Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2019:
Queridos amigos,
A comissão de Eduardo começa em Quipedro e tem o seu término em Barraca. O imprevisto de toda esta narrativa é, como se observou anteriormente, haver uma descrição oficinal a ritmo moderado, o que começa por se contar parece um fotomaton que cabe no currículo de muitos de nós, e de chofre, depois de uma estadia em Quipedro, numa tensão habitual de guerrilha, chega-se ao Leste e é uma autêntica descida aos infernos, daí não hesitar em dizer que nada de mais explosivo se escreveu sobre os horrores da nossa última guerra em África.
E termina-se com uma citação um tanto cabalística do autor na apresentação do seu livro:
"Um forte sentimento de culpa, aliado a laços de camaradagem e de cumplicidade, tem levado os ex-combatentes ainda vivos a silenciarem acontecimentos dramáticos que protagonizaram de modo ativo ou passivo. Esse é um dos grandes óbices a que se escreva a verdadeira história da guerra colonial".
Um abraço do
Mário
Uma das mais explosivas obras da literatura da guerra colonial: “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes (3)
Beja Santos
A obra “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes, Círculo de Leitores, 2000, centrada em acontecimentos ocorridos na guerra de Angola, é um documento com imenso significado. A roda da fortuna lançou um jovem alferes em Quipedro, no Norte, tudo parece levar a crer que é uma guerra de guerrilhas que opõe as forças portuguesas e as surtidas rebeldes, é certo que há população afetada, mas muitíssimo menos grave do que ele vai presenciar no Leste.
Ele escreve em 17 de setembro de 1967, no Alto Cuíto:
“O Alto Cuíto era um simples morro que dominava uma extensa chana onde corria o rio Cuíto, de águas cristalinas. Dentro do espaço protegido por arame farpado, no topo da colina, existiam improvisadas barracas de madeira para utilização da tropa. Contrastavam com a confortável casa de alvenaria do Administrador de Posto.
O Administrador Raposo tinha sob as suas ordens cerca de duas dúzias de milícias mal vestidas e de pés descalços, armadas de velhas espingardas de repetição. Mantinham a sua própria segurança, com um sentinela permanente num torreão de madeira.
Sendo aquela uma zona de guerra, onde as populações haviam abandonado as suas sanzalas e passado para o controlo da UNITA ou do MPLA, não fazia sentido continuar a existir no Alto Cuíto uma autoridade administrativa, pensava o Alferes. Mas o certo é que o Raposo mantinha-se no seu posto como se tivesse sido esquecido pelos seus superiores hierárquicos ou como se estes ignorassem a situação de guerra no terreno.
O administrador convidou o alferes a deslocar-se à secretaria do seu posto administrativo, para participar num interrogatório de negros suspeitos de ligações com a UNITA.
O primeiro detido, ao ser perguntado sobre a localização dos guerrilheiros, nada disse. Os cassetetes dos dois sipaios de serviço funcionaram então implacavelmente, tal como as mãos e os pés do administrador. O interrogado rebolou no chão como se de um objecto qualquer se tratasse.
O segundo detido enfrentou o Raposo com uma aparente serenidade. Também parecia mostrar-se decidido a não declarar nada. E nem sequer reagia às violentas pancadas que um dos sipaios lhe infligia. Poucos saíam dali vivos”.
Mais tarde, o alferes avistou duas vítimas no chão, uma delas com um lago de sangue à sua volta. À noite, os milícias deitaram os corpos num rio.
E comenta-se:
“No Leste, a vida dos adversários ou dos meros suspeitos não tinha significado algum para cada uma das partes do conflito. Assassinava-se a sangue frio, sem dó nem piedade, por tudo e por nada”.
A tropa de Eduardo dá proteção à Junta Autónoma das Estradas, prepara-se uma ponte numa área de intervenção do MPLA, protegem-se serrações de madeiras a 75 e a 95 quilómetros do Alto Cuíto. Ocorrem emboscadas, morre o 1.º Cabo Costa, vítima de uma emboscada próximo da serração do Nhonga. Faz a contabilidade, com apenas um terço da comissão tinham sido feridos e mortos em combate nove soldados. O contexto do terrífico e do horror não abranda.
Ele escreve a 26 de outubro:
“De manhã saiu, em missão de patrulhamento, uma secção comandada pelo Furriel Marta. Ao cruzar-se com dois negros desarmados, deteve-os e não tardou a eliminá-los, utilizando um processo cruel. Amarrou-os um ao outro, costas com costas. Depois colocou uma granada defensiva despoletada entre os corpos e afastou-se. À distância, gozou o espectáculo macabro dos dois condenados a serem despedaçados pelos estilhaços do engenho explosivo”.
Sucedem-se os patrulhamentos, numa sanzala controlada pela UNITA, os habitantes mostravam-se aterrorizados, nada lhes aconteceu. No regresso de um outro patrulhamento, já perto do Alto Cuíto, “viu o jipe do administrador carregado com cinco negros de mãos atadas atrás das costas, escoltados por sipaios. Não duvidou do destino que os desgraçados teriam mais tarde”.
Os interrogatórios em casa do administrador Raposo não param, Eduardo está enojado, pensou mesmo em prendê-lo mas temeu as consequências. Termina as observações desse dia escrevendo:
“O morro do Alto Cuíto era um barril de pólvora que mais tarde ou mais cedo teria de explodir”.
Prossegue a atividade operacional, a guerrilha estende-se como mancha de azeite. Os acidentes também não param, caso de um soldado que caiu numa armadilha e ficou espetado num pau aguçado, que lhe entrou na virilha e avançou até perto do pescoço.
Eduardo regressa a Munhango, tinham sido distribuídas armas a uns tantos homens numa sanzala próxima, esses homens passaram-se com armas e bagagens para a UNITA. Já estamos em 1968, os patrulhamentos não abrandam. O relacionamento entre Eduardo e outro alferes é cada vez mais tenso, e o relacionamento com o Capitão Francisco já teve melhores dias. O alferes volta a Cangonga, vem com a missão de penetrar em zonas “libertadas” e surpreender gentes da UNITA, os resultados são magros.
Descreve a 29 de janeiro:
“Verificou que as sanzalas, tempos antes habitadas, iam sendo progressivamente abandonadas pelas populações, entaladas entre as pressões da UNITA e as das tropas portuguesas. Quando se aproximou para cumprimentá-lo, o Sr. Vilaça, madeireiro em Cangonga, insinuou de modo crítico que o alferes era excessivamente brando para com os negros. Defendia que deveria, no mínimo, ser tão duro como o seu antecessor Barradas. A população branca que ainda permanecia no Leste exigia sangue. Queria acções de represália contra os suspeitos. E por ali toda a gente negra era suspeita. Muitos acreditavam que aquela guerra só poderia resolver-se com o terror do branco contra o terror do negro".
Este jogo do gato e do rato com a UNITA, o convite a que as populações se apresentassem frutifica, vão-se apresentando pessoas num pinga a pinga que vai aumentando, vão ser necessárias obras de construção para albergar alguns daqueles que haviam participado em atos cruéis de terrorismo. Melhoram as relações entre os oficiais da companhia, o sofrimento das populações é inesgotável, os episódios de horror repetem-se, como se exemplifica:
“Sentado junto de uma tenda de campanha, vi um negro cambaleante e esfarrapado aproximar-se da porta de armas do quartel de Munhango. Desatou o cordão que trazia amarrado à cabeça e o maxilar inferior caiu-lhe de imediato, deixando-lhe a boca escancarada.
Segurou o queixo com uma das mãos e, quase imperceptivelmente, foi balbuciando o seu drama.
Residia na sanzala de Magimbo quando uma bala lhe destroçou a face. Refugiara-se na floresta, receoso de ser apanhado pela tropa ou pela UNITA. Mas a fome e o medo acabaram por obrigá-lo a apresentar-se às autoridades portuguesas. Ali estava ele em busca de paz e de alimento”.
Os episódios sangrentos avantajam-se, houvera uma emboscada e a tropa reagiu, dois grupos de combate foram tentar a sua captura e fazer justiça.
E repete-se o horror:
“O jovem oficial levava consigo farinha e peixe, a servir de isco. Era um artifício destinado a incutir nos aldeões a ideia de amistosidade. As pessoas, embora desconfiadas inicialmente, quando viram a comida aproximaram-se, na expectativa de alcançarem a sua quota-parte.
Depois dos habitantes estarem reunidos, apareceu o guia denunciante, incumbido de identificar os elementos hostis. Foi nesse momento que compreenderam a intenção da tropa. Assustadas, procuraram fugir em todas as direcções. Eram centenas de negros em fuga precipitada. O alferes não hesitou. Ordenou aos militares que atirassem impiedosamente. Homens, mulheres e crianças tombavam como animais no matadouro”.
Em março, a CCAÇ 1638 viaja para Barraca, um lugar situado a cerca de cem quilómetros a sudeste da capital, junto da estrada que ligava Luanda ao Dondo. A corrente de alta voltagem que se vivera na região Leste vai-se diluindo, regressa-se ao trivial, às situações corriqueiras, fazem-se férias e em fevereiro de 1969 retoma-se a viagem para Luanda, é o regresso.
“Quando chegou à Covilhã, olhou o recorte noturno da montanha sob o céu escuro. A mesma que via desde a sua infância. Os pais acharam-no pouco falador, muito menos do que outrora. Nunca fora expansivo. Mas parecia-lhes claro que ele não desejava falar sobre a sua vivência em Angola. Antes de deitar-se tomou um Vesparax completo. E adormeceu. Não ouviu nem sentiu o forte tremor de terra dessa noite de 27 para 28 de fevereiro de 1969. O maior das últimas décadas em Portugal”.
E assim se chega ao termo de uma obra avassaladora, onde as descrições no Leste de Angola atingem o pico do horror, do medo, da existência sem sentido, como se sobreviver fosse o santo-e-senha.
____________
Notas do editor
Vd. postes de:
14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20238: Notas de leitura (1226): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (1) (Mário Beja Santos)
e
21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20263: Notas de leitura (1228): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 26 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20276: Notas de leitura (1230): "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012): excerto do capítulo 11, "Mina na Companhia 305", evocação, pungente, da morte do cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes, vítima de mina A/C, na estrada Buela-Pangala, Norte de Angola, em 10/7/1962
Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV
Fonte: Centro de Documentação da Universidade de Coimbra (Arquivo electrónico),
com a devida vénia.
O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,
indigitado régulo da Tabanca de Almada;
tem 230 registos no nosso blogue.
ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE DOENÇA – PARTE IV
Eis o quarto fragmento desta temática iniciada no poste P20126, que combina o interesse pessoal com a busca de outros elementos historiográficos emergentes na natureza da guerra. Assim sendo, prosseguimos com a divulgação e análise de mais alguns resultados apurados, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.
2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)
Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).
2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)
Como temos vindo a referir, a análise demográfica incluída nesta investigação, e as variáveis com ela relacionada, foi feita a partir dos casos de mortes de militares do Exército durante a guerra no CTIG (1963-1974), da especialidade de "condutor auto rodas", identificados nos "Dados Oficiais", elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).
Quadro 1 – Distribuição de frequências das variáveis categóricas "em combate" ("contacto", "minas" e "ataque ao aquartelamento"), segundo a relação "ano" e "estação do ano". Considerou-se "Estação Seca", o período entre 1 de Maio e 15 de Outubro, e "Estação das Chuvas", o período entre 16 de Outubro e 30 de Abril.
Gráfico 1 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate", por "ano" e "estação do ano".
No que concerne à distribuição de frequências acumuladas relativas à "Estação do Ano" em que ocorreram mortes de condutores auto rodas do Exército, o estudo mostra que não existem diferenças significativas entre "época seca" e "época das chuvas".
São excepções os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra 2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (10 contra 5). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 8 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".
Em suma, este estudo não nos permite concluir que a "estação do ano" tenha tido alguma influência quantos aos casos de mortes em análise.
Gráfico 2 – Distribuição de frequências acumuladas segundo a variável categórica "em combate - por contacto", por "ano" e "estação do ano".
Quanto à distribuição de frequências acumuladas "em combate - por contacto", relativas à "Estação do Ano", o estudo mostra que continuam a não existir diferenças relevantes entre "época seca" e "época das chuvas". São excepções, uma vez mais, os anos de 1964, 1966 e 1973. Em 1964, registaram 10 casos na "época seca" contra 2 casos na "época das chuvas". Igual tendência foi observada no ano de 1966 (7 contra 3). Em 1973, verifica-se uma tendência de sentido contrário, com 5 casos na "época das chuvas" contra 2 casos na "época seca".
3. – MAIS ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"
Neste terceiro ponto, continuamos a observar um dos principais objectivos deste trabalho onde, para além dos números, se recuperam algumas memórias, sempre trágicas, quando estamos em presença de perdas humanas… umas confirmadas ao nosso lado; outras, um pouco mais distantes. Seguimos, agora, com a descrição de mais três "casos" (de um total de trinta e três), enquadrados pelos contextos conhecidos. A principal fonte de consulta continua a ser o vasto espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.
3.10 - 05 DE FEVEREIRO DE 1966: A TERCEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO AIRES DE JESUS FERREIRA, DA CCAÇ 674, ENTRE CANHÁMINA E CAMBAJÚ (BONCÓ)
3.10 - 05 DE FEVEREIRO DE 1966: A TERCEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA - O CASO DO SOLDADO AIRES DE JESUS FERREIRA, DA CCAÇ 674, ENTRE CANHÁMINA E CAMBAJÚ (BONCÓ)
A terceira morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, foi a do soldado Aires de Jesus Ferreira, natural de Pombal, Leiria, ocorrida no dia 05 de Fevereiro de 1966, sábado, no itinerário entre Canhámina e Cambajú, perto da Tabanca de Boncó.
Este acontecimento também ficou gravado, na cronologia historiográfica da guerra, como sendo o primeiro no território a Norte da Guiné (Bissau), a poucos quilómetros de Cambajú, localidade situada na fronteira com a República do Senegal.
Por curiosidade, este episódio ocorreu na região que viu nascer o nosso colaborador permanente, e grande amigo da «Tabanca Grande», Cherno Baldé, que, naquela data, teria cinco/seis anos e, daí, certamente, desconhecê-lo.
O contingente a que pertencia o soldado condutor Aires de Jesus Ferreira era a CCAÇ 674, Unidade mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, do Cap Inf José Rosado Castela Rio. Chegou a Bissau em 13Mai64, tendo regressado ao Continente em 27Abr66, por ter concluído a sua comissão de serviço.
A missão operacional desta Unidade, representada na infogravura ao lado, iniciou-se com a deslocação, em 01Jul64, para Fá Mandinga, onde chegou como reforço do dispositivo e manobra do BCAÇ 506 [20Jul63-29Abr65; do TCor Inf Luís do Nascimento Matos].
Uma semana depois, em 08Jul64, assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, então criado na zona de acção [ZA] do seu Batalhão, e depois do BCAV 757 [23Abr65-20Jan67; do TCor Cav Carlos de Moura Cardoso], tendo destacado um Gr Comb para Canhámina, desde o início de Out64 até 21 do mesmo mês, seguidamente instalado em Cambajú até 03Abr66.
Destacou ainda outro Gr Comb para Contuboel, desde finais de Out64 até à chegada da CCAV 705 [?] e consequente transformação em subsector.
Em 12Abr66, foi rendida no subsector de Fajonquito pela CCAÇ 1497 [26Abr66-04Nov67; do Cap Inf Carlos Alberto Coelho de Sousa (1º) e Cap Mil Inf Carlos Manuel Morais Sarmento Ferreira (2º)], por troca, recolhendo a Bissau, onde permaneceu temporariamente integrada no BCAÇ 1876 (26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior), até à sua substituição pela CCAÇ 1565 [26Abr66-22Jan68; do Cap Mil Inf Rui António Nuno Romero (1.º), Cap Inf José Lopes (2.º) e Cap Mil Inf João Alberto de Sá Barros e Silva (3.º)], e subsequente embarque de regresso. É de referir que esta Companhia não tem História da Unidade (Ceca, 7.º vol; p331).
Em 12Abr66, foi rendida no subsector de Fajonquito pela CCAÇ 1497 [26Abr66-04Nov67; do Cap Inf Carlos Alberto Coelho de Sousa (1º) e Cap Mil Inf Carlos Manuel Morais Sarmento Ferreira (2º)], por troca, recolhendo a Bissau, onde permaneceu temporariamente integrada no BCAÇ 1876 (26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior), até à sua substituição pela CCAÇ 1565 [26Abr66-22Jan68; do Cap Mil Inf Rui António Nuno Romero (1.º), Cap Inf José Lopes (2.º) e Cap Mil Inf João Alberto de Sá Barros e Silva (3.º)], e subsequente embarque de regresso. É de referir que esta Companhia não tem História da Unidade (Ceca, 7.º vol; p331).
A única fonte bibliográfica que se conhece é o livro «O meu Diário, Guiné – 1964/1966 – Companhia de Caçadores 674, de Inácio Maria Góis. Edição do Autor. Gráfica Mineira, Aljustrel. Abril 2006 [P2286], conforme capa ao lado.
Como já foi referido anteriormente, um dos objectivos desta série é adicionar valor histórico ao contexto onde se verificou cada uma das mortes de condutores auto rodas, por efeito do rebentamento de explosivos (minas e seus suplementos). Daí que, este ponto teria menos significado e importância, caso não aproveitasse o "caldo de cultura" que o Cherno Baldé ["Jubi", como classifica a sua infância em Fajonquito], nos tem presenteado ao longo dos anos, fazendo "engordar" o, já, notável espólio do blogue. Aconselho, por este motivo e por todos os outros não referidos, a "saborear" a sua leitura, um dos cinco sentidos da natureza humana.
Porque era impossível resumir as suas narrativas, sob pena de se adulterar o sentido de cada explicação, o melhor método recaiu na citação de alguns dos muitos detalhes, aqueles que considerámos pertinentes para este contexto.
Assim, quanto à localização de Cambajú, para onde seguiu, em Outubro de 1964, um Gr Comb da CCAÇ 674, como reforço do destacamento de milícias aí colocado para assegurar a defesa da sua população e das suas rotinas, "estava situada mesmo na linha de fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras" (Cherno Baldé; poste P4567).
Por outro lado, o ano de 1965, é a "altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área.
"Foi nesse ano, com cinco/seis de idade, como refere Cherno Baldé, "que vi pela primeira vez homens brancos, armados e equipados para a guerra, que se instalaram em Cambajú, onde o pai era empregado de uma casa comercial… a primeira visão foi de terror e fascínio.
"Quando chegaram as viaturas, estávamos a jogar no largo da zona comercial que também fazia de paragens para as carroças que traziam mercadorias. Foi o barulho dos motores que nos alertou, como habitualmente, corremos atrás dos veículos, e foi nessa altura que reparamos no insólito. As pessoas que estavam sentadas em cima dos veículos, todos vestidos com o mesmo tipo de tecido, um chapéu que se estendia de trás para a frente da mesma cor na cabeça e uma arma entre as pernas, completamente imóveis, não eram pessoas normais, como estávamos habituados a ver. Eram brancos, meu Deus do céu, tão branquinhos que se podia ver o sangue vermelho rubro a correr nas veias. (…)
"No dia seguinte, através do meu amigo e colega Samba, fiquei a saber que tudo não passara de um susto injustificado pois aqueles sujeitos eram soldados portugueses vindos directamente de Portugal, o que queria dizer nossos amigos e aliados." (Cherno Baldé; poste P4580).
Outros aspectos, desenvolvidos nos seus escritos, podem ser consultados em «Memórias do Chico, menino e moço», de Cherno Baldé. Obrigado!
3.11 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARMÉNIO MOUTINHO DA COSTA, DA CART 1661, EM 07.OUT.1967, ENTRE PORTO GOLE E BISSÁ
A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Arménio Moutinho da Costa, natural de Gondim, Maia, em 7 de Outubro de 1967, sábado, no Hospital Militar 241, em Bissau, ocorreu um dia depois da viatura que conduzia ter accionado uma mina anticarro, incendiária, na estrada entre Porto Gole e Bissá.
Pertencia à CART 1661 (02Fev67-19Nov68) que, no espaço de três semanas, ficara sem dois condutores auto rodas, o primeiro - o soldado Manuel Pinto de Castro, em 16Set67 - caso abordado no poste anterior [P20217, ponto 3.8], e três viaturas, para além de outras baixas, entre feridos e mortos.
Para a descrição deste doloroso acontecimento, recorremos, de novo, à análise de conteúdo do livro (Diário do autor) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002, conforme capa ao lado.
Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.
Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.
Depois, a 5 de Outubro de 1967, 5.ª feira, uma outra viatura, na estrada Porto Gole - Bissá, faz accionar outra mina anticarro, originando mais uma baixa mortal e duas dezenas de feridos. No dia seguinte, ou seja em 06Out67, 6.ª feira, uma nova mina anticarro, esta incendiária, é accionada perto do local da mina anterior, provocando alguns mortos e feridos, entre eles o soldado Arménio Moutinho da Costa que foi evacuado para o HM 241, juntamente com os seus camaradas com ferimentos graves, em particular queimaduras provocadas pela explosão. Dos evacuados, seis acabariam por falecer em Bissau nos dias seguintes, enquanto dois pereceram no Hospital Militar Principal, em Lisboa, a 14 e 23 do mesmo mês.
Para que conste na historiografia desta ocorrência, elaborámos um quadro detalhado dos onze mortos provocados pelas duas minas anticarro, accionadas a 5 e 6 de Outubro de 1967, no cruzamento de Mansoa, no itinerário entre Porto Gole e Bissá, de que foram vítimas os seguintes militares da CART 1661.
3.12 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ADELINO DAS DORES RODRIGUES PEREIRA, DA CCAÇ 2316, EM 05.JUN.1968, ENTRE GANDEMBEL E GUILEJE
A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Adelino das Dores Rodrigues Pereira, natural de Campia, Vouzela, ocorreu em 05 de Junho de 1968, 4.ª feira, por efeito do rebentamento de um engenho explosivo, no decurso da «Operação Boa Farpa – 05 e 06 de Junho'68», missão que incluía a escolta a duas colunas entre Aldeia Formosa - Gandembel - Guileje - Gandembel, locais da região de Tombali, no Sector S2.
Para além da baixa mortal do Adelino das Dores Rodrigues, membro da CART 2316 (Jan68-Nov69), verificou-se, ainda, a morte do Alf Mil Inf Álvaro Ferreira do Vale Leitão, natural de Taveiro, Coimbra, da CCAÇ 2317, pelo mesmo motivo.
Para a elaboração deste subponto foram utilizadas, como principais fontes de consulta, as Oficiais publicadas pelo Estado-Maior do Exército, elaboradas pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, Tomo II, Guiné, Livro 2, 1.ª Edição, Lisboa (2015), p171, e o livro de Idálio [Rodrigues Ferreira] Reis: «A C.Caç.2317, Na Guerra da Guiné. Gandembel / Ponte Balana». Edição do autor. Fev/2012
.
«OPERAÇÃO BOA FARPA» - 05 E 06 DE JUNHO DE 1968
«OPERAÇÃO BOA FARPA» - 05 E 06 DE JUNHO DE 1968
A operação em título foi programada pelo BART 1896 [18Nov66-18Ago68], sob a liderança do TCor Art Celestino da Cunha Rodrigues. Esta Unidade ao render o BCAÇ 1861 [23Ago65-17Abr67; do TCor Inf Alfredo Henriques Baeta], em 05Abr67, assumiu a responsabilidade do Sector Sul 2 [S2], com sede em Buba e englobando os subsectores de Sangonhá, Gadamael, Cameconde, Guileje, Aldeia Formosa e Buba e ainda uma companhia em Mejo [CCAÇ 2316], até 28Mai68, para actuação continuada no corredor de Guileje. Em 09Abr68, foi criado o subsector de Gandembel, e, em 12Jun68, a sua zona de acção foi reduzida da área de Aldeia Formosa, que foi atribuída à responsabilidade operacional do COSAF [Comando Operacional do Sector de Aldeia Formosa], então criado.
Esta operação de dois dias – 5 e 6 de Junho'68 – visava garantir a segurança a uma coluna com dois itinerários diferentes ligando Aldeia Formosa a Gandembel e Guileje a Gandembel. Cada um dos trajectos contava com apoio aéreo.
Para cumprir os diferentes objectivos, foram mobilizadas as seguintes forças:
► 1GC/CART 1612 [18Nov66-18Ago68], do Cap Art Orlando Ventura de Mendonça. Esta Unidade seguiu em 13Dez66 para Bissorã, a fim de efectuar a segurança e protecção dos trabalhos de reabertura do itinerário Bissorã-Bula, ficando na situação de reforço do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Henrique Alves Calado (1920-2001); atleta olímpico] e depois do BCAÇ 1876 [26Jan66-04Nov67; do TCor Inf Jacinto António Frade Júnior], tendo ainda efectuado diversas operações nas regiões de Insumeté, Insantaque e Iusse, entre outras. (…)
Em 18Nov67, por rotação com a CCAÇ 1591 [01Ago66-09Mai68; do Cap Inf Luís Carlos Loureiro Cadete], assumiu a responsabilidade do subsector de Aldeia Formosa, tendo destacado Grs Comb para instalação, por períodos variáveis, em Colibuia, Cumbijã, Chamarra e Porto Balana. Em 13Jul68, foi substituída no subsector de Aldeia Formosa pela CCAÇ 2382 [06Mai68-03Abr70; do Cap Mil Art Carlos Nery de Sousa Gomes de Araújo] e recolheu a Bissau até ao embarque de regresso. (Ceca; 7.º vol; p 210).
► CCAÇ 2316 [24Jan68-08Nov69], do Cap Inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos (1.º), Cap Inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira (2.º); Cap Art Octávio Manuel Barbosa Henriques (3.º) e Cap Cav José Maria Félix de Morais (4.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, deslocou dois Grs Comb para Bula em 01Fev68, a fim de efectuar o treino operacional e colaborar na segurança aos trabalhos da Estrada Bula-João Landim, sob orientação do BCAV 1915 [14Abr67-03Mar69; do TCor Cav Luís Clemente Pereira Pimenta de Castro]. A partir de 18Fev68, toda a subunidade foi destacada para Bula.
Em 20Mar68, seguiu para Mejo, a fim de reforçar os meios do BART 1896, tendo substituído a CCAÇ 1622 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Inf António Egídio Fernandes Loja], em 22Mar68. De 25Abr68 a 15Mai68, na sequência da «Operação Bola de Fogo», para ocupação e construção do aquartelamento respectivo, deslocou parte dos seus efectivos para Gandembel, em reforço da sua guarnição.
Em 28Mai68, mantendo dois Grs Comb no destacamento de Mejo assumiu a responsabilidade do subsector de Guileje, no mesmo sector do BART 1896, e depois do BCAÇ 2834, e, de 29Ago68 a 07Dez68 do COP 2, tendo substituído a CART 1613 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Grad Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz (1.º) e Cap Art Eurico de Deus Corvacho (2.º)].
Em 23Jan69, o destacamento de Mejo, sob o qual o inimigo exercera forte pressão e fortes ataques no final do ano anterior, foi extinto e os Grs Comb recolheram a Guileje. (…) (Ceca; 7.º vol; p 107).
Em 23Jan69, o destacamento de Mejo, sob o qual o inimigo exercera forte pressão e fortes ataques no final do ano anterior, foi extinto e os Grs Comb recolheram a Guileje. (…) (Ceca; 7.º vol; p 107).
► 1GC/CCAÇ 2317 [24Jan68-04Dez69], do Cap Inf Jorge Barroso de Moura (1.º) e Cap Inf António José Claro Pinto Guedes (2.º). Esta Unidade, inicialmente colocada em Bissau, como subunidade de reserva do Comando-Chefe, seguiu por fracção, em 01Fev68 e 18Fev68, para Bula, a fim de efectuar a adaptação operacional sob orientação do BCAV 1915. Em 02Mar68, deslocou-se para Mansabá, a fim de reforçar o BCAV 1897, com vista à realização da «Operação Alma Forte», na região de Tancroal, recolhendo a Bissau, em 17Mar68. Em 20Mar68, foi deslocada para Guileje, sendo atribuída ao BART 1896 e depois ao BCAÇ 2834 e, de 20Ago68 a 07Dez68, ao COP 2, a fim de reforçar a guarnição local.
A partir de 09Abr68, tomando parte da operação «Bola de Fogo» assumiu a responsabilidade do subsector de Gandembel, então criado, procedendo à ocupação e construção do aquartelamento daquela localidade. Em 29Jan69, por evacuação dessa guarnição e a consequente extinção do subsector de Gandembel, recolheu temporariamente a Aldeia Formosa, no sector do BCAÇ 2834. A partir de 08Fev69, foi atribuída ao COP 4, instalando-se em Buba, para colaboração na segurança e protecção aos trabalhos da Estrada Buba-Aldeia Formosa e onde se manteve até 14Mar69, após o que seguiu para Nova Lamego. (…) (Ceca, 7.º vol; p 108).
► PRecFox 1165 [17Jan67-01Nov68], do Alf Mil Cav Michael Winston Schnitzler da Silva. (únicos dados encontrados)Fox 2022 [15Jan68-23Nov69] (Únicos dados encontrados)
► Para além das Unidades acima, participaram, ainda, o PCaç 51; PCaç 69 e 2 PBAÇ 1, com apoio aéreo.
Infogravura do mapa da região de Tombali, onde decorreu a «Operação Boa Farpa»
Desenrolar das acções (síntese)
[A referida no 6.º Volume, Aspectos da Actividade Operacional, p 171 – CECA]
"Em 05 e 06Jun [1968] – «Operação Boa Farpa». Forças da CArt 1612, CCaç 2316, 1 GC/CCaç 2317, PCaç 51, PCaç 69, 2.º e 3.º PBAC 1, 1 PRecFox 1165 e PRecFox 2022, com o apoio aéreo, realizaram uma escola a uma coluna entre Aldeia Formosa-Gandembel-Guileje-Gandembel, S2.
Em 05 [Junho], no itinerário Guileje-Gandembel, a NT foram emboscadas, por duas vezes.
No regresso a Guileje, as NT sofreram outra emboscada, neutralizaram sete fornilhos e accionaram um engelho explosivo, sofrendo dois mortos [Adelino das Dores Rodrigues, condutor auto rodas da CCAÇ 2316, e Álvaro Ferreira do Vale Leitão, alferes da CCAÇ 2317], cinco feridos e danos em duas viaturas."
[A referida por Idálio Reis, no seu livro (pp 163-164) acima citado]
● Antecedentes:
Gandembel/Ponte Balana continuava a precisar de mais alguns materiais de construção, para acabar definitivamente com as casernas-abrigo, em especial para o reforço das suas coberturas, a fim de os seus homens se protegerem da inclemência das chuvas, e principalmente da deflagração de uma qualquer granada de morteiro. Ainda restava em Guileje, algum desse material, e também lá se encontrava um Gr Comb para regressar ao seio da nossa Companhia. A parte restante do material, os víveres e outros meios logísticos, poderiam aparecer do lado de Aldeia Formosa.
● O que se seguiu:
"E a 5 de Junho [de 1968], partem duas colunas de ambas as origens, e que para efeitos de protecção, foi lançada a «Operação Boa Farpa». A proveniente de Aldeia [Formosa], vem e regressa no mesmo dia, sem incidentes. Contudo, a de Guileje, com a participação da CCAÇ 2316, é sujeita a fortes ataques, por força de emboscadas envolvidas com o rebentamento de fornilhos, que vêm a provocar dois mortos e mais de uma dezena de feridos evacuados para Bissau, para além da destruição de uma viatura; há a registar o rebentamento de onze fornilhos a todo o comprimento da coluna, além da deflagração de mais minas antipessoais, e a visão de uma série de fios eléctricos que conduziam a sete fornilhos, o que levou a que alguns militares, em acto brutal de desespero, onde tudo é oprimente, a tentar cortá-los com os dentes.
Desta fatídica coluna, a nossa Companhia [CCAÇ 2317] perde o seu 3.º elemento, o alferes Álvaro Vale Leitão, que é atingido mortalmente na cabeça por fragmentos de um fornilho (…)."
Infogravura da foto de Luís Guerreiro, ex-Fur Mil do 4.º Gr Comb da CART 2410 ("Os Dráculas" – Gadamael, Ganturé e Guileje, 1968/70), referente a uma coluna de Gadamael para Guileje (subida depois do cruzamento), realizada em 19Mar1969 – P5637, com a devida vénia. A meio da imagem, à esquerda, é possível identificar uma viatura destruída por efeito de uma explosão que, tudo leva a crer, seria a que é referida na descrição acima.
[Continua]
Fontes Consultadas:
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.
Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.
Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
11Out2019
© Jorge Araújo (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
____________
Nota do editor:
Último poste da série de 8 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20217: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte III
Marcadores:
Bissá,
Cambajú,
Canhámina,
CART 1661,
CCAÇ 2316,
CCAÇ 674,
Cherno Baldé,
condutores,
estatísticas,
Gandembel,
Jorge Araújo,
Mejo,
minas e armadilhas,
mortos,
Op Boa Farpa,
tempo das chuvas
Guiné 61/74 - P20282: Controvérsias (141): o triângulo Jabicunda / Sonaco / Contuboel... Nunca foi atacado, porque tinha à volta uma série de zonas-tampão, Bafatá e a Geba, a sul e a oeste; Fajonquito, Sare Bacar, Pirada e Paunca, a norte e a leste... (Cherno Baldé)
O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].(*)
Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Bafatá > Jabicunda (?) > C. 1975/76 > Em primeiro plano, sentado, mais do lado esquerdo, está Fodé Irama Sissé. Em segundo plano, de pé, à direita, O Braima Sissé está à direita, de chapéu vermelho, ainda jovem; atrás de Fodé Irama Sissé, está Sissau Sissé (já falecido) e, "vestido à civil", Malan Sissé que foi quem em Bissau mostrou a fotografia ao nosso amigo, e membro da nossa Tabanca Grande, o antropólogo Eduardo Costa Dias, e lhe me deixou tirar "fotografia da fotografia". Entre Malan e Braima está Arafan Cont+e, aluno de Irama. Fotografia de fotografia, de autor desconhecido, datada provavelmente de 1975/76.
Foto (e legenda): © Eduardo Costa Dias (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Comentário do nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé (Bissau), ao poste P20267 (**):
Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhes > Zona leste > O triàngulo Jabicunda, Sonaco e Contuboel.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
Cherno Baldé, Bissau |
Caros amigos,
Acabo de regressar de uma viagem (missão de serviço) à zona Leste, mais precisamente ao Sector de Boé, tendo visitado as localidades de Canjadude, Tchetche (Ché-Ché), Dandum e Beli onde funcionam centros de saúde para a população.
Depois, no regresso e na região de Bafatá, visitamos Contuboel, Cambaju e Fajonquito. Todas estas localidades estão hoje irreconhecíveis, uma sombra do que foram, sem falar das cidades de Gabu e Bafatá que estão numa situação lastimosa. Entregaram o ouro aos bandidos e não se podia esperar melhor.
Sobre o tema do presente Poste (*), só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos: Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada, entre outros, a servir de tampão).
Mesmo Fajonquito, a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964
entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Incio Maria Góis´, da CCaç 674 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e para o Morés.
Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafatá, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.
Com um abraço amigo.
Cherno Baldé
Sobre o tema do presente Poste (*), só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos: Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada, entre outros, a servir de tampão).
Mesmo Fajonquito, a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964
entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Incio Maria Góis´, da CCaç 674 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e para o Morés.
Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafatá, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.
Com um abraço amigo.
Cherno Baldé
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 11 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6718: Memória dos lugares (92): Contuboel e o meu amigo Braima Sissé (Eduardo Costa Dias)
(*) Vd. poste de 11 de julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6718: Memória dos lugares (92): Contuboel e o meu amigo Braima Sissé (Eduardo Costa Dias)
(**) Último poste da série > 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)
Marcadores:
CCAÇ 674,
Cherno Baldé,
confrarias,
Controvérsias,
Contuboel,
Eduardo Costa Dias,
Fajonquito,
Geba,
islamismo,
Jabicunda,
João Graça,
mandingas,
Memória dos lugares,
Sare Bacar,
Sonaco
Guiné 61/74 - P20281: Parabéns a você (1699): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20259: Parabéns a você (1697): Fernando Súcio, ex-Soldado CAR do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)
domingo, 27 de outubro de 2019
Guiné 61/74 - P20280: Blogues da nossa blogosfera (112): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (28): Palavras e poesia
Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.
DEPOIS VEM A LUA
ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ
Depois vem a lua
e os braços do luar
como algas de luz.
Depois vem o pensamento
recuperar os segredos
do fundo do mar.
Depois a terra
toma a forma de búzio
e os cabelos são algas
e o mar e as algas
cantam a mesma canção.
Na praia despida
ao lado do meu corpo
estendes teu corpo
de pedaços de céu
azul e luar.
Mas o mar leva-te
num lençol de espuma
e fica na areia
o meu corpo a chorar.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 6 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20210: Blogues da nossa blogosfera (111): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (27): Palavras e poesia
Guiné 61/74 - P20279: Blogpoesia (641): "Noites bravas", "Os frascos" e "Vales sombrios", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre
outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:
Noites bravas
Rabanadas agrestes de vento desvairado
varrem as telhas
e sacodem as folhas prostradas no chão.
Rugem motores nas estradas molhadas.
Se amodorram nas mantas as gentes cansadas.
A jornada foi dura, na luta do pão.
Vêm à baila na mente ensonada, as partes amargas que o dia deixou.
Até que o sono, em ondas sem espuma,
mergulha na paz o corpo e a alma,
povoados de sonhos como se fosse Verão.
Berlim, 20 de Outubro de 2019
10h53m
Jlmg
********************
Os frascos
De mel, geleia ou marmelada.
Guardados num armário à mão.
Mitigavam nossas amarguras.
Quando a dor ou a tristeza batiam à porta, sem se lhes dar licença.
Amendoins, pinhões, figos secos e amêndoas.
Levantavam nosso moral.
Nas tardes tristes de Invernia.
Um licor melado de amarguinha.
Ninguém o fazia melhor que minha avó.
Dava vida à sombra quando tudo parecia dar torto.
Mas melhor que tudo. Uma revelação.
Os frasquinhos de goiabada que uma prima trouxe de férias a Portugal…
Berlim, 23 de Outubro de 2019
12h58m
Jlmg
********************
Vales sombrios
Encurralados nos montes, vegetam na sombra.
Só nesgas de sol.
Escorrem cascatas das serras.
Todas somadas, lhe dão um riacho com vida.
Arredado do mundo.
Só quem lá nasce é capaz de ficar.
Mas, no Inverno, tudo muda de cor.
Deslumbramento.
Se reveste de neve e
Enche de gente.
A festa dos skys.
Ó que alegria.
Não se pode perder…
Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
15h13m
Jlmg
____________
Nora do editor
Último poste da série de 20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20261: Blogpoesia (640): "Chafariz de pedra", "Começar a manhã" e "Queimou-se o estrugido...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Noites bravas
Rabanadas agrestes de vento desvairado
varrem as telhas
e sacodem as folhas prostradas no chão.
Rugem motores nas estradas molhadas.
Se amodorram nas mantas as gentes cansadas.
A jornada foi dura, na luta do pão.
Vêm à baila na mente ensonada, as partes amargas que o dia deixou.
Até que o sono, em ondas sem espuma,
mergulha na paz o corpo e a alma,
povoados de sonhos como se fosse Verão.
Berlim, 20 de Outubro de 2019
10h53m
Jlmg
********************
Os frascos
De mel, geleia ou marmelada.
Guardados num armário à mão.
Mitigavam nossas amarguras.
Quando a dor ou a tristeza batiam à porta, sem se lhes dar licença.
Amendoins, pinhões, figos secos e amêndoas.
Levantavam nosso moral.
Nas tardes tristes de Invernia.
Um licor melado de amarguinha.
Ninguém o fazia melhor que minha avó.
Dava vida à sombra quando tudo parecia dar torto.
Mas melhor que tudo. Uma revelação.
Os frasquinhos de goiabada que uma prima trouxe de férias a Portugal…
Berlim, 23 de Outubro de 2019
12h58m
Jlmg
********************
Vales sombrios
Encurralados nos montes, vegetam na sombra.
Só nesgas de sol.
Escorrem cascatas das serras.
Todas somadas, lhe dão um riacho com vida.
Arredado do mundo.
Só quem lá nasce é capaz de ficar.
Mas, no Inverno, tudo muda de cor.
Deslumbramento.
Se reveste de neve e
Enche de gente.
A festa dos skys.
Ó que alegria.
Não se pode perder…
Bar dos Motocas, arredores de Berlim,
15h13m
Jlmg
____________
Nora do editor
Último poste da série de 20 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20261: Blogpoesia (640): "Chafariz de pedra", "Começar a manhã" e "Queimou-se o estrugido...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P20278: (De) Caras (138): o alf mil at art António Freire Vieira Abreu pertenceu ao 2º pelotão da CART 1648 / BART 1904 (Bissau, Nhacra, Binta, Bissau, 1967/69) (João Crisóstomo / Armindo Azevedo)
Guião do BART 1904 (Bissau e Bambadinca, jan 1967/ out 1969)
Caro Luís Graça, e demais camaradas
Acabo de falar com o Armindo Azevedo que me deu/confirmou algumas informações ontem encontradas e ainda as seguintes.
O Vieira Abreu pertencia à Companhia de Artilharia 1648, BART 1904 [Bissau, Nhacra, Binta, Bissau, 1967/69). Era o comandante do Segundo Pelotão. Foi para a Guiné no Uige a 11 de janeiro de 1967 e voltou no mesmo barco em novembro de 1968.
O nome completo dele é António Freire Vieira Abreu, nº mecanográfico 09758763.
Ao 2º Pelotão da CART 1648, pertenciam 3 sargentos: 2º srgt at art, Manuel Dias Duarte; fur mil at art, Tibério Augusto F. Branco; e fur mil at art, Joaquim Carvalho Justino... E pelo menos quatro primeiros cabos (, dos restantes não temos o nome): Mário Gonçalves Moreira, Joaquim Leite da Silva, Ramiro Moreira da Costa e José Gouveia Pires...
O Armindo disse ter um livro [, a história da unidade.] com todas as informações sobre o BART 1904. Ele ofereceu-se para mo “facilitar”; eu evidentemente que não preciso de toda essa info, mas, no caso de alguém estar interessado, pode contactar com ele. Telemóvel + 351 913 212 651..
Um abraço, João.
2. Comentário do editor LG:
Pronto, João, está identificada a companhia (e o batalhão) a que o nosso Vieira Abreu pertencia, graças aos teus bons ofícios e à resposta pronta do camarada Armindo Azevedo que organizou o último convívio do batalhão, o 50º, este ano em maio passado, no Norte, o 50º Convívio dos Combatentes do Batalhão de Artilharia 1904 (CCS, CArt 1646, CArt 1647 e CArt 1648). Recorde-se o lema do batalhão: "Firmes e Generosos"...
Agora a questão que eu te ponho é a seguinte: faz sentido integrá-lo na Tabanca Grande, a titulo póstumo, como temos feito com outros camaradas que têm vindo a falecer, nestes últimos anos de vigência do blogue (ou, seja, desde 2004)..., sem sabermos qual era a sua (e da família) última vontade ? Possivelmente, ele até poderia querer "esquecer a Guiné", como talvez a grande maioria dos nossos camaradas... que não nos procuram, não nos lêm, não falam desse seu passado...
Que eu saiba, o António, teu condiscípulo de seminário e teu amigo (***), nunca nos procurou, nem terá mostrado interesse por esta parte, dolorosa, do seu passado. É possível que tenha escritos sobre a Guiné... .Mas tu, João, tens a liberdade de o fazer, patrocinando a sua entrada na Tabanca Grande... Escreves dois parágrafos...Falas com a viúva. É uma pequena homenagem nossa...
De resto, não temos ninguém que represente, mesmo a título póstumno, a CART 1648... O António seria o primeiro... Este convite também é extensivo ao Armindo Azevedo que, felizmente, permanece entre nós, e que nos pode ir facultando mais informação sobre a história do BART 1904.
De resto, não temos ninguém que represente, mesmo a título póstumno, a CART 1648... O António seria o primeiro... Este convite também é extensivo ao Armindo Azevedo que, felizmente, permanece entre nós, e que nos pode ir facultando mais informação sobre a história do BART 1904.
Aquele abraço, Luís
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20264: Em busca de... (299): Camaradas do ex-alf mil António Vieira Abreu, recentemente falecido em Lisboa, e que pode ter pertencido ao BART 1904 (Bissau e Bambadinca, jan 67 / out 69) (João Crisóstomo, Nova Iorque; Manuel Carvalho Gondomar; José Martins, Odivelas)
(**) Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20268: (De)Caras (112): Camaradas da Companhia de Terminal (Bissau, 1973/74), que em menos de 2 meses carregou mais de setenta barcos para o Leste (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)
sábado, 26 de outubro de 2019
Guiné 61/74 - P20277: Os nossos seres, saberes e lazeres (361): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Maio de 2019:
Queridos amigos,
Finda a primeira etapa na Caldeira das Sete Cidades, impunha-se a rememoração de lugares e pessoas em Ponta Delgada, antes de partir para outro cenário edénico. Não se vive impunemente num lugar pouco menos de seis meses, aqui se deixaram raízes, amizades inquebrantáveis, esvoaçam lembranças de muito boas companhias.
Este Museu Carlos Machado é uma pérola de cultura, de zelo e de bom tratamento museológico e museográfico. Que quem visite São Miguel ou pelo menos Ponta Delgada não perca a ocasião de desfrutar este museu que fala da alma açoriana e da sua universalidade. Esta Ponta Delgada é sempre um desfruto para o viandante, é-lhe familiar, não raro toca uma campainha para espantar gente com quem conviveu há mais de cinquenta anos atrás, e experimentar assim um acolhimento sem paralelo, tão típico das gentes das ilhas.
Bastava este dia e estes reencontros para abençoar o regresso sempre tão desejado a São Miguel.
Um abraço do
Mário
A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3)
Beja Santos
Assim findou a estada na Caldeira das Sete Cidades, o viandante vai apanhar a “carreira” para Ponta Delgada, será dia de revivências, quem ali aportou nos idos de outubro de 1967 rapidamente se procurou inserir no meio, fazendo amigos, buscando antros de cultura, indagando onde se via cinema ou se fazia teatro, e algo mais. No centro da cidade, num convento, de nome Santo André, em 1876 o Dr. Carlos Machado abriu ao público o Museu Açoreano, dele vamos falar. Antes, porém, agradecemos à potência celestial este céu enevoado onde o sol tenta expor-se irradiante, sem sucesso. Uma imagem que pode suscitar leituras imprevidentes, talvez um tornado à solta, um abismo cataclísmico, uma imaginação febril pode até antever uma erupção vulcânica. Nada disso, é uma manhã costumeira, o céu vai forrar-se, ficará plúmbeo, um céu dos Açores.
O museu hoje chama-se Museu Carlos Machado, tem ainda umas reminiscências de museu escolar, como foi concebido, o Dr. Machado pelava-se pela História Natural, comprovadamente presente, desde cachalotes e baleias até insetos. O museu foi crescendo ao longo do século XX. O viandante quando aqui chegou há meio século, achou-o estimulante mas soturno, de uma museologia convencional. Hoje está tudo diferente, as temáticas bem seriadas, a museografia a funcionar em pleno, é bem agradável o diálogo entre a arte religiosa, as marcas do mar, as belas-artes, as mensagens para a etnografia regional. O viandante ainda se lembra da primeira visita, do amplo espaço concedido aos objetos do quotidiano doméstico, às peças ligadas às atividades marítimas e agrícolas. Agora entra-se no museu e esta figura impressiona, dominava a popa de um navio, é a primeira ligação a esses Açores de longos mares.
Quem aqui vier, traga tempo e abertura para o multicultural, há muitas marcas do tempo, das espécies aquáticas, de objetos africanos, houve doadores de arte sacra e etnografia conventual. Quem aqui vier, interrompa o olhar de vez em quando, passe pelo claustro, contemple os céus, ponha os pés na igreja ou suba o coro, são visões complementares.
Quem vem ao Museu Carlos Machado prepare-se para uma viagem fora de portas. Que quem aqui se encontra sente-se enquadrado pelo espaço conventual, uma bela museologia e uma competente museografia põem o visitante a conversar em vários tempos, espaços, entre a ciência e as belas-artes. E há muito desvelo, repare-se como tudo está restaurado. Ao tempo em que por aqui andou o viandante lhe foi recordado que tinha que ir ver a secção de Arte Sacra a um outro espaço, a igreja do Colégio dos Jesuítas. Pena era que o Núcleo de Santa Bárbara, bem pertinho do Museu Carlos Machado não estava facultado ao público, montava-se uma grande retrospetiva do maior escultor açoriano do seu tempo, Canto da Maia. O viandante nem pestanejou, voltou a subir e a descer os diferentes andares deste Convento de Santo André, a mirar e a remirar. É um grande museu, oxalá que quem visite a cidade esteja informado deste potencial da cultura açoriana, sempre a falar português.
É entre subidas e descidas, entremeando pássaros e peixes, alfaias religiosas e armários de entomologista, que o viandante se depara com este surpreendente quadro azulejar da caldeira das Sete Cidades, fica-se mesmo a pensar que estaria exposta num ponto alto, talvez no Pico do Rei, que foi restaurado, e está num lugar merecido, protegido das inclemências do tempo.
Aqui se interrompe a viagem, ainda há umas secções para visitar, mas deixa-se a recordação de um parlatório, as monjas podiam conviver com gente de fora, mas havia o limite da grade, se alguém visitava e trazia comes e bebes, estes eram inspecionados noutro local. Aqui era só para conversar, os profanos viam, ouviam, sem poder almejar a vida de orações, de trabalhos, de penitência. E por aqui ficamos, repetindo que há muito para ver, desde arte sacra a brinquedos, espécies em pedra, uma igreja gloriosa, temos aqui um modo de discernir a ciência e a cultura metodicamente zeladas no universo açoriano.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20257: Os nossos seres, saberes e lazeres (360): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Finda a primeira etapa na Caldeira das Sete Cidades, impunha-se a rememoração de lugares e pessoas em Ponta Delgada, antes de partir para outro cenário edénico. Não se vive impunemente num lugar pouco menos de seis meses, aqui se deixaram raízes, amizades inquebrantáveis, esvoaçam lembranças de muito boas companhias.
Este Museu Carlos Machado é uma pérola de cultura, de zelo e de bom tratamento museológico e museográfico. Que quem visite São Miguel ou pelo menos Ponta Delgada não perca a ocasião de desfrutar este museu que fala da alma açoriana e da sua universalidade. Esta Ponta Delgada é sempre um desfruto para o viandante, é-lhe familiar, não raro toca uma campainha para espantar gente com quem conviveu há mais de cinquenta anos atrás, e experimentar assim um acolhimento sem paralelo, tão típico das gentes das ilhas.
Bastava este dia e estes reencontros para abençoar o regresso sempre tão desejado a São Miguel.
Um abraço do
Mário
A minha ilha é um cofre de Atlântidas (3)
Beja Santos
Assim findou a estada na Caldeira das Sete Cidades, o viandante vai apanhar a “carreira” para Ponta Delgada, será dia de revivências, quem ali aportou nos idos de outubro de 1967 rapidamente se procurou inserir no meio, fazendo amigos, buscando antros de cultura, indagando onde se via cinema ou se fazia teatro, e algo mais. No centro da cidade, num convento, de nome Santo André, em 1876 o Dr. Carlos Machado abriu ao público o Museu Açoreano, dele vamos falar. Antes, porém, agradecemos à potência celestial este céu enevoado onde o sol tenta expor-se irradiante, sem sucesso. Uma imagem que pode suscitar leituras imprevidentes, talvez um tornado à solta, um abismo cataclísmico, uma imaginação febril pode até antever uma erupção vulcânica. Nada disso, é uma manhã costumeira, o céu vai forrar-se, ficará plúmbeo, um céu dos Açores.
O museu hoje chama-se Museu Carlos Machado, tem ainda umas reminiscências de museu escolar, como foi concebido, o Dr. Machado pelava-se pela História Natural, comprovadamente presente, desde cachalotes e baleias até insetos. O museu foi crescendo ao longo do século XX. O viandante quando aqui chegou há meio século, achou-o estimulante mas soturno, de uma museologia convencional. Hoje está tudo diferente, as temáticas bem seriadas, a museografia a funcionar em pleno, é bem agradável o diálogo entre a arte religiosa, as marcas do mar, as belas-artes, as mensagens para a etnografia regional. O viandante ainda se lembra da primeira visita, do amplo espaço concedido aos objetos do quotidiano doméstico, às peças ligadas às atividades marítimas e agrícolas. Agora entra-se no museu e esta figura impressiona, dominava a popa de um navio, é a primeira ligação a esses Açores de longos mares.
Quem aqui vier, traga tempo e abertura para o multicultural, há muitas marcas do tempo, das espécies aquáticas, de objetos africanos, houve doadores de arte sacra e etnografia conventual. Quem aqui vier, interrompa o olhar de vez em quando, passe pelo claustro, contemple os céus, ponha os pés na igreja ou suba o coro, são visões complementares.
Quem vem ao Museu Carlos Machado prepare-se para uma viagem fora de portas. Que quem aqui se encontra sente-se enquadrado pelo espaço conventual, uma bela museologia e uma competente museografia põem o visitante a conversar em vários tempos, espaços, entre a ciência e as belas-artes. E há muito desvelo, repare-se como tudo está restaurado. Ao tempo em que por aqui andou o viandante lhe foi recordado que tinha que ir ver a secção de Arte Sacra a um outro espaço, a igreja do Colégio dos Jesuítas. Pena era que o Núcleo de Santa Bárbara, bem pertinho do Museu Carlos Machado não estava facultado ao público, montava-se uma grande retrospetiva do maior escultor açoriano do seu tempo, Canto da Maia. O viandante nem pestanejou, voltou a subir e a descer os diferentes andares deste Convento de Santo André, a mirar e a remirar. É um grande museu, oxalá que quem visite a cidade esteja informado deste potencial da cultura açoriana, sempre a falar português.
É entre subidas e descidas, entremeando pássaros e peixes, alfaias religiosas e armários de entomologista, que o viandante se depara com este surpreendente quadro azulejar da caldeira das Sete Cidades, fica-se mesmo a pensar que estaria exposta num ponto alto, talvez no Pico do Rei, que foi restaurado, e está num lugar merecido, protegido das inclemências do tempo.
Aqui se interrompe a viagem, ainda há umas secções para visitar, mas deixa-se a recordação de um parlatório, as monjas podiam conviver com gente de fora, mas havia o limite da grade, se alguém visitava e trazia comes e bebes, estes eram inspecionados noutro local. Aqui era só para conversar, os profanos viam, ouviam, sem poder almejar a vida de orações, de trabalhos, de penitência. E por aqui ficamos, repetindo que há muito para ver, desde arte sacra a brinquedos, espécies em pedra, uma igreja gloriosa, temos aqui um modo de discernir a ciência e a cultura metodicamente zeladas no universo açoriano.
(continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 19 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20257: Os nossos seres, saberes e lazeres (360): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P20276: Notas de leitura (1230): "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012): excerto do capítulo 11, "Mina na Companhia 305", evocação, pungente, da morte do cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes, vítima de mina A/C, na estrada Buela-Pangala, Norte de Angola, em 10/7/1962
Angola > c. 1962/64 > Uma GMC destruída por uma mina A/C. Foto de Ângelo Ribau Teixeira, " "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009), p. 52. Com a devida vénia...
Do preâmbulo pp. 10/11):
"As minas eram um terror! A estrada por onde teríamos de passar quando íamos ao abastecimento em São Salvador do Congo, numa zona de descida para o rio Luvo, era um local de terra barrenta que fazia derrapar as viaturas. Tinha sido atapetada com grainha de cobre – estávamos perto das minas do Mavoio – e esses restos do cobre evitavam a derrapagem das viaturas. Só que veio a guerra, e o inimigo aproveitando essa condição montava aí minas, onde era impossível o detector localizá-las. Ia sempre a cantar, como nós dizíamos. A única solução era a utilização de ferros afiados numa ponta com os quais picávamos a estrada.
"Para nós foi o período mais difícil. Estávamos preparados, física e psicologicamente para sofrer emboscadas e reagir a elas, para montar emboscadas e reagir à reacção do inimigo (IN). Mas como reagir ao rebentamento de uma mina anti-carro, não sabíamos! Se ao menos o IN fizesse fogo nós reagiríamos. Mas não, as minas eram armadas e colocadas durante a noite e bem dissimuladas. Que raiva…
Foi especialmente nessa zona que alguns companheiros nossos perderam a vida POR ANGOLA.
Só mais tarde descobrimos uma picada - caminho de pé posto - que passava perto desta zona e então compreendemos o que se estava a passar. Essa picada era passagem de reabastecimento do IN que, vindo do Congo, se dirigia para a região dos Dembos, aproveitando a sua passagem para nos deixarem tristes 'recordações' " (...)
.
1. Da leitura, rápida, do livro que me chegou às mãos, em formato pdf, esta semana, da autoria do nosso camarada Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012), ex-2º srgt mil, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64), "Retalhos das memórias de um ex-combatente" (edição de autor, 2009, 167 pp.) (*), chamou-me a atenção o capítulo 11, "Mina na Companhia 305" (pp. 62-64)...
Nesse trecho, pungente, são referidas as circunstâncias da morte do comandante da Companhia de Caçadores Especiais 305, vítima de mina A/C, no itinerário Buela - Pangala. A CCE 305 era uma das subunidades de quadrícula do BCAÇ 357 (Angola, 1962/64).
O autor não identifica o oficial, mas sabemos que se tratava do cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962), um dos 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar que morreram em combate, na guerra colonial (**).
O autor não identifica o oficial, mas sabemos que se tratava do cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962), um dos 47 oficiais da Escola do Exército / Academia Militar que morreram em combate, na guerra colonial (**).
Há uma gralha na data; não foi num domingo dia 10 de julho do ano de 1963, mas sim em 1962, numa terça feira, dia 10 de julho.
O livro tem uma dedicatória tocante aos pais e esposa do autor, mas também "àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam, Por sua alma" (p. 1),
Também no prefácio escrito por antigo companheiro de armas, J. Eduardo Tenderio, lê-se_ ""Os que, sem serem militares de carreira, sem preparação específica, arrancados das suas vidas calmas para serem lançados na voragem de uma guerra – a guerra do Ultramar de tão triste memória – onde generosamente deram o seu melhor a despeito das muitas dúvidas que os assaltavam, como eu, certamente encontrarão na leitura destes escritos algum lenitivo."
O livro publicado já no acaso da vida do autor (, em 2009, presume-se), terá sido escrito em resposta às perguntas, persistentes e pertinentes, da sua neta Ana Rita, de 10 anos, como se percebe do preâmbulo (pp. 10/11):
"Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os 'rapazes' da minha idade lá passaram."...
E é do "terror das minas" que o autor guarda recordações mais dolorosas, como se pode ler no excerto a seguir reproduzimos, como nota de leitura (***)
O livro tem uma dedicatória tocante aos pais e esposa do autor, mas também "àqueles que lutaram mas, por eles, nem os sinos dobraram. Tudo à Pátria deram, e dela nada receberam, Por sua alma" (p. 1),
Também no prefácio escrito por antigo companheiro de armas, J. Eduardo Tenderio, lê-se_ ""Os que, sem serem militares de carreira, sem preparação específica, arrancados das suas vidas calmas para serem lançados na voragem de uma guerra – a guerra do Ultramar de tão triste memória – onde generosamente deram o seu melhor a despeito das muitas dúvidas que os assaltavam, como eu, certamente encontrarão na leitura destes escritos algum lenitivo."
O livro publicado já no acaso da vida do autor (, em 2009, presume-se), terá sido escrito em resposta às perguntas, persistentes e pertinentes, da sua neta Ana Rita, de 10 anos, como se percebe do preâmbulo (pp. 10/11):
"Olha, Ana Rita, és muito nova para te contar tudo o que lá se passava naquela época, mas eu prometo-te que vou escrever tudo, para tu, quando fores grande, leres e perceberes o que os 'rapazes' da minha idade lá passaram."...
E é do "terror das minas" que o autor guarda recordações mais dolorosas, como se pode ler no excerto a seguir reproduzimos, como nota de leitura (***)
Ângelo Ribau Teixeira, 2º srgt mil, CCE 306 / BCAÇ 357 (Angola, 1962/64). Nasceu em 1937, na Gafanha da Nazaré, Ílyavo, em 137, e faleceu em 2012) |
[excertos, com a devida vénia... e em homenagem ao autor, Ãngelo Ribau Teixeira, nosso camarada, já falecido, bem como ao infortunado cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes]
(...) Grande “Makas”
De repente, ouço um estrondo, muito ao longe. Parecia um trovão. “Que diabo é isto?!” Olhei em volta. Notava-se, ao longe, para os lados da Buela, uma coluna de fumo. Não era queimada! O fumo da queima do capim é cinzento, este era escuro. Era produto da queima de combustível de uma viatura. “Meu Deus - interroguei-me - outra mina?!”
Desci rapidamente do Posto de Observação e dirigi-me ao Comando, informando o Capitão do que tinha ouvido e visto.
- Deixa lá, não há-de ser nada! – respondeu ele.
Foi fora da nossa zona. Só pode ter sido alguma viatura na Companhia 305, que tinha o acampamento não muito distante do nosso.
- O que for, soará – foi a sua resposta. E continuou sentado onde estava.
Desiludido com tal atitude, dirigi-me à nossa caserna, contando o sucedido.
- Aqui dentro não ouvimos nada – disseram os que lá estavam.
- Mas houve “maka” – afirmei com veemência. – Vão lá acima ao Posto de Observação e ainda verão os restos do fumo da explosão.
Alguns assim fizeram e, ao regressarem, conversavam entre eles:
- Houve merda, pela certa. O tipo de fumo é igual ao da explosão que houve com o nosso pelotão.
O Sargento de Transmissões dirigiu-se logo ao Posto de Rádio para fazer uma “exploração” e ver se havia alguma comunicação. Pouco depois o Sargento Tendeiro informou-nos de que possivelmente teria havido um problemazeco qualquer mas que a recepção não estava nas melhores condições. Só quando chegasse a hora das comunicações com o Batalhão, tudo ficaria esclarecido.
Estranhei a atitude do Tendeiro que, rapaz de poucos fumos, se tenha sentado à mesa, tirado um cigarro que acendeu, e puxando grandes baforadas que expelia para o ar, ficava a olhá-las até desaparecerem contra o zinco quente do telhado.
Olhei-o de frente. Ao notar que estava a ser observado, olhou-me e encolheu os ombros. A minha resposta foi também um encolher de ombros.
Perto da noite veio a informação do Batalhão - havia um morto e um ferido. O morto era o Comandante da Companhia 305, o ferido tinha sido o Cabo Condutor, a quem no acampamento da Buela o médico, à falta de melhor alfaia e para evitar a gangrena, lhe tinha amputado o braço com um serrote de cortar madeira! Um alferes e um soldado sofreram ferimentos menos graves.
Ainda hoje recordo ter recebido do meu irmão mais velho (à espera da mobilização no Colégio Militar, no qual dava aulas), um aerograma perguntando que raio de guerra era esta, em que um Capitão morre com uma mina anti-carro! O Capitão tinha também dado aulas no Colégio Militar, onde era muito estimado! (****)
O meu irmão era de Artilharia e estava longe de imaginar o sítio para onde mais tarde o iriam mandar: para o coração dos Dembos!
Sobre este caso, tão chato, só agora o Tendeiro se abriu. Não podia revelá-lo antes, por ser uma mensagem confidencial. Só o Comandante do Destacamento podia ter conhecimento dela. Disse-nos, então, que quando sintonizou o rádio na frequência usada pelos pelotões em operação, ouviu o rádio da patrulha chamando aflitivamente para a Buela. Uma viatura tinha pisado uma mina anti-carro. Dos quatro ocupantes um tinha tido morte imediata, outro, o condutor do veículo, tinha o braço direito meio decepado e os outros dois estavam só ligeiramente feridos. Pediam duas macas com urgência, pois o condutor estava a esvair-se em sangue, embora o maqueiro já lhe tivesse aplicado um garrote!
- Que raio! Será que não conseguimos pôr a vista em cima dos gajos?! Serão invisíveis? Nem com todos os cuidados conseguimos evitar as baixas no nosso Batalhão! Merda p‟ra isto!
A nossa Companhia já tinha conseguido eliminar um inimigo. E da nossa parte já quatro haviam perdido a vida nesta luta do gato e do rato!
“Tic”...
O cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes (1927-1962). Foto: cortesia de Morais da Silva (2019) |
Em Cuimba encontrei companheiros da 305. Falei com o Sousa, tentando saber mais pormenores sobre a mina que eles tinham accionado. Contou-me tudo o que eu já sabia, como é que actuava uma mina. Mas contou-me mais! A esposa do Capitão estava na Buela quando se deu o acidente. Julguei que em zona de guerra isso fosse proibido! Mas afinal não era como eu pensava.
Foi o Sousa que deitou os restos mortais do Capitão na cama – eram mesmo restos – compondo-os o melhor que pode. Pôs tudo em ordem e saiu.
A esposa queria ver o marido! Deixou-a entrar. Esta ficou a olhar, imóvel. O rosto do Capitão estava intacto - este tipo de minas actua de baixo para cima. A senhora nem uma palavra balbuciou. Que pensamentos eram os seus naquela hora? Ninguém sabia!
Os presentes retiraram-se em sinal de respeito.
Pouco depois ouviu-se um “tic”. Correram para trás e encontraram a senhora com a pistola encostada à cabeça. A sorte (?!) dela foi a arma não ter balas, tiradas propositadamente pelo Sousa antes de sair do quarto. Pensou, ou foi um anjo que lhe disse, que a pistola do Capitão, mesmo carregada, já não serviria para nada.
Aquela mulher, perante a impotência de acabar com o seu sofrimento, sentou-se numa cadeira e chorou copiosamente. Perante a surpresa deste infortúnio, não fazemos uma pequena ideia do quanto sofria aquela alma!
Lágrimas que o Império tece…
Notas do editor LG:
(*) Vd.poste de 24 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20273: O Spínola que eu conheci (34): um testemunho, de um ex-combatente, Ângelo Ribau Teixeira (Angola, 1962/64), que mostra não ter sido inspiração de circunstância o conceito de “Por uma Guiné Melhor” que o meu saudoso Comandante-Chefe materializou na Guiné anos mais tarde (1968) (Morais da Silva, cor art ref, cmdt da CCAÇ 2796, Gadamael, 1970/72)
(**) Vd poste de 26 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19441: In Memoriam: os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte X: cap inf Óscar Fernando Monteiro Lopes (Porto, 1927 - Buela, Pangala, Angola, 1962)
(***) Salvo, seria o Manuel Ribau Teixeira, meu colega da Universidade NOVA de Lisboa, mas que eu não conheço pessoalmente:
(i) doutorado em Física pela Universidade de Lisboa em 1984; (ii) como investigador foi responsável pelo Grupo de Investigação de Desenvolvimento e Aplicações de Lasers, de 1984 a 1996, no Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial; (iii) professor convidado do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de 1985 a 2000, responsável pelas disciplinas de Óptica e Optoelectrónica, da Licenciatura em Engenharia Física desta Universidade; (iv) aposentado.
Fonte: Gazeta de Física vol 34 nºs 3/4 , julho de 2011, com a devida vénia...
Último poste da série de 25 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)
Marcadores:
1962,
Angelo Ribau Teixeira,
Angola,
as nossas mulheres,
Bibliografia de uma guerra,
Luís Graça,
minas e armadilhas,
notas de leitura
Subscrever:
Mensagens (Atom)