Mikhail Kalashnikov (foto, à esquerda)
1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974 [, foto à direita]:
1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp (Ranger) da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974 [, foto à direita]:
Camaradas,O artigo é da autoria de Nick Paton Walsh e foi publicado na Pública, em 3 de Novembro de 2003, e aqui reproduzido com a devida vénia...
Apesar dos cerca de seis anos entretanto decorridos, mantêm-se completamente actualizados os factos descritos, visto que a citada arma continua a liderar a tenebrosa tabela do lamentável, infeliz e actual mercado da morte, pelo mundo fora, nomeadamente, em África e no Médio Oriente.
Um abraço Amigo,
___________________
Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Mikhail Kalashnikov
Para um homem cujo nome está tão inextricavelmente ligado à morte, Mikhail Kalashnikov não podia ter aspirado por um fim de vida mais calmo. Ele passa os seus dias de verão numa casa de campo na margem de um lago cristalino, no coração da planície sul dos Urais, a algumas milhas do coração industrial de Izhevsk. Aqui, entre pinheiros que tocam o céu e mosquitos do tamanho de pombos, ele e a sua endiabrada neta de sete anos, Ilona, brincam juntos nas clareiras do bosque, inspirando o ar puro e rico.
No entanto, para aqueles que rodeiam Mikhail a vida não é assim tão pacífica. Anos de testes de tiro das armas automáticas que têm o seu nome deixaram este velho, de 83 anos praticamente surdo. Se se quiser que ele nos ouça, tem que se colocar a boca a escassa distância da sua orelha e falar muito alto.
Essencialmente para todos aqueles que gostam de conhecer a história e origem de armas de fogo, trago neste poste ao vosso conhecimento, a estória do homem que idealizou a mortífera e eficaz Kalashnikov A-47, que à mais de 60 anos é a arma mais produzida, conhecida e vendida em todo o mundo.
Foi, sem dúvida nenhuma também, a arma mais usada contra as nossas tropas pelo PAIGC na Guiné.
Em 1947, a "Avtomatni Kalashnikova" ganhou um concurso soviético para a concepção da mais moderna metralhadora para o vitorioso Exército Vermelho. Cinquenta e seis anos, mais de 100 milhões de armas e muitos milhões de mortes mais tarde, ela permanece a mais prolífica máquina de morte do mundo. Mas Kalashnikov não mostra qualquer reticência em mostrar o amor e orgulho que ainda sente pela sua criação.
"Com [o desenho] das armas, passa-se o mesmo do que com uma mulher que cria um filho", explica. " Durante meses ele transporta o bebé e pensa nele. Um 'designer' faz quase o mesmo com um protótipo. Sinto-me como uma mãe - sempre orgulhoso. É um sentimento especial, como se tivesse recebido um prémio especial. Fartei-me de disparar. Ainda o faço. É por isso que sou duro de ouvido".
Segundo Aaron Karp, consultor da Base de Pequenas Armas, sediada em Genebra, os sucedâneos da Kalashnikov "poderão ter causado mais de 300 mil baixas anuais em combate nas guerras da década de 90. Elas são as armas principais de um ou de mais lados em praticamente todas as mais de 40 guerras registadas na última década". Foi talvez a principal exportação da União Soviética: existem agora 10 vezes mais AK-47 no mundo do que M16, a sua rival americana, já que os soviéticos as deram quase de borla a qualquer movimento por que sentissem empatia ou que pudesse ter uso para elas.
A chave para o seu sucesso reside num desenho simples, destinado a assegurar que mesmo as mulheres e crianças sem experiência que encheram as fábricas soviéticas durante o período de guerra as podiam produzir em massa e assim abastecer os seus pais e filhos deslocados na frente. É tão simples que versões rústicas têm sido produzidas em oficinas de aldeia no Paquistão. "Comparadas com outras espingardas automáticas, a sua produção, uso e manutenção é muito simples. Tem oito partes móveis. Desta simplicidade resulta que mesmo um soldado mal treinado a pode desmontar em cinco segundos e limpá-la facilmente".
Mas Kalashnikov parece ter encontrado uma forma de se absolver a si próprio de qualquer culpa ou responsabilidade pelo seu brinquedo de morte. Ele apresenta uma simples, mas aguçada defesa de modo a convencer-se tanto a a si próprio, como aos que o interpelam, da sua inocência: "Fiz isto para proteger a pátria mãe. E depois eles espalharam a arma (pelo mundo) não porque eu o quis. Não foi escolha minha. Foi como um génio que saísse da garrafa e começasse a andar pelos seus próprios pés e em direcções que eu não queria".
Mesmo assim "o lado positivo ultrapassou o negativo", insiste, "porque muitos países usam-na para se defender. O lado negativo é que por vezes fica fora de controlo. Os terroristas também querem usar armas simples e fáceis. Mas eu durmo descansado. O facto de haver pessoas que morrem por causa de uma AK-47 não é culpa de quem a concebeu, mas sim por causa dos políticos".
Para perceber este orgulho perene, tem que se perceber a forma de pensar caracteristicamente soviética que ainda é a de Mikhail. Antes, Kalashnikohv tinha-nos contado jovialmente como, nessa tarde, ele e Ilona se dedicaram a substituir pedaços de floresta morta. A sua alegria deixa a claro a adoração soviética pelo "trud"- um misto de trabalho e produtividade, que, em 1976, o levou a ganhar a medalha de Herói Socialista do Trabalho pelas suas invenções, e que alimenta as suas ideias. Para ele, é apenas o seu trabalho, sendo este uma pequena peça na grande engrenagem soviética.
Foi apenas quando ele viu como o grande projecto comunista eventualmente perverteu o objectivo original do seu "bebé" que Kalashnikov começou a sentir algum desconforto. Ele e a sua filha referem os dois momentos principais em que tal aconteceu. O primeiro ocorreu quando, em 1992, centenas de azerbeijanis foram massacrados em Nagorno-Karabakh pelos arménios, que contavam com o apoio do regimento 366 do exército russo.
Kalashnikov admite que ver as imagens do massacre na televisão foi "obviamente desagradável". O segundo foi quando, em 1993, Boris Ieltsin ordenou às tropas que atacassem a sede do parlamento russo.
A vida tranquila de Kalashnikov nos bosques da periferia de Izhevsk pode ser vista como uma tentativa para se distanciar daquilo em que a sua invenção se transformou. A sua calorosa e carismática filha olha por ele desveladamente. Elena organiza entrevistas, adora traduzir - ou gritar – as minhas perguntas, irradiando atenção, entusiasmo e orgulho. Nos olhos da neta Ilona brilha uma centelha.
Entretanto, a alguma milhas deste santuário, a arma continua a sua carreira Izhevsk, profusamente anunciada no site da empresa Izhmash. Num hotel, um turista americano enverga uma t-shirt com um "Roteiro de Destruição no Mundo" da AK-47. É um roteiro onde figuram a Chechénia, o Afeganistão, a faixa de Gaza, o Congo, Nagorno-Karabakh, etc. Mais abaixo na rua, num das lojas de venda de armas da cidade, Lilya, 12 anos, e um seu amigo, olham atemorizados para a exposição de Ak-47. "Foi a primeira vez que aqui viemos", conta ela. "Apenas queríamos ver".
A história de como esta ideia original apareceu está profundamente misturada com a história da vida de Kalashnikov. Nascido numa família de camponeses pobres em Novembro de 1919, pouco depois da revolução de Outubro, Mikhail Yefimiyevich Kalashnikov viu a sua família obrigada a sair da região do Altai para o exílio na Sibéria, onde arrastaram uma dura existência de camponeses. Mas foi o exílio - a vergonha de ter a família proscrita do sonho da Rússia soviética - que empurrou Kalashnikov para dar o seu melhor. "Tentei que o meu desempenho fosse o melhor possível. Era um rapaz na altura, mas trabalhava bem com os doentes".
Ele inventaria qualquer coisa pata tornar mais fácil a vida da sua família, e dos trabalhadores comunistas. "Tínhamos trigo, mas não moinhos, por isso inventei uma espécie um moinho de madeira para que pudéssemos fazer farinha. Provavelmente nasci com alguns talentos para desenho". Cedo foi enviado para trabalhar nos caminhos-de-ferro, como amanuense. Aqui as suas ambições criativas começaram a florescer. "Queria inventar uma máquina que pudesse correr para sempre. Podia ter desenvolvido um novo comboio, se tivesse continuado nos caminhos-de-ferro. Teria sido parecido com a Ak-47", brinca.
Com 19 anos de idade, foi incorporado no exército para combater na II Guerra Mundial. Integrado numa divisão de tanques, depressa descobriu uso para os seus talentos de 'designer'. Primeiro foi uma máquina para contar o número de projécteis disparado pela metralhadora do tanque - "para que soubéssemos quantos restavam". Depois foi uma engenhoca que permitia que as pistolas disparassem através das aberturas dos tanques; depois ainda um método para calcular a distância percorrida por estes.
A vida da AK-47 começou quando Kalashnikov se viu num hospital de guerra a recuperar de ferimentos e do choque nervoso provocado pelas explosões, cismando como era injusto que os alemães tivessem armas automáticas, e os seus colegas russos apenas espingardas de um só tiro. "Experimentei uma dúzia de modificações que foram rejeitadas, mas todas elas abriram caminho ao esboço final. Tinha que adquirir experiência porque não tinha preparação técnica". O processo foi longo e competitivo, com Kalashnikov a trabalhar numa série de institutos e as ideias alvo de críticas desde que nasciam e à medida que iam sendo desenvolvidas. "O departamento de artilharia forneceu esboços para uma nova arma. Tínhamos que os melhorar ou então éramos eliminados da corrida".
Em 1946, nasceu o o protótipo AK-46. Um ano, a arma verdadeira foi aprovada. Ele atribui o seu sucesso à "sorte que teve em encontrar pessoas simpáticas e prestáveis" durante toda a sua vida. Teve um bom manager, o capitão Vladimir Daikin, um encorajador chefe de departamento, Vladimir Glukhov, e um mentor, Anatoly Blagonravov, que foi o primeiro a informar os seus superiores, em 1941, da "excepcional capacidade de Kalashnikov em resolver problemas técnicos complicados".
Mikhail apresenta o produto final como se de uma verdadeira conquista comunista se tratasse - um triunfo colectivo que salvou a pátria mãe. Para ele, a arma quase que surgiu de um processo equivalente à selecção natural, fruto da necessidade e para garantir a sobrevivência - o empurrão de um jovem homem à guerra em curso. "O homem continua sempre a inventar coisas", diz. " A vida é feita de diferentes invenções. Continuei a trabalhar em diferentes coisas, reconstrui toda a minha casa. Fi-lo pela satisfação de fazer alguma coisa. Fi-lo porque aconteceu estar onde estava". Acima de tudo, ele parece orgulhoso de ter sido capaz de fazer algo, independentemente do que esse algo possa fazer: "A vida pode levar-nos a fazer muitas coisas. Até a beijar um homem com o nariz a pingar".
Nick Paton Walsh
Fonte: Pública, 3 de Novembro de 2003 (Com a devida vénia...)
Fotos: © http://images.google.pt (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
10 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1828: Armamento do PAIGC (3): O Foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (Nuno Rubim)
2 comentários:
Caro amigo e Camarada MRibeiro
Bela descrição a tua sobre uma arma de terrivel efeito.
Eu posso bem testemunhar, pois levei um tiro dela num braço e posso dar-me por feliz.
Havia no meu tempo um Coronel dos Paraquedistas, creio que era o Coronel Durão que nas operações usava sempre uma.
Um abraço
Mário Pinto
Carlos Venancio da cc 1624 destacado em Fulacunda.Felizmente fui e voltei sem problemas no entanto outros por lá ficaram da n/ comp.
Mantemos convivio anual que muito nos agrada, em várias zonas do Pais
Um abraço de amizade
C.Venancio
Enviar um comentário