
Roteiro de Bissau*… nem pouco mais ou menos!
Ao Luís Graça que no P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26) de hoje, 22 de Outubro de 2013, agradeço a referência a este humilde escrevinhador, mas tenho que dizer que foi de algum modo exagerada.
É certo que passei ali 25 meses e 10 dias, a memória ainda se aguenta bem, mas de vez em quando já há falhanços. Faz amanhã, 23 de Outubro, 45 anos exactamente que embarquei no UÍGE para a Guiné onde cheguei a 28 de Outubro, em rendição individual mas bem acompanhado do BCAÇ 2856, de um Pelotão da PM e de muitos outros camaradas também em rendição individual.
Foram de facto 25 meses passados num cerco alargado que nunca foi para além de Brá, da Bissalanca, de Safim ou João Landim. De Bissau, de facto conheci tudo e mais alguma coisa como por exemplo todas as Unidades Militares de Bissau, incluindo o HM 241, toda a cidade, o Cais que visitava sempre que chegava barco, mas também o Cais do Pidjiguiti, a Bolola e o Cemitério, a Antula, o Bairro da Ajuda com o seu “Estádio” dos Cajueiros e até o Pilão, como a malta dizia, de dia e de noite.
Bissau – Avenida principal em 1970 (Foto arquivo do autor - Direitos reservados)
Tenho ouvido falar, e no tal Post é o caso também, de muito do comércio de Bissau e eu próprio também já tive oportunidade de o fazer. Mas penso que nunca falei da casa onde trabalhava nas horas vagas, a COSTA PINHEIRO, de um parente meu também ribatejano que tinha o estabelecimento perto da Amura e do Grande Hotel, ao lado duma casa de fotografia, a AGFA.
A COSTA PINHEIRO era a maior casa em nome individual da Guiné. Maior do que ela só a CASA GOUVEIA mas essa era da CUF e está tudo dito.
A COSTA PINHEIRO importava tudo, desde o camião ao alfinete. Era assim. É verdade. Era o representante da Toyota, directamente do Japão.
Aqueles grandes camiões que vinham em quites eram montados no quintal da sede, escritório e casa do tal meu parente, na Av. Arnaldo Shulz, em frente ao Largo do Colégio Militar ali perto da PIDE. Mas eram também as carrinhas Stout, as Hilux, os Corolas e os Crowns que eram o topo de gama antes de ter aparecido o Celica, tudo Toyota.
Mas importava também a Suzuky, grandes motorizadas e até motas. Importava também a Sony, desde o pequeno rádio de bolso até aos grandes gravadores TC 500 e TC 750, todos de fita mas com um poder de gravação extraordinário e um som fantástico. Mas também importava do Japão as aparelhagens JVC Nivico e as máquinas fotográficas Fujica e os relógios Seiko.
Da França importava os gira discos Garrard, de Inglaterra toda a linha de produtos de Beleza Max Factie, da Checoslováquia as louças e porcelanas da Prago Export, dos Estados Unidos os discos da Ansónia, da Itália os Tapetes de parede da Issing Trading, de Portugal as esferográficas BIC, os sabonetes Palmolive e as Pastas Colgate.
Era um mundo aquela casa que não só vendia ao público mas também fazia revenda especialmente para alguns locais no mato.
Tantas letras das vendas a prestações das motorizadas e dos carros que eu preenchi. Tanta carta que ali escrevi para registar as motorizadas junto da Câmara Municipal de Bissau e as viaturas junto da Fazenda.
Bissau 10 de Junho de 1969 – Estádio da UDIB
Nas vésperas de avião, os serões passavam-se a escrever cartas para a Metrópole e essas cabiam-me a mim, mas também em Francês e essas era à conta da mulher do meu parente que era francesa e as que tinham que ser escritas em Inglês era ela quem as escrevia. Não havia computadores mas havia várias máquinas de escrever e de calcular ali naquela casa. E se a memória não me falha, as de escrever, eram as portuguesas Messa.
Ajudei a ornamentar e a instalar o som para festas de final do ano na Associação Comercial, junto à praça do Império.
Ajudei a montar o Stand também na Associal quando ali foi realizada a 1ª Feira Comercial de Bissau que ali se manteve durante uma semana.
Estreei centenas de automóveis, depois de desalfandegados, a caminho do armazém.
Enfim, foram tempos passados que deixaram saudades e não voltam mais.
E as saudades ainda são maiores quando contactamos com pessoas de lá ou que lá estiveram e que nos contam a realidade de agora. Ainda ontem estive com um amigo meu, médico aqui no Centro Hospitalar do Médio Tejo, natural de Bissau, de onde tinha regressado na véspera depois de ter passado alguns dias de férias na sua terra. Fiquei desanimado com o que ele me disse. Avenidas cheias de buracos. Falta de luz e até de água por vezes, edifícios antigos a cair, etc, etc.
Mas falámos da Manutenção Militar onde ele teve o seu primeiro emprego, do Serviço de Material ali ao lado e também do Cemitério da Bolola também ali encostado. E teve que lhe vir uma lágrima ao olho quando disse que tinha estado ao pé da campa do irmão no dia anterior.
De qualquer forma, e apesar de tanto tempo passado, ainda não perdi a esperança de uma dia ir à Guiné.
Isto não foi um roteiro, mas foram as recordações a virem de novo ao cimo do capacete.
Um abraço para todos os “camarigos” e já agora perdoem-me se houver aqui alguma inexactidão própria de tantos anos passados.
Carlos Pinheiro,
Torres Novas, 22 de Outubro de 2013
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Notas do editor
(*) Vd. poste de 20 DE ABRIL DE 2011 > Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)
Último poste da série de 27 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12209: Memória dos lugares (247): Galomaro e Cutia, ontem e hoje (António Tavares / José Teixeira)