terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11159: Bibliografia de uma guerra (67): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2013:

Queridos amigos,
Alguns meses atrás, recebi uma carta do Prof. René Pélissier solicitando-me livros e alguns contactos, ele continua indefetivelmente, infatigavelmente, a fazer recensões de livros em torno dos nossos conflitos coloniais. Daí nasceu a ideia, mais tarde, de sugerir a esta autoridade internacional na historiografia das nossas guerras que pusesse por escrito as suas reflexões sobre escritores e escritos de antigos combatentes.
Penso que este trabalho científico nos deve orgulhar e não escondo uma certa ufania em ter participado neste exclusivo que inclui fotografia inédita do historiador a mostrar leituras onde a Guiné é preponderante.

Um abraço do
Mário



Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1)

René Pélissier

É com toda a franqueza que confesso ter hesitado em publicar esta pequena crónica num blogue de antigos combatentes portugueses na Guiné. E porquê? E, finalmente, como é que eu cheguei aqui? Antes de mais, não sou nem antigo combatente nem mesmo português, nem até alguma vez pus os pés na Guiné. Nem – nunca – alguma vez estive implicado em qualquer outro conflito tropical. Contento-me em estudá-los atentamente há mais de 50 anos, sempre que me interessam. Depois, procurando encontrar argumentos plausíveis, disse a mim próprio que os frequentadores deste blogue terão passado, na maior parte dos casos, de 20 a 26 meses no tarrafo e nas picadas da Guiné, enquanto eu, pura e simplesmente, passei mais de 4 intensos anos a escrever uma história da ocupação militar deste território. Isto não se compara com os sofrimentos suportados pelos jovens- ou menos jovens – soldados, sargentos e oficiais que arriscaram a sua pele e a sua saúde para defender, a despeito do que pensavam, um mito. Eles andavam nos Unimogs, procuravam detetar as minas, viviam em destacamentos fortificados, enquanto eu, no meu escritório, procurava,mas mais tarde (1984-1988) organizar centenas e até mesmo milhares de informações que poderiam ajudar a explicar porque é que eles tinham sido enviados para um país que lhes tinham dito ser Portugal mas que, a seus olhos, não tinha muitas semelhanças com os Açores ou o Minho. É um eufemismo da minha parte. Enfim, a minha qualidade de historiador da colonização portuguesa moderna em Angola, em Moçambique, na Guiné e em Timor, não era argumento suficiente para falar a pessoas que, como todos os antigos combatentes do mundo, gostam de se reencontrar para falar da sua história pessoal vivida no terreno, mas que têm pouco interesse pela história militar do passado.

Mas a minha segunda identidade de crítico de livros publicados por antigos combatentes é ainda mais conflituosa. Um historiador deve conservar uma distância profissional com o que estuda. É o mínimo de imparcialidade que se espera dele. Esta condição é raramente alcançada quando o historiador e os atores têm a mesma nacionalidade ou o mesmo credo político ou religioso que o autor e, pior ainda, quando as nacionalidades e as posições são antagónicas. Acreditem na minha experiência, os historiadores militares são quase sempre historiadores comprometidos. Veja-se como divergem as suas interpretações sobre Naulila, no sul de Angola, em 1914, na perspetiva portuguesa ou alemã. A mesma coisa para os combates de Cuíto Cuanavale (1987-1988), quando se é angolano, cubano, soviético ou sul-africano. Quando se quer passar uma determinada opinião sobre um acontecimento é certo e seguro que vai trazer descontentamento a dois, três ou quatro adversários, e, em primeiro lugar, às testemunhas que o viveram. Conhece-se a suscetibilidade – por vezes patológica – de autores e editores em geral, e a dos portugueses em particular; o ofício de crítico é o melhor meio de fazer inimigos e de se ver ligado a polémicas em cadeia. Detesto polémicas, mas não posso dizer o contrário do que penso se o livro é mau. Eu respeito o meu leitor e procuro não o enganar induzindo-o em erro. Graças a Deus, poucas vezes passo o meu tempo a falar das qualidades e dos defeitos literários dos autores. Não possuo as competências para tal, é coisa que não me diz respeito.

Enquanto historiador, o que me interessa é o valor documental, a sua pertinência, se possível a sua cronologia, se ela até se apoia num diário de operações. Desconfio da memória, se bem que aprecie a exposição de estados de alma para conhecer o ambiente local num dado período, os ajustes de contas pessoais, as críticas ad hominem entre “camaradas” não me entusiasmam. Em contrapartida, as críticas que incidem sobre a condução das operações ou as insuficiências deste ou daquele oficial são preciosas. Os casos mais notáveis são os que se referem a Spínola na Guiné, genial, corajoso e visionário para uns, insuportável, pretensioso e péssimo estratega para outros.

Em suma, a minha dupla identidade de historiador africanista e de Timor, por um lado, consumidor de literatura memorial e, por necessidade, divulgador de novas perspetivas com vista a uma hipotética história da última guerra colonial portuguesa, por outro lado, não me predispõe para falar de novidades num fórum ou num ambiente de camaradagem em que os elogios mútuos são muitas vezes a regra de ouro.

Acontece que vocês me estão a ler no vosso blogue. Quem venceu as minhas hesitações foi Mário Beja Santos, que eu nunca encontrei e tem, pelo menos, um editor (Temas e Debates e Círculo de Leitores) que nunca se dignou a enviar-me uma só informação ou livros para recensão, provavelmente porque eu escrevo geralmente em revistas que não têm impacto sobre as grandes vendas, e outro editor (Âncora Editora) que nunca mais me enviou nenhum livro talvez por ter sido demasiado crítico a propósito de um dos seus autores, ou, sabe-se lá, porque os livros estão muito caros.

Suponho, observador longínquo da cena mediática portuguesa, que Mário Beja Santos goza de alguma notoriedade em Portugal. Em todo o caso, não foi a sua posição social que me decidiu a ultrapassar as minhas reticências iniciais, foi, acima de tudo, o facto de que ambos praticamos em dose elevada o mesmo ofício: o da crítica de livros ultramarinos e porque ele é, tanto quanto sei, o primeiro em Portugal a ser bem-sucedido com uma iniciativa espetacular: a de coligir em volume dezenas e dezenas de resenhas e longos comentários, que publicou em diferentes meios de comunicação social, por os ter classificado em categorias (romance e conto; memórias; ensaios; poesia; reportagem; história; diários), sintetizando-os e classificando-os pela sua devida importância. E, finalmente, encontrou um editor (Âncora Editora), bastante corajoso e profissional para publicar o resultado final (Mário Beja Santos, Adeus, Até ao meu Regresso, Âncora Editora, Lisboa, 2012, 408 páginas).

Sem qualquer adulação da minha parte, considero, enquanto autor precursor com três recolhas de (cerca de 3000) recensões de livros espalhados por uma cinquentena de revistas e jornais publicados numa meia dúzia de países(1) , que Adeus, até ao meu Regresso é não só um livro indispensável para todos os antigos militares que combateram na Guiné, mas que deveria estar disponível pelo menos em 100 bibliotecas universitárias ou públicas portuguesas. E porquê? Porque o autor enfatiza a necessidade de estudar seriamente este ramo da literatura portuguesa, não só para satisfazer os antigos combatentes que a sociedade atual tende a esquecer e mesmo a desprezar, ou a denegrir em certos casos, mas também porque, pela primeira vez depois dos Descobrimentos e até ao século XVII, esta literatura exótica tornou-se parte integrante da história portuguesa, não se pode ficar indiferente à abundância destas publicações. Se se comparar o número de livros publicados em Portugal sobre a Guiné entre 1840 e, digamos, 1940, com o número de publicações de essência guineense aparecidas depois da guerra colonial, é fácil concluir que a explosão atual anuncia, pela primeira vez, a entrada desta Guiné nas preocupações de muitos portugueses.

Com efeito, é o fator colonial a corpo inteiro e as suas desditosas realidades que penetram nas casas de centenas de milhares de famílias, tanto as dos antigos combatentes como as dos retornados de Angola e Moçambique. Mesmo se eles não comprarem muitos livros, o fenómeno durará muito após o desaparecimento dos protagonistas e provavelmente durante, pelo menos, a geração que está para vir. Veja-se o que se está a passar com o impressionante movimento editorial francês que invade atualmente as livrarias com recordações e estudos referentes à I Guerra Mundial.

Mas regressemos a Mário Beja Santos, pondo-lhe uma questão ligeiramente impertinente. Se ele tivesse publicado há 50 anos um livro sobre a Guiné ele teria posto “do Tangomau” no seu título? Vejamos o que nos diz a 11ª edição do Grande Dicionário Português/Francês de Domingos de Azevedo, 1998. “Tangomau”, V. “Tanganhão”. “Tanganhão” = 1º) [Mercador de escravos]; 2º) [Negociante de gado, vigarista, adelo, vivaldino]. Mário Beja Santos, defensor do consumidor, a vender escravos em África? Impossível.

Historiador da Guiné, sei e já o sabia, o que a palavra quer dizer na Senegâmbia, mas o grande público e os próprios autores do dicionário não sabem. Eu quero provar, neste caso, que uma aceitação tão pejorativa do termo era corrente no regime de Salazar, mas agora que África é menos estranha à população letrada, pôr o sentido guineense do termo no título de um livro destinado a uma vasta difusão não choca ninguém. Estando o Império morto há mais de uma geração, assistimos à africanização da língua. Paradoxo da História.

Por conseguinte, Mário Beja Santos, A Viagem do Tangomau. Memórias da Guerra Colonial que Não se Apagam, Temas e Debates, Círculo de Leitores, Lisboa, 2012, 518 pp. é uma espécie de livro-balanço que começa pela narrativa de um estudante politicamente vigiado, se bem que simplesmente cristão de esquerda, que foi obrigado a sair da universidade para ser transformado num futuro alferes, será punido e afetado à colónia mais perigosa para a sua saúde física e mental. Evidentemente que falo da Guiné.

Amigo de Teixeira da Mota (o oficial de Marinha historiador que acabará a sua carreira como almirante e com quem eu encarei a hipótese, um pouco antes do seu falecimento, de coordenarmos um livro em 5 ou 6 volumes sobre a história colonial integral de Portugal, obra que não existia nos primeiros anos após a queda do antigo regime), o nosso autor embarca para África, e, se eu entendi bem, apaixona-se pela Guiné e pelas populações com quem convive. Não é um caso excecional na literatura dos antigos combatentes, mas não é, de facto, a norma. Não vamos segui-lo nas suas deambulações, mas não devem ter sido muitos os jovens oficiais que frequentavam o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa entre duas consultas no Hospital Militar de Bissau. Que pena que a minha História da Guiné (Editorial Estampa) tenha aparecido em 1989, 20 anos demasiado tarde para que ele tenha podido andar com ela. Ele teria visto que estava numa zona de rebeldes (o Cuor) à dominação portuguesa, no princípio do século XX.

Após o termo da guerra, ele regressará por três vezes à Guiné (1990, 1991 e 2010), irá rever os antigos combatentes da milícia e os caçadores nativos que comandou no seu tempo de alferes. E aqui as coisas tornam-se sombrias no livro: execução dos “traidores”, deliquescência, afundamento da economia, etc. Este “caderno de um regresso ao país quase natal” não se aconselha a toda a gente, mesmo a um leitor sentimental. Retrospetivamente, a idade de ouro era talvez o tempo dos portugueses, pelo menos para os que estavam do seu lado.

(continua)
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(1) Cf. René Pélissier, Africana. Bibliographies sur l’Afrique Luso-Hispanophone (1800-1980), 1981, 206p ; Du Sahara à Timor, 700 Livres Analysés (1980-1990) sur l’Áfrique et l’Insulinde Ex-Ibériques, 1991, 350p. ; Angola-Guinées-Mozambique-Sahara-Timor, etc. Une Bibliographie Internationale Critique (1990-2005), 2006, 748 p. 

Estas três obras descrevem cerca de 3000 livross e brochuras publicados em 20 línguas, em que uma cinquentena de páginas é dedicada a Portugal. Só para a Guiné, considerada individualmente, esta três obras referem 167 livros e para a Guiné inclusive nas obras existem muitas páginas, cerca de 200 outros livros. De acordo com uma sondagem feita pela Porbase, dois terços destes 367 títulos estão ausentes das bibliotecas universitárias ou públicas portuguesas, incluindo a Biblioteca Nacional de Lisboa. Estes três livros foram publicados por Éditions Pèlissier, 78630 Orgeval (França), viapelbooks@wanadoo.fr
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10969: Bibliografia de uma guerra (66): A morte de Amílcar Cabral no livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu" (Manuel Luís Lomba)

8 comentários:

Antº Rosinha disse...

"...interpretações sobre Naulila, no sul de Angola, em 1914, na perspetiva portuguesa ou alemã..."

Mário , afinal o Pelissier tal como eu, também gosta de te ler.

Chamou-me a atenção esta observação sobre Naulila que eu conheço e participei num mapa daquela região.

Ora ele fala na perspectiva alemã e na portuguesa, mas devia também ir lá e ouvir a opinião dos Cuanhamas que era a eles que mais atingiu aquela "Batalha de Naulila""

Por isso é que não aceito facilmente as opiniões de "intelectuais" e estudiosos da porra.

Ora dos alemães sempre soubemos qual era a perspectiva, e a nossa (minha) era que tinhamos que defender com unhas e dentes aquele restinho ocidental do Mapa-côr-de-rosa, assim como a outra extremidade oposta do referido mapa, onde os Alemães também nos massacraram.

E calhou a ficarmos do lado vencedor, se não não existia Angola e Mo(z)ambique.

Ora a opinião de muitos moçambicanos e angolanos e guineenses é semelhante à dos brasileiros,:logo nos calhou sermos colonizados por um país tão fraquinho e atrazado.

É também esta a opinião dos pelissiers que andam por esse mundo fora.

Anónimo disse...

O Sr. René se é sua intenção branquear algumas declarações infelizes que fez, que tire "o cavalinho da chuva"..pelo menos na parte que me toca.

Reconhece que o que escreveu apenas é baseado em estudos mais ou menos fidedignos,quanto ao resto não passa, como qualquer "bom" Francês,de um normal e pseudo-intelectual chauviniste.

Provavelmente seria melhor dedicar-se a estudar o colonialismo francês e respectivas guerras coloniais com toda a panóplia de altivez e fracassos estrondosos..(Vietnam e Argélia nomeadamente).

Para terminar e pegando no seu argumento de que cada um tem uma perspectiva parcial consoante o lado pelo qual lutou o que é em parte verdade..os franceses serão os mais parciais de todos..desde o Napoleão que só têm levado na "corneta"..1.ª guerra mundial (se não fossem os aliados..ai..ai)..2.ª guerra mundial idem aspas..incluindo a vergonha da república de vichy.. a propósito quem entrou em primeiro lugar em Paris foram espanhois integrados no exército do Leclerc é certo..De Gaulle nem uma simples referência lhes faz..guerras coloniais..idem..

Continuam sempre a falar na grande França, mas a tropa de choque é sempre a Legião Estrangeira onde apenas ou quase só os oficiais são franceses..aliás é o único País que tem (a Legião Espanhola não é estrangeira)...o que é significativo.
Ah..Napoleão antes de invadir Portugal dividi-o logo em três..depois foi o que se viu ..
LA FRANCE..LA GRAND FRANCE...PUFFF.

Passe bem Sr. René.. e deixe o petit Portugal em Paz

C.Martins

Anónimo disse...

Caro "colon" Rosinha

Para a verdade histórica não foi bem assim.
Em Moçambique houve alguns recontros no Norte..mas não fomos massacrados, assim como no sul de Angola..
A grande maioria morreu de doença..
Já agora é justo prestar homenagem ao grande e genial "cabo de guerra" Coronel Paul von Lettow-Vorbeck e seus "askaris" que fizeram "gato sapato" dos Ingleses na região dos grandes lagos..
O Coronel Vorbek morreu na miséria porque se recusou a servir sobre as ordens do Hitler..
O seu a seu dono.
Um alfa bravo

C.Martins

Antº Rosinha disse...

C. Martins de facto o paludismo, e outras doenças que em 1914 eram quase incuráveis, nos trópicos e cá, era uma desgraça.

Mas naquela Naulila que o Pelissier fala, só para chegar lá, que era a partir de Moçâmedes, andavam-se 500 Klms.

A pé, de mula e cavalo, tambem havia um comboio (100 klm) a lenha que para subir uma serra era por processo de cremalheiras, um vagão apenas, quando o General Roçadas lá chegou, não conseguiu fazer nada contra uns tantos Cuanhamas bem armados e comandados pelos alemães.

Tanto que o General Roçadas veio embora e mais tarde é que foi lá o General Pereira D'Eça, e à segunda é que se faz a tal batalha de Naulila à base de cavalaria, mas a cavalo que dá bife e mais ou menos terá havido uma certa vitória.

Aquilo era e é uma região semi-desertica, que faz fronteira com o ex-Sudoeste Alemão (Namibia) e os alemães já tinham dentro daquelas cabeças brutais, projectos para o Rio Cunene, o Cuando, o Cubango e o Cuanza.

Foi uma porra a vida do português, não demos ouvidos aos velhos do Restelo para termos mais calminha.

Só que estes estavam ali para os lados da Linha de Cascais, e a maioria dos que andámos por lá eramos mais das Linhas do Tua, de Miranda e da Linha da Beira Alta e Trofáfáfe.

E ali não é tão convidativo como as praias do Restelo.

C. Martins, os Franceses, os Holandeses, os Ingleses, os Alemães, os Cubanos e os Russos, no Brasil, em Angola, na India, nas Rodésias côr-de-rosa, e Indonésia, andaram sempre a morder-nos nos calcanhares.

Se eu não tivesse falado e convivido com velhos pretos Cuanhamas que conheceram Pereira D'Eça, e não tivesse conhecido e convivido com velhos e novos pretos Fulas, Balantas, Papeis,que conheceram Spínola, e não acompanhasse o luisgraç&camaradas, concerteza que também tinha fé cega nos historiadores como pelissier ou nas guerras-de-joaquim-furtado.

Enfim fomos uma geração que fizemos uma guerra e agora vivemos nesta paz.

antonio graça de abreu disse...

Espantoso, acerado, englobante e magistral o comentário do António Rosinha sobre pelissiers e quejandos:

"Intelectuais" e estudiosos da porra".

"Se eu não tivesse falado e convivido com velhos pretos Cuanhamas que conheceram Pereira D'Eça, e não tivesse conhecido e convivido com velhos e novos pretos Fulas, Balantas, Papeis,que conheceram Spínola, e não acompanhasse o luisgraç&camaradas, concerteza que também tinha fé cega nos historiadores como pelissier ou nas guerras-de-joaquim-furtado."

Curioso é como hoje, no nosso blogue, ainda temos camaradas em busca da ostentação bacoca e da presunçosa promoção pessoal (já a têm e não é tão inútil como isso!) à custa de rato de biblioteca, chauvinista e anti-português chamado René Pélissier.

Abraço,

António Graça de Abreu

antonio graça de abreu disse...

Para não pensarem que eu ainda tenho "sanha" contra quem quer que seja, leiam o meu post 10448, aqui no blogue, e os comentários.
Um pequeno excerto do que escrevi então:

"Para a história colonial portuguesa basta consultar os autores de língua inglesa. Há séculos que a maior parte a denuncia como negreira, arcaica, brutal e incapaz: a quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos".

O francês Pélissier fez esta afirmação, em entrevista a Lena Figueiredo, publicada no jornal Diário de Notícias, Artes, de 02.04.2007.
Isto é uma opinião, ou arrumar de vez com a história colonial portuguesa "quinta essência do ultracolonialismo sob os trópicos?" Isto é uma afirmação de quase ódio a Portugal e aos portugueses. Claro que não fomos santos, mas esta não é a nossa História, tanta vez mal contada.

E aqui não estamos no reino das opiniões.

Por isso, meu caro Cherno [, foto à direita, 1989, em Kiev, Ucrânia], saúdo a tua verticalidade e honestidade intelectual ao acrescentares ainda no mesmo rol de comentários, em referência outra vez ao René Pélissier:

“Nem sempre concordei com a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses e seus aliados.”

A questão, meu caro Cherno, é termos no blogue tantos camaradas que gostam não só enaltecer o trabalho de Pélissier (que nunca foi à Guiné e é uma espécie de rato de biblioteca, rato reaccionário de esquerda, mas rato) mas também de concordar com o que tu chamas “a sua linguagem arrogante e de desprezo para com os portugueses”. E é pena, e às vezes, dói.

Sabemos como funcionava no século XIX muito do recrutamento (chamemos-lhe assim!)
de escravos africanos que embarcavam pela força nos navios negreiros, de bandeira norte-americana, inglesa e francesa (havia navios negreiros portugueses?) rumo ao Brasil, às Caraíbas, à América do Norte?

É ou não verdade que muitos desses infelizes negros, que morriam às centenas em cada viagem transatlântica, eram entregues, vendidos aos capitães negreiros brancos pelos chefes tribais negros dos territórios que se estendem do Senegal até Angola e eram resultado de infindáveis lutas fratricidas entre diferentes etnias? Quem vencia capturava os seus escravos e depois vendia-os aos negreiros ingleses, franceses e norte-americanos.
Estarei a inventar?

Não questiono o colonialismo português. Existiu, com certeza, cometeram-se muitos crimes contra os povos das colónias. E os povos africanos não cometiam constantemente crimes entre si?

Será que é correcto pôr nos pratos da balança, de um lado os brancos, os maus, do outro, os negros, os bons? É assim tão simples, tudo a preto ou branco? Ou o mundo felizmente é a cores, a todas as cores do universo.

Bons e maus existem, coexistem sempre em gente de múltiplas cores."


Abraço,

António Graça de Abreu

JD disse...

Camaradas,
Imagino que o Rosinha esteja em condições de se referir a um certo tipo de migrações em Angola, que se registaram até (pelo menos) aos anos 50 do sec.XX: tratava-se de um regime que obrigava muitos homens, que deixavam as famílias e as suas actividades tradicionais, a deslocarem-se a pé para longas distâncias, de onde geralmente não regressavam, e ficaram conhecidos pelos "contratados". Uma ova!
Os contratos eram feitos pela autoridade portuguesa, normalmente ao serviço de empresas coloniais (ou em proveito do Estado), que mediante ofertas aos régulos, recebiam por escolha daqueles, os elementos necessários para complemento da mão de obra empresarial. Não era escravatura, mas era um tipo desregrado de condenação perpétua.
E não me parece necessário reportar aqui novamente, as regras do regime do indiginato, absolutamente maquiavélico, porque criado à medida dos interesses do princípe, isto é, do regime colonial português, que dividiu os indigenas/nativos em 3 categorias e classes.
Por fim, também podemos aqui recordar, que foram os portugueses os últimos colonizadores a tomar supostas medidas de adequação à dignidade humana.
De entre elas destaque-se: ainda nos anos setenta, qualquer nativo que transitasse a pé pelas estradas de Angola, podia ser abordado pela autoridade - cipaio - no sentido de apresentar o comprovativo do IGM (Imposto Geral Mínimo), sem o qual corria o risco de ser preso, e de nessa condição ter que trabalhar para o Estado até ao montante da dívida, enquanto nas cidades, ninguém mandava parar um colono para fazer prova de cumprimento das obrigações fiscais. Coisas de um estado de direito.
Refiro isto, porque não me parece que se possa concluir à guisa de desculpa historica, que nos portámos tão mal quanto os outros colonizadores, até mesmo quanto os africanos entre si. Os avanços da sociedade não resultam de sucessivos alinhamentos por baixo, como se quanto pior, melhor. Ou como referem os brasileiros, pimenta no cú do outro, sabe-me a refresco.
Também não é necessário que sejam estranjeiros a revelar-nos a nossa história, mas não devem os historiadores e responsáveis portugueses omitir e transigir com a realidade, muito menos defenderem posições de mistificação, ou desresponsabilização.
Apesar de tudo, també assisti noa anos que lá passei a muito bom relacionamento e alguma miscigenação, em resultado da expansão escolar e da consequente valorização pessoal dos africanos.
Abraços fraternos
JD

Antº Rosinha disse...

Amigo J.Diniz, não conheço muito bem as leis dos "contratados" e do indigenato, até nem conheço muito bem os termos próprios que vêem nos livros, só sei na prática como se fazia o contrato porque foram vários anos que trabalhei com contratados e quais eram os ordenados e as obrigação patronal, ou do Estado como era o meu caso que era pela Junta de Estradas, ou pelos Geográficos e Cadastrais.

Ainda fiz um estudo de uma estrada com apoio de contratados da Diamang, no Cafunfo para uma lavandaria.

Os técnicos brancos que lá estavam eram quase todos algarvios, foi uma coisa para a qual nunca ouvi uma explicação pela preferência.

Mas essa explicação que me pedes não é para duas linhas.

E aqui no Luisgraca&camaradas acho que fugiamos para outra guerra e acho que não devemos roubar muito espaço.

Mas olha que não foi só nos anos 50, porque em 1974 continuava a haver o "contrato", e penso que te referes aquilo que era a deslocação dos bailundos do Sul para a colheita do café no norte.

E também iam de Moçambique para as minas Sul-Africanas.

No 25 de Abril continuava tudo a funcionar.

Mas eu gostava de explicar, mas penso que temos que arranjar outra maneira porque sei que pouca gente aqui conhece ao vivo aquilo a que te referes.

Mas j. Diniz, foi com «estudantes do Império» da idade de Amilcar Cabral que aprendi a colonizar e a lidar com os contratados que lhe davamos «peixe podre» como escreve o poeta António Jacinto.

Mas era o assunto muito interessante para ser tratado, mas aqui talvez fosse excessivo.

Cumprimentos