Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Lisboa, praça dos Restauradores, 29 de novembro de 2015. Comemoração do 1º dezembro 1640. 27 bandas, oriundas de todo o país tocam o hino da Restauração.
O desfile vai juntar cerca de 1600 músicos, de 35 bandas filarmónicas e agrupamentos de todo o país, que se reúnem em Lisboa para desfilar na Avenida da Liberdade, terminando com uma atuação conjunta nos Restauradores. A apresentação do 5º Desfile Nacional de Bandas Filarmónicas é também uma homenagem a esta prática musical com mais de 200 anos que, um pouco por todo o país, continua a desempenhar um importante papel na formação cívica e musical de crianças e jovens. (*)
O desfile tem início às 15 horas, na Avenida da Liberdade, junto à Estátua dos Combatentes da Grande Guerra e termina nos Restauradores, com todos os grupos reunidos para interpretar o Hino da Maria da Fonte, o Hino da Restauração e o Hino Nacional, sob direção do Maestro da Banda Sinfónica do Exército, Tenente Duarte Cardoso. Acesso livre.
Esta iniciativa é uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa, a EGEAC e o Movimento 1º de Dezembro. (**)
ALINHAMENTO 5º DESFILE NACIONAL DE BANDAS FILARMÓNICAS
Tocá a Rufar Grupo de Bombos de Atei Banda Sinfónica do Exército Banda Anfitriã: Associação para o Desenvolvimento Social e Cultural de Marvila (Lisboa)
Açores:
Sociedade Filarmónica União e Progresso Madalense (Pico – Madalena)
Aveiro:
Banda Musical de S. Tiago de Lobão (Sta. Maria da Feira)
Beja:
Banda da Sociedade Filarmónica União Mourense “Os Amarelos" (Moura)
Braga:
Banda Filarmónica de Santa Maria de Bouro (Amares) Banda Marcial de Arnoso (Vila Nova de Famalicão)
Bragança:
Banda Filarmónica do Brinço (Macedo de Cavaleiros) Banda de Música 1º de Maio (Mirandela)
Castelo Branco:
Filarmónica Retaxense (Castelo Branco) Filarmónica Recreativa Cortense (Covilhã) Sociedade Filarmónica Oleirense (Oleiros) Sociedade Filarmónica de Educação e Beneficência Fratelense (V. V. Rodão)
Coimbra:
Sociedade Recreativa Instrutiva e Beneficente Santanense (Figueira da Foz) Filarmónica Sangianense (Oliveira do Hospital)
Évora:
Banda Filarmónica da Casa do Povo de Nª Sra de Machete (Évora) Banda da Sociedade União Alcaçovense (Viana do Alentejo)
Faro:
Banda Musical de Tavira
Guarda:
Banda Academia de Santa Cecília – S. Romão (Seia) Sociedade Musical Estrela da Beira - Seia
Leiria:
Sociedade Filarmónica Maiorguense (Alcobaça) Banda Recreativa Pedroguense (Pedrogão Grande)
Lisboa:
Associação Musical de Cabanas de Torres (Alenquer) Sociedade Filarmónica 1º de Dezembro da Encarnação (Mafra)
Portalegre:
Banda Juvenil do Município do Gavião Sociedade Musical Euterpe de Portalegre
Porto:
Banda Musical de S. Vicente de Alfena (Valongo)
Santarém:
Sociedade Filarmónica União Maçaense (Mação) Sociedade Filarmónica Gualdim Pais (Tomar)
Setúbal:
Sociedade Filarmónica Incrível Almadense (Almada) Viana do Castelo:
Banda Filarmónica da Associação Musical de Vila Nova de Anha (Viana do Castelo)
Viseu:
Sociedade Filarmónica da Fraternidade de São João de Areias (Sta. Comba Dão)
Banda Musical 81 de Ferreirim (Sernancelhe)
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Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > ..CART 2519, "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71) > A primeira secção do fur mil at art Mário Pinto.
CART 2519, "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)]
Não posso confirmar se alguma vez houve batota na ninha companhia, a CART. 2519, e se o que vou expor pode ser considerado batota.
No princípio da nossa comissão, depois da construção da nova estrada Buba-Aldeia Formosa em 1969, fomos colocados em Mampatá e tinhamos como principal missão a contra-penetração do corredor de Missirá.
Todos os dias um Gr.Com, reforçado com milicias e uma secção do Pelotão de Caçadores Nativos, deslocava-se para um local previamente determinado afim de emboscar por um período de 24 horas. Ao princípio foi cumprido na integra, apesar das contrariedades que tinhamos com várias situações que aconteciam ao longo do período que nos era destinado à permanência no local. (necessidades fisiológicas, ansiedades por diversos motivos, mosquitada, calor abundante, saturação, etc.).
Tudo isto e mais algumas coisas não permitiam que a emboscada tivesse sucesso porque, derivado ao desassossego que se apoderava dos militares emboscados, permitia ao IN detectar-nos a longa distância e assim abortare a passagem no local ou atacarem-nos, (facto que por acaso nunca aconteceu, não sei porquê).
Quero dizer com isto que, uns tempos mais tarde, começamos por nossa iniciativa a contrariar as ordens da missão. Ficávamos no corredor as primeiras horas e retirávamos para outro local, quando o pessoal começava no desassossego, mas sempre próximos do nosso objectivo, local em que pudessemos controlar a área envolvente ao nosso objectivo.
Até porque o comandante de operações de Aldeia Formosa, na altura o major Pezarat Correia, tinha por hábito meter-se numa DO e ir inspeccionar o local onde se encontravam as tropas. ( Eu tinha por hábito dizer que o Major andava a mostrar ao IN onde nós nos encontrávamos emboscados, mas isso é outra história.)
Apesar deste esquema engendrado por nós, conseguimos ter vários êxitos de capturas de material, como consta no nosso historial. O nosso capitão só veio a saber deste esquema quase no fim da nossa comissão, porque esteve sempre convicto que nós passávamos as 24 horas no local pré estabelecido.
(ii) José Manuel Cancela [ex-soldado apontador de metralhadora, CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70]
Havia batota a nível de pelotão.
Por mais que uma vez saíamos do Quartel, com chuva e trovão, para irmos emboscar a três
quilómetros.
Passada a pista de aviação,fora do arame farpado, embrenhávamo-nos na mata,e era aí que passavamos o tempo.
1. Em mensagem do dia 24 de Novembro de 2016, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), autor do livro "História(s) da Guiné-Bissau - Da Luta de Libertação Aos Nossos Dias", enviou-nos um extrato deste livro, a pedido do editor Luís Graça.
Extrato do livro “História(s) da Guiné-Bissau”, a lançar em 6 de Dezembro
Os últimos dias de Portugal na Guiné Portuguesa
Beja Santos
A 27 de Abril, começaram em Bissau manifestações populares exigindo a libertação dos presos políticos, extinção da PIDE/DGS e a abertura de negociações com o PAIGC. A agitação crescia cada vez que chegavam jornais de Lisboa.
É um tropel de acontecimentos, parece que os próprios atores não têm comando no conjunto da peça. A 7 de Maio, Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, escolhido por confiança de Spínola, seguramente tendo em consideração os doze anos que levara em comissões na Guiné, é nomeado como Encarregado do Governo e Comandante-Chefe da Guiné. Quando chega a Bissau, logo se apercebe que a missão de Spínola o encarregara perdera a razão de ser. Regista-se indisciplina nas Unidades, o MFA local vai tomando conta do poder, a Comissão Coordenadora estende-se à Armada e Força Aérea, qualquer esforço defensivo e dar continuidade ao processo político de autodeterminação são meros exercícios de retórica. Em Lisboa, o poder político procura negociar com o PAIGC, Mário Soares, já Ministro dos Negócios Estrangeiros, viaja para Dakar, conversa amistosa com os líderes senegaleses e com Aristides Pereira, o encontro é inconclusivo, não havia ainda qualquer compromisso formal sobre o cessar-fogo. Seguir-se-ão conversações em Londres e em Argel, todo este processo da descolonização conhece clarificação com a Lei 7/74, onde se inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos. Em 10 de Setembro, em Lisboa, ocorre o reconhecimento de jure. Em 24 de Setembro, em Madina do Boé foram solenemente comemorados o cinquentenário de Amílcar Cabral, os 17 anos do PAIGC (alegadamente fundado em 19 de Setembro de 1956) e o primeiro aniversário da independência, as autoridades portuguesas estão presentes.
A descompressão da guerra passara a ser uma realidade, a seguir ao 25 de Abril começaram encontros mais ou menos formais, de um modo geral, independentemente de casos de indisciplina, de alguma agressividade bacoca de alguns líderes militares do PAIGC, a paz em respeito mútuo alargou-se pelo território. Na sequência deste processo foram-se estabelecendo protocolos para uma retirada das tropas portuguesas e a entrada das forças do PAIGC. Para dar cumprimento ao anexo dos acordos de Argel tomaram-se medidas que vieram a ter consequências dramáticas. Vejamos como.
Dentro dos 28 pontos deste anexo, há que relevar as seguintes matérias: as Forças Armadas Portuguesas entrariam em retração e facilitariam a transmissão gradativa dos serviços da administração; a República da Guiné-Bissau obrigava-se a neutralizar os seus meios antiaéreos suscetíveis de afetar a circulação de aeronaves e de voos de reconhecimento no espaço aéreo à responsabilidade das Forças Armadas Portuguesas; as Forças Armadas Portuguesas obrigavam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo; uma comissão mista coordenaria a ação das duas partes; o governo português comprometia-se a pagar todos os vencimentos até 31 de Dezembro de 1974 aos cidadãos da República da Guiné-Bissau desmobilizados das suas forças militares ou militarizadas, bem como aos civis cujos serviços às Forças Armadas portuguesas ficavam dispensados; o governo português comprometia-se a pagar as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tinham direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às Forças Armadas Portuguesas; o governo português participaria num plano de reintegração na vida civil dos cidadãos da República da Guiné-Bissau que tivessem prestado serviço militar nas Forças Armadas Portuguesas e, em especial, dos graduados das Companhias de Comandos Africanos.
O que se irá passar, e de acordo com a escassa documentação existente, é que as Forças Armadas portuguesas abandonaram o território dentro dos prazos estipulados, e não se cuidou de garantir a normalidade do sistema económico e financeiro da própria vida administrativa e da natureza dos serviços de primeira grandeza, a começar pela saúde e pela educação, garantia do abastecimento a todos os níveis, e uma adaptação equilibrada na transferência da ordem colonial para a República independente. Em “Crónica da Libertação”, Luís Cabral virá dizer que encontrou os cofres vazios quando chegou a Bissau, que os colonialistas tinham partido com tudo, e com esta frase parecia deixar no ar que houvera um abandono puro e simples e que as novas autoridades foram confrontadas com o vazio do poder. Obviamente que a questão é mais complexa. O PAIGC, em toda a sua ingenuidade, estimara que o modelo administrativo adotado na luta de libertação se podia aplicar automaticamente à nova situação, com correções e ajustes. Presidia a mentalidade da coletivização, nunca se dimensionou que os Armazéns do Povo transacionavam muitos bens oferecidos por países amigos e que havia uma troca com as populações fora de controlo das autoridades portuguesas que entregavam os seus produtos agrícolas.
Não há uma referência nos Acordos de Argel à manutenção da presença portuguesa num regime de transição faseado, para evitar sobressaltos no funcionamento dos hospitais, dos estabelecimentos escolares, dos portos e na própria recolha de impostos. Com sobranceria, os quadros dirigentes do PAIGC julgavam-se capacitados para pôr pessoas habilitadas em todos os postos. E havia um fator ideológico preponderante, muito mais tarde invocado como fator determinante: era preciso mostrar aos movimentos de libertação irmãos (MPLA e FRELIMO) que o sistema colonial estava a soçobrar, era irreversível, as conversações para a independência de Angola e Moçambique não podiam ser arrepiadas por manobras dilatórias.
O PAIGC parecia embalado pela Constituição do Boé, acreditava piamente numa vigorosa participação popular que faria enfunar as velas dos ventos revolucionários, e que rapidamente se poria em ação uma política económica enfocada no investimento industrial e no setor público. Acresce que a Constituição do Boé dava como certo e seguro o funcionamento das instituições: a Assembleia Nacional Popular, o Conselho de Estado, o Conselho dos Comissários de Estado, os Conselhos Regionais e o Poder Judicial. Atente-se que no artigo primeiro da Lei n.º 3/73, de 24 de Setembro, foi nomeado o primeiro Conselho de Comissários de Estado, tendo como Comissário Principal Chico Té e 15 comissários e subcomissários. Como é óbvio na generalidade dos casos, estes dirigentes políticos estavam impreparados para enfrentar a realidade de um território descolonizado à pressa e inadaptado aos sonhos de Amílcar Cabral. Aliás, o líder fundador previra dificuldades de monta para reverter a economia colonial ao modelo que ele preconizava que seria uma adaptação de economia planificada onde a experiência vivida nos anos da luta tivesse a sua quota-parte de inserção.
E vamos assistir ao esbarrondar desses sonhos, ao agravamento de tensões internas, a escolhas económicas erradas e a uma total incapacidade de proceder a uma reconciliação nacional, isto quando uma boa parte da antiga colónia tinha participado no processo de “africanização” da guerra e tomado declaradamente partido pelas propostas de Spínola.
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Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 643/BART 645 (Bissorã, 1964/66) > "Roncos": armas apreendidas ao IN, numa operação com a CCaç 564 . Fotos do álbum do fur mil manut Rogério Cardoso, A CART 643 teve 7 Cruzes de Guerra e dezenas de louvores. (*)
"A BATOTA QUE FAZÍAMOS NA GUERRA"... ASSINALAR UMA OU MAIS FORMAS
Resultados preliminares (n=28 respostas, até ao meio dia de hoje)
As formas mais frequentes de 'batota'...
2. Emboscar-se perto do quartel > 14 (50%)
17. Começar a “cortar-se", com o fim da comissão à vista > 13 (46%)
1.“Acampar” na orla da mata, ainda longe do objetivo > 9 (32%)
10. Falsas justificações para perda de material > 9 (32%)
3. “Andar às voltas” para fazer tempo > 8 (28%)
16. Falsificar o relatório da ação > 8 (28%)
14. Simular problemas de saúde > 6 (21%)
As formas menos frequentes de 'batota'...
6. Alegar dificuldades de ligação com o PCV > 5 (17%)
9. Sobrevalorizar o nº de baixas causadas ao IN > 5 (17%)
11. Reportar “enganos” do guia nos trilhos > 5 (17%)
15. Regresso antecipado ao quartel p/ alegados problemas de saúde> 5 (17%)
18. Outras formas > 5 (17%)
4. Evitar o contacto com o IN (não abrindo fogo) > 4 (14%)
7. Enganar o PCV sobre a posição das NT > 4 (14%)
8. Outros problemas de transmissões > 3 (10%)
5. Provocar o silêncio-rádio > 2 (7%)
As formas de 'batota' ainda não referidas...
12. Deixar fugir o guia-prisioneiro > 0 (0%)
13. Liquidar o guia-prisioneiro > 0 (0%)
II Os três primeiros comentários dos nossos camaradas (**):
(i) José Marcelino Martins
Por serem muitas as operações desenvolvidas, por muitas subunidades, agora podem contar-se "por muitas" as batotas feitas.
Uma das causas mais apontadas, eram as transmissões que, por "esgotamento dos equipamentos" e as más condições de propagação rádio, [falhavam por vezes].
Ao ler os relatórios das operações, somos obrigados a "relembrar" algumas habilidades.
(ii) Cesar Dias
Na resposta nº 17ª estão inseridas várias das primeiras, mas era sempre um risco não cumprir o objectivo, principalmente quando as coisas corriam mal e era necessário bater a zona com os obuzes. Isto aconteceu.
(iii) Rogério Cardoso
Pouco tempo depois da chegada à Guiné, em 1964, soubemos de uma bronca, que se passou numa companhia, pertencente ao BCAV 490, e que serviu de exemplo ao BART 645, Águias Negras. Um comandante de secção saiu com os seus homens para uma patrulha, mas passados 1 ou 2 km, simularam uma emboscada, sendo "a arma do inimigo a FBP", e claro voltaram para o quartel, que salvo erro era em Farim, a correr.
O cmdt do BCAV 490, Fernando Cavaleiro, que era um grande conhecedor da matéria, quis ir ao local, e assim aconteceu. Deparou com as cápsulas de 9 m/m com a inscrição Braço de Prata [BP] e, como o crime nunca é perfeito, apanhou o infrator logo à primeira.
Segundo me contaram, mandou reunir a companhia ou o batalhão e deu um par de bofetadas no furriel, não sabendo eu se ele foi despromovido ou não.
Ora bem, foi esta história, que não tenho a certeza se foi veridica, que nos chamou à atenção, e posso garantir que pelo menos a CART 643, cumpriu a 100% todas as ordens do seu valoroso cap.Ricardo Silveira,,,
Só não cumpriu a entrega dos prisioneiros na sede do batalhão, porque os primeiros apanhámo-los pouco tempo depois com armas na mão, tendo o nome de recuperados. Então eramos nós que faziamos o interrogatório, para as saidas serem o mais rápido possivel.
Portanto o questionário, para nós, não se aplica.
PS _ Desculpem, mas acrescento mais, aos militares da CART 643, foram atribuidas 7 Cruzes de Guerra e dezenas de louvores, atribuidos pelo Com de Sector, tudo isto não foi conquistado com "ronha".
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Junho de 2016:
Queridos amigos,
Ainda não completamente refeito de uma memorável digressão aos países eslavos do Sul, correspondendo ao apelo insistente de amigos que apreciam a nossa companhia, estou de regresso a Bruxelas, e ainda na fase de organizar a agenda turística já sonho andar à cata de trastes em feiras de velharias, à cata de livros em livrarias de segunda mão.
Apanhei o Maio floral em todo o seu esplendor, é um tempo apertado em que este concerto polifónico está ao dispor de quem aprecia deambular por floretas e jardins.
Aqui fica o primeiro dia da chegada, uma sinfonia de begónias, lírios e malmequeres, antes e depois de um aprazível passeio pela floresta de Soignes com as suas catedrais de faias e carvalhos.
Um abraço do
Mário
De novo em Bruxelas e a pensar nas Ardenas (1)
Beja Santos
É o regresso a Bruxelas depois dos atentados terroristas em Zaventem e da estação de metro de Malbeek. O avião aterra, saímos, e nota-se à vista desarmada que há alterações de fundo, há contingentes militares, o grau de vigilância intensificou-se. Venho por uma semana em cheio, propus ao anfitrião um aproveitamento integral da Bruxelas floral, pois estamos em Maio, explodem por todos os cantos as florescências, das árvores aos arbustos. Chegado a uma casa que me é tão familiar, em Watermael-Boisfort, mesmo na fronteira da cidade com o Brabante flamengo, uma delicada mão feminina preparou as boas-vindas com este arranjo de fruta e flores, Felizmente que há luz para registar esta intensa demonstração de ternura.
Parti pela alva para aproveitar a parte da tarde, tive imensíssima sorte, mesmo com as vigilâncias de Zaventem. Come-se ligeiro e parte-se com o pé ligeiro para a floresta de Soignes, o tal pulmão verde situado a menos de 10 km do centro da cidade e que cobre mais de 10% de superfície regional. É mentira que vá de pé ligeiro, não há canto nem recanto que não suscite a atenção, são as azálias, as begónias, os castanheiros da Índia, as rosas multicolores, as árvores de fruto, é o segundo aceno de boas-vindas, acreditasse eu no panteísmo e diria que esta Bruxelas floral não tem sombra de dúvida que este estrangeiro que por aqui se passeia ama perdidamente a capital belga.
Estas duas imagens não estão aqui por acaso, é necessário chegar à floresta atravessando um extenso bulevar, chamado bulevar do Soberano. Mesmo a arquitetura moderna tem grossas paliçadas florais, é uma sensação bizarra de tanto trânsito, tanto cosmopolitismo e sentir-se abertamente que a escassos metros a floresta espreita. Contemplava o charco e via o vento trazer os pólenes na celebração do seu mistério, por caminhos que o olho humano não deteta esses pólenes fecundam, haverá germinações num outro tempo e não se sabe a que tal distância elas irão ocorrer. O que interessa é que também atapetam as águas. Impossível não captar esta concelebração da vida, a natureza em pleno movimento na aparente quietude da paisagem.
Logo à saída de casa me despertou a atenção este pespontar de rosas, grandes gotas de sangue, andou por ali o amestramento de jardineiro ou jardineira, aliás ao meu lado sussurravam comentários sobre as vantagens de cortar as rosas velhas para rebentarem novos botões. O que gosto na imagem é o vigor da natureza como se estivesse a bater à janela, é uma ode ao bom tempo, com o calor ameno celebra-se a canção da terra.
Também não se acasalam estas duas imagens por acaso. Na linha do casario que precede a travessia da artéria principal há casas cujos jardins nos recebem de branco imaculado, uma lembrança de neve fora de tempo, é tão intenso o caramanchão de branco que seria crime fugir à imagem. E agora estamos na floresta de Soignes, bendita a luz por estes raios de sol, bendito o tempo sem céus de chumbo, tão sorumbáticos, temos boas horas para palmilhar, passam cavaleiros, ciclistas, cães ofegantes, gente a correr e a marchar e há o potentado do silêncio nestas catedrais de faias e carvalhos. E bendito este dia de Maio, já entardece e não arrefece, vamos continuar.
No retorno a Watermael-Boisfort, agora já com os pés cansados, com uma passagem pela cervejaria, aqui se deixa as últimas saudações florais, parece milagre a presença desta paleta de cores, assiste-se a um privilégio que dura escassas semanas, parece que acertei no dia e na hora. Amanhã será diferente, haverá viagem de metro até ao centro da cidade, viajo com alguém que desconfia em permanência do tempo Nórdico e que neste exato momento até questiona, à boa moda britânica, se não deve passar mais tempo a aproveitar o apogeu floral. Mas não, amanhã começa-se o dia em Bruxelas capital, o primeiro monumento será uma igreja de nome Nossa Senhora do Bom Socorro, monumento barroco, por estar perto da Grand Place foi em grande parte destruída pelos bombardeamentos de 1695 do marechal Villeroy, às ordens de Luís XIV, e reconstruída no final do século XVII. Ninguém ignora que o Norte da Europa, católico ou protestante, se laiciza a passos gigantescos e os templos religiosos recebem turistas e cada vez menos crentes. Amanhã iremos visitar uma igreja vazia, felizmente que haverá música de fundo a tentar colmatar a ausência dos cânticos dos fiéis.
Ponte de Sôr > 5 de novembro de 2016 > Convívio anual da CCAÇ 557 ( Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) > Foto de grupo: à esquerda, o José Colaço, a seguir a sua esposa, em terceiro o Francisco dos Santos e a sua Emília. O Francisco é também nosso grã-tabanqueiro. Foi 1º cabo radiotelegrafista, E é inspiradíssimo pota popular.
Foto à direita: José [Botelho] Colaço ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008: tem 70 referência no nosso blogue.
Luís, para arquivo ou publicação...
Esta é uma das companhias que, por ser das primeiras a ir para a guerra, também está condenada a ser das primeiras a extinguir-se, isto tendo em conta as ausências que se notam nestes últimos convívios, uns por doença, outros com as dificuldades do peso dos anos... para não falar já daqueles que de ano para ano tomam a barca do barqueiro de Caronte.
Este ano só picaram o ponto vinte ex-combatentes. O que nos dá ânimo é que o comandante ainda está activo e marca presença embora apresente as suas queixinhas, os tais lapsos de memória mas ainda dá o seu pezinho de dança. O único ex-alferes que sempre tem marcado presença, este ano já apareceu com o auxílio de umas canadianas.
Segue em anexo um poema que todos os anos faz honra em escrever o nosso poeta, dedicado ao convívio, e uma foto em que estou à esquerda, a seguir a minha mulher, em terceiro o nosso poeta popular Francisco dos Santos e a sua Emília.
1. Em mensagem do dia 24 de Novembro de 2016, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) enviou-nos este artigo sobre o valor atingido por um sonô, ceptro real, da Guiné-Bissau.
O mais valioso tesouro artístico da Guiné-Bissau
Beja Santos
Em 1969, estava eu no Cuor e Avelino Teixeira da Mota em Bissau (era Chefe do Estado-Maior do Comando da Defesa Marítima da Guiné, recebi deste um aerograma em que a dada altura me perguntava se conhecia a existência de algum sonô na região, visto que os Mandingas do Cuor eram Beafadas mandinguizados. E explicava-me que eram os cetros reais Beafadas de que havia notícia desde o século XVII. E adiantava alguns elementos, curiosamente coincidentes com a apresentação que sobre os mesmos fez num colóquio internacional de antropologia, documento que me ofereceu mais tarde. Todas as diligências junto do régulo foram infrutíferas, mesmo em Bambadinca e Bafatá. Um velho, em Bambadinca adiantou que há muitos anos um comerciante alemão que circulava no Xime e no Xitole também procurava semelhantes objetos.
Imprevistamente, ao folhear um catálogo da conceituada leiloeira Christie’s, de um leilão de arte africana e da Oceânia que se realizou em Paris em Dezembro de 2015, deparou-se-me um sonô cuja base de licitação oscilava entre os 10 e 15 mil euros. Não resisto a mostra-vos esta jóia disputada pelos colecionadores mais exigentes de arte africana, são peças que constam dos mais importantes museus do mundo, como o Moma. Dá vontade de rir quando se diz que a Guiné-Bissau está fora do mapa da melhor arte africana.
Deram-me
a honra de um convite para intervir, no âmbito do 11.º Congresso da FNAM
(Federação Nacional dos Médicos), num debate sobre o Serviço Médico à
Periferia, cabendo-me falar sobre o exercício da medicina antes do 25 de
Abril.
Alguém sugeriu que era útil e interessante fazer um texto com o
essencial da minha intervenção. Ele aí está, todavia liberto de todos os
aspectos técnicos que só serviriam para entorpecer a leitura de quem
não é médico
Pelo texto que se segue, todos ficarão com uma ideia de como era, com algumas variantes, a prática da medicina rural e de todo o interior do país antes do 25 de Abril e, portanto, antes da criação do SNS, por volta de 1989, o qual, em três décadas, como sabemos, se haveria de tornar num dos melhores e mais respeitados do mundo.
Hoje, infelizmente, encontra-se no meio do mais ignóbil processo de destruição, urdido pelo capital privado e pelas forças mais retrógradas que procuram miná-lo por todas as formas e feitio, de modo a poderem dizer que não funciona. Gente que se encontra nos antípodas dos homens progressistas que o criaram e ajudaram a desenvolver, homens de mente sã e avançada, como Miller Guerra, Albino Aroso, António Galhordas, Gonçalves Ferreira, Pereira de Moura, António Arnaut e outros.
11.º Congresso da FNAM
(Federação Nacional dos Médicos), Porto, Hotel Ipanema, 12 e 13 de novembro de 2016
Debate FNAM > Programa > Serviço Médico à Periferia > Porto, Hotel Ipanema, 11 de novembro de 2016, 21h30 > Intervenção: Adão Cruz - Médico Cardiologista Vídeo com a intervenção do dr, Adão Cruz, (27 m) que nos foi foi facultado pelo próprio
A medicina antes do 25 de Abril
Quando saí da Faculdade tive duas opções de vida: Fazer clínica na minha terra, como “João Semana”, ou aceitar o convite de um colega mais velho do que eu cerca de onze anos, amigo e conterrâneo que residia nos EU, médico hospitalar de medicina interna, para ir para a América. Tinha de escolher uma destas duas opções extremas. Optei pela primeira por duas razões principais: por um lado, tinha a guerra colonial à minha frente e dificilmente poderia sair do país, por outro lado, precisava de ganhar algum dinheiro. Os meus pais fizeram muitos sacrifícios para formarem dois filhos e eu não estava disposto a sacrificá-los mais tempo.
Estávamos no ano de 1964. E assim comecei a minha actividade clínica, em Vale de Cambra, sem estágio nem tese, três anos antes da ida para a guerra colonial da Guiné. Encostei-me a um velho clínico que era um monumento de sabedoria prática e experiência. Foram esses três anos os piores e mais difíceis. Vale de Cambra, um pequeno concelho com uma área de 147 Km2, tinha talvez menos de 15.000 habitantes. Dispersava-se por nove freguesias, algumas delas abrangendo os mais remotos e inóspitos lugares da Serra da Gralheira, com pequenos povoados e populações encravadas em locais quase inacessíveis, com muitas pessoas vivendo na maior ignorância e na mais extrema miséria.
Continuei durante outros três anos, após o meu regresso da Guiné, estes já melhores, pois iniciei na altura o Internato Geral no Hospital de Santo António, para onde me deslocava todos os dias. Este facto, a experiência da guerra e alguma presença em reuniões científicas, permitiram-me uma maior competência, bem como relações pessoais e com o hospital, que me facilitaram muito a minha prestação de cuidados médicos. Não tive, propriamente, contacto com o Serviço Médico à periferia, criado em 1975. Nessa altura já eu tinha obtido a especialidade e fazia parte do Serviço de Cardiologia do Hospital de Santo António.
Pediram-me para falar da medicina em Portugal antes do 25 de Abril, ou seja, antes da criação do Serviço Médico à periferia em 1975, o primeiro passo, por assim dizer, para o nascimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e também uma experiência valiosa e ímpar. As duas realidades, o antes e o depois do 25 de Abril, não podem comparar-se. Claro que eu não posso falar do que se passava em Portugal. Posso falar, sim, do que se passava numa parte de Portugal, que, muito provavelmente, com algumas diferenças, era o que se passava em todo o interior do país. E digo interior, porque havia uma significativa diferença com o litoral, onde existiam os poucos recursos técnicos da época. Com efeito, não havia qualquer rede hospitalar digna desse nome, e os únicos hospitais situavam-se em Lisboa, Porto e Coimbra, havendo um ou outro pequeno hospital, aqui e ali, de muito pouca eficácia, quase sempre ligado às misericórdias. De qualquer forma, os cuidados primários de saúde eram um conceito quase desconhecido, sendo notória uma profunda degradação dos poucos serviços de saúde existentes e uma enorme incapacidade de resposta às necessidades mais elementares.
Antes do 25 de Abril a assistência médica não estava assegurada, sobretudo antes do fim da década de sessenta. Competia às famílias, às instituições privadas e à caridadezinha, que a despeito de aviltar a dignidade humana, lá ia remendando as coisas aqui e ali, bem como aos débeis serviços médico-sociais da Previdência fazerem alguma coisa. Mas era sobretudo ao “João Semana”, pilar fundamental da saúde nesses tempos, que tudo se exigia. As áreas rurais dessa época tinham características comuns, o serem pouco populosas, muito isoladas, com uma população envelhecida, profundamente carenciada, com problemas de acessibilidade aos grandes centros que ficavam muito longe e com vias de comunicação péssimas, vivendo de uma agricultura de subsistência, e, portanto, profundamente vulneráveis. A saúde, ou o pouco que se poderia fazer na promoção da saúde era dependente da capacidade económica de cada cidadão, o que levava ao pagamento integral dos cuidados médicos, nomeadamente dos cuidados hospitalares, mesmo públicos. Só tinham direito a cuidados gratuitos, e obviamente de pior qualidade, aqueles que conseguissem apresentar um atestado de pobreza ou indigência passado pela junta de freguesia.
E foi nestas condições de 1964 que eu comecei a viver, de dia e de noite, 24 horas por dia, ao sol e à chuva, todas as peripécias clínicas que levaram um dia minha mãe a dizer-me: rapaz, muda de vida senão morres. Mas foram essas tremendas dificuldades e essas precaríssimas condições, que constituíram para mim uma segunda faculdade. Dizia o meu velho amigo Dr. Teixeira da Silva: você aqui vai ver tudo, desde a queda do cabelo à unha encravada. Com efeito, numa altura em que a esperança de vida era de quase menos 15 anos do que hoje, éramos senhores de todas as especialidades, desde a pediatria à ginecologia e obstetrícia, passando pela dermatologia, oftalmologia, psiquiatria etc. Em termos de material, eu tinha quase tudo o que era possível ter na altura, e muita coisa oferecida por um grupo de amigos: marquesa, mesa ginecológica, espéculos, estetoscópio, aparelho de tensões, otoscópio, oftalmoscópio, sondas e algálias, todo o material necessário a pequena cirurgia. Era frequente a incisão e drenagem de abcessos, a exérese de lipomas e quistos, extracção de unhas encravadas, circuncisões etc. Tinha ligaduras, pensos e desinfectantes variados, material para injectáveis, mala de urgência apetrechada com tudo o que era viável, e ainda fórceps e ventosa que o Dr. Teixeira da Silva me emprestava. Ele tinha também uma velha radioscopia cuja radiação nos deixava, ao fim de 5 minutos, como se tivéssemos apanhado uma descarga eléctrica. Para fazer uma radiografia, um electrocardiograma, qualquer exame mais avançado ou uma cirurgia, só no Porto, o que ficava muito caro. Fora do Porto nada havia, apenas um ou dois pequenos laboratórios de análises em concelhos limítrofes.
As pessoas viviam atormentadas com o medo da doença e viam-se obrigadas a algumas poupanças durante a vida não só para guardarem “um terço para a tarde”, como se dizia, mas também para ocorrerem ao inesperado, ou então tinham de vender terras e gados para pagar uma qualquer cirurgia ou outros cuidados de saúde mais dispendiosos. De uma maneira geral, só chamavam o médico quando viam que a coisa tinha atingido um tal estado que já não era resolúvel por si própria e pelas mezinhas caseiras. Claro que o nosso objectivo era muito mais o do alívio sintomático e a melhor resolução possível da situação, não havendo, por falta de meios de toda a espécie, nomeadamente meios auxiliares de diagnóstico, grandes preocupações de investigação e de diagnósticos precisos e etiológicos.
Uma das actividades para que mais vezes éramos solicitados era a assistência aos partos. Mas só quando a parteira habilidosa lá do lugar via o caso mal parado. Partos no hospital ou na maternidade eram uma raridade. A taxa de mortalidade neonatal andava pelos 25 por mil, a taxa de mortalidade perinatal pelos 40 por mil, a taxa de mortalidade infantil rondava os 60 por mil e a taxa de mortalidade materna atingia os 70 por 100.000. Fiz muitos partos, alguns à luz da candeia e do petróleo, em locais onde nunca passou Cristo, em que a camita de ferro da parturiente era por cima do curral da vaca. Quase todos os partos que fiz, por incrível que pareça, foram partos naturais, embora com auxílio de episiotomias, do fórceps e sobretudo da ventosa, o que a meu ver, pode pôr em causa a actual necessidade de muitas cesarianas.
As gastroenterites, sobretudo em bebés e crianças eram frequentes, e só nos chegavam às mãos em adiantado estado de desidratação que nós tentávamos resolver com a ministração subcutânea de soro, dos dois lados da barriguita, deixando a criança com dois ventres, como um sapinho. Era praticamente impossível canalizar e manter uma veia numa criança daquelas. Em adultos, lá conseguíamos fazer umas infusões com as poucas soluções parentéricas de que na altura dispúnhamos.
Caía-nos em cima tudo o que fosse infecções e todas as doenças infecto-contagiosas possíveis e imaginárias, incluindo tuberculose, febre tifóide, mononucleose, tétanos, muitos casos de sarampo, cuja vacina fora descoberta apenas um ano antes, escarlatina, varicela, coqueluche, reumatismo articular agudo e subsequentes doenças valvulares, meningites e a difteria ou garrotilho que produzia a terrível toxina diftérica. Na difteria, o que mais nos atemorizava eram as situações de obstrução respiratória, produzidas pelas placas brancas da orofaringe. Uma vez estive com o bisturi na mão, decidido a fazer uma traqueostomia (abertura na traqueia) num catraio de cinco ou seis anos, mas optei por fazer outra coisa que não era aconselhável, pois poderia disseminar a toxina, isto é, arrancar as placas da orofaringe. Felizmente correu bem, e a criança é hoje um saudável adulto emigrante na Alemanha. Infecções pulmonares, pneumonias graves, apendicites que nos chegavam algumas vezes com peritonite e que encaminhávamos para um pequeno hospital de que nos valíamos, o Hospital Conde de Sucena, em Águeda. Todavia, falar em ir para o hospital era sempre um problema e uma solução muitas vezes não aceite pelos familiares, não só porque constituía uma espécie de sentença de morte, mas também porque se temia a conta que daí adviria. Então para o Santo António nem pensar, não sei se por ser mais longe, se pela sua envergadura.
Acidentes de trabalho, por vezes com graves feridas e traumatismos, fracturas e queimaduras extensas, tudo situações que nos exigiam grande responsabilidade, muito tempo de tratamento e a aplicação rigorosa de todos os conhecimentos aprendidos na faculdade, que não eram poucos nem frágeis, pois a nossa formação, na altura, foi muito boa. A medicina no trabalho não existia, embora começasse a nascer em conceito. Havia algumas pequenas empresas, sobretudo na área das madeiras, dos lacticínios e da metalo-mecânica, mas o trabalhador era uma máquina como qualquer outra, tendo de ser reparada quando avariava. O trabalhador não tinha quaisquer direitos laborais e era-lhe negada a possibilidade de ser um sujeito activo na construção da sua própria saúde, incluindo o controle de factores que a determinavam positivamente, factores protectores, ou que a punham em risco, factores de risco, quer dentro quer fora do local de trabalho.
Frequentes situações de insuficiência respiratória e graves crises de asma, silicoses, insuficiência cardíaca grave, com edema agudo do pulmão. Ainda nos valíamos dos garrotes e da sangria. Arritmias cardíacas que classificávamos conforme podíamos, sem qualquer registo electrocardiográfico, e que tentávamos reverter quando havia repercussão clínica. Cardiopatias congénitas e outras malformações, sobretudo aquelas que eram mais susceptíveis de diagnóstico clínico. O primeiro diagnóstico que fiz, a “solo”, de uma dessas graves malformações chamada coartação da aorta, foi num rapaz de vinte anos, pouco mais novo do que eu. Foi operado em Lisboa pelo Professor Celestino da Costa, e hoje, ao fim de mais de meio século ainda é vivo e ainda vem à minha consulta. Havia AVCs e enfartes do miocárdio, com diagnóstico apenas clínico, que encaminhávamos para o hospital de Águeda ou Santo António. Ao compararmos o que se fazia na altura perante um enfarte do miocárdio, por exemplo, e o que se faz hoje em termos de cardiologia de intervenção, damos com um abismo apenas preenchido por uma monumental ignorância. No fim de contas, o resultado era o doente morrer ou ficar com o coração gravemente mutilado.
Havia amigdalites muito frequentes e repetitivas, e como na altura havia grande medo do reumatismo articular agudo (RAA), quanto mais cedo extirpássemos as amígdalas melhor. Juntávamos três ou quatro pacientes, e uma vez ou outra vinha um otorrino de Lisboa a Oliveira de Azeméis de onde era natural, e passava pelo consultório, operando-os de empreitada.
Eram frequentes as cólicas renais e biliares, bem como doenças oncológicas terminais, cancros do estômago, cancros pulmonares avançados, com punções pleurais por vezes repetidas, nos confins da serra, para esvaziar o líquido pleural e aliviar a asfixia do doente. Gangrenas, cirroses e drenagens de ascites monstruosas, limpeza e tratamento, às vezes durante meses, de feridas de toda a ordem, nomeadamente feridas cancerosas da pele onde cabia um punho, cancros da boca, do pénis e do ânus.
Para terminar, gostaria de dizer que muita coisa que hoje é quase banal no nosso país, não existia na altura. Fui algumas vezes a Madrid com dois tipos de doentes: asmáticos e doentes com patologias cardíacas valvulares. Tratava-se, obviamente, de pessoas com dinheiro, ou, pelo menos, com posses suficientes para as despesas que não eram pequenas. Quanto aos primeiros, não havia ainda em Portugal a especialidade de alergologia nem a existência de vacinas, pelo que recorríamos ao Instituto La Paz, onde trabalhava um grande alergologista, o Dr. Ojeda Casas, e de lá trazíamos as vacinas. No que respeita aos doentes com indicação de cirurgia cardíaca, que não existia em Portugal, essencialmente implantação de próteses valvulares mecânicas, valíamo-nos do Hospital de Nuestra Senhora de La Concepcion, onde trabalhava um dos mais conhecidos cirurgiões cardíacos da época, o Dr. Gregório de Rábago, o qual operou o meu amigo e colega de consultório, estomatologista, filho do Dr. Teixeira da Silva.
Adão Pinho da
Cruz, Médico Cardiologista, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68
Cartaz > Debate FNAM > Programa > Serviço Médico à Periferia > Porto, Hotel Ipanema, 11 de novembro de 2016, 21h30 > Intervenção: Adão Cruz - Médico Cardiologista
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Guiné > Região do Oio > Bissorã > CCAÇ 13 (1969/74) > Pós 25 de abril de 1974 > Os primeiros (re)encontros, pacíficos, entre as NT e os guerrilheiros do PAIGC (fotos nºs, 1 e 2). Na foto nº 3, vê-se em primeiro plano o Henrique Cerqueiro, saindo em patrulhamento ofensivo com um Gr Comb da CCAÇ 13.
Recorde-se que o Cerqueira esteve, como fur mil, no TO da Guiné, desde finais de novembro de1972 até inícios de julho de 1974, primeiro na 3ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72 e depois na CCAÇ 13.
Em determinada altura , ou seja, já em data posterior a Abril de 74 e já depois de haver encontros com os combatentes do PAIGC, encontros amigáveis, o nosso comando continuava a enviar grupos de combate em missões de patrulhamento ofensivo, ao interior do mato, tal como no tempo em que a guerrilha estava activa.
A malta, para além de estar no fim da comissão, achava ridículo esses patrulhamentos, pois que começou a ser comum encontramos, várias vezes, a meio do caminho, pequenos grupos de combatentes do "IN" que vinham visitar familiares a Bissorã. (**)
E até tinha alguma graça porque quando nos encontravamos e, após os cumprimentos de cortesia entre os dois "inimigos", era costume nós perguntarmos onde é que eles iam. E eles respondiam que iam "visitar família no Bissorã". Então eles nos perguntavam o que fazíamos nós por ali, em pleno mato e longe do aquartelamento. Nós, em jeito de "gozo", respondíamos que andávamos em busca de "turra". E lá partíamos para lados opostos, cansados e com a sensação de estarmos a ser ridicularizados.
Vai daí, e até ser verificado pelas nossas altas patentes que naquela altura seriamos mais úteis na zona de aquartelamento, a malta de quando em vez lá acampava nas proximidades sem dar muita bronca e assim evitar algum cansaço e quem sabe alguma mina esquecida nos trilhos.
Mais tarde, e devido a alguma "rebaldaria" da época revolucionária que se estava a instalar na população civil, veio a ser muito útil acabar com os patrulhamentos na mata, passando antes a ser feitos dentro da localidade.
Outra das medidas ridículas era, na época de guerra e de quando em vez, o comandante de Batalhão em determinadas operações enfiar-se numa DO-27 [, o famoso PCV, posto de comando volante]... Ía a determinado ponto do local da operação e mandava via rádio a malta se pôr na vertical. Isto e só porque o Comandante não tinha mesmo a noção do risco em que punha a malta ao obedecer a tão ridícula ordem.
Após o aparecimento dos mísseis [Strela] deixaram por completo de fazer esses "voos turísticos" no teatro de guerra. Era por isso que havia alturas em que a malta cá em baixo tinha mesmo que improvisar alguns malabarismos e enganar (?) os senhores estrategas.
Colecção: História Séc. XX
Nr de páginas: 272
PVP /c Iva: 17,90 €
ISBN: 978-989-626-792-6
Formato: 16 X 23,5 X 1,35
Encadernação: Brochada
Editora: A Esfera dos Livros
Autores: Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus
Data: 11 de novembro de 2016
1. Mensagem de Cláudia Silveira, da editora A Esfera dos Livros
Data: 15 de novembro de 2016 às 16:18
Assunto: História Coloniais, de Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus
Boa tarde,
Neste seu livro póstumo, os investigadores Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus fazem-nos recuar a épocas de vincada opressão colonial em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé, Goa, Macau e Timor-Leste, numa viagem ao passado que começou no final da década de 1920 e termina em meados dos anos 60.
Ao longo de oito episódios, um por cada antiga colónia portuguesa, os autores descrevem acontecimentos que retratam a violência e a brutalidade de uma dominação colonial insensível aos problemas das populações e mostram ainda de que forma esta postura contribuiu para a formação de uma consciência nacionalista e como acelerou o caminho para a independência dos territórios - ou para a sua integração nos países a que pertenciam.
Algumas histórias são praticamente desconhecidas enquanto outras, graças a novas fontes encontradas pelos autores, têm aqui versões mais completas do que as que eram até agora do conhecimento público. É o caso de um dos acontecimentos mais sangrentos e simultaneamente obscuros da presença portuguesa em África: o massacre nos campos de algodão da Baixa do Cassanje, em Angola.
Cláudia Silveira | Comunicação | A Esfera dos Livros
(i) nascida em Viana do Castelo; (ii) licenciada em História, diplomada em Estudos Superiores Especializados em Administração Escolar, mestra em História Social Contemporânea e doutora em História Moderna e Contemporânea; (iii) investigadora integrada do Instituto de História Contemporânea (da FCSH da Universidade NOVA de Lisboa);
(iv) consultora do projeto norte-americano ALUKA para a escolha de material dos arquivos portugueses com vista à formação de uma biblioteca digital sobre a luta de libertação nacional em Moçambique;
(v) participante em congressos e conferências, nacionais e internacionais, sobre a problemática das lutas de libertação nacional;
(vi) autora ou coautora de artigos e livros, entre os quais se destacam: A Luta pela Independência (Inquérito, 2ª edição, 1999); A PIDE-DGS na Guerra Colonial (Terramar, 2ª edição, 2011); Memórias do Colonialismo e da Guerra (ASA, 2008); Nacionalistas de Moçambique (Texto, 2010); Angola 61: Guerra Colonial, Causas e Consequência (Texto, 3ª edição, 2011); Purga em Angola (Texto, 8ª edição, 2013); (vii) era casada com Álvaro Mateus.
Álvaro Mateus(1940-2013).
(i) nascido em Moçambique;
(ii) estudante universitário em Lisboa, foi dirigente da Casa dos Estudantes do Império (CEI);
(iii) nos primeiros anos da guerra colonial, promoveu e coordenou um jornal clandestino contra a guerra:
(iv) no início dos anos 70, fez uma reportagem nas regiões controladas pelo PAIGC, na Guiné-Bissau (, na qualidade de locutor e repórter da Rádio Portugal Livre, localizada na Roménia);
(v) regressado do exílio, foi membro, em 1975, da Comissão Instaladora da Assembleia Constituinte e da Comissão Nacional de Eleições; (vi) no princípio da década de 80, participou na formação de professores na Escola Central da FRELIMO e na formação de quadros na Faculdade de Antigos Combatentes e Trabalhadores de Vanguarda da Universidade Eduardo Mondlane;
(vii) ao longo da vida foi quadro político (e militante do PCP até 1987), jornalista e locutor, publicista e tradutor, advogado e professor.