domingo, 16 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4828: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (11): "Filhos de um deus menor"

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Entre o meu espólio de memórias escritas encontrei mais este texto, que, com pequenos acertos, apesar de já ter uns anitos, ainda mantém INFELIZMENTE plena actualidade:

"FILHOS DE UM DEUS MENOR"

Em anos já passados, da minha juventude, nem todos os mancebos desta nossa Pátria, tinham o tratamento igual e imparcial, como deveria ser apanágio de uma sociedade correcta e fraterna para todos os cidadãos.

Dividiam-se os mancebos em classes distintas: Ricos e Remediados ou Pobres.

Os Ricos eram todos aqueles protegidos por “cunhas” (algumas delas por suborno), falsos atestados de incapacidades físicas, fraudulentas prorrogações de prazos, simulados amparos de família e outros “esquemas” engenhosos, iam ficando nas fileiras de trás ou em nenhuma delas.

Os Remediados ou Pobres eram todos os menos favorecidos, que eram chamados a formar nos quartéis, como SOLDADOS deste PAÍS, vindos das diversas aldeias, vilas e cidades, deste cantinho plantado à beira mar e lá iam, passados uns tantos meses, para a frente combater (directa ou indirectamente), dois e mais anos, em nome de um Império Colonial, já sem qualquer sentido, nem jeito, no conceito europeu de então.

O colonialismo era um tipo de política amorfa, condenada à muito tempo, por todos os restantes países Europeus, tendo sido Portugal, como bem sabeis, o último a abandonar as suas colónias, de que tão orgulhosamente se mantinha só e alguém proferia, com fervor, na época.

Mas às custas de quem?

Nas colónias em África, nas frentes de combate, só encontrávamos “os filhos de um deus menor”. Mancebos retirados ao seu habitat natural, alguns sem educação escolar básica sequer, aos quais, na sua maioria para não dizer totalidade, injectavam uma deficiente e inadequada instrução militar.

Valia-lhes, lá longe onde o sol queima mais, a esses HOMENS a grandeza da sua alma, invulgar poder de adaptação, sobrevivência e combatividade, espírito de sacrifício e generosidade pessoal, atributos estes que ajudavam a ultrapassar, com maior ou menor dificuldade, os tremendos obstáculos encontrados nos seus caminhos e calvários, dando lições e exemplos inigualáveis, nestas matérias, ao resto do mundo.

Os resultados são do conhecimento geral da população, milhares faleceram por lá e muitos outros milhares ficaram, permanentemente, deficientes física e psiquicamente.

Quando esta Nação deles precisou, disseram presente (a bem ou a mal). Quando deixaram de ser necessários, esta mesma Nação marginalizou-os! Tornaram-se incómodos, proscritos e abandonados.

E continua a marginalizar!

Foram então muitas vezes, durante os seus períodos de tropa, massacrados, espezinhados, ultrajados, esfrangalhados, feridos, estropiados, mortos… e após o seu término nestes últimos 35 anos, continuam INCRÍVEL e INADMISSIVELMENTE proscritos desta sua própria Pátria, pelos vários governos e demais políticos.

Temos vindo a ver, saber, de inúmeros casos de Camaradas nossos, que têm perecido no meio da maior penúria, abandonados às suas tristes sortes, debilitados e desamparados e, não fossem algumas organizações e instituições não governamentais de veteranos e outras de carácter benemérito, para acudir com alguma assistência primária à sua sobrevivência, a muitos outros, o DRAMA seria VERGONHOSA E ESCANDALOSAMENTE maior.

Continuam assim esquecidos os “filhos de um deus menor”, que mostraram inequivocamente, além das qualidades já referidas, a sua raça, humanidade, coragem e solidariedade invulgares, perante uma fraca e desprezível Sociedade que deles se alheou, constituindo hoje uma geração cansada e gasta pelas vicissitudes da vida.

ATÉ QUANDO A MARGINALIZAÇÃO A QUE SOMOS VOTADOS?!

Resta-nos crer com fé no futuro e firmeza nesta crença de que, um dia, surgirá uma nova geração, sóbria, justa e solidária, que ao conhecer os nossos feitos (em nome de, e por, Portugal), nos reconhecerá o devido e merecido valor e, quem sabe, ainda surja a tempo de auxiliar os necessitados que, eventualmente, ainda possam estar por aí… vivos.

Nunca se esqueçam os verdadeiros e leais portugueses (felizmente ainda há bastantes), que estamos a falar de ex- CAMARADAS-DE-ARMAS nossos.. ex-COMBATENTES DO ULTRAMAR… de PORTUGAL.

Um abraço
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagem: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 comentários:

Anónimo disse...

Mario Pinto,

Talvez a geração que fez a guerra do Ultramar tenha que ser esquecida, para que aqueles que vieram a traz não ficarem com uma dívida, que a história dirá se foi uma dívida que ultrapassava as capacidades de saldo moral, desses governantes que se seguiram.

Antº Rosinha

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro camarada
Antonio Rosinha

A memória e a História não pode ser esquecida ou omitida como as conveniencias de alguns.
Eu não me sinto devedor dos meus antepassados, sinto-me orgulhoso dos seus feitos.
A Guerra do Ultramar faz parte da nossa História, mesmos que alguns Politicos aqueiram apagar da nossa memória.
Os que lá ficaram,os feridos e estropiados, nunca nos perdoariam se por conceitos Politicos duma moral duvidosa os apagassem da História.

Um abraço

Mário Pinto

JD disse...

Camaradas,
Meu caro Mário,
Este texto tem uma carga de revolta compreensível, mas, também, alguns erros que me parece urgente corrigir.
Começa o Mário, que admiro pela solidariedade e generosidade, por referir que, a guerra era já sem sentido nem jeito, e de entre os extractos da população portuguesa, só os ricos tinham o privilégio de evitar o risco da guerra propriamente dita. Houve excepções.
E, de entre elas, surgiram os protegidos, os pedinchas, os que a troco de um presunto conseguiam uma benesse de alguém com poder, ou acesso ao poder, pessoa esta que ganhava, além do presunto, prestígio e admiração, que lhe abria portas no intricado jogo do apadrinhamento, do alinhamento, que desde há muito vem sendo denunciado por historiadores, e glosado por humoristas e romancistas como o enorme Eça.
O estado de coisas persiste, por isso avulta a injustiça no confronto com "uma sociedade correcta e fraterna para todos os cidadãos".
Quer dizer, a sociedade portuguesa enferma de egoísmos, de individualismos, de iliteracia, de atraso económico e social, e de viver acima das possibilidades, o que dá a ilusão de viver suficientemente e daí desprezar o futuro. Mas as melhoras não caem do céu, por isso o futuro complica-se.
Assim, do texto ressalta a necessidade de encontrarmos um caminho sério e justo, que nos redima do passado e acautele o futuro.
Eu não creio nem tenho fé no futuro. Como resulta do parágrafo anterior, o futuro trabalha-se, com mais sacrificios e menos vaidades. A solidariedade é urgente e a sociedade tem que encontrar os melhores caminhos, e estabelecer o controle da democracia a fim de se evitarem desmandos.
Quanto à representação da bandeira, acho inadmissível a aposição de listas negras. Se se quiser manifestar indignação pelo luto, estabeleça-se um período (fim-de-semana, dias da semana, ou dias determinados)para uso do fumo, a tira de pano preto.
Por último, não me parece que "os nossos feitos" tenham sido relevantes, pelo que dispenso o reconhecimento, como essa demagógica pensão de trinta contos anuais. O que é urgente é cotejar as oportunidades perdidas ao longo da história de um povo que sempre desprezou o desenvolvimento colectivo, e que desprezou a riqueza ocasional em favor da ostentação bacoca, sublinhada pela subserviência aos nossos "aliados".
Abraços fraternos
J.Dinis

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro camarada
J.Diniz

Começo por agradecer as tuas primeiras palavras.
Poderemos descordar de muita coisas e termos pontos de vista diferentes, mas uma coisa é certa a Democracia a que se assiste hoje a meu ver é mal conduzida e fica apresionada de Políticos menos sérios.
A maioria dum partido torna-se a ditadura dum parlamento.
Quanto à bandeira acredito que possas não gostar, mas para mim é uma forma de mostrar o meu luto de inconformado
Quanto à inércia hipócrita que alguns exercem, as carapuças só as enfiam quem quer.
Quanto aos feitos, cre meu amigo que só o facto de cada um de nós lá ter estado já é um feito para ser respeitado.

Um abraço

Mário Pinto

JD disse...

Camaradas,
Caro Mário,
No que respeita ao luto sobre a bandeira nacional, dou a mão à palmatória, mas nos seguintes termos: com a emissão de um "press-release" sucinto, explicativo das origens e significado simbólico da luta pelo reconhecimento, por parte do estado, de apoio aos ex-combatentes vítimas de stress-pós-traumático de guerra, ou deficientes físicos da guerra que não tenham merecido apoio do estado, exigindo um novo período para apresentação de situações, por terceiros ou pelos próprios.
Assim, estaria identificada a situação, séria e meritória, com recurso a um "marketing" forte e aglutinador, por um lado, e barato e de fácil distribuição (por exemplo através de autocolantes, para usar na farpela ou no vidro do automóvel), por outro. Também não seria necessária uma grande organização, nem os custos seriam elevados.
Abraços fraternos
J.Dinis

MANUEL MAIA disse...

CARO MÁRIO,

EM LINHAS GERAIS COMUNGO DAS TUAS IDEIAS NO QUE CONCERNE À IMPERIOSA NECESSIDADE DE ACORDAR A CONSCIÊNCIA DOS POLÍTICOS,CHEFES DE ESTADO MAIOR E FUNDAMENTALMENTE
O CHEFE DE ESTADO QUE POR INERÊNCIA DE FUNÇÕES É O COMANDANTE MÁXIMO DA TROPILHA LUSITANA.

TODOS NÓS SABEMOS QUE NÃO É FÁCIL DEVIDO À AUSÊNCIA DA DITA NESTE TIPO DE CIDADÃOS QUE SE ALCANDORARAM A LUGARES DE CHEFIA À CUSTA DE "MILHENTAS" TROPELIAS COMO É DO CONHECIMENTO GERAL...

MAS CUMPRE-NOS ENQUANTO SERES PENSANTES E SOLIDÁRIOS, EXIGIR DESSE TIPO DE PORTUGUESES, QUE SE SERVEM DO PAÍS(E DE QUE MANEIRA...) SEM NUNCA O TEREM SERVIDO(TODOS NÓS SABEMOS DA EXISTÊNCIA DE REFRACTÁRIOS E DESERTORES NO SEIO DOS AGRUPAMENTOS POLÍTICOS...)EXIGIR -DIZIA - A URGENTÍSSIMA REPARAÇÃO QUE NOS DEVEM.

TAL COMO REFERE,E BEM,O ZÉ DINIS,NÃO É COM OS TRINTA CONTOS/ANO QUE ISSO SE FAZ.

PODERIAM METER ESSA VERBA POR UM SÍTIO QUE TODOS SABEMOS...

O PROBLEMA TEM DE SER MAIS PROFUNDO.
TEREMOS QUE TER ACESSO AOS HOSPITAIS MILITARES(TODOS OS COMBATENTES DO ULTRAMAR SEM ENVOLVER,COMO ALGUNS PRETENDEM AGORA,OS MERCENÁRIOS...)BEM COMO O ACESSO À REFORMA AOS SESSENTA ANOS SEM PENALIZAÇÕES.
QUEREM PENALIZAÇÃO MAIOR QUE A GUERRA POR QUE PASSAMOS?

QUANTO À BANDEIRA COM OS "FUMOS NEGROS" NÃO ME PARECE BOA SOLUÇÃO POIS ESTARÍAMOS A COMETER O MESMO CRIME QUE ESSA GENTALHA, QUE ATRÁS REFERI,QUE ATÉ A BANDEIRA PISOU AOS PÉS...

URGE CONTINUAR COM O ATUFALHAR DE MAILS AOS DITOS CUJOS E PARA OS JORNAIS.

URGE PRESSIONAR AS ASSOCIAÇÕES DE VETERANOS QUE PRATICAMENTE NÃO SE TÊM FEITO SENTIR A ESTE E QUALQUER OURO NÍVEL PARA ALÉM DAS CONHECIDAS ROMAGENS E DISCURSOS INÓCUOS A GARANTIREM UMA IMAGENZITA TELEVISIVA E O DESCANSO DA CONSCIÊNCIA NESSE PRÓPRIO DIA...

ISSO SÓ NÃO CHEGA!
É PRECISO VOCIFERAR,CONVOCAR MARCHAS DE PROTESTO,AMEAÇAR COM FORMAÇÃO DE PARTIDO POLÍTICO(JÁ O DEVÍAMOS TER FEITO À MUITO PARA COMBATERMOS POR DENTRO ESTA PODRIDÃO DE TRINTA E QUATRO ANOS DE SILÊNCIO CÚMPLICE.

É PRECISO ENVIAR NOTAS DE PROTESTO PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL.

ERA IMPORTANTE UM APELO NACIONAL
À ABSTENÇÃO,JÁ PARA ESTAS ELEIÇÕES,
ENQUANTO NÃO NOS DEREM OUVIDOS.

SEI QUE VÃO APARECER ALGUNS ENFEUDADOS A PARTIDOS POLÍTICOS A ACONSELHAREM CALMA OU O "DOLCE FAR NIENTE"...

ATREVÁMO-NOS,SEJAMOS OUTRA VEZ OS JOVENS VOLUNTARIOSOS QUE TODOS FOMOS E MOSTREMOS A SOLIDARIEDADE
NECESSÁRIA PARA OBRIGAR ESSA GENTE A AGIR.
OU NOS PRENDEM( PROVAVELMENTE A SUA GRANDE VONTADE),OU SE SENTAM À MESA COM OUTROS INTERLOCUTORES POIS OS DO COSTUME NÃO SERVEM,
PELO MENOS TÊM DADO SOBEJAS PROVAS DISSO...

ATÉ LÁ COMECEMOS A AGIR:

UM ABRAÇO A TODA A TABANCA.

MANUEL MAIA

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro camarada
Manuel Maia

Comprendo a tua revolta e solidarizo-me contigo nas manifestações de repúdio que fazes a quem nos Governa ou Desgoverna.

Infelizmente nada se consegue sem luta, mas os caminhos a percorrer não serei eu a indicálos. Sou um soldado pelas causas e não um cabo de Guerra.

No entanto aprendi que a subversão é a mãe de todas as Guerras.

A Bandeira é um simbolo Nacional que eu respeito e defendo, mas a inércia dos nossos mandantes e a nossa Sociedade passiva obrigou-me a por a mesma de luto.

Um abraço

Mário Pinto