Queridos amigos,
A história das guerras do império, por vagas sucessivas, envereda pelos seguintes domínios:
(i) logo a seguir ao 25 de Abril os teóricos à esquerda e extrema-esquerda a desvelar aspetos sombrios do colonialismo, desde a palmatória aos massacres,
(ii) e o teóricos da direita e extrema-direita a apontar para a tragédia da descolonização;
(iii) o novo fluxo prendeu-se com o sofrimento daqueles que combateram pela presença portuguesa, perseguidos e executados, isto a par da permanente acusação do dedo soviético e da ganância norte-americana à espreita de petróleo e diamantes;
(iv) seguiu-se a acusação irrestrita de que a descolonização prejudicou por inteiro os descolonizados;
(v) no fluxo presente, em que é impressionante o acervo de conhecimentos sobre o que foram as campanhas de África e em que contexto internacional se moveram as decisões de Salazar e Caetano, passa-se banho lustral sobre os fundamentos das lutas de libertação e temos historiadores a falar dos teatros de guerra sem jamais os ter estudado.
Encontra-se no trabalho de Rui Ramos bojardas como a seguinte, a propósito da invasão da Guiné Conacri, em 1970: "O PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos permanentes no interior do território".
Pasma como quebra o silêncio para denunciar a inqualificável besteira.
Um abraço do
Mário
Os capitães de África, pelo professor Rui Ramos
Beja Santos
Em escassas duas semanas, de quatro proveniências diferentes recebi o artigo que o professor Rui Ramos publicou no jornal Independente em 2006 sobre as guerras que travámos em África:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2017/09/oscapit%C3%A3es-de-%C3%A1frica-por-prof-rui-ramos.html. (*)
O documento é naturalmente polémico, será precisamente por isso que anda nas redes sociais, dá satisfação aos descontentes e azedumentos. À pergunta de que aquela guerra fora o simples resultado da natureza do regime político em 1961 ou da idiossincrasia do seu chefe, o historiador não hesita: “Nenhum governo português poderia ter feito outra coisa em Março de 1961”.
E refere as chacinas, os apelos à violência da UPA, incluindo o ideólogo de alguns revolucionários, Frantz Fanon. Na suposição de que o historiador aposta na imparcialidade e na contextualização dos factos, estava sem querer que houvesse algumas palavras abonatórias de que se encetara desde o termo da II Guerra Mundial uma gradual consciencialização anticolonial, que o Estado Novo estava ciente de que vinham problemas do principal anfiteatro planetário, as Nações Unidas, onde as novas nações independentes clamavam pelo fim das colónias.
O Estado Novo iludiu a realidade, e depois de umas largas pinceladas sobre a chegada de colonos a Angola e Moçambique, remata que não teria sido fácil em 1961 o abandono de África, ninguém pensara em retirar nem mesmo o PCP e os demais antissalazaristas. Houve portanto guerra aos movimentos de libertação porque era inevitável, ponto final, foi uma História sem antecedentes, um autêntico conto de fadas.
Rui Ramos fala da evolução da guerra e da estratégia salazarista, cita mesmo Marcelo Caetano em Março de 1974: “Não será por falta de dinheiro que nos renderemos”. Dinheiro houvera muito, mas estava tudo a correr mal desde 72, primeiro a crise mundial de alimentos, dispararam os preços, só baixarão no fim da década, a seguir o primeiro choque petrolífero e o castigo árabe a Portugal, pensou-se em racionamento, houve quilómetros de bicha, candonga a gasolina, se o professor Rui Ramos conversar com alguns do seus colegas e que conhecem economia e finanças, ficará surpreendido como a inflação subiu acima dos 30% no fim do primeiro trimestre de 1974.
Apregoa os mesmos argumentos de que a guerra se apresentava viável, que os principais movimentos de libertação constituíam um complicado folhetim de desânimos, cisões constantes, ajustes de contas sanguinários e deserções espetaculares. Era bom que o professor Rui Ramos estudasse a fundo o que foi o PAIGC, por exemplo, teve altos e baixos mas foi-se fortalecendo e prestigiando, conseguiu os necessários apoios técnicos, em armamento e equipamento, formou quadros e nos últimos anos da guerra fez reverter para o interior da Guiné uma matéria-prima de grande qualidade, os quadros cabo-verdianos que não tinham condições de estender a guerrilha a Cabo Verde.
Não esclarece muito bem o que mudou de Salazar para Marcello Caetano, deste refere novos argumentos, mais complicados, assentes numa solidariedade humanitária, para justificar as operações militares. “Convenceu-se também de que a estratégia da guerra limitada e de longa duração não podia continuar”.
Então, o historiador atira uma régua para cima da mesa, já que era necessário pôr fim à guerra: “Caetano proporcionou aos chefes militares os meios para romperem com a modesta rotina salazarista e tentarem esmagar a guerrilha. O ano 1970 foi marcado por iniciativas dramáticas: a invasão da Guiné Conacri, o grande assalto ao Planalto dos Macondes em Moçambique, e um novo plano de operações no Leste em Angola. Os resultados iniciais não foram maus. Na Guiné, o PAIGC acabou por abandonar todos os acampamentos do território”.
Penso que nunca ficaremos a saber se o académico ilude os factos, é ignorante e tacanho ou consultou os dossiês errados. Tivesse ele procurado ler o que foi o ano militar da Guiné de 1970, e mesmo 1971, e descobriria que o PAIGC não abandonou nenhum acampamento, esquece-se que ainda há muita gente viva que por aqui anda e que os arquivos estão cheios dessa documentação. O académico sugestionou-se, sentiu-se livre para dizer umas bojardas.
O que aconteceu depois? Kaúlza e Spínola teriam ficado despeitados por não terem sido candidatos à presidência da República, em 1972 e foi posta a propalar a tese de que o governo não lhe dera os recursos materiais ou as autorizações políticas necessárias. Curiosamente, esta argumentação não bate certo com o que, depois do 25 de Abril escreveram militares como Kaúlza de Arriaga ou Silvino Silveira Marques e mais recentemente um tenente-coronel aviador de escrita alucinada, Brandão Ferreira.
O que escreve sobre o desfecho do regime e a ascensão do MFA é pura pirotecnia argumentativa: os capitães entendiam que a democracia portuguesa se iria fazer abrindo estradas, administrando escolas e hospitais, como se fazia em África. O historiador profere estes dislates, tanto quanto sei ninguém lhe foi ao pelo. Será por indiferença? Segue-se, no termo do artigo, a verrina e a destilação de veneno:
“Só a mitologia de esquerda podia dar uma boa consciência aos homens do MFA. Só ultimamente se começou a perceber o verdadeiro sentido da retirada portuguesa. Havia mais africanos a combater do lado português do que do lado dos partidos armados. Na Guiné, metade dos confrontos com o PAIGC eram da responsabilidade das milícias locais”.
Que ninguém se pasme como se pode ser tão leviano. E nem uma palavra sobre aquele trimestre fatídico para Marcello Caetano, em que mandou negociadores sigilosos falar com o PAIGC, a FRELIMO, o MPLA, a FNLA e a UNITA. Numa entrevista a um jornal brasileiro, Caetano irá com uma certa displicência que era inevitável as independências, era um fenómeno internacional onde já não cabia a argumentação portuguesa em prol de um Portugal do Minho a Timor. (**)
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Notas do editor:
(*) O link constante no texto não funciona pelo que tive de pesquisar na net uma alternativa. Encontrei este: http://macua.blogs.com/files/os-capit%C3%A3es-da-%C3%A1frica-ii---2004.pdf que permite até carregar o PDF.
(**) Último poste da série de 16 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17867: (Ex)citações (324): os memoriais de Buruntuma (CART 1742, 1967/69) e Ponte Caium (3º Gr Comb, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74): Abel Rosa, António Rosinha, Carlos Alexandre e Valdemar Queiroz
19 comentários:
Mário Beja Santos vai abrindo o saco pessoal das suas opções políticas.
Há quem goste.
Abraço,
António
Olá Camaradas
É um génio este rapaz!...
Sigmâzio pois é um livro aberto.
Ao que parece escrevia no jornaleco do irrevogável.
Não vale a cera que se gaste com ele.
É professor? Em que universidade? Que cadeiras dá? Se calhar Culinária I e II...
Um Ab.
António J. P. Costa
Amigos e camaradas, não entremos pelo porta do insulto,e muito menos do "assassinato de carácter"...As ideias combatem-se com as ideias... Respeitamos as regras editorais do nosso blogue, que se pautam pela sabedoria e experiência ganhas nas bolanhas e matas da Guiné... No passado, caímos na tentatçãpo de transformar o debate da guerra ganha / guerra perdia numa "arma de arremesso", uns contra os outros...
O Rui Ramos, enquanto cidadão, pode ter as opiniões que quiser sobre a guerra colonial, do ultramar ou de África... Outra coisa é enquanto historiador, ou seja, como cientista social... Outra coisa ainda, é o seu papel de "opinion maker" sob a capa de "historiador"... LG
PS - Segue, noutro comentário, um resumo do CVdo doutor Rui Ramos.
CV do doutor Rui Ramos, investigador do ICS/UL:
http://www.ics.ul.pt/instituto/?ln=p&pid=104&mm=2&ctmid=4&mnid=1&doc=31809901190
ICS - Instituto de Ciências Sociais / Universidade de Lisboa
(i) Rui Manuel Monteiro Lopes Ramos nasceu em 1962, em Torres Vedras.
(ii) É licenciado em História pela Universidade Nova de Lisboa (1985) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de Oxford (1997).
(iii) Actualmente, é Investigador Principal do quadro do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, onde tem seguido a carreira de investigação desde 1986, depois de uma breve passagem pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi Assistente Estagiário no ano lectivo de 1985-1986.
(iv) Foi ainda Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (1998-2001) e depois do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (desde 2001).
(v) No Instituto de Ciências Sociais, foi membro da Comissão Permanente do Conselho Científico (2001-2004), vogal da Comissão de Pós-Graduação (1998-2000) e membro do conselho de redacção da revista Análise Social (2003-2004).
(vi) Enquanto historiador, especializou-se na história de Portugal dos séculos XIX e XX, estudando sobretudo os aspectos políticos e culturais. Tem-se dedicado em particular à investigação da época do final da monarquia constitucional e da I República. Interessa-se também pela história das ideias políticas na Europa dos séculos XIX e XX, tema sobre o qual tem orientado vários seminários no Instituto de Ciências Sociais, no âmbito do programa de mestrado e doutoramento em Política Comparada.
(vii) É autor de dezenas de artigos publicados em revistas científicas portuguesas e estrangeiras, e de vários livros, entre os quais A Segunda Fundação, volume VI da História de Portugal dirigida por José Mattoso (1994), João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal (2001), e a Biografia D. Carlos, na série dos Reis de Portugal (2006). Foi ainda um dos coordenadores da obra em três volumes Dicionário Biográfico Parlamentar. A Monarquia Constitucional (2004-2005). Colabora actualmente no projecto internacional El Léxico Político y Social de la Modernidad Iberoamericana [Proyecto Iberconceptos], que reúne investigadores de dezenas de universidades espanholas, portuguesas e latino-americanas com vista à elaboração de um Dicionário de História dos Conceitos Políticos e Sociais no Mundo Ibero-Americano entre 1750 e 1870.
(viii) Foi um dos fundadores e membro do conselho de redacção da revista Penélope. Revista de História e Ciências Sociais (1988-2006) e um dos organizadores dos dois congressos de História Social das Elites (1991 e 2003).
(ix) Em Outubro de 2002, a Academia Europaea outorgou-lhe a distinção de Burgen Scholar “in recognition of excellent academic achievement”.
(x) Além da sua actividade universitária e de investigação histórica, mantém uma coluna semanal de comentário da actualidade no jornal diário Público desde 2006, e colaborou na revista mensal de ideias e debate Atlântico entre 2005 e 2008. Foi ainda autor da série televisiva de 12 episódios, passada na RTP-1 em 2007, “O Portugal de...”
Com todas as suas virtudes e defeitos, a Wikipédia é um recurso que está sempre à mão... Neste caso, tem uma biografia mais completa e atualizada do doutor Rui Ramos:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rui_Ramos
(xi) Em 2009 recebeu o Prémio D. Dinis, conjuntamente com Bernardo de Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro pela obra História de Portugal.
(xii) A 7 de Junho de 2013 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
(xiii) É Vogal do Conselho de Administração do jornal "Observador", com Duarte Schmidt Lino e José Manuel Fernandes (que é publisher), o qual é presidido por António Carrapatoso.
Não perco uma de BS, que nos apresenta tudo o que mexe. E de todos os que não passaram por lá, só sabem o que vão respigando em arquivos, a quem chamamos historiadores, devemos pôr sempre reservas com todo o direito que nos é dado por lá termos andado.
Ao contrário deste autor que é acusado de (pró-Estado Novo) anda aí outro que é acusado (contra Estado Novo) que espero BS nos traga também coisas deste, Fernando Rosas.
Nestes tipos de historiadores, principalmente em cima da hora, há verdades, meias verdades, mentiras e meias mentiras.
Penso que nas guerras, no fim sobram as verdades de quem "levou a melhor".
As verdades de quem "levou a pior", essas não contam.
E quem "levou a pior" nesta guerra que foi dos nossos "Capitães de Abril" e de todos nós, não foram tanto os capitães e os que não foram capitães nem de Abril nem de Março nem de Maio.
A história para os que lá andámos, se a quisermos ver um pouco distanciados, encontramos nesta leitura de BS uma verdade dos verdadeiros perdedores que "levaram a pior":
"Na Guiné, metade dos confrontos com o PAIGC eram da responsabilidade das milícias locais”.
Eu não estava na Guiné em 1974, Rui Ramos também não, que só nasceu em 1961, eu estava em Angola.
Aí, a maioria dos combates eram com os milícias, flechas, ou comandos africanos, e complementados por grupos de paraquedistas ou comandos metropolitanos.
Trabalhei em regiões enormes onde tropa branca não fazia falta, as populações não aceitavam os movimentos independentistas na suas terras porque simplesmente não acreditavam neles.
Mas as verdades de quem não "levou a melhor" nunca existiram ou foram traições de traidores.
Obrigado BS
;
Marcello Caetano tentou dialogar com todos os movimentos que nos fizeram a guerra no Ultramar, em Angola, Moçambique e Guiné? Desconhecia, além dos tentados com o PAIGC, já "tarde e a más horas". Se alguém me puder esclarecer agradecia.
Olá Camarada
Para começar as dúvidas do Manuel Bernardo são, no mínimo, muito pertinentes.
Mas outras poderiam pôr-se.
Como diz o Rosinha ..."todos os que não passaram por lá, só sabem o que vão respigando em arquivos, a quem chamamos historiadores, devemos pôr sempre reservas com todo o direito que nos é dado por lá termos andado". Como sabes esta verdade é cada vez mais lapidar. Os historiadores modernos quando falam deste tema movem-se com a mesma subtileza de um elefate na loja de porcelanas...
Podes dizer que a visão de cada um de nós é parcelar, mas será tão parcelar assim? Estar dois anos num dado local ouvir o que sucede no batalhão e unidades limítrofes não é uma visão parcelar.
Até posso aceitar que "este autor seja pró-Estado Novo". Está no seu direito. Mas aquela de relacionar o Op. Mar verde com um abandono de acampamentos faz-me dores no espírito.
E o Rosinha volta a ter razão quando diz que "estes tipos de historiadores, principalmente em cima da hora, há verdades, meias verdades, mentiras e meias mentiras".
"Na Guiné, metade dos confrontos com o PAIGC eram da responsabilidade das milícias locais”.
Onde é que ele ouviu esta? Subscreves esta afirmação? Eu não e como eu muitos outros.
Rui Ramos que só nasceu em 1961, deveria ter sido, no mínimo mais cuidadoso. Não achas?
Nunca estive em Angola mas tenho dúvidas de que "a maioria dos combates eram com os milícias, flechas, ou comandos africanos, e complementados por grupos de para-quedistas ou comandos metropolitanos". Quer isto dizer que a tropa normal estava lá para decorar? O governo mandava a tropa para Angola só para chatear o povo? Tenho dúvidas. E tu?
Fico estarrecido com tanta habilitação literária e funções desempenhadas com tanto brilho. Quando leio CV desde tipo (qualidade e quantidade) parece-me que estou perante um amontoar de títulos nobiliárquicos dos séculos passados.
É que o dia tem só 24 horas mesmo incluindo a noite. E não há passos maiores do que as pernas.
Por outro lado, quanto mais letrado se é, quanto mais culto se é, mais cuidadoso se deve ser naquilo que se escreve, o que terás de concordar, não é o caso.
Não sei se aquela do insulto era comigo, mas tenho dificuldade em retirar o que disse pelas razões que resumidamente apresento.
Um Ab.
António J. P. Costa
Ora até que enfim estou de acordo com todos os comentários dos camaradas, acima descritos e particularmente com António Rosinha.Não sei se o Douto Rui Ramos é a favor do estado novo ou do estado velho.Mas como este andam aí muitos e não se surpreendam se ele ainda vier a ser ministro da defesa ou dos negócios estrangeiros.Esta malta esquece-se que somos ainda um bom punhado de boa gente que deu o corpo ao manifesto e que sabe ler e analisar o que se passa e passou pelos lugares onde estivemos.E com as suas capas de mestres mestrados e mestrandos vai
insultando a inteligência dos outros.
Um abraço a todos
Carlos Gaspar
Caro Pereira da Costa: Limitei a acrescentar mais críticas às já feitas. Para verem a maneira como penso nestas questões de certos historiadores, faço a transcrição dos meus comentários ao artigo de Rui Ramos e que podem ler no final dos textos apresentado pelo Beja Santos:
PS de Cor. Manuel Bernardo (AGO2017)
Estranha-se que este professor não tenha feito qualquer referência ao apoio dos EUA, incluindo financeiro, à UPA de Holden Roberto, no período anterior aos massacres. Igualmente se corrige que o número de brancos chacinados foi superior aos 500 indicados. Segundo os Coronéis Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso (não são generais - posto este atribuído incorrectamente pelo jornalista do “DN”, João Céu e Silva, no seu livro “1961; o Ano que mudou Portugal”/2011) o quantitativo terá sido entre 800 e 1 000 brancos e entre 6 000 e 8 000 negros. Também o escritor espanhol Josep Sânchez Cervelló, colaborador do mesmo livro destes autores (“Os Anos da Guerra Colonial; 1961; O princípio do fim do Império”; vol 2/2008) afirma que os massacrados foram cerca de 1 200 brancos e 6 000 negros, de acordo com os dados então fornecidos pelo Coronel Viana de Lemos, do Governo de Lisboa.
Continuando o texto que pretendia publicar (2):
PS de Cor Manuel Bernardo (SET2017)
- Aproveito a oportunidade para salientar que foram praticadas incorrecções por outros historiadores em relação à minha pessoa. Assim, o Prof. Luís Nuno Rodrigues, na biografia do Marechal António de Spínola, rotula-me «como um “fiel de sempre”, que, com Manuel Monge e Caçorino Dias, teria cerrado fileiras em torno do Velho», por mim desmentido, pois, em toda a sua vida, apenas nos encontrámos duas vezes, aquando da entrevista concedida na sua residência, em 07-07-1992 e revista em 18-09-1993 (ainda não saiu uma nova edição para poder fazer a correcção, como prometido pelo autor, em Abril de 2010.
No presente livro do Prof. Rui Ramos, é apresentado, no seu final, um “Guia de Leituras”, onde depois de, entre outros, destacar (e bem) a obra José Freire Antunes, “Guerra de África; 1961-1974”, em dois vol.s , afirma: “(…) Spínola é, como seria de esperar, um personagem central em muitas memórias e depoimentos deixadas por outros protagonistas da revolução. A esse respeito, vale a pena mencionar as dezenas de entrevistas com militares colecionadas por Manuel A. Bernardo, nos livros “Marcello e Spínola; a Ruptura, 1973-1974” (Lisboa Estampa, 1994) e “Equívocos e Realidades, Portugal 1974-1975” (Lisboa, Nova Arrancada, 1999) (…)”.
Tal como vem referido nestes livros, as entrevistas foram realizadas por mim, em todo o País, desde Lisboa ao Porto, e de Vila Nova da Barquinha a Faro e a Ponta Delgada, e não apenas colecionadas, nem somente com militares, como é indicado (Pinto Balsemão e Raúl Rego foram dois dos civis/jornalistas entrevistados). E, quanto ao 1.º livro, é omitido o sub-título: “As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo”, antes de “1973-1974”.
Mais recentemente outros três historiadores (Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira) vêm dar-me rótulo semelhante, quando no seu livro “O Adeus ao Império; 40 Anos de Descolonização Portuguesa”/2017, afirmam na introdução (a três):
“(…) Em termos historiográficos, as abordagens à descolonização têm-se inscrito num campo híbrido , onde obras de recorte mais polemi zante coexistem com aproximações baseadas em metodologias próprias da história e outras ciências sociais. Trata-se, todavia, de um campo, onde antigos protagonistas, geralmente militares, têm procurado marcar o seu território – desde antigos membro da Comissão Coordenadora do MFA, como Pezarat Correia (“Descolonização de Angola – a Jóia da Coroa do Império Português”/1991, etc.), a oficiais mais identificados com visão spinolista da descolonização, com Manuel Amaro Bernardo (“Combater em Moçambique: Guerra e Descolonização, 1964-1975”/2003) -, abordagens que, como seria de esperar, evidenciam o “engajamento” dos autores no processo que se propõem analisar. (…)”
Lamento que estes professores façam afirmações incorrectas, já que, se o “engajamento” pode servir a Pezarat Correia, que foi o “braço direito” de Rosa Coutinho, no apoio dado ao MPLA, em Angola, até finais de 1974, a mim dificilmente tal poderá ser atribuído, na descolonização, pois já estava colocado na Academia Militar, em Janeiro de 1974. Posso esclarecer que apenas iniciei a escrever livros para denunciar as vergonhas praticadas depois do 25 de Abril de 1974, tal como os saneamentos feitos pelos Conselhos das Armas/Exército – passagem compulsiva à reserva dos oficiais, em reuniões secretas e sem os acusar, nem os ouvir sobre o que levava a tal situação -, e as prisões arbitrárias executadas desde o 28 de Setembro de 1974, como foi o caso do General Kaúlza de Arriaga, do locutor da RTP, Artur Agostinho ou do amigo e revisor de provas dos meus livros, o então Major DFA Joaquim Evóneo Vasconcelos (11 de Março de 1975), já falecidos.
O primeiro foi publicado em 1977, com o pseudónimo de Manuel Branco (“Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1975-1976) e o último, em co-autoria como o Joaquim Vasconcelos, (falecido no ano anterior), em Abril de 2013 (“Grades de Papel; Caxias 1975; Condomínio Fechado”… Nas obras depois publicadas (sempre com o meu nome), como o caso do “Combater em Moçambique (…)”/2003, atrás referida, não pretendi “marcar qualquer território ou seguir uma visão spinolista da descolonização”, mas apenas denunciar situações incríveis, como foram os fuzilamentos/e (ou) mortes pelo fogo em valas, de presos/adversários políticos em Moçambique e na Guiné, no pós-independência, ou em Timor, pela FRETILIN, em 1975, por altura da invasão da Indonésia.
Anos mais tarde, em situações semelhantes, seriam considerados como “crimes contra a humanidade” e julgados em Tribunais Penais Internacionais... E pelo que tenho apreciado, os historiadores oriundos da esquerda, normalmente vão praticando a omissão deste tipo de factos, como o Prof. Medeiros Ferreira, no 6.º volume da História de Portugal, de José Mattoso.
António JP Costa, não me confundas com qualquer historiador.
Mas se pões em dúvida daquilo que afirmo, sobre Angola e a guerra, e os milicias e os Paras(de Março 1958 a Junho de 1974, excepto os 30 e tal meses de tropa) vivi uma média 200 dias/ano em barracas de campanha, Zona Intervenção Norte, Leste e Sueste), daqui imagina as coisas que assisti em 16 anos, eu pelo contrário, não duvido de nada do que o pessoal fala da Guiné porque em 13 anos n Guiné, pressenti o que se passou.
Mas repito-te o que eu disse: "Eu não estava na Guiné em 1974, Rui Ramos também não, que só nasceu em 1961, eu estava em Angola".
Ora BS fala nos capitães de Abril/74 (?) e nos milícias, e eu e Rui Ramos não estavamos na Guiné em 74, mas eu estava em Angola...nessa data, quís eu dizer mas o Rui Ramos não sabe disso, só nós aqui é que sabemos, porque eu digo, sabem também umas centenas de colegas meus, alguns da minha idade, quase 80 anitos, com quem almoço anualmente, os que vão sobrando.
Ora , António J P Costa lançou-me um pergunta que embaraça qualquer Retornado como eu: "Quer isto dizer que a tropa normal estava lá para decorar? O governo mandava a tropa para Angola só para chatear o povo?"
Camarada António, esta pergunta é genial, é soberba, é, talvez involuntariamente, vista um pouco mais à distância, a sangue frio, e para quem tenha lido com atenção os "CÚS" de Lobo Antunes, digo, o governo mandou para lá a tropa para chatear o povo (branco) e para os brancos chatearem a tropa, tal a "alergia" mútua.
António, essa pergunta, tirando a ironia, não é muito descabida, tal a falta de entendimento, compreensão e coordenação mútuos.
António, Angola marcou mais militares e historiadores do que a Guiné devido à maior quantidade de tropa e duração da guerra em Angola.
Fujo a escrever, mas um dia contarei dois ou três episódios "da minha guerra", civil e militar, em que posso entrar com capitães cabos e sargentos, uns brancos, outros mestiços, outros pretos.
Mas acredita, em 1974, era tal qual como eu digo, eram mais os flechas e os comandos e paras, respeitando sempre excepções bem pontuais, e o respeito de quem lá ficou, que também morreram militares e civis, evidentemente.
Exactamente no 25 de Abril estava eu no meio do mato e numa barraca de campanha e um Jeep e alguns indígenas, sem qualquer protecção militar,a fazer a implantação daquilo que viria a ser uma pequena estrada.
Só soube do 25/A no Domingo a seguir, aí comprei pilhas para um rádio que me acompanhava, ouvi, e só voltei a trabalhar a sério no 25 de Abril de 75, no Brasil.
Camaradas, Angola e a Guiné foram tão diferentes, que os pioneiros do PAIGC, aprendiam com as conversas dos seus Combatentes da Liberdade da Pátria, "que os angolanos foram covardes" e deviam a eles a sua independência.
As crianças não mentem.
António JP Costa, um dia temos que escalpelizar a tal pergunta da tropa para "decoração" em Angola, em que alguns militares até gostavam de lá ficar para jarras, em comissões repetidas.
Cumprimentos
Cuidado, oh Carlos Gaspar!
Por menos que isso levei o rótulo de insultuoso...
Põem o capacete, à máscara anti-gás e até a armadura!
Chamo a atenção dos camaradas para o efeito de um texto de um intelectual e estudioso historiador. Dá a impressão de que nos envolvemos à zaragata, quando quem andou mal foi o tal historiador cheio de títulos e qualificações.
Em relação à Guiné faltou à verdade e distorceu. Ou algum de nós tem dúvidas?
Cada um dos "TO daquelas PU" apresenta características que não consigo avaliar em profundidade, pois nunca lá estive. Só posso falar na generalidade.
Mas da Guiné... será que estou assim tão só nas minhas opiniões?
Um Ab. e bom domingo
António J. P. Costa
A ideia que eu tenho é que a Guerra da Guiné não foi melhor nem pior que as de Angola ou Moçambique, foi diferente. Basta lembrar que qualquer batalhão em Angola era capaz de ter como zona de acção uma área equivalente à superfície da Guiné.
Se fizermos contas justas, abandonámos nós mais bases do que eles, até por questões estratégicas, já que, por exemplo, junto às fronteiras, éramos flagelados e não podíamos responder sem ultrapassarmos os nossos limites fronteiriços. Por outro lado, eles retiravam facilmente para as suas bases no exterior da Guiné (Bissau). Todos sabemos dos seus santuários, quase impenetráveis, bem no interior da Guiné, exemplo Morés, onde se mantiveram até ao fim da guerra, tanto quanto sei.
Pelo menos na Guiné, os Pelotões de Milícias não actuavam sozinhos, quando muito "saíam para o mato" para justificar algumas rações de combate em falta. Pelo menos em Mansabá, no meu tempo, os nossos pelotões, nas saídas para o mato, eram normalmente reforçados por uma secção do Pel Mil 253, que como conheciam muito bem o terreno, também nos serviam de guias. Aqui as minhas homenagem ao Comandante Mamdú e ao Braima, fuzilados covardemente após o fim da guerra.
Como sabemos, até os Pel Caç Nat tinham quadros e especialistas metropolitanos.
Só os Comandos Africanos actuavam com autonomia e eram compostos com quadros naturais da Guiné, e todos sabemos porquê e para quê. Estes sim enfrentavam o IN e travaram duras batalhas. Mas os nossos Comandos, Páras e Fuzileiros não lhes ficaram atrás, só que mais soft. Nós os de quadrícula, fizemos das tripas coração, servindo de tiro ao alvo.
Quem não concordar comigo que se acuse.
Abraço
Carlos Vinhal
Olá Camarada
Nada a dizer.
No meu tempo, em Mansabá havia um Pel Mil já bastante desfalcado que só fazia protecção aos trabalhos agrícolas da população,nas proximidades da tabanca.
De resto nada a contrapor ou a acrescentar.
Volto, todavia, a sublinhar que estamos para aqui à zaragata por causa das "opiniões" de um intelectual que, no mínimo faz vistas enviesadas.
Um Abraço do insultuoso
António J. P. Costa
Caros amigos,
Os antigos combatentes devem rejeitar qualquer tentativa de divisao no seu seio. ja em tempos fiz notar que os metropolitanos tinham tendencia de so defender e exigir direitos pensando nos seus colegas metropolitanos, esquecendo-se da outra parte ou seja dos soldados nativos(todos incluidos). Agora estamos diante de um trabalho que elogia, talvez de forma exagerada, as milicias (talvez quisesse falar de todos os naturais da Guine sem distincao de qualquer natureza).
Nao se pode desprezar, mas tambem nao convem exagerar sobre o papel das milicias (eternas sacrificadas, como costume dizer), alias nao se sabe bem se o autor conhece a verdadeira diferenca e actuacao das milicias locais e as outras companhias (CCAC) no contexto real da Guerra na Guine.
Mas, atencao, dizer que as milicias so faziam trabalhos de proteccao de trabalhos agricolas, pode ser um outro extremo do mesmo exagero.
Com um abraco amigo,
Cherno Balde
Amigo e irmão Cherno
Disse no meu comentário anterior que os milícias eram os nossos companheiros de patrulha no dia-a-dia, raramente saíamos sem que uma secção nos acompanhasse. Davam-nos muita confiança porque progredindo à frente do pelotão, junto ao comandante (alferes ou furriel) e ao homem da metralhadora, mercê da sua experiência de anos, detectavam com mais facilidade qualquer actividade recente na zona, ou perigo iminente. Numa das operações em que participei, foi ferido gravemente o Soldado Milícia Sul Bissau, evacuado do local por meio heli para o HM 241, onde viria a falecer, infelizmente, dias depois.
É provável que competisse à Milícia a protecção próxima da tabanca e da população, o que se aceita. Os trabalhos agrícolas desenvolviam-se relativamente longe da tabanca o que constituía algum perigo, digo eu, embora soubéssemos que havia quem jogasse para os dois lados. Compreendia-se porque muitos familiares das pessoas dali "combatiam no mato".
Os postos de vigia da tabanca eram assegurados pelos milícias e pelos elementos da população da autodefesa.
Em Mansabá era assim.
Dos camaradas do Pel Mil 253 só tenho boas recordações. Aos assassinados e aos que morreram ao nosso lado, independentemente das religiões que professassem, desejo que os deuses lhes tenham reservado o melhor lugar na outra dimensão. A todos eles as minhas homenagens.
Carlos Vinhal
Começo por protestar a minha consideração, sem adjectivos, pelo Rui Ramos e pelo Beja Santos, a deste com o valor acrescentado de camarada da Guiné.
A nossa Guerra Colonial (vulgata de muitos)foi, do início e ao desfecho, foi um facto acontecimental político. Seria mais coerente dar-lhe o nome de Guerra Neo Colonialista, por desencadeada com a matança de cerca cerca de 8 000 inocentes no norte de Angola, financiada por 100 000 dólares que o então senador Jhon Kennedy deu em mão a Holden Roberto (cá se fazem, cá se pagam: morrerá a tiro no Texas.
O nosso MFA começou como organização do tipo sindicalista e acabou depois de se realizar como Movimento político, até á sua forçada extinção, em 1983.
Como a mentira é a primeira arma da político e considerando o MFA umo organismo político, com suporte militar - estamos conversados. Para melhor entendimento invoco o padre António Vieira.
Um artista fez a liga metálica,outro fez os moldes de Deus e do Diabo, vazaram-lhes a liga e a mesma substância apresentou coisas tão diferentes quanto opostas.
O Prof. Rui Ramos, direitista, asserta que o assalto a Conacri obrigou o PAIGC a abandonar as grandes bases. Será a sua interpretação hermenêutica. Dois factos: a dimensão daquela porrada o obrigou-o a amouxar; foi a escalada da internacionalização da sua guerra, consequência do serviço incompleto da Operação Mar Verde, que o reanimou, em vontade e meios.Há pouco ouvi o Prof. Fernando Rosas, esquerdista, afirmar, na apresentação do seu programa na RTP2 que o PAIGC derrotara as nossas FA`s. O coronel Coutinho e Lima, seu actor principal e o coronel-comando Ferreira da Silva, o primeiro oficial a defrontar a contingência estão felizmente vivos, são as fontes que manam a verdade: o PAIGC só conquistou Guileje quando "conquistou" Bissau".
Esta é a minha história e já agora exaro o meu protesto.
Vai para mais de 40 anos que a nossa Televisão pública dá voz e tempo de antena aos que sempre confundiram, não raro por facciosismo a nossa guerra do Ultramar com o Estado Novo.
Ab.
Manuel Luís Lomba
Ao Cherno quero esclarecer que nos sítios onde estive a missão da mílicia estava definida do antecedente e não alterei sempre que de mim dependeu. Em Mansabá era como descrevi.
No Xime/Enxalé tmbém.
Em Cacine havia uma companhia (praticamente só de fulas numa terra de nalus). A CMil 21 com 3 pelotões e que diariamente patrulhavam e picavam a estrada para Cameconde. Desse modo a estrada era percorrida 4 vezes por dia pela CMil e pela Cart. Habitualmente as patrulhas na máxima força eram feitas com 2 pelotões da milícia e 3 Gr. Comb. da CArt.
Como é fácil de ver cada caso é um caso...
Um Ab.
António J. P. Costa
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