sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3779: As mulheres que, afinal, também foram à guerra(1): Ni, uma combatente em Bissorã (1973/74) (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do 4.º GCOMB/3.ªComp/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74, com data de 18 de Janeiro de 2009:

Camarada Carlos Vinhal:
Em resposta ao teu desafio aqui vai uma narrativa referente à minha Mulher de Guerra na Guiné.
Espero que não seja um texto muito cansativo e já agora se achares necessário podes dar um jeitinho ao texto.

Um abraço
Henrique Cerqueira


NI, mulher de guerra de Henrique Cerqueira

Ni, Mansoa, 1973/74

Aproveitando o desafio do nosso camarada Carlos Vinhal, vou então fazer aqui a descrição possível de como foi a vida da minha mulher (com e ) na Guerra. Para além disso aproveito assim para lhe fazer uma merecida homenagem, porque foi necessário que ela tivesse muita coragem, abnegação, amor e também uma boa dose de aventureirismo, para tomar a atitude que tomou, ao se juntar a mim na Guiné, em pleno período de guerra e até na altura em que tudo começava a parecer caminhar para o abismo.

Quando informei o meu Comando da minha pretensão de chamar para junto de mim a minha mulher e meu filho Miguel de dois anos, fui desaconselhado.
Eu era um pouco rebelde e em todo aquele cenário de guerra a coisa que mais me custava era o afastamento da família, já que todas as outras dificuldades, bem conhecidas de todos nós, eram como de costume superadas, ora com umas pielas, ora com umas chatices com os superiores hieráticos, etc.
Para a falta da mulher e filho é que não havia nada que apaziguasse.

Ultrapassadas as desmotivações, há que passar à acção para concretizar o nosso desejo (meu e da minha mulher). Após as combinações telefónicas e escritas, marca-se a data para o encontro que virá a acontecer em finais de Setembro de 1973.

Há aqui que acrescentar, que esta decisão envolve um camarada e amigo meu que foi o Alferes Santos que estava também na CCAÇ 13 em Bissorã, e que já tinha estado comigo no Biambe, porque ambos pertencíamos ao BCAÇ 4610/72. De certo modo tínhamos em comum a maluqueira instalada nos nossos cérebros e pelos vistos ele foi mais maluco que eu, porque veio de férias à Metrópole, de propósito, para casar e como Núpcias ofereceu à sua novíssima esposa uma bela estadia em Bissorã, recheada de aventuras, tais como paludismo, mosquitos, osgas e até Guerra ao Vivo, mais à frente eu explico.

Mas voltando à minha Mulher de Guerra. Antes de historiar, vou começar por apresentá-la, pois que se publicares esta história, acho justo que conste o seu nome assim como o de meu filho. É que queira ou não, a minha MULHER DE GUERRA para além de todo o apoio sentimental que me proporcionou, fez história comigo porque passou por ter de enfrentar penosas viagens, instalações precárias, alimentação deficiente, mosquitos e dois ataques directos à nossa povoação, um dos quais com mísseis.
Ficou no entanto altamente enriquecida com o contacto que teve com as populações da Guiné e suas etnias, como libaneses e caboverdianos. Formámos uma amizade razoável com uma família libanesa e com o casal Administrador de Bissorã que eram de Cabo Verde.

O que mais me marcou tem a ver com os factos por mim já narrados no nosso Blogue, quando nos foi pedido que contássemos uma História de Natal e nessa eu tive o apoio incondicional da minha Mulher de Guerra. Quando tomei a decisão já narrada eu esperava que fosse enviado (recambiado) para a fronteira de castigo pelo atrevimento que tive de enfrentar o poder instalado, mas vá lá que os rapazes não foram mauzinhos e perdoaram cá o menino que nunca teve o espírito militar de que o meu respeitável Comandante me acusou, em direito de resposta, ao dito artigo de Natal.

A minha mulher manteve-se junto de mim, e mais uma vez faz história, ao sofrer um ataque no dia 31 de Dezembro de 1973 enquanto eu estava de prevenção, já que tínhamos ameaça de porrada o que veio a acontecer e ela cumpriu integralmente com as instruções por mim administradas. Enfiou-se no abrigo com o nosso filho mais o casal Santos e Zinha, enquanto eu andava como uma barata tonta a tentar organizar uma saída com o meu Grupo de Combate. Não esquecer da história de Natal, é que nesta altura cá o rapaz estava mal visto, só que continuava sendo um dos graduados daquele grupo que por acaso até estava de prevenção para um possível ataque. Enfim coisas que vida arranja, não é?

Mas íamos na barata tonta, ou seja baratas tontas, pois que passado o susto inicial era ver heróis a correr até ao arame, até Panhares foram ao arame. No entanto o meu Grupo saiu para o mato se bem que reforçado por mais pessoal da CCAÇ 13. Isto foi só um parêntesis, não resisti a uma provocaçãozinha, é que ainda dói.

A minha MULHER DE GUERRA ainda viveu mais umas histórias giras, tais como mais um ataque de mísseis e uma guerrita entre mim e o Comandante de Batalhão, por causa de um Furriel Guinéu que tinha o mau gosto de ser racista, isto já depois do 25 de Abril. A verdade é que ela também viveu lá essa data histórica e até teve o previlégio de, no dia em que eu tive o primeiro encontro com o PAIGC, durante uma picagem para o Olossato, em dia de reabastecimento, assistir a este encontro. Mais uma vez era cá o rapaz o protagonista e único graduado no primeiro contacto, após Abril e fim da guerra, teria mesmo de ser o menino mal visto. Está sempre em todas, olha se tivesse espírito militar!!!!)

A minha mulher foi depois comigo até ao ponto de encontro para confraternizar com o pessoal do PAIGC nesse memorável dia. Semanas mais tarde foi comigo passar um Domingo ao Biambe com os meus antigos Camaradas, mas isso dará outra história.

Bom, isto está mesmo a ficar longo e ainda não apresentei a minha MULHER DE GUERRA por tanto lá vai:

Nome de Guerra - NI
Nome próprio - MARIA DULCINEA ROCHA
Filho - MIGUEL NUNO, que tinha dois anos na altura

Embarcaram na TAP em finais de Setembro de 1973 até Bissau, de seguida seguiram comigo no interior de uma ambulância do Exército até Bissorã. Regressaram à Metrópole em 29 de Junho de 1974 tendo eu regressado em finais de Julho de 1974.

Carlos Vinhal tiveste um pouco de culpa por lançares este desafio, é que vieste lembrar algo que recordo com muito agrado e até dá vontade de escrever tintim por tintim, daí tanta escrita.

Envio algumas fotos da minha MULHER DE GUERRA em acção no Teatro de Guerra em Bissorã, Guiné, ano de 1973/1974.

Um abraço Carlos e restantes Tertulianos
Henrique Cerqueira

A Ni e a Zinha em treino de luta corpo a corpo... só para a fotografia

A Ni na ponte da outra banda em Bissorã

A Ni era dotada para a guerra. Ao fundo a minha macaca Gasolina de seu nome

A Ni e o Miguel fizeram muitas amizades com as pessoas da Guiné. Nesta foto, com o Homem Grande de Bossorã

O meu filho de guerra Miguel Nun0

Nesta foto: Sanhã, Zinha, Ni com a G3, fiel amigo Inhatna Biofa e o Miguel Nuno com um amiguinho

Henrique, filho Miguel Nuno, esposa NI, Zinha e marido Alf Santos

Fotos e legendas: © Henrique Cerqueira (2009). Direitos reservados



PS: Peço desculpa por numa das fotos aparecerem o Alferes Santos e sua Mulher ZINHA sem eu ter autorização para mostrar publicamente as suas imagens. Acontece que perdi o contacto deles e de certo modo pretendo prestar-lhes aqui a minha homenagem pelos tempos que passámos juntos. Para os dois um grande abraço.

Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
3.ª Comp.ª/BCAÇ 4610/72
Biambe até Novembro de 1972
CCAÇ13 até Julho de 1974

Nota: Amigo Carlos não tenho grande jeito para a escrita se possível e for do interesse dá um jeitinho nisto. É que narrar é fácil (às vezes difícil), mas compor texto já é mais difícil. Uma vês mais grato pelo espaço ao nosso dispor.
__________

Notas de CV:

Vd. poste de 16 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3748: As nossas mulheres (4): Recortes de imprensa de uma noiva (Luís Faria)

1 comentário:

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