Caro Luís e restante equipa editorial
Quando da minha adesão à Tabanca Grande, enviei algumas fotos relativas ao encontro pacífico da minha companhia CART 6250 com os militares do PAIGC. O Luís no comentário que fez, achou que seria interessante relatar a minha experiência desse encontro.
Então aí vai, mas as lembranças não estão muito nítidas. Fica ao vosso critério a publicação do texto. Se acharem que não tem qualidade, cortem.
Já me ia esquecendo, quando enviamos um texto qual é a melhor forma de nos identificarmos? Só o nome chega? Bom, desta vez, vou indicar, também, o número do primeiro poste que é P4745.
Um abraço
C.Farinha
Junho de 1974 - Encontro com os militares do PAIGC
Segue um relato simples de como decorreu o primeiro contacto pacífico com militares do PAIGC que nos visitaram. As lembranças não estão muito nítidas mas, procurarei dar uma imagem do acontecido da forma como o vivi.
Não sei quais foram as razões para o PAIGC nos escolher para efectuar a visita, só o PAIGC poderá responder a essa questão, de qualquer forma penso que não será alheio a essa situação o facto de não haver quartel, propriamente dito, e a tropa viver misturada com a população. Como curiosidade, gostaria de acrescentar que o quartel/povoação de Mampatá foi visitado algumas vezes por jornalistas estrangeiros, devidamente assessorados pelo Comando do Batalhão de Aldeia Formosa, em que se procurava mostrar e valorizar a relação pacífica com a população em que, fisicamente, não havia barreiras ou qualquer tipo de segregação.
O golpe militar de 25 de Abril foi por todos nós sentido com mais ou menos intensidade dependendo da consciência política de cada um, contudo, para nós que já tínhamos 22 meses de comissão, esse facto ainda veio retardar mais a nossa substituição que, de facto, já não aconteceu tendo a Companhia sido concentrada nos arredores de Bissau, acho que o local se chamava Pujunguto, com menos condições que aquelas que tínhamos no mato, mas porque queríamos ir para casa aceitávamos tudo. Os sentimentos em relação ao 25 de Abril foram um misto de euforia contida, com alguma ansiedade à mistura.
Uma delegação do MFA veio à sede do Batalhão em Aldeia Formosa, no dia 16 de Maio segundo diz o camarada Carvalho (poste P3771**), que nos procurou explicar o novo rumo para o país e, aquilo porque todos suspirávamos, a comunicação do fim das hostilidades com o PAIGC.
Passada esta data, recebemos indicação para levantamento dos nossos campos de minas e, operacionalmente, a nossa actividade ficou reduzida a alguns patrulhamentos sempre nas redondezas do aquartelamento. Nesta actividade, se por acaso fossem detectados elementos do PAIG, a indicação era para não hostilizar.
No início de Junho de 1974, a povoação de Mampatá foi visitada por um Comissário Político do PAIGC que contactou com a população e militares africanos. Não me lembro se, oficialmente, a tropa foi informada desta visita.
Nos fins do mesmo mês uma força militar do PAIGC, penso que dois bi-grupos, vindo pela estrada/picada da Chamarra, chegaram próximo da povoação de Mampatá. Todos nós, militares, acorremos alvoroçados ao encontro dos nossos ex-inimigos com alguma curiosidade mas, sem receio.
Não alimentamos revanchismos ou qualquer tipo de vingança sem sentido porque, tanto nós como os militares do PAIGC, passámos por momentos maus, perdemos camaradas e vimos outros sofrer. Do que se tratava agora, era sarar as feridas abertas por anos de lutas entre os dois povos e encetar um novo relacionamento ajudando a construir um novo país emergente.
Já não me lembro como foi o primeiro contacto, sei que não houve gelo ou hesitações e se procurou comunicar. Pessoalmente, lembro-me que o militar com quem mais falei se chamava Fuam, acho que era este o seu nome, não sei se é assim que se escreve, identificou-se como comandante de bi-grupo (identificado na imagem). Lembro-me, ainda, que uma das conversas que tivemos foi saber se dos contactos que tínhamos tido na estrada Mampatá / Nhacobá, em quais é que tinha participado.
Como este encontro se realizava às portas da aldeia de Mampatá, convidámos os militares do PAIGC a entrar na povoação/quartel onde continuou a confraternização, nomeadamente com a população e militares africanos.
Além das bebidas oferecidas por nós directamente, foi dado arroz à população que o cozinhou e o distribuiu aos militares do PAIGC.
Houve troca de presentes e lembro-me, ainda, que o meu presente para o Fuam foi o meu isqueiro, naquela época ainda fumava, que me ofereceu um par de meias.
Já não me lembro de mais, vou ficar por aqui mas, se algum camarada que ler este texto tiver algo a acrescentar acho que o deve fazer. Desculpem as fotografias que não têm muita qualidade mas, mesmo assim, junto mais uma ou duas.
Fotos e legendas: © Carlos Farinha (2009). Direitos reservados
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4745: Tabanca Grande (166): Carlos Farinha, ex-Alf Mil da CART 6250, Mampatá e Aldeia Formosa, 1972/74
(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3771: Blogoterapia (86): Recordações da Guiné, nem sempre as melhores (António Carvalho)
1 comentário:
Caro camarada
Carlos Farinha
Saúdo-te pela tua descrição e o reviver da tua memória.
No meu tempo de Mampatá o Comandante do PAIGC do Sector era o MALAGUETA MAN. Que estava referenciado com cerca de 1200 efectivos na ZA. com base em SALANCAUR, com a missão de manter o corredor de MISSIRÃ aberto que era vital para o reabastecimento do IN.
No tempo da PSICO, pela altura de 1970, antes da morte dos 3 majores, houve troca de mensagens escritas deixadas no mato com o mesmo.
Naquele periodo acreditou-se que o
PAIGC ia abdicar da guerra e recebemos ordem de Bissau para conter as ostilidades.
Foi sol de pouca dura.
Um abraço
Mário Pinto
Nota: agradeço a autorização das fotos.
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