José Claudino da Silva - Página do Facebok, 27 de dezembro de 2024
"E QUANDO SOMOS NÓS QUE FALHAMOS?
Em dezembro de 1972 escrevi 116 postais, aerogramas e cartas para a namorada, familiares e amigos. Recebi 20,
Em dezembro de 1973 escrevi 61. Recebi 21.
Em dezembro de 2024 não escrevi a ninguém.
Recebi 1 da minha neta.
Tudo que escrevi antes, perdeu o valor.
Em dezembro de 1972 escrevi 116 postais, aerogramas e cartas para a namorada, familiares e amigos. Recebi 20,
Em dezembro de 1973 escrevi 61. Recebi 21.
Em dezembro de 2024 não escrevi a ninguém.
Recebi 1 da minha neta.
Tudo que escrevi antes, perdeu o valor.
José Claudino da Silva - Página do Facebok, 9 de janeiro de 2025: "Em 2005 acabei o restauro deste carro. Logo a seguir fui despedido. Quando faço algo de jeito..."
José Claudino da Silva
(i) Nasceu no lugar das Figuras, Marecos, Penafiel, em 19 de maio de 1950.
(ii) Assume, com frontalidade, que é filho de Mabilde da Silva, e "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje: que o digam mais de 150 mil portugueses!).
(iii) Foi criado e educado pelos seus avós maternos, José da Silva e Emília da Silva Queirós, tendo ficado apenas ao cuidado da avó, quando o avô faleceu em 1953, quando tinha então 3 anos de idade; a partir daí a família vivia do magro rendimento que a avó conseguia, vendendo peixe pelos lugares da aldeia e de outras aldeias vizinhas.
(iv) Ingressou na escola primária de Marecos, aos 7 anos de idade, tendo completado os estudos primários aos 11 anos (1957-1961); guarda uma grata recordação, do seu professor, o sr. Cunha.
(v) Fez a comunhão solene na igreja Matriz de Penafiel.
(vi) Começou a trabalhar ainda aos 11 anos na construção civil, onde esteve três anos; posteriormente, enveredou pela profissão de "chapeiro" (ou "bate-chapas", como se diz no Sul, tendo começado na Garagem Central de Penafiel, profissão essa que manteve, durante 50 anos, até se reformar (em 2012).
(vi) Começou a trabalhar ainda aos 11 anos na construção civil, onde esteve três anos; posteriormente, enveredou pela profissão de "chapeiro" (ou "bate-chapas", como se diz no Sul, tendo começado na Garagem Central de Penafiel, profissão essa que manteve, durante 50 anos, até se reformar (em 2012).
(vii) É através dos ensinamentos do professor Cunha, do padre Albano e principalmente do filho do patrão (e depois gerente da Garagem Central de Penafiel), que começou a ter gosto pela leitura, tendo-se inscrito, para o efeitio, na biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, que visitava regulamente Penafiel; passou a ser o leitor nº 390, e a ter acesso gratuito aos livros que não podia comprar.
(viii) Em meados da década de 60 participa nas atividades do recreatório paroquial de Penafiel, numa organização ligada à igreja; passa a interessar-se por música e faz parte de alguns eventos, juntamente com alguns cantores amadores de Penafiel.
(ix) Descobre a poesia através de um amigo, que indo para a tropa faz um poema dedicado ao exército de mães, que veem os filhos partir para a guerra colonial.
(x) Foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal,
(xi) Escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;
(xiii) Chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré; o dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet,
(xiv) Um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas da companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;
(xv) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos.
(xvi) É "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe"; a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";
(xvii) "Dino", o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...
(xviii) Faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogramas por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.
(xix) Como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que "éramos todos colonialistas" e que "o governo português era fascista"; sente-se chocado.
O "puto de Senradelas" na foz do rio Fulacunda, região de Quínata, Guiné (c. 1972/73 |
(xx) Fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1.º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.
(xxi) Em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura).
(xxii) Coomeça a colaborar no jornal da unidade, os "Serrotes" (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia],
com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Melym as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo,
(xxiii) Chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal; como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco.
(xxiv) Dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não... no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda; manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada; em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.
(xxv) É-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas; em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.
(xxvi) Depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela (em março/abril de 1973), o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas; o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela, pilotadio pelo nosso grão-tabanqueiro Miguel Pessoa, hoje cor piçav ref.
(xxvii) Vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14);
(xxviii) O "Dino" faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 443 €].
(xxix) Num das suas cartas ou aerogramas, faz considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973; vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele.
(xxxi) Vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné;
(xxxii) Grande ataque, em 7/1/1974, ao quartel e tabanca de Fulacunda com canhões s/r, resultando danos materiais, feridos entre os militares e a população e a morte de uma criança.
(xxix) Num das suas cartas ou aerogramas, faz considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973; vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele.
(xxx) Vê, pela primeira vez, enfermeiras, brancas, paraquedistas; apercebe-se igualmente da guerra psicológica; queixa-se de a namorada não receber o correio; manda um texto para o jornal "O Século" que decide fazer circular pelo quartel e onde apela a uma maior união do pessoal da companhia, com críticas implícitas ao capitão Serrote por quem não morre de amores: na sequência disso, sente-se "perseguido" pelo seu comandante...
(xxxi) Vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné;
(xxxii) Grande ataque, em 7/1/1974, ao quartel e tabanca de Fulacunda com canhões s/r, resultando danos materiais, feridos entre os militares e a população e a morte de uma criança.
(xxxiii) Faltam 5 meses para acabar a comissão... e há mais uma "crise" nas relações com a namorada;
(xxxiv) Em fevereiro de 1974, comunca à namorada que tem, já algum tempo, um pequeno negócio: venda de uísque, tapetes, tabacos de marcas que não há na cantina, isqueiros Ronson, etc.
(xxxv) Neste período escreveu centenas de cartas, aerogramas e postais pra familiares, namorada e amigos; ele estima em mais de 800; possui a maioria delas pois pediu que as guardassem, e prometeu que jamais as iria reler.
(xxxvi) Regressa à vida civil em 26 de setembro de 1974.
(xxxvii) Casa-se, na igreja paroquial de Figueiró, Amarante, no dia 6 de setembro de 1975, com Maria Amélia Moreira Mendes; o casal tem hoje dois filhos do sexo masculino e uma neta.
(xxxviii) Ganha, entretanto, o primeiro prémio dum concurso televisivo da SIC (Paródia Nacional, 1997)
(xxxix) Em maio de 2005, estando desempregado, aproveita para tirar um curso de utilização de computadores; volta a trabalhar em 2006 na mesma profissão, mas agora na reconstrução de automóveis clássicos, para a empresa Solitay Drivers.
(xl) No ano lectivo 89/90 fez o 6º ano no agrupamento de escolas Dr. Leonardo Coimbra na Lixa (curso nocturno); em 2005 concluiu o 9º ano de escolaridade através do CNO (Centro de Novas Oportunidades) na Associação Comercial de Amarante; e em 2009 completa o 12º ano, novamente através do CNO na escola secundária de Amarante, ano em que voltou a ficar desempregado.
(xli) Em 2007 publica o seu primeiro livro (poesia); depois um livro de ficção (o romance “Desertor 6520”, 2013) e, mais recentemente um livro de memórias ("O puto de Senradelas", 2023).
(xlii) Já escreveu dezenas de poemas, crónicas e artigos de opinião para o jornais da região; os primeiros textos que escreveu resumiam-se a algumas cartas e quadras que destruiu quando ele próprio ingressou na vida militar a 3 de janeiro de 1972;
(xliii) Trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde foi vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa (1937-2022), ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, colaborou em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura.
(xliv) Teve a iniciativa da criação, por volta de 2018, do Bosque dos Avós na Serra do Marão (Aboadela, Amarante).
(xlv) Foi o autor da exposição fotodocumental "A Vida de Um Soldado", Casa da Cultura Leonardo Coimbra (Lixa, Felgueiras, 29/11 - 31/12/ 2024),
(xlvi) Tem página no Facebook (desde setembro de 2017).
(xlvii) É membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande (desde
Fontes consultadas:
Blogue Luís Graça & Camaraadas da Guiné : 7 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19172: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 70: Os Extraordinários, os amigos que ficaram para sempre.
(Recolha, revisão / fixação de texto: LG)
__________________Nota do editor:
3 comentários:
Dino, vê lá se bate certo...Aprecio o teu sentido de humor...e compreendo o teu orgulho...São as pequenas grandes histórias de vida da malta da nossa geração, que não nasceu em berço de ouro... Abraço, Luis
José Claudino Silva / Facebook da Tabanca Grande (11 FEV 2025, 13:56)
Na vida, as circunstâncias fazem depender muito daquilo que somos ou em que nos transformarmos.
E, tal como disse Ortega y Gasset, eu fui, sou e serei, fruto das minhas circunstâncias.
... Dino, mesmo quando as circunstâncias são adversas: não estamos "condenados" à pobreza, só porque nascemos pobres; nem à ignorância, porque só tivemos escola até à 4ª classe (onde mal aprendemos a ler,. a escrever e a contar); nem à obediència cega, só porque não nascemos em liberdade...Boa continuação da caminhada pela picada da vida. Luís
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