quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3771: Blogoterapia (86): Recordações da Guiné, nem sempre as melhores (António Carvalho)

1. Mensagem de António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, com data de 16 de Janeiro de 2009:

Caro Carlos Vinhal,

Em anexo envio uma tentativa de escrever sobre a minha estada em Mampatá. Umas linhas acabadas agora mesmo de escrever.

Se achares bem poderás publicá-la no blogue.

Um abraço,
Carvalho


2. Caros camaradas editores do nosso blog:

Se acharem que tem algum interesse aproveitem, caso contrário deitem fora, sem pejo. É que eu, infelizmente não me lembro de quase nada. Lembro-me, com todos os pormenores, daqueles corpos mutilados, em Bolama, no dia 10 de Julho de 1972; daquele camarada do Batalhão 3852, em Buba, no dia 28 de Julho do mesmo ano, do rosto lacrimoso do irmão que ficou sem uma perna em 16 de Março de 1973 tendo morrido no dia 21 no HM 241, etc, etc, etc.

Bem gostava de vos falar de outros episódios interessantes mas, na verdade, os dias eram muito iguais. Serviço na enfermaria a tratar das doenças dos militares e dos civis. Algumas nunca desejadas saídas para o mato. Algum trabalho a ensinar os nativos na escola, à noite, ou mesmo durante o dia, em substituição do professor que foi de férias. Conversa com a população civil para entender aquele mundo. À noite, fazer rondas pelos postos de sentinela, para aliviar os Furriéis Atiradores que andavam todos rotos. Muito tempo no bar a consumir Coca-Cola com Whisky…

Em Abril de 1974, no dia 25, tudo se alterou. Ao meio da manhã, por uma emissora estrangeira, tomámos conhecimento do grande evento. Como tinha havido o 16 de Março, primeiro uma alegria contida mas, à medida que se recebiam mais notícias confirmadoras, toda a gente dava largas a uma felicidade indescritível. A partir desse dia cada vez se ficava por mais perto. Nada de aventuras. No dia 14 de Maio, houve uma reunião entre representantes do MFA e oficiais e sargentos, em Aldeia Formosa. Não me lembro de nada do que lá se passou, nem sequer se estive lá ou se fiquei por Mampatá. No início de Junho, um Comissário Político do PAIGC esteve em Mampatá, conversando com a população civil e com militares africanos. Nos dias 26 e 27 de Junho, dois bigrupos do PAIGC vieram confraternizar connosco. Houve abraços e troca de emblemas. A partir deste momento a guerra não era mais problema. Só as saudades da família e as carências materiais nos faziam sofrer. Não sei porquê, faltava o tabaco, algumas bebidas e comidas.

Dia 24 de Agosto, com 26 meses e meio, chegámos a Lisboa.

António Carvalho
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Notas de CV:

Vd. último poste de António Carvalho de 16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3325: O meu baptismo de fogo (11): Mampatá, 20 de Fevereiro de 1973 (António Carvalho)

Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2009 Guiné 63/74 - P3766: Blogoterapia (85): Para que a História seja verídica (José Martins)

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