quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Quando der por concluído a leitura destes Boletins até ao final do século regressarei à leitura da importante obra de Armando Tavares da Silva intitulada A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926, Caminhos Romanos, 2016, iremos acompanhar o que de facto se passou neste período em que os Boletins Officiais parecem condenados a um discreto silêncio das profundas tensões interétnicas, só ali e acolá é que se fala em autos de submissão e vassalagem, meros proformas em que os grupos étnicos procuravam um compasso de espera para voltar à rebelião. Por isso, aqui se recupera um documento de 1894, os régulos da Península de Bissau a pedirem para serem perdoados e o Governador a apresentar uma lista gordinha de obrigações de cumprimento a breve trecho. E de novo se aproveita um relatório do chefe da Junta de Saúde César Gomes Barbosa, ele é exigente e não tem pejo em dizer as verdades, sabe perfeitamente que nem sempre é atendido, aliás vive-se um período na Guiné que é muito incómodo em Lisboa, o dinheiro escasseia e nas prioridades estão as expedições militares, sobretudo em Moçambique.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22)


Mário Beja Santos

Que o leitor não se surpreenda, não pretendo ficcionar que os eventos que merecem ser destacados são praticamente inexistentes entre 1894 e 1895. Recorda o leitor aquele ato de submissão prestado pelos Grumetes e Papéis de Intim, Bandim, Antula e Safim, vieram ao Palácio do Governo em Bissau assinar o ato de submissão, trouxeram os homens grandes das suas tribos, declarando a sua resolução que o Governo de Sua Majestade lançasse no esquecimento as ofensas que havia recebido porque quanto a eles iam procurar por meio de boas ações de conquistar a confiança do Governo. Bem interessante é a resposta do governador, estava pronto em nome de Sua Majestade em conceder-lhes o perdão, mas para isso era necessário que todos eles se sujeitassem às condições que lhes ia impor. E elenca um rol de condições, como se sintetiza: entregar dentro de 30 dias todos os soldados desertores que estiverem na ilha de Bissau, sob pena de trazerem em sua substituição seis vacas por cada um que faltar ou que não indiquem o local onde possam ser encontrados; trazerem para a praça todas as armas aperfeiçoadas que tiverem em seu poder; não procurar intervir, sobre pretexto algum nos terrenos compreendidos na área de um polígono de perímetro afastado 350 m da praça de Bissau; conservar livres os caminhos através da ilha, garantindo a vida dos que por eles transitarem, protegendo e facilitando as relações comerciais; prestar serviços de trabalhos na praça, para que os chefes ou régulos das tribos perdoadas distribuirão o pessoal das povoações, cada um deles tem direito à ração durante os dias que trabalharem; para tornarem a habitar Bandim, Intim e terrenos próximos, cujas povoações foram destruídas pelas novas forças e para se não continuar o bombardeamento de Antula, obrigam-se a satisfazer anualmente como tributação de submissão o imposto de cabeça de 160 réis por cada indivíduos, pago em quatro prestações trimestrais de 40 réis; nomear-se-á para cada uma das três tribos um homem que informará o Governo do que entre eles se passa, sendo-lhe garantida a vida e bom acolhimento na povoação que tiver de visitar, etc. etc. (matéria constante do Boletim Official n.º 32, datado de 11 de agosto de 1894).

Já aqui se falou dos pertinentes relatórios elaborados pelo chefe do serviço de saúde, César Gomes Barbosa. No Boletim Official n.º 34, de 24 de agosto de 1895, temos agora o relatório do serviço de saúde referente a 1893. Logo Gomes Barbosa assinala a falta de pessoal médico. Como não apareciam facultativos de 1.ª classe, tinham sido convidados facultativos de 2.ª classe das escolas do reino em serviço no Ultramar, garantindo-se-lhes que seriam promovidos a 1.ª classe. Apareceram facultativos do quadro de saúde de Cabo Verde. Estes facultativos vão ter sérios problemas de acolhimentos, a par de vir a encontrar o clima insalubre, na Guiné havia uma completa falta de casas com condições higiénicas para eles. Explica a falta de facultativos porque os médicos que servem na Guiné não têm uma recompensa pelos serviços a que se expõem.

Em janeiro de 1893, a enfermaria de Bissau sofreu um grande incêndio, o médico pediu providências ao Governador, veio de canhoneira até Bissau para escolher um edifício particular com boas condições, na ocasião de vir até Bissau trouxeram oito camas e roupas para se suprir tudo o que havia sido queimado. Lá se encontrou uma casa destinada a servir para o hospital. E explica a organização que imprimiram ao espaço; chegaram quatro irmãs hospitaleiras em fevereiro desse ano, distinguia-se a superiora Maria Patrocínio de São José, profundamente bondosa. Refere os serviços prestados pelas profissionais de saúde, dá conta das roupas, utensílios e camas.

Alude à topologia das doenças, o paludismo, as úlceras, as doenças de pele, o sarampo, a varíola, etc. Temos agora o quadro da higiene, volta a enfatizar a necessidade de se aperfeiçoar a limpeza das ruas e controlar a acumulação de imundícies, as fontes continuavam a não ser policiadas, a polícia municipal era pouco exigente, isso podia-se ver, por exemplo, no estado do cemitério. E informava a quem de direito que continuava tudo no mesmo estado, nenhuma obra era digna de referência, à semelhança de relatórios anteriores. Volta a enfatizar o grave problema da vacinação. Esta é a sumula dos acontecimentos que ele nos deixa, embora seja muito detalhado a falar a medicina legal, ramo que continuava a ser muito defeituoso no Ultramar, pela falta de um local apropriado para exames cadavéricos e autópsias. Não esqueceu a sanidade marítima, orgulha-se de se ter conseguido alcançar a montagem do lazareto, funcionava o serviço de desinfeção.

Haverá relatórios posteriores, são peças de grande significado como registo do quadro de saúde pública da Guiné no fim do século XIX. Ele está nitidamente obcecado pela vacinação, dá sugestões, embora descrente que venham ser postas em prática:
“Entendo que não deve ser permitido ao gentio vir habitar as localidades ocupadas pelas nossas autoridades sem ser vacinado. Para isso, a Junta de Saúde fará regulamento especial em que se estabelecerá a vacinação para os que de novo entrem depois de se conseguir a vacinação geral dos que já residem ao tempo nos povoados. Procedimento igual é usado em S. Tomé, com os serviçais e numa das colónias francesas com os colonos que para elas são mandados. Ora o gentio que abandona temporária ou definitivamente a sua morança para vir habitar nas nossas povoações pode nesta ser considerado como as levas de colonos de S. Tomé (serviçais) e exigisse-lhes como condições sine qua non o serem vacinados. É um alvitre merecer a aprovação que parece que dará bons resultados, evitando os frequentes casos isolados de varíola que se dão entre os indígenas que recolhem as nossas praças, ameaçando assim a saúde pública, alarmando os habitantes e por várias vezes como em 1887, criando graves transtornos ao comércio e à navegação.”

Estes relatórios dos serviços de saúde ir-se-ão repetindo, mais tarde o Governador irá louvá-lo pelo seu lavor em escrita tão documentada. E vamos agora mudar de ano.


Agência em Bolama do BNU, depois Hotel do Turismo, agora uma ruína completa
Monumento em Bolama, imagem retirada de RTP Arquivos, setembro de 1961

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26462: Historiografia da presença portuguesa em África (463): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de janeiro a agosto de 1894 (21) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Gil disse...

Estive em Bolama, de regresso de uma saída, mal deu para dar uma volta à noite pela cidade e reparei que a cidade já tinha perdido o fulgor do passado.