Foto: © Pierre Fargeas / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.
1. Em mensagem de 17 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) enviou-nos o seu quadragésimo nono contraponto.
CONTRAPONTO (49)
O SPÍNOLA QUE EU… ENTREVI
Não me pareceu que este texto pudesse ser colocado na série “O Spínola que eu conheci”, porque não o conheci. O que posso dizer é que, por duas vezes, pude entrevê-lo.
A primeira foi durante o período de permanência da minha companhia em Bissau (onde nunca estivera), aguardando o embarque de regresso a Lisboa. Encaminhava-me para a messe em Santa Luzia, quando o vi, ao longe, em frente à messe, entre meia dúzia de oficiais.
A segunda vez foi durante a formatura de despedida das tropas que, no dia seguinte, embarcavam para Lisboa. Que me lembre, na formatura, estava o meu batalhão, outro batalhão e, lá mais à frente, sob a minha direita, tropas da marinha, impecáveis, nas suas fardas brancas.
Eu estava à frente do meu pelotão e tinha a tapar-me a visibilidade sobre um palanquim de madeira (onde estava um microfone) o meu comandante de companhia e, em frente a ele, o coronel que comandava a tropa em formatura. Chegou o ComChefe, acompanhado de um oficial que se colocou mais atrás, sob a sua esquerda. Toque de “Sentido”. A seguir, o coronel fez o cumprimento militar. O ComChefe respondeu, elevando a mão direita, enluvada, mais ou menos à altura do rosto. Toque de “À-vontade”.
Colocaram um microfone em frente ao coronel. Compasso de espera para o acertar à altura adequada. O coronel colocou os óculos e retirou umas folhas de papel do bolso direito das calças. (Aproveitei para espreitar discretamente, ora sobre a direita ora sobre a esquerda.) O coronel começou a ler. Eu não prestava atenção ao que ele dizia, tentando entrever o general, que dava sinais de impaciência. Apurei o ouvido. O coronel falava da arma de Artilharia, da excelência do artilheiro, da história da Artilharia.
O general, que estava cada vez mais impaciente, chegou-se ao microfone do palanquim e ouviu-se, por entre as palavras do coronel, em som nasalado e grave:
- Já chega!
O coronel pareceu não ouvir e continuou a passar folhas e a ler. E o general:
- Schh! Schh!
De cabeça baixa, continuei a procurar entrever o palanquim e o general, olhando por cima do sobrolho e pensando: - Vai haver esturro!
O general, de novo:
- Já chega! Schh!
O coronel continuou. Acabou. Dobrou e guardou as folhas.
Ouviu-se o toque de “Sentido” e, logo a seguir, o coronel fez continência. O general mandou, com um gesto, fazendo oscilar o pingalim sobre o seu lado direito. Então recuou um pouco, ficando, assim, visível, olhou o oficial que o acompanhava e que estava à sua esquerda e, com o pingalim apontando o microfone, disse em voz bem audível, mais ou menos isto:
- Diz lá umas palavras aos rapazes sobre o significado deste acto, que voltam para as famílias, para as mulheres, para os filhos… que era o que o senhor coronel devia ter feito.
Alberto Branquinho
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Nota do editor:
Vd. último poste da série de 5 de Fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11062: Contraponto (Alberto Branquinho) (48): Cuando sali de Cuba...
7 comentários:
O Sr. Coronel deveria ter falado do significado do acto para os "rapazes"... e também da grande arma que era a Cavalaria e do valor dos cavaleiros..etc. e tal..provavelmente estaria tudo bem..
Não é minha intenção diminuir ou menosprezar a Cavalaria e respectivos Cavaleiros.
C.Martins
E ainda bem Caro C.Martins! Pois Cavalaria+Cavaleiros com a carne de cavalo a fazer almôndegas.......
Saudável texto.Depois de tantos terem "conhecido" Spínola existir alguém que só o....."entrevia". "Em todas as coisas há uma medida"-Horácio)
Caro J.Belo
O mundo está perdido..até já os suecos são vigaristas..andam a meter carne de cavalo nas almôndegas e dizem que é de vaca.
Oh..Cavaleiros protestai, porque é indigno não respeitarem os cavalos, desde quando é que os cavalos são vacas ou bois...cantem a Grândola
vila morena, por exemplo.
Bem a IKEA acaba de retirar as almôndegas e as salsichas do mercado..do mal o menos.
Um abraço
C.Martins
Alberto, é uma prova de honestidade intelectual da tua parte. Na realidade, quem pode dizer que "conheceu" o Spínola ? Muito poucos. o seu ajudante de campo, o seu estado maior... Em boa verdade, todos nós o "entrevimos", fosse numa visita relâmpago por ocasião das festas do Natal e Ano Novo, fosse nas cerimónias de chegada e de partida...
Quanto ao resto, o "discurso" dos nossos coronéis era uma seca, aí estávamos os três de acordo, o nosso Com-chefe, tu e eu...
Vou para cama curar a gripe.
PS - Não como almôndegas...
O nosso CMDT Cardoso- que Deus tenha em paz - deve ter ficado com uma vontade de ter acertado no monóculo do Spínola. Coisas da vida. Mas se houve malcriados entre gente do Quadro, esse Spínola deve ter sido o maior. Cavaleiros é outra coisa e as suas montadas, como diz o Belo, até servem para fazer almondegas.
Amigo Branquinho,
Lembro-me vagamente dessa cena dos discursos. Mas o que fixei mais foi o som grave da voz do Spinola:
Sooldaaaados e Maarinheeeeiiiross!
Maarinheeeiiiros e Sooldaaaaados!
Sooldaaaados e Maarinheeeeiiiross!
Maarinheeeiiiros e Sooldaaaaados!
Sooldaaaados e Maarinheeeiiiross! Maarinheeeiiiros s Sooldaaaadoss!
....
E lembro-me de ver os gipes da PM chegarem ao QG com os nossos militares (Cart 1689), bêbados, de carica da cerveja no olho e pauzito na mão, a gritar arrastada e roufenhamente:
Sooldaaaados e Maarinheeeiiiross! Maarinheeeiiiros s Sooldaaaadoss!
....
Abraço
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