domingo, 16 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4826: Memórias de outros tempos (2): As épocas das chuvas (Jorge Teixeira/Portojo, ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054,Catió, 1968/70)


1. Mensagem de Jorge Teixeira (Portojo), ex-Fur Mil do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió, 1968/70, com data de 29 de Julho de 2009:


A época das Chuvas


Apanhei duas inteirinhas, mas provavelmente como toda a malta.

Oficialmente, ela deveria começar em meados de Maio e ir até meados de Novembro.

Eram um horror em várias razões. Quando atravessávamos as bolanhas, a parte superior ao fim de 4 ou 5 homens as terem passado, os restantes para se equilibrarem naquele lodo passavam tormentos, especialmente à noite. E quantos demos o trambolhão para dentro de água, que em alguns casos poderiam ser fatais, por afogamento. Sei do que falo.

Um dia, na minha primeira época, perguntei ao ainda ten. João Bacar Jaló, como era possível chover tanto. Se era costume aquela chuva toda. Disse-me ele, estamos ainda em seca. Precisamos de muita mais. Claro que mesmo habituado à chuva do Porto, aquilo parecia-me o dilúvio. Dias seguidos de chuva...
Normalmente antes da chuva começar a cair, chegavam os sons daquelas trovoadas terríveis. Nunca sabíamos se elas vinham dos céus ou da terra.
Na segunda época, no primeiro dia de chuva, que por acaso foi à noite, o meu amigo, companheiro de quarto e sargento do Pelotão Daimler 2045 -de que não me lembro o nome - correu para o descoberto a receber a chuva com todo o carinho e aos berros, que era para fazer bem à "lica". Se bem se lembram, alguns de nós criávamos no corpo uns borbulhas, que depois davam em manchas que nunca saíram do cabedal, -sei do que falo - e que eram pior que mordidela de mosquito ou daquelas baga-baga que apanhávamos quando roçávamos algum arbusto, pois coçávamo-nos até fazer sangue. Ele era achacado a essa doença da pele e recebeu a informação que com as chuvas a coisa passaria.
Acompanhei-o mas com um receio. Fui-me dirigindo para o meu posto de defesa, pois estava a cair uma trovoada daquelas lindas. Acreditem que na unidade quase ninguém deu fé. Pudera, eram Piras com apenas 3 meses de Guiné...Era o seu baptismo de chuvas e ainda não distinguiam as trovoadas umas das outras...
Também nos extasiávamos com as maravilhas da natureza. Quando acontecia estarmos no meio de uma bolanha e víamos ao longe o remoinho do tornado, a quantidade de relâmpagos e raios que apareciam de todas as direcções, uma luminosidade que deslumbrava, o barulho ensurdecedor das trovoadas que se vinham aproximando. E pior que tudo, tentar que o pessoal não corresse para se abrigar na mata mais próxima. Ufa, e quando ela começava a cair, 2 minutos depois estafamos piores que bacalhau demolhado. Porque esse precisava de pelo menos 3 dias e uma rezas de molho, não para dessalgar mas sim para que se ficasse pelo menos mole para se poder desfiar. Porque em posta ninguém o conseguia comer.
Um abraço,
Jorge Teixeira/Portojo
Fur Mil At Art
_____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

18 de Abril de 2009  > Guiné 63/74 - P4206: Memórias de outros tempos (1): Fur Mil Aguinaldo Pinheiro, o morto-vivo do BART 1913 (Jorge Teixeira - Portojo)

7 comentários:

Anónimo disse...

Jorge Teixeira
Recordas bem,muito bem.

O espectáculo luminoso naqueles céus,era na verdade digno de ver e apreciar,especialmente ao longe!!
Na mata...era um cagaço do caraças.!

E o acompanhar a chuvarada atrás ou à frente uns centimetros,sem que nos molhassemos e o proximo na fila ficar ,como dizes tipo bacalhau demolhado?

Luisd Faria

Anónimo disse...

pois é Jorge eu também fui um dos muitos que segui a receita pra curar a "lica" e olha que resultou só que me aconselharam a usar "omo" porque a soda caustica
é que fazia o serviço,queimava pra
burro mas resultou,poque o 1214
a célebre mistura, tintura com mercúrio ou cromo, ficava a milhas,
e os tornados a navegar?-nas desçaçôes apanhei alguns com os nossos marujos,nas "LDM" "LDP".
Abraço a todos os Camaradas.
José Nunes
Mec_Elect
Beng 447
Brá 68/70

Colaço disse...

Jorge relembras- me a lica , as matacanhas que no Cachil quase todos os elementos da c.caç. 557 foram atacados devido á falta de agua, consequente precária higiene, a mais cómica foi o alferes Madeira que pôs tintura de iodo directa na zona dos testículos, a seguir ele uf, uf, no meio da parada todo nu a correr aos saltos e gritos com todo o palavreado á mistura.
Quanto as chuvas só posso dizer abençoadas, era ver quase toda a companhia a tomar banho de chuveiro.
Tirei umas fotos que deviam ser giras mas foi um dos rolos que desapareceu quando foi a revelar.
Porque de Janeiro a Maio só os "privilegiados" e era só uma secção que ia a Catió para nos reabastecer de agua e mantimentos, uma ou duas vezes por semana podiam desfrutar dessa higiene pessoal em quantidade.
E também ao lava tudo como diz o nosso camarada Chico Moço.
Cumprimentos Colaço.

Unknown disse...

Pois é pessoal. Aquela coisa da "lica" era mesmo chata. Felizmente que eu tinha uns camaradas que ao mesmo tempo que me deitavam naquele "sítio" a tintura ou lá que era, bufavam-me, salvo seja. Ou em alternativa ligavam a ventoinha e dirigem para lá os seus ventos que aliviam um pouco a coisa. Felizmente hoje há umas pomadinhas para essa coisa.
Lembrei-me que o sargento das Daimler chamava-se Carvalho e era de Elvas. Bom rapaz, que não bebia, não jogava, não fumava,não saía ... Só defeitos. Mas desembarcou como primeiro e cheio de "lica".

Unknown disse...

Esta mensagem veio-me do Santos Oliveira.
Pena nao poderem ver as belas imagens que me mandou.
Um abraço para a Tabanca

Jorge

Como estou em Retiro, envio-te estas lindas imagens (á moda de Comentário), que, assim vistas, têm uma beleza superior, embora falte aquele arrepio na espinha a cada multitude de relâmpagos e depois ao ribombar aterrador dos trovões. Por outro lado as paisagens aqui, acabam por dar uma falsa segurança que por lá não sentia-mos.

Abraços, do
Santos Oliveira

Unknown disse...

Bom
Esta chegou-me do Varela e com um tema que eu não conhecia: Cólera em Catió. Tinha saído de lá dois meses antes.
Aqui vai ela

Amigo Teixeira
A época das chuvas, era uma verdadeira tortura para todos nós, pois além das dificuldades já existentes, acrescentava outras como tu referiste muito bem no blogue.
Enquanto os trovões se faziam ouvir, os relampagos iluminavam a noite como se fosse dia, muitos raios caíam em direção á terra.
As dificuldades na bolanha aumentavam, provocando mais fácilmente o desgaste fisico, tivemos de transportar por vezes em maca alguns camaradas que não aguentavam. Por outro lado em Maio 1970 (se bem me lembro) quando da epidemia de cólera, e quando fomos abandonados por todos em Catió, foi a água da chuva que nos matou a sede e foi com a água da chuva que tomámos banho, quando caía no corpo até fervia.
Andámos um mês e meio a comer arroz com pickles, e a utilizar a bendita água da chuva em todas as necessidades.
O respeito pelas tempestades fez-se sempre sentir em todos nós, era como se as forças do além descarregassem a sua ira sobre a terra, e provocou alguns cagaços.
Um abraço
Varela

MANUEL MAIA disse...

CARO JORGE,

AO LER ESTE TEU ESCRITO EM QUE FALAS DO SARGENTO DO PELOTÃO DAIMLER,RECORDO QUE TAMBÉM APANHEI ESSA TERRIVEL DOENÇA DE PELE QUE SÓ ME PASSOU QUANDO VIM DE FÉRIAS EM 72(CREIO QUE NOVEMBRO) E FUI AO MAR DE ANGEIRAS TODOS OS DIAS SOB A INCLEMÊNCIA DE UM TEMPO DE INVERNO,SUJEITAR-ME A BANHOS DE MAR PARA VENCER A DITA "LICA" OU "LIQUEN" OU QUALQUER COISA SIMILAR.

ERAM UMAS ALFINETADAS TERRIVEIS SENTIDAS DE DENTRO PARA FORA,QUE LEVAVAM À COCEIRA ATÉ "FAZER SANGUE", COMO DIZES.

RECORDO QUE QUANDO ASSIM CHOVIA, A MALTA SE DESPIA E APANHAVA A ÁGUA ÀS CATADUPAS,ENQUANTO DANÇAVA COMO
SE DE MALUCOS SE TRATASSE...

MAS A ÁGUA DO MAR, NO MEU CASO PELO MENOS,TERÁ SIDO DECISIVA.

UM GRANDE ABRAÇO
MANUEL MAIA