segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11150: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (1): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, julho de 1968




Guiné > Região de Quínara > Buba > Maio de 1969 > A povoação (à esquerda) e o aquartelamento (à direita) vistos de helicóptero... Buba, a sul do Rio Corubal, forma um triângulo com Xitole e Fulacunda, nos outros dois vértices. É banhada pelo Rio Grande de Buba.  Buba era posto administrativo. Circunscrição (ou concelho): Fulacunda. Era também sede de batalhão. Foto do álbum do Zé Teixeira.

Foto: © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados.



[Foto à esquerda: Vila Nova de Gaia, Madalena, véspera de Natal de 2005: da esquerda para a direita, LG, A. Marques Lopes, Zé Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Xico Allen]


1. O nosso blogue vai fazer 9 anos no dia 23 de abril de 2013. Vamos comemorar essa efeméride, solicitando o envio de novos textos, fotografias e documentos inéditos, mas também republicando outros que merecem nova visibilidade... É o caso do "diário" do Zé Teixeira...

O Zé Teixeira não precisa de apresentações: é um dos rostos da solidariedade dos ex-combatentes da guerra colonial em relação a essa terra, verde e vermelha, que se chama Guiné, e ao seu povo, humilde e maravilhoso, de quem continuamos amigos e irmãos. O Zé é um dos "homens grandes" da Tabanca de Matosinhos, e um dos animadores do seu blogue, cujo primeiro poste foi publicado em 19 de novembro de 2008.

Se não erro - e eu não confio muito na minha memória -, conheci-o, na Madalena, Vila Nova de Gaia, nas vésperas do Natal de 2005, quando ele foi fazer-me uma visita à casa dos meus cunhados onde costumo passar o Natal, com a Alice, a Joana e o João. Por acaso ele também tem (ou tinha) um cunhado que vive por aquelas bandas. Ele, que mora em São Mamede de Infesta, Matosinhos, vinha acompanhado de mais camaradas da primeira hora: o A. Marques Lopes, o Xico Allen e o Albano Costa (mais o seu filho Hugo). Estava aqui o embrião da futura Tabanca de Matosinhos, só faltava o Álvaro Basto, que é hoje o "régulo"...


[Foto à direita: O Zé Teixeira, em Empada, 1969. Um 1º cabo aux enf, devidamente equipado: a G3 numa mão, a fita da HK 21 a tiracolo e a mala de primeiros socorros às costas]


Na altura da criação da Tabanca de Matoisnhos escrevi o seguinte, em apoio a esta iniciativa que foi, historicamente, o ponto de partida para a criação de outras tabancas, nascidas a partir da nossa Tabanca Grande:

20/11/20008:

Álvaro e demais amigos e camaradas da Tabanca de Matosinhos: Assumimos com grande alegria a paternidade da criança, mas as mães são...vocês, seus grandes malandros!... Nem sequer houve barrigas de aluguer nem foi precisa a inseminação artificial!... Tudo muito natural, à moda em antiga, sem parteira, só com aparadeira... 

O parto correu bem e a criancinha é perfeitinha, é isso que se deseja. Só espero que seja muito melhor do que o pai... e as mães...

Tenho que reconhecer que vocês são mesmo um caso sério, um verdadeiro 'case study', estudo de caso, como dizem os nossos gestores. Os campeões da convivialidade e da camaradagem! E mais: uma tabanca a valer,onde há portistas, leixonenses, boavisteiros, benfiquistas, sportinguistas, e até belenenses, ao que sei!

Que o vosso belo exemplo se multiplique por mil... e que a vida seja generosa para todos vós, camaradas da Tabanca de Matosinhos, de modo a poderem ver a criancinha andar, falar, escrever, crescer, e por aí fora... Aguentem-na (e aguentem-se...) pelo menos até à idade de ela... ir às sortes. E que tenha mais sorte que a vossa/nossa, nessa idade...

Prometo no Natal celebrar o acontecimento, aí no novo reordenamento do Milho Rei... Não sei se consegurei estar aí no dia 19, mas que vai ser festa de arromba, vai, a avaliar pelo anúncio que li... Vou passar a Consoada na Madalena e depois sigo a 26 para a Madeira... (...)

 
Um Alfa Bravo para todos. Luís Graça. (...)

2.  Entre finais de 2005 e princípios de 2006, o Zé Teixeira [, foto á esquerda, ] começou a escrever com regularidade no nosso blogue (I Série, que vai de 23 de abril de 2004 a 1 de junho de 2006, e onde se publicaram 825 postes). O nosso destaque vai para a série "O meu diário" que voltamos a reproduzir,  já que a grande maioria dos amigos e camaradas da Guiné (hoje mais de 600, seis vezes mais do que na época)  não tiveram oportunidade de conhecer as venturas e desventuras do Zé por terras de Quínara e Tombali (*)... È bom que se diga que foi o primeiro diário de guerra que chegou ao blogue, e que logo publicámos (em 19 postes), no 1º trimestre de 2006.


 Escrevemos na altura: (...) "Além de ser um notável documento humano - escrito por um homem dos serviços de saúde militares, um enfermeiro de campanha, que estava sujeito aos mesmos riscos que qualquer operacional -, [este diário] tem um grande interesse documental para melhor se conhecer o quotidiano dos militares portugueses no sul da Guiné:

"Fui enfermeiro de campanha na CCAÇ 2381. Fui para a Guiné em fins de Abril de 1968 e regressei em Maio de 1970. Estacionei cerca de 3 meses em Ingoré, no Norte, onde a companhia fez o seu treino operacional. Seguimos depois para Buba e fixámo-nos em Quebo (Aldeia Formosa), [no final de Julho de 1968].

"Aí a CCAÇ 2381 teve como missão fazer escoltas de segurança às colunas logísticas de abastecimento entre Aldeia Formosa/Buba e Aldeia Formosa/Gandembel, ao mesmo tempo que garantia a autodefesa de Aldeia Formosa, Mampatá e Chamarra.

"Regressámos a Buba, em Janeiro de 1969, para servirmos de guarda às equipas de Engenharia que construiram a estrada Buba/Aldeia Formosa. Face ao desgaste físico/emocional fomos enviados, a partir de 1969, para Empada onde vivemos os últimos meses de Comissão". (**)


3. O meu diário (José Teixeira, 1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Parte I): Buba, Julho de 1968 

 PRÓLOGO

Buba, 20 de Julho de 1968

Após dois meses e vinte dias de vivência em estado de guerra na Guiné, inicio o meu DIÁRIO que não é "diário". Nele apontarei somente os casos ou situações mais importantes do meu dia a dia para a história da minha vida .

NOITE

Buba, 20 de Julho de 1968

Noite escura...
A chuva cai fortemente,
Atiçada pelo vento impiedoso.
O capim dobra-se
Em homenagem àquele grupo de valentes
Que, esgotados pela longa espera,
Sedentos e esfomeados,
Aguardam impacientes
A ordem de retirar.
Os donos da selva surgem,
Traiçoeiros, em massa.
Por largos momentos, o matraquear das automáticas,
O rebentar das granadas.
Os gritos de algum ferido.
Tudo fazem esquecer.
Trava-se uma luta de vida ou de morte.
Até que as armas se calam.
O Inimigo foge,
Protegido pela escuridão.
... E vinte jovens,
Valentes, decididos,
Dedo firme no gatilho,
Ouvido atento,
Lá se vão a caminho do Quartel,
Com mais uma missão cumprida.


Buba, 21 de Julho de 1968

Agora me lembro, hoje é domingo... Saí às cinco da manhã em patrulha de reconhecimento à estrada de Aldeia Formosa. Voltei a Buba onde assento desde ontem pelas treze e trinta, depois de uma marcha de cerca de vinte quilómetros debaixo de sol abrasador. O resto da tarde foi para dormir, estava completamente esgotado.

Buba, 22 de Julho de 1968


Começou a guerra a sério para mim. Ainda esgotado pelo esforço de ontem, saí às seis da manhã para esperar a coluna vinda de Aldeia Formosa (Quebo). Às oito embosquei junto à "ponte interrompida" e por volta das doze recebi ordem para avançar. A coluna aproximava-se. Ouvi dois rebentamentos e fiquei preocupado... Será que a coluna foi atacada ?...

Cerca das dezassete deu-se o encontro de forças e soube então que detectaram cinco minas anticarro, duas das quais rebentaram.

Todos alegres, voltamos a Buba com o simples café, a camisa molhada de chuva e suor à mistura.
Ainda mal tinhamos chegado quando o IN apareceu a baptizar a Companhia, atacando de canhão sem recuo, morteiro e "costureirinha" [, PPSH]. Tentou durante alguns minutos arrasar Buba, o que não conseguiu por fraca pontaria ou porque não quis.

Deitado na vala e a aguentar uma tempestade de chuva, completamente nu (,fui apanhado a tomar banho,) assim esperei que acabasse a "festa", para ir jantar.

Que espectáculo! Centenas de corpos (,muitos deles nus,) encharcados, mas alegres, saíam das valas... Mais uma vez escaparam...

Encontrei três colegas da recruta. À noite, vieram-me procurar. Encharcados pela chuva, cansados da coluna, com receio de novo ataque, queriam dormir e não tinham onde...

Também eles estão nesta guerra. Nove meses já se passaram, a meta final aproxima-se, mas quantos sacrifícios lhes vão ser exigidos ainda ?

(Continua)




Guiné > Região de Quínara > Mapa de Xitole (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Buba (quartel e aquartelamento, sede de batalhão)... e estrada Buba - Mampatá - Quebo.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

_________

Notas do editor:

(*) Vd. I Série, o último poste de 19 postes > 14 Março 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi

(**) Vd I Série, poste de 15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXIII: CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) (José Teixeira)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Zé: Tira-me aqui uma dúvida... Esta tua foto de Empada, 1969, sugere que tu eras um Três em Um: 1º cabo aux enf (, mala de primeiros socorros); 1º cabo at inf (G3); e municiador de HK 21 (, fita carregador)...

Então o homem dos serviços de saúde, o bravo 1º cabo auxiliar de enfermagem (que os enfermeiros e o0s médicos, esses, ficavam... no quartel, a fazer a psico...) não tinha direito a usar a pistola Walther, de 9 mmm ?

Diz a Wikipedia:

A Walther P38 é uma pistola de 9 mm desenvolvida pela empresa alemã Walther para serviço na Wehrmacht. O objectivo era a substituição da pistola Luger P08, cuja produção estava prevista para terminar em 1942.

O conceito da P38 foi aceite pelos militares em 1938, mas a sua produção para testes só foi iniciada em 1939. A Walther começou a sua fabricação na fábrica de Zella-Mehlis, produzindo três séries de pistolas de teste. A terceira série foi considerada em condições e produção normal da arma foi iniciada em 1940. A produção manteve-se até depois do final da Segunda Guerra Mundial.

Uso em Portugal

A P38 foi adaptada pelas Forças Armadas Portuguesas em 1961 como Pistola 9 mm Walther m/961, substituindo a Parabellum então em serviço. Equipou desde logo as tropas em combate na Guerra do Ultramar.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Walther_P38

Zé teixeira disse...

Luís, vou zangar-me contigo. Nem tinha reparado na foto!
Quando colocaste esta foto no blogue "fora nada" tive o cuidado de esclarecer que se tratava de uma montagem para a fotografia - uma brincadeira. Na realidade, depois de cair pela primeira vez debaixo de fogo e ter reagido contra os meus objetivos e tentado fazer fogo conm a G3 que levava "emprestada", a qual se recusou a disparar e rebentou o cano, eu decidi, nunca mais sair para o mato de G3. Foi me imposto que levasse uma Valther, mas o meu amigo Samba de Mampatá alertou-me para o perigo de andar no mato com pistola, pois correndo o risco de ser confundido com o comandante, podia ser abatido. Então entreguei a arma.
Quanto à G3 servi-me algumas vezes de uma, emprestada,enquanto fiz rondas noturnas aos postos de sentinela em Mampatá.
Zé Teixeira

Luís Graça disse...

Zé, nós cultivamos aqui, desde o princípio, há 9 anos, o bom e saudável humor de caserna!... De facto, na foto em questão, "a bota não bate com a perdigota", como soi dizer-se... Daí a minha pergunta sobre o Três em Um, que só pode ser entendida no contexto da cumplicidade, camaradagem e amizade que existe entre nós...

Em boa verdade foi "o boneco" que, na rápida pesquisa que fiz no meu portátil, "saltou logo à vista", e a que veio logo a calhar... "para tapar o buraco"...

Juro que não foi por maldade que a inseri, nem isso faria qualquer sentido, ainda por cima logo no primeiro poste de uma série, festiva (a do nosso 9º aniversário) que pretende ser uma homenagem aos "homens grandes" da Tabanca Grande, a cuja galeria tu pertences, por direito próprio, por antiguidade, por amor bloguístico, por fidelidade, por continuidade, por feitos valorosos em prol das gentes da Guiné, por solidariedade para com os camaradas que a sorte não bafejou, pela copaternidade da Tabanca de Matosinhos, etc., etc. ...

Sendo tu um "esquilo sorridente", vai ser difícil zangares-te comigo... Mas não te nego (nem posso negar-te) esse direito...

Um Alfa Bravo. Luis