de 2 de agosto (**), e da Portaria nº 257/81, de 11 de março.

2. A notícia, triste, foi-nos dada pela Maria Arminda Santos, pessoalmente e pela sua página no Facebook.  (A Arminda, do 1º curso, 1961, é a decana das antigas enfermeiras paraquedistas, e membro, nº 500,  da nossa Tabanca Grande, desde 23/5/2011).

O corpo da Eugénia repousa no cemitério de Aiana, Sesimbra, no talhão dos combatentes, segundo informação do Aristides Santos, nosso amigo no Facebook e antigo 2º srgt pqdt do Regimento de Caçadores Paraquedistas (que deixou em 1970).

A Eugénia participou, com dois textos, no livro "Nós, enfermeiras paraquedistas", 2ª ed., org. Rosa Serra, prefácio do Prof. Adriano Moreira (Porto: Fronteira do Caos, 2014). 

Reproduzimos aqui, em sua homenagem, o que ela escreveu, no Cap XII ("Olhando para trás...", pág. 391) (com a devida vénia). 

Oportunamente publicaremos um outro texto seu, autobiográfico. Por informação da Maria Arminda, sabemos que a Eugénia não tinha filhos, ficou solteira, tendo apenas uma sobrinha (que vive nos EUA e veio ao funeral).


(Seleção, digitalização, edição da foto: LG)


Sesimbra > Cemitério de Aiana  > 2 de maio  de 2025 > No funeral da Eugénia, as antigas camaradas paraquedistas, da esquerda para a direita: (i)  Lourdes Lobão (é já do último curso, o 9º, de 1974, não foi ao Ultramar); (ii) Aura; (iii) Arminda: (iv) Cristina; e (v) Giselda.

Foto: Serrano Rosa (com a devida vénia)

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Notas do editor LG:


(**) Decreto-Lei n.º 266/79, de 2 de agosto. Artigo 1.º É criada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM), que será um estabelecimento de ensino técnico-militar, funcionando na directa dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA).

Guiné 61/74 - P26762 Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VI

Foto nº 1 > O alf mil Jorge Pinto, de oficial de dia



Foto nº 2 e 2A > A brigada de limpeza


Foto nº 3 e 3A > A equipa de manutenção e reparação da rede de arame farpado. O alf mil Jorge Pinto "fiscaliza" o trabalho.


Foto nº 4 e 4A > Uma saída para o mato


Foto nº 5 > Regresso de um patrulhamento ofensivo no subsetor de Fulacunda. O militar da frente transporta, ao ombro esquerdo, duas granadas de morteiro 60.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Mais fotos sobre o quotidiano dos militares no aquartelamento de Fulacunda: limpeza da parada, manutenção e reparação da rede de arame farpado, patrulhamentos ofensivos... Tudo isso está bem documentado nestas excelentes imagens, obtidas a partir dos "slides", digitalizados, do Armando Oliveira.

Fotos (e legendas): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blog Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. O marcoense Armando Oliveira foi 1º cabo at inf, 3ª C/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), tendo pertencido ao 3º Pelotão, comandado pelo nosso amigo, camaradada e grão-tabanqueiro Jorge Pinto. Era o apontador da metralhadora pesada Breda, instalada no alto do fortim. Também exercia, no quartel, a sua profissão de barbeiro. E, como "hobby", fazia fotografia.

É membro recente da nossa Tabanca Grande (nº 901). Tem página do Facebook. Mora no Porto. Já voltou à Guiné-Bissau 4 vezes, tendo sempre passado por Fulacunda. Pretende voltar lá em 2026

Como na maior parte dos casos as fotos que ele nos disponibilizou,  não trazem legendas, temos que as tentar reconstituir, e contar com a ajuda dele como dos outros camaradas "fulacundenses" que também fazem parte da Tabanca Grande: o Jorge Pinto e o José Claudino da Silva. (Bem como do Fernando Carolino, que ainda está com um pé dentro e outro fora.)

2. Mais um apontamento sobre Fulacunda e o seu historial... Recorde-se que ainda antes do ínicio da guerra (que, segundo a "narrativa" do PAIGC, começaria com o ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963), as regiões do sul, Quínara e Tombali, a partir de meados do ano anterior, já eram  alvo de sabotagens de linhas telefónicas, cortes de estradas e destruição de pontes, além de outras "atividades subversivas" (c0mo a propaganda, o aliciamento e a intimidação das populações). 

Fulacunda acabou por ficar isolada, perdeu o estatuto de sede de circunscrição (transferida para Tite) e a sua população ficou dispersa,  a maior parte no mato, sob controlo do PAIGC Em 3 de julho de 1963, na estrada Fulacunda-São João, o IN colocou a primeira mina A/C.

De acordo com a Directiva nº 3 do Comandante-Chefe, de 22 de maio de 1963, "as  regiões de Quinara e Fulacunda estão, na sua quase totalidade, fora do controlo das autoridades dada a intensa actividade desenvolvida pelo lN"

Mais concretamente:
  • "Grande maioria das tabancas estão abandonadas refugiando-se a população no mato, embora recolha durante a noite a algumas das não destruídas;
  • A população, em parte coagida, em parte de livre vontade, colabora com os terroristas, nomeadamente na colocação de abatizes e no racionamento de géneros alimentícios, este para fazer face às dificuldades que certamente surgirão na época das chuvas que se aproxima;
  • Tem criado dificuldades à movimentação das NT pela obstrução sistemática das vias de comunicação e montagem de emboscadas;
  • Tem atacado embarcações civis e até militares.
  • Já saquearam casas comerciais (S. João)." (...)

Os principais chefes de guerrilha referenciados na altura eram o Arafan Mané, o Gibril, o Malan Sanhá e o Quemo Mané. Em termos de armament0, o lN já dispunha "de pistolas e pistolas metralhadoras em quantidades apreciáveis e de elevado número de granadas de mão de muito boa qualidade".

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, 2014), pp. 100/101.
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Nota do editor LG:

Último poste da série > 1 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26751: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte V