sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25176: Notas de leitura (1667): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Os autores procedem a um balanço final dos quatro anos da governação Schulz, chamando a atenção para a preocupação deste comandante-chefe em querer decidir a sorte da guerra de guerrilhas predominantemente pela força, não tendo levado a efeito um programa mais incisivo de captação das populações. Embora sejamos levados a dar-lhes razão (outros autores também apontam esta deficiência no comando estratégico de Schulz), causa uma certa surpresa não ter em consideração o estado de desarrumação demográfico que Schulz encontrou em abril de 1964, não era só a polvorosa no Sul, tudo se desarticulara na região Corubal, no Morés, os corredores de infiltração sentiam-se imunes. Houve que estabelecer ocupação do território, sem dúvida que não houve um plano de reformas como Spínola veio a pôr em prática, Schulz efetivamente teve meios militares mas jamais lhe foi concedido um orçamento generoso para tais reformas. E Spínola desencadeou a sua governação primeiro pela estratégia militar, visando seguramente mais longe, e com meios financeiros muitíssimo generosos.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (12)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 3: “Eram eles ou nós”


Em 1968, a guerra na Guiné tinha-se transformado num impasse estratégico. As forças comandadas pelo General Schulz revelavam-se incapazes de tirar a guerrilha do PAIGC dos seus redutos, as forças portuguesas espalhavam-se por destacamentos, quartéis (desde sede de batalhão a aquartelamentos a uma ou duas dezenas de quilómetros), aldeamentos fortificados, o que, obviamente, permitia aos guerrilheiros diferentes formas de gerar instabilidade, quer minando os itinerários, montando emboscadas, ou praticando toda a espécie de flagelações. Somente o poder aéreo na sua multiplicidade de funções evitava formas graves de deterioração do moral das tropas e das populações. A Força Aérea era o fator militar decisivo. Os esforços da Zona Aérea impediam a consolidação dos guerrilheiros e de ganhos territoriais; de acordo com uma avaliação norte-americana, enquanto os portugueses mantivessem o “domínio absoluto do ar”, o PAIGC não conseguiria demover as tropas portuguesas das suas bases ou das principais povoações. Qualquer discussão sobre a independência para a Guiné Portuguesa não passava de um exercício teórico.

O Comandante-chefe Schulz usou esta sua “carta do poder aéreo” com grande efeito, mas a eficácia não podia ser duradoura. E embora uma guerra prolongada pudesse ter agradado aos insurgentes, tornara-se um problema sério para os recursos portugueses. Gil Fernandes, funcionário do PAIGC, resumiu mais tarde a situação nos seguintes termos: “Seguimos uma estratégia destinada a assediar as forças portuguesas e também a fazer esvair a sua economia. Combinámos a pressão militar eficaz na colónia e a pressão económica em Portugal.”

Em termos orçamentais, a estratégia parecia estar a funcionar: em 1968, os custos diretos associados à guerra na Guiné aproximavam-se dos 350 mil dólares norte-americanos por dia ou mais de mil milhões por ano em dólares norte-americanos de 2023. Era um valor que representava 44% do orçamento de Defesa em 1968 – e o orçamento da Defesa representava mais de 1/3 de todos os encargos do Estado naquele ano. No total, os encargos portugueses com a Defesa triplicaram entre 1959 e 1968 para apoiar o contingente militar que duplicou durante o mesmo período, de 79.000 para 182.500 militares. Um outro desafio crescente tinha a ver com o recrutamento. Em 1961, a incidência da fuga ao recrutamento em Portugal era de 12%; em 1967, ultrapassou os 19%.

A explicação para esta evasão pode ser dada por uma combinação entre a onda migratória e uma certa oposição por razões ideológicas. A deserção entre militares aumentou para 1402 em 1967, no ano seguinte o número praticamente manteve-se. As candidaturas e adesões à Academia Militar iam diminuindo. Em 1968, apenas 149 candidatos “concorreram” para preencher 430 vagas e apenas 58 foram admitidos; em comparação, quase 90% das vagas na Academia, de 1960 a 1963, tiveram preenchimento.

Apesar de todas estas restrições, Schulz conseguiu um impressionante aumento das forças portuguesas na Guiné. O número de militares enviados para a província aumentou 50% durante o seu mandato, de 15 mil para mais de 22 mil, enquanto o acervo de aeronaves da Zona Aérea aumentou mais de 1/3. O defeito que se pode atribuir à estratégia de Schulz era a sua confiança numa solução militar para o problema da Guiné Portuguesa. Schulz pode ser visto como “um general clássico de Clausewitz” (Schulz era um oficial do Estado-Maior); como ele mais tarde confessou, caiu na clássica armadilha de tentar derrotar uma insurgência acima de tudo através da força. Embora ele entendesse muitos dos aspetos militares da contraguerrilha, preferia o poder de fogo à persuasão, um pouco à semelhança do comportamento do general norte-americano William Westmoreland no Vietname. Como observou Manuel “Manecas” dos Santos, comandante do PAIGC, “Schulz não conduziu uma guerra de guerrilha moderna, não trabalhou com a população. Pelo contrário, o trabalho que empreendeu baseou-se na repressão e esta aumentou a resistência, tornando-se quase objetivamente um nosso aliado.”

Frustrado com os seus objetivos iniciais, Schulz recorreu a uma abordagem predominantemente estratégica defensiva estática, pontuada por episódicas ofensivas, principalmente de domínio aéreo. A sua estratégia ficou cada vez mais dependente dos meios aéreos disponíveis, e em meados de 1968, os aviões e as unidades helitransportadas constituíam a maior da capacidade ofensiva das forças portuguesas na Guiné. Revelou-se insuficiente, apesar do número crescente de missões realizadas, das bombas lançadas e dos alvos destruídos, a influência do PAIGC não abrandou, espalhou-se por toda a Guiné. Schulz admitiu mais tarde que este tipo de ações não se enquadrava com o que ele pretendia.

A situação exigia um comandante que pudesse recuperar a iniciativa e que encontrasse uma saída satisfatória para o “atoleiro” da Guiné. O escolhido por Salazar, António de Spínola, alterou não só o curso de guerra, mas também o destino político do Estado português e o destino do seu Império.


Capítulo 4: “A pedra angular”

“A Força Aérea, devido ao seu elevado potencial de fogo e potencial de reação rápida, é efetivamente a pedra angular da atividade operacional no teatro de operações da Guiné.” – Spínola, 10 de dezembro de 1968

O Brigadeiro António de Spínola assumiu as suas funções de Governador e Comandante-chefe em 20 de maio de 1968, trazendo consigo uma reputação de dinamismo, imaginação e determinação. O novo comandante era uma figura extravagante com um certo “modo fanfarrão”, ostentando monóculo e trazendo sempre um chicote nas suas frequentes visitas (não anunciadas) por toda a Guiné, algumas vezes dentro das alegadas zonas libertadas do PAIGC.

Austero, renunciando ao conforto pessoal e até mesmo ao ar condicionado, um jornalista estrangeiro descreveu que entrou no seu gabinete de trabalho vindo da antessala climatizada “como se tivesse entrado num ambiente de forno morno”. Intempestivo e caustico até com os seus colaboradores, era direto no confronto com os seus próprios superiores, e no campo de batalha deixou projetada deliberadamente uma aura de bravura, muitas vezes aparecendo desarmado à frente das tropas para pasmo dos soldados da linha da frente. Spínola já contava com quatro décadas de experiência militar na Arma de Cavalaria quando chegou a Bissau. No final da década de 1930, então tenente, teve a sua primeira exposição no combate enquanto organizava ajuda às forças franquistas durante a Guerra Civil espanhola. Durante a Segunda Guerra Mundial, participou numa missão de observação na Alemanha de Hitler, que incluiu visitas às posições da linha da frente em Leningrado. De 1961 a 1964, comandou um Batalhão de Cavalaria em Angola, foi elogiado pela sua bravura e eficácia, conquistou a admiração nos meios militares e chamou à atenção de Salazar. Agora, Spínola defendia uma abordagem inteiramente nova, adequada ao dilema político-militar suscitado pela luta de libertação. Como Spínola procurou explicar a Salazar antes de aceitar o posto para o qual estava a ser convidado, a única forma de evitar a expulsão da Guiné era através de uma campanha de desenvolvimento económico, de reforma política e “revolução social”. Só assim se poderia reforçar a confiança daquela população, preparando-a ao mesmo tempo “para assumirem as suas responsabilidades na administração local em pé de igualdade com a metrópole.”
Spínola numa das suas deslocações diárias (United Press Europix)
Quando Spínola chegou à Guiné, em 1968, a iniciativa militar estava francamente do lado da guerrilha (s. (Reg Lancaster/Express Hulton Archive/Getty Images)
Spínola lançou um programa socioeconómico por reformas (a Guiné melhor), era o seu objetivo ganhar confiança das populações descrentes ou pouco crentes na soberania portuguesa (Coleção António de Spínola)

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 9 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25153: Notas de leitura (1665): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (11) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 12 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25163: Notas de leitura (1666): "Nas Três Frentes Durante Três Meses, Toda a Verdade da Guerra Contra o Terrorismo no Ultramar", por Martinho Simões; Empresa Nacional de Publicidade, 1966 (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Joaquim Luis Fernandes disse...

Já tenho comentado o fato de algumas afirmações que emanam deste livro, não poderem ser interpretadas como verdades absolutas, mas apenas como pontos de vista dos seus autores. Um exemplo:

Está escrito sobre a estratégia do General Schulz durante o seu mandato:
" Embora ele entendesse muitos dos aspetos militares da contraguerrilha, preferia o poder de fogo à persuasão, um pouco à semelhança do comportamento do general norte-americano William Westmoreland no Vietname. Como observou Manuel “Manecas” dos Santos, comandante do PAIGC, “Schulz não conduziu uma guerra de guerrilha moderna, não trabalhou com a população. Pelo contrário, o trabalho que empreendeu baseou-se na repressão e esta aumentou a resistência, tornando-se quase objetivamente um nosso aliado.” "

Também não sei quantos casos se podem apresentar que rebatem estas afirmações, mas creio, que a ação humanitária junto das populações, onde as Unidades militares se inseriam, que a esse tempo já eram uma prática, são uma prova, de que não era só com tiros que se combatia a guerrilha e a subversão.

Um testemunho para mim muito evidente, foi a prática da CCAÇ816, (anos 1965/66) comandada pelo Capitão Luís Riquito, que operou no chão do Oio, sediada em Olossato.
Segundo leio no livro "TATUAGENS DA GUERRA DA GUINÉ", do próprio Luís Riquito, (que já não está entre nós) a ação desta Companhia, teve maior mérito e eficácia no combate ao IN, pela sua missão humanitária junto das populações na sua área de intervenção, do que pelo seu combate de armas na mão.
Embora também neste aspeto, tenha sido eficaz.

Atentamente
JLFernandes