sexta-feira, 15 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16308: Notas de leitura (859): “Costa Gomes Sobre Portugal, Diálogos com Alexandre Manuel”, editado por A Regra do Jogo, 1979 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Agosto de 2015:

Queridos amigos,
Este foi o primeiro livro em que o marechal Costa Gomes deu a cara a um entrevistador, falando da génese do MFA, da evolução da guerra colonial, dos acontecimentos da descolonização e de todas as vicissitudes maiores à volta dos 21 meses em que permaneceu em Belém. Continua por merecer um cabal esclarecimento quais as consequências que as instâncias superiores da hierarquia militar previam para a retração da manobra na Guiné, no fundo estava-se a aprovar uma retração também com consequências bem dramáticas para todas as populações que viviam na orla das duas fronteiras. Mas o que fica bem claro nesta documentação é que se diz sem ambiguidades que se vivia já numa completa exaustão de meios e recursos, não era possível, no curto prazo, responder à superioridade em armamento do PAIGC. Trata-se de um episódio que acompanha a agonia do regime e é explorado pelo descontentamento militar. Por isso mesmo, merecia ser estudado por peritos competentes sobre o que era a Guiné em 1973 perante o poder ofensivo do PAIGC.

Um abraço do
Mário


O Marechal Costa Gomes, a Guiné e a descolonização

Beja Santos

O livro “Costa Gomes Sobre Portugal, Diálogos com Alexandre Manuel”, A Regra do Jogo, 1979, foi a primeira obra que o ex-Presidente da República decidiu dar a cara para falar da criação do MFA, do colonialismo e da descolonização e dos seus 21 meses em Belém. A obra anexa, entre outros documentos, o texto sobre a situação militar na Guiné em 1973 e a tomada de posição de Costa Gomes no Conselho Nacional de Defesa.

Não vendo razão para se voltar aos dados biográficos do Marechal, vale a pena entrar diretamente nas questões coloniais e ouvi-lo falar dos acontecimentos associados à guerra da Guiné.

Começa o jornalista por perguntar-lhe se tentou negociar com Amílcar Cabral uma solução de compromisso, ao que ele responde: “Não tentei qualquer espécie de negociação com Amílcar Cabral. Fiz apenas alguns esforços para entrar em diálogo com ele, depois que, após uma visita à Guiné, tomei consciência da efervescência existente entre a população local. Avisei, então, o Governador de que algo de grave poderia acontecer de um momento para o outro, caso não fossem tomadas medidas apropriadas. Só posteriormente tentei entrar em contacto com o Engenheiro Amílcar Cabral". Questionado sobre a quem recorrer, também informou: “Amílcar Cabral tinha a mãe em Bissau. Foi através da mãe e do então encarregado do plano de construção de casas na periferia da Guiné com o Senegal que entrou em contacto com ele”. E confessa que as diligências não surtiram efeito.

Os acontecimentos de 1973 na Guiné foram diretamente acompanhados por Costa Gomes e transmitidos ao decisor político, em sede própria.

Em 22 de Maio, Spínola escreve a Silva Cunha uma carta alarmante: “Aproximamo-nos, cada vez mais, da contingência do colapso militar”. No seu todo, a carta tem um teor lancinante. Depois de referir o “súbito agravamento da situação militar” e a sua “constante deterioração” a um ritmo de consequências muito graves, Spínola não deixa de aludir que a solução do problema estava de longe de situar no campo militar, “onde o In manterá sempre a supremacia em potencial de guerra”, mostrava-se também altamente preocupado “pelo rumo que o problema vai tomando”.

Poucos dias depois (26 de Maio), “face ao momento muito crítico”, perante a ofensiva geral em que o PAIGC se apresentava “forte em todas as frentes”, Spínola considerava indispensável que os chefes militares evitassem, por todas as formas, “segundas Índias e consequente desprestígio das Forças Armadas”.

A correspondência entre Spínola e Costa Gomes assume também tons patéticos. O Governador e Comandante-Chefe regressado de uma visita a Gadamael-Porto e Cacine, insistia, uma vez mais, no estado “confrangedor” de “desmoralização da parte dos quadros e tropa de linha”.

Na véspera, Lisboa tinha sido informada do “bombardeamento maciço” de que havia sido alvo Gadamael-Porto, designadamente o quartel.

Costa Gomes desloca-se à Guiné e confirma a opinião do Comandante-Chefe. Regressa a Lisboa e convoca de urgência uma reunião do denominado Conselho Nacional de Defesa e sobre a situação da Guiné faz com que fique exarado em ata:
“O desenvolvimento da manobra em curso com base na manutenção do atual dispositivo só seria possível mediante a disponibilidade de volumosos meios adicionais que permitissem o reforço adequado das guarnições de fronteira e o oportuno empenhamento e recuperação de reservas em ordem a equilibrar o potencial nos pontos sobre maior pressão do In. Todavia, o teatro de operações não poderá contar com reforços adequados de meios, por absoluta impossibilidade de os fornecer atualmente; e em tais condições, a conservação da iniciativa e da liberdade de ação indispensáveis à defesa da soberania nacional no teatro de operações só é possível à custa de uma conversão da manobra, modificando o dispositivo em ordem à economia de meios por concentração de forças, a que por tal forma seria conferido um maior dinamismo e mais ampla capacidade de reação”.
Continuando, Costa Gomes acentuou a importância, em qualquer situação, da liberdade de ação e da iniciativa, salientando que na perda da iniciativa está sempre a origem do insucesso militar, pelo que não poderão ser dadas interpretações menos corretas nem pessimistas a qualquer manobra que, adotada de plena consciência e decidida com oportunidade, antes constitui uma manifestação de iniciativa tendente a conservá-la.

Obviamente que Costa Gomes discutira detalhadamente esta retração em Bissau com Spínola, que inicialmente a aprovou e mais tarde a contestou, e com tal pretexto pediu a sua substituição a Marcello Caetano. Nesta reunião magna de militares e de políticos, Costa Gomes valorizou esta manobra como a única consistente para resistir ao crescente ritmo do aumento de potencial do In. E ficou igualmente exarado em ata:
“A redução do número de guarnições do dispositivo, dando-lhe dimensão adequada em termos de potencial, apresenta-se como imperativo da economia de meios não só terrestres como navais e aéreo. Por tudo isto não vê outra alternativa se não a adoção de uma manobra visando o encurtamento da área efetivamente ocupada com vista ao aumento da capacidade defensiva das Nossas Forças pela dinamização daí resultante para as posições do novo dispositivo, evitando deste modo a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira que se impõe a todo o transe evita, atentas as suas repercussões militares e políticas, externas e internas”.

Tirando um documento subscrito por Carlos de Matos Gomes acerca desta retração, não conheço quaisquer outros comentários sobre os efeitos de tal retração que nos afastaria ao longo das centenas de quilómetros das fronteiras da Guiné-Conacri e do Senegal, com o corolário de migrações maciças de todas as populações para longe do alcance dos morteiros 120. Mas seria bom conhecer as conjeturas dos peritos em estratégia para os efeitos que teria igualmente tanto território abandonado para que o In explorasse novas formas de guerra semi-convencional, trazendo os seus cargos para lançar mísseis sobre os aquartelamentos e reordenamentos. A par deste problema tínhamos um outro, que não pode sair do domínio da especulação: a Organização da Unidade Africana preparava um chamamento para se criar um exército que expulsasse o “invasor” de um país independente e reconhecido pela generalidade das Nações Unidas.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16304: Notas de leitura (857): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos: o caso do cirurgião Domingo Diaz Delgado, 1966-68, segundo o livro de H. L. Blanch (2005) - Parte IV: depois de 3 meses em tratamento do paludismo, em Conacri, o médico vai para a frente leste, em junho de 1967, regressando a casa em janeiro de 1968

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Mais uma muito oportuna (para nós aqui septuagenários)de BS.

Ouvir estas explicações passados 40 anos, principalmente por gente titubeante como o General Costa Gomes (ROLHA), nota-se que é tentar auto-justificação da sua pessoa que sabe que já está na História.

Mas hoje, nós os que fomos companheiros de armas de Spínola, Costa Gomes, Salgueiro Maia, e do simples corneteiro e o cozinheiro e o básico ajudante de cosinha das nossas companhias e baterias, não precisamos dar explicações para sermos os últimos a desistir, nem justificar absolutamente nada do que foi a nossa luta anti-descolonização africana.

Fizemos tudo o que esteve ao nosso alcance para não cometer o "erro" criminoso e cínico que fez França, Ingaterra e Bélgica, sobre aquele continente, que foi o abandono à sua sorte daqueles países desenhados em 1880 em Berlim.

Um Tunisino, independente desde 1956 da França, lembrou ainda hoje, essa asneira de 1956.
A actual "belle epoque" europeia, está chegando ao fim, e que cada um ponha as mãos na consciência.

Costa Gomes não precisava tanto esforço para se justificar.

As principais testemunhas, os Guineenses, Angolanos e Moçambicanos, têm muita memória, e embora oiçam muito palavreado anti-colonialista, sabem filtrar o conteúdo.

Hoje, em Cacem, ou Av. da Liberdade, ou Moita do Ribatejo, ou Amadora, sabem que colonizar requeria um esforço bem maior do que neo-colonizar, da parte dos europeus.

Ando a dizer isto há mais de sete ou oito anos... aqui, no blogforanada.

...Foram muitos almoços gratis

Cumprimentos

antonio graça de abreu disse...

Resumindo e concluindo, a "superioridade militar do PAIGC", e anexos.

Que grandes e refinados filhos da p..a!

Abraço,

António Graça de Abreu