segunda-feira, 11 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16293: Nota de leitura (857): As ONG na democratização da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
Não era sem tempo de procurar dar uma síntese da atividade das ONG na Guiné-Bissau, é redundante dizer que tem sido da maior importância. Basta recordar o desempenho da AD quando tinha o Pepito ao leme.
Tive o privilégio de assistir em 1991 ao aparecimento da associação dos direitos humanos que rapidamente entrou em conflito com o regime de Nino. É de lamentar que a rede internacional das ONG que ali labora não tenha um trabalho articulado com os projetos dos doadores, tudo tornaria estas inciativas para o desenvolvimento mais eficientes e compreensivas para a vida comunitária.
Entretanto, deu-me na telha andar a ver papéis da década de 1950 na Guiné, passou-me pela cabeça voltar ao romanesco como fiz com "A mulher grande", e ao mexer no relato da viagem de Craveiro Lopes à Guiné, em 1955, encontrei este preâmbulo de Sarmento Rodrigues na concessão do novo foral a Bissau, é um belíssimo texto que quero partilhar convosco.

Um abraço do
Mário


As ONG na democratização da Guiné-Bissau

Beja Santos

Na revista Africana Studia, n.º 18, primeiro semestre de 2012, encontrei um interessante artigo intitulado “A sociedade civil face ao processo de democratização e o desenvolvimento na Guiné-Bissau (1991-2011)”, da autoria de Miguel Barros. Trata-se do período que abarca o anúncio do pluripartidarismo até ao ano anterior ao golpe militar encabeçado por António Indjai.

O autor preambula com noções elementares, recordando que a democracia da sociedade civil pressupõe participação com livre expressão e pluralismo e que o regime democrático tem como mais sério obstáculo o autoritarismo. E depois traça o objetivo para o seu artigo, o de visar identificar e analisar as origens e progressos da sociedade civil guineense desde a instauração do multipartidarismo, passando pelo desafio que foi o conflito político-militar de 1998-1999. No passado, o partido-Estado (o PAIGC) controlava os trabalhadores, a juventude, as mulheres, a comunicação social, tudo em nome da unidade e segurança nacionais. Com a entrada em falência do partido-Estado, foram aparecendo e obtiveram reconhecimento outros atores sociais coletivos. Recorde-se que o desempenho da Igreja Católica face ao esvaziamento do Estado, concretamente nos anos 1980 foi o de reforçar a sua influência nos domínios cruciais da saúde e da educação. O conflito político-militar saldou-se por uma maior projeção da Igreja Católica e o seu bispo de então impôs-se como uma das grandes figuras morais na mediação do conflito. D. Camnaté Na Bsing, primeiro bispo de origem guineense, goza igualmente grande prestígio.

A liberdade sindical tornou-se uma realidade, o SINAPROF – Sindicato Nacional de Professores, e o SNTTC – Sindicato Nacional dos Transportes e Telecomunicações, por exemplo, foram decisivos nas denúncias das condições precárias de trabalho e salários na Guiné-Bissau. Para além da UNTG (que congrega 17 sindicatos filiados) existe hoje a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes, onde estão os sindicatos mais ativos (justiça, professores, jornalistas, transportes e telecomunicações).

As ONG trouxeram uma nova abordagem para a promoção do desenvolvimento dos domínios dos serviços de base, ambiente e direitos humanos. A sua principal fragilidade passa pela dependência de apoio externo, quando ele desaparece a ONG também desaparece.

Na comunicação social, o pluralismo manifestou-se com o surgimento do jornal Expresso Bissau, depois com as rádios privadas Pindjiquiti e Bombolom, em 1995. A Guiné-Bissau conta com uma rede nacional de rádios comunitários, estão inscritas cerca de três dezenas de rádios.

O setor onde a dinâmica da vida associativa conheceu uma maior vitalidade foi o da associação de jovens e mulheres durante a década de 1990. Há um caráter instrumental destas organizações devido à filosofia dos projetos dos doadores que privilegiam o trabalho direto com os grupos sociais.

Ganharam uma grande projeção os grupos cuja finalidade é o de preservar e fortalecer o espírito de solidariedade e assistência mútua no seio da comunidade, mandjuandades. O contributo mais significativo da sociedade civil aponta para três direções: serviços de base (saúde e educação); direitos humanos e cidadania; informar, sensibilizar e consciencializar (caso do ambiente). Nos serviços base, reduziu-se o impacto da ausência do Estado nas zonas rurais mediante iniciativas que permitiram a construção de centros hospitalares e escolas geridas pela própria comunidade beneficiária. Houve o momento em que as ONG dos direitos humanos se perfilaram como o principal, defensor dos desfavorecidos e protetor contra a violência do Estado.

O grande teste posto à sociedade civil foi o conflito político-militar, criou-se o Movimento da Sociedade Civil para a Consolidação da Paz e Democracia. O período de transição pós-conflito e pós-golpe envolvendo o presidente Kumba Yalá (2003) confirmou a falta de confiança nos políticos e forças partidárias. Nesta época reafirmou-se a autoridade moral, política e social da sociedade civil, através da indigitação de uma figura independente dos partidos para o cargo de presidente da República de Transição, o empresário Henrique Rosa. São tempos de intensa participação, surgiram mais de duas dezenas de partidos políticos, hoje em grande parte volatizados. Na atualidade, assiste-se a uma estratégia destas ONG assente em compromissos com o Estado nalguns setores: um bom exemplo é a gestão das áreas protegidas, em que AD teve um papel de realce. Como conclusão dir-se-á que a inclusão dos atores não estatais é hoje encarada como um processo incontornável, Estado e sociedade estão condenados ao entendimento. Infelizmente nem toda a estratégia dos doadores contempla diretamente o apoio a estes atores.


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E um admirável texto de Sarmento Rodrigues sobre a cidade de Bissau

Ao folhear o Diário da Viagem Presidencial às Províncias Ultramarinas da Guiné e Cabo Verde, em 1955, Volume I, coordenação de Rodrigues Matias, Agência Geral do Ultramar, 1956, encontrei um texto do comandante Sarmento Rodrigues, quando governador da Guiné, em 1948, no preâmbulo do diploma legislativo em que concedeu à Câmara Municipal de Bissau novo foral:
“O alvará régio de 15 de Março de 1692 é o registo de nascimento de Bissau. Ordenara-se a construção da primeira fortaleza, ligara-se a gente à terra. E tão bem que, de então para cá, Bissau nunca mais deixou de ser a Praça.
No entanto, e apesar de em 1855 ter Comissão Municipal, e em 1859 ser vila, durante esses dois séculos ela não foi outra coisa mais do que uma Praça. Recinto fechado e muralhado, apenas com algumas casas de comerciantes, todas de barro ou taipa, aninhadas à sombra dos baluartes e cobertas por uma paliçada, depois um muro que da Balança corria até Pidjiquiti.
Vontade de crescer, todavia, não lhe faltou. E necessidade também. Em 1894, numa das muitas pazes temporárias e submissões fictícias do gentio irreverente, proclamou-se nova zona de expansão. Um polígono de 350 metros envolvendo as muralhas. Um padre abençoa, extramuros, um local para uma igreja. As habitações, aglomeradas por detrás da parede de tijolo, ameaçavam transbordar. Um povoado queria crescer.
Até que em 1913 o governador Carlos Pereira demoliu o muro asfixiante. Bissau passava agora a não conhecer outros limites além da barreira do mato impenetrável que na sua frente se levantava. E não teve mais descanso. Abrem-se ruas através dos matagais. Em 1914 é cidade e tem o primeiro plano de urbanização. Aumentam dia-a-dia os edifícios. Velez Caroço dá-lhe, em 1923, o seu primeiro foral. A cidade precisava de ser orientada na sua vida e o no seu avanço, que se não detinha. Era a primeira urbe da província.
Em 1941 fazem-na capital da Guiné. Já então possui bairros novos, muito para além das vistas da velha fortaleza abandonada. A área do plano de urbanização de 1914 e do foral de 1923 torna-se cada vez mais escassa.
Por isso em 1945 se procedeu aio estudo do seu alargamento, começando pelos levantamentos topográficos que haviam de conduzir à concessão de nova área e a um novo plano de urbanização e expansão. Desta vez é que se chegava à colina de Bandim.
Chegamos assim à situação presente. A cidade de S. José de Bissau tem hoje um apreciável conjunto de artérias e edificações. Todas elas não bastam, porém, para os seus numerosos habitantes que aumentam dia-a-dia. Possui hotéis, hospitais, estádio, praças, monumentos, uma catedral, água canalizada, luz e todas as modernas conveniências. Secaram-se os pântanos que a envolviam e empestavam. Era indispensável alargar-lhe a área e atualizar-lhe a vida. O seu desenvolvimento não poderia continuar sujeito aos velhos processos que foram excelentes para o seu tempo. O novo foral da Câmara de Bissau tinha de ser promulgado”.

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Nota do editor

Último poste da série de 8 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16285: Notas de leitura (856): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte III: onde se faz referência à possível operação das NT, no corredor de Sambuiá, onde terá morrido o cap inf QP José Jerónimo da Slva Cravidão, da CCAÇ 1585, em 4/6/1967 (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime-Mansambo, 1972/1974)

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