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sábado, 6 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27500: Os nossos seres, saberes e lazeres (712): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 5 (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Verdade verdadinha, andei com amigos alemães a matar-lhes saudades de Lisboa, não vinham cá há dez anos. Foi a seu pedido que fui mostrar o novo Museu Nacional dos Coches, lembravam-se do picadeiro, implantado no Palácio de Belém, estavam cheios de curiosidade por ver todas aquelas viaturas em espaço mais desafogado. Foi essa a viagem que fizemos, achei por bem reter uma série de imagens de peças de altíssimo valor no nosso Património Cultural.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (233):
Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente – 5


Mário Beja Santos

Prossegue a viagem, recebi a visita de queridos amigos alemães, não visitavam Portugal há dez anos, resolvi mostrar-lhes o perene e o que está em mudança. Por exemplo, numa viagem anterior, levara-os às instalações do antigo Museu Nacional dos Coches, sito no antigo picadeiro de Rainha D. Amélia, agora foram visitar as novas instalações, bem espaçosas. Sabendo do seu fervor pelos jardins, levei-os em primeiro lugar aos jardins do Torel, não conheciam esta panorâmica, conheciam o jardim em frente, o de São Pedro de Alcântara, que também visitaram, agora magnificamente recuperado e conservado. Na travessa da Cruz do Torel, já perto do jardim, encontrei esta lápide da casa em que nasceu e morreu Venceslau de Morais (1854-1929) marinheiro, diplomata e torrencial escritor, porventura o escritor português que mais amou Japão, houve o cuidado de pôr nesta lápide tudo escrito nos dois idiomas. Pena é que a inscrição não esteja devidamente conservada.
Lápide à memória de Venceslau de Morais, na Travessa da Cruz do Torel, pertinho do jardim com o mesmo nome
A remexer nas fotografias da nossa visita aos jardins de Monserrate encontrei esta que fora injustamente esquecida, a flor chama-se cosmos, tem uma coloração intensa, sobressaía naquela paisagem quase outonal, dominada pela natureza verde que só irá despontar na primavera.
Já estamos no Museu Nacional dos Coches. Como se impunha, começámos por este coche raríssimo, o mais antigo da coleção do Museu. Integrou a comitiva régia de Filipe III de Espanha e II de Portugal, na viagem entre Madrid e Lisboa em 1619. A sua arca, na parte da frente, servia para guardar utensílios de viagem. É um trabalho espanhol.
Este coche é um exemplar raro da “Carrosse Moderne” - caixa fechada com oito janelas. Pertenceu à Rainha D. Maria Francisca de Sabóia-Nemours, prima de Luís XIV. Foi trazido para Portugal no dote do seu casamento com D. Afonso VI, em 1666. Nas portas, duas figuras femininas ladeiam um medalhão com o monograma da rainha.
Este coche foi mandado construir em 1708 pelo Imperador José I de Áustria para o casamento da sua irmã, Maria Ana com o Rei de Portugal, D. João V. A caixa é revestida a talha dourada e decorada com leões coroados, monogramas da rainha e um escudo com as armas de Portugal. Os doze raios das rodas têm formas de cetros. É um trabalho holandês.
Este coche foi mandado construir por D. João V, a caixa anuncia o estilo rococó. A decoração apresenta bustos, em madeira de bronze cinzelado. Nas rodas traseiras estão representados os doze signos do Zodíaco. É trabalho português.
Este coche tem como tema a ligação dos Oceanos e representa um importante episódio da história marítima de Portugal. A composição escultórica do alçado traseiro apresenta, ao centro, Apolo que canta os feitos dos portugueses e está ladeado por duas figuras femininas, a Primavera com flores e o Verão com espigas. Em frente ao globo terrestre, dois velhos, o Oceano Atlântico e o Oceano Indico dão um aperto de mão simbolizando a passagem do Cabo da Boa Esperança. Trabalho italiano.
A 8 de julho de 1716 realizou-se em Roma o cortejo da Embaixada enviada por D. João V ao Papa Clemente XI. Os exemplares únicos de carros triunfais foram idealizados pelo Embaixador de Portugal, Marquês de Fontes. Destacam-se pelas dimensões, pelo modelo de caixa aberta “à romana” e são revestidos de ricos tecidos bordados a ouro e prata. Na sequência desta cerimónia Portugal obteve o estatuto de Patriarcal para a Capela Real. Em 1718, a pedido do Rei, estas viaturas foram enviadas por mar até Lisboa.
Este coche pertenceu a D. José I e é considerado um dos melhores exemplares do barroco português – estilo artístico que se caracteriza pela decoração com excesso de detalhes. A talha, apresenta grinaldas de flores e frutos e cabeças de índio, simbolizando os primeiros contactos com o Brasil. No alçado traseiro destaca-se uma águia imperial, representando o poder absoluto do Rei. É trabalho português.
Os carrinhos de passeio em estilo italiano, decorados com motivos vegetalistas sobre fundo dourado, foram encomendados pela Rainha D. Maria I. a família real utilizava-os para passear nas quintas e nos jardins dos palácios. Eram viaturas de dois lugares, com duas ou quatro rodas, conduzidas pelo próprio ocupante ou por um boleeiro. A caixa aberta tem na parte dianteira um painel de couro que serve de porta e o acesso é feito por estribos suspensos. Na parte traseira tem um banco para o pajem. Há quem lhe dê o nome de cabriolé.
Liteira à francesa
Pormenor de Liteira à romana. São viaturas sem rodas, utilizadas na Europa desde o tempo dos romanos até ao século XIX. Eram veículos de caixa aberta ou fechada, com dois lugares frente a frente, carregados por duas mulas ou cavalos que se atrelavam aos varais fixos nas ilhargas laterais. Por serem fáceis de manobrar, permitiam deslocações cómodas e rápidas nas ruas estreitas da cidade e em caminhos de difícil acesso.
Landau de D. Pedro V, modelo de viatura que teve origem na cidade de Landau, na Alemanha. A caixa, com acesso por estribo desdobrável tem duas capotas de couro rebatíveis, o que permite que a viatura possa ser utilizada aberta ou fechada. Na decoração destaca-se o brasão de armas do Rei D. Pedro V ladeado por manto de arminho e encimado por coroa real. Trabalho inglês.

Na viagem de regresso procurei satisfazer a curiosidade destes meus amigos alemães que pretendiam esclarecimento de como é que Portugal possuía esta tão impressionante coleção de coches. De forma muito simplificada, expliquei-lhes que tínhamos o clima a nosso favor, tivemos muito menos guerras do que os outros povos europeus, estas viaturas não eram implicadas em conflitos e quando perderam o uso não foram destruídas. E contei-lhes uma história aparentada sobre os nossos instrumentos científicos da Universidade de Coimbra, todas as universidades europeias já os tinham deitado fora, nós guardá-mo-los, deram brado na Europália portuguesa de 1991, vieram excursões de toda a parte para ver tais instrumentos científicos que só eram conhecidos por gravuras e desenhos. É assim a vida. Que o leitor se prepare, um dia destes vou-me pôr ao caminho e fazer três cidades de Andaluzia, rever Sevilha, Granada e Córdova. É claro que darei notícia de tudo quanto vi e senti.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 29 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27476: Os nossos seres, saberes e lazeres (711): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (232): Por casualidade, o fotógrafo interessou-se por tal momento, por ele considerado esplendente - 4 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27446: Memórias dos últimos soldados do império (9): os "últimos moicanos" - Parte VI: A Retirada Final, em 14 e 15 de outubro de 1974 (Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz)


Guiné > Bissau >  c. out 1974 > Lancha de Fiscalização Grande (LFG) Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974. Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné > Bissau >  c. out 1974 >  4 Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG), uma pequena, e uma LDM na Ponte Cais em Bissau, npoucos dias antes da “retirada final” do dia 14 de outubro de 1974. É visível o N/M Uíge ao fundo, preparado para transportar os últimos militares portugueses da Guiné.  Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné > Bissau >  Setembro de 1974 > Ponte cais de Bissau com duas Lanchas de Fiscalização Pequenas (LFP) e uma de desembarque ( LDM ) ao fundo do lado direito.. Algumas destas lanchas foram deixadas na Guiné-Bissau.  Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.


Guiné-Bissau > 14 de outubro de 1974 > A LFG Lira, depois de abandonar o Rio Geba na Guiné, a escoltar os T/T Uíge e Niassa até águas internacionais. Foto do álbum do marinheiro radiotelegrafista  812/70 Manuel Beleza Ferraz.
 
Fotos (e legendas): © Manuel Beleza Ferraz  (2012). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)
 


 Luís Gonçalves Vaz e  Manuel Beleza Ferraz


A Retirada Final: Os  Últimos Militares Portugueses a Abandonar a Guiné (14 e 15 de Outubro de 1974)  
 
por Luís Gonçalves Vaz / Manuel Beleza Ferraz (*)


Os últimos aquartelamentos a serem entregues ao PAIGC foram:

  • o Complexo Militar de Santa Luzia, onde se encontrava o QG/CTIG (Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné);
  •  e o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné) instalado no histórico Forte da Amura,  que se localizava mesmo em frente à ponte-cais em Bissau. (#)
A entrega destes dois últimos redutos das Forças Armadas Portuguesas na Guiné foram “negociados” em 11 de outubro (apenas 3 dias antes da saída dos últimos militares portugueses deste território), numa reunião no Forte da Amura com os comandantes do PAIGC, Gazela, Bobo Keita e o comandante Correia, sob a coordenação do então CEM/CTIG (Chefe do Estado-Maior do CTIG), coronel cav CEM Henrique Gonçalves Vaz.

Os “Planos de Entrega destes Aquartelamentos” foram realizados pelo  cor Henrique G. Vaz com a colaboração do  major Mourão, e entregues ao brigadeiro graduado Carlos Fabião no dia 10 de outubro de 1974, um dia antes da reunião com os comandantes do PAIGC. 

A entrega do Complexo Militar de Santa Luzia foi efectuada no dia 13 de outubro, pelas 15 horas, enquanto o Forte da Amura, o último “reduto militar português”,  foi entregue apenas no dia 14 de outubro, o dia previsto para a “retirada final”, e reservado para o embarque do que restava das tropas portuguesas na Guiné.



Guiné > Bissau > Forte da Amura > Entrada do lado sul (frente à ponte-cais). Era aqui que estva instalado o QG/CCFAG (Quartel General do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné), o último reduto militar portuguès a ser entregue ao PAIG, em  14 de outubro de 1974.

Foto: © Manuel Coelho (2011). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Como tal foi concentrado aí, na véspera da partida, o último contingente do Exército Português . No entanto a cerimónia oficial da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, já tinha decorrido em Mansoa, em 9 de setembro. Estiveram presentes nesta cerimónia:

(i) a CCS / BCAC  4612/74, comandada pelo major Ramos de Campos:

(ii) o comandante do batalhão, tenente coronel Américo Costa Varino;

(iii) um bigrupo de combate do PAIGC;

(iv) um grupo de pioneiros do mesmo partido;

(v) Ana Maria Cabral (viúva de Amílcar Cabral) e seu filho;

(vi) o comissário político do PAIGC, Manuel Ndinga;

(vii) e, em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG),  o tenente-coronel Fonseca Cabrinha (informações dadas pelo próprio militar que arriou a nossa bandeira em Mansoa, o nosso coeditor Eduardo José Magalhães Ribeiro, fur mil Op Esap / Ranger, CCS/BCAÇ 4612/74 ).


Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Uma foto para a história: o ex-fur mil OE/Ranger Eduardo Magalhães Ribeiro,. hoje nosso coeditor, CCS/BCAÇ 4612/74 (Mansoa, abr - out 1974), a arriar a bandeira verde-rubra, na presença de representantes do PAIGC (incluindo a viúva de Amílcar Cabral) e de autoridades militares do CTIG.




Guiné > Região do Oio > Mansoa >9 de setembro de 1974   > Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que decorreu em 9 de setembro de 1974, aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao PAIGC, e troca de cumprimentos entre o Comandante do BCAÇ 4612/74, tenente coronel Américo da Costa Varino e os comandantes do PAIGC presentes na cerimónia.

Fotos do álbum do Eduardo José Magalhães Ribeiro,  fir mil OE/Ranger, CCS/BCAÇ 4612/74, (Cumeré,. Mansoa e Brá, 1974)

Fotos (e legendas): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O que vos vou passar a relatar será uma pequena narrativa, dos últimos momentos da nossa “retracção do dispositivo militar”, deste último reduto de militares portugueses, para os navios da Armada Portuguesa e para o navio Uíge (o navio Niassa já se encontrava ao largo de Bissau) , que se encontravam frente à ponteis, mas a alguns metros do cais, com os motores ligados (pairavam todos os navios).

Esta descrição foi-me feita pelo meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista da Armada Portuguesa, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, que fazia parte da guarnição da LFG (Lancha de Fiscalização Grande) Lira, um dos navios que fez a segurança de retaguarda, durante o embarque dos últimos militares portugueses na Guiné.


Guiné > Bissau >  c. out 1974 > O Manuel Beleza Ferraz. LFG  Lira, atracada na ponte cais, poucos dias antes da “retirada final” em 14 de Outubro de 1974. Uma testemunha-.chave, um dos "últimos moicanos". 


Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine >  s/d  > Evacuação de pessoal civil  (cuja origem se desconhece, náo devendo ser de Gadamael nem de Jemberé,m), passagem dos civis de uma Lancha de Desembarque, para a LFG Lira, em pleno Rio Cacine, muito abaixo da “marca lira”.


Guiné >  LFG Lira > s/l > c. out 1974 :> O marinheiro radiotelegrafista Manuel Beleza Ferraz, no  seu navio navio, à espera da missão da “Retirada Final"


Guiné > LFG Lira > c. ou 1974 _ Elementos da guarnição do NRP Lira, em convívio na sala comum/refeitório. Foram estes os marinheiros que no dia 14 de outubro de 1974, nos seus lugares de combate e outros, asseguraram a operacionalidade da NRP Lira, no que diz respeito ao apoio e segurança na evacuação do último contingente militar do território da Guiné.

Estima-se que seriam algumas centenas de militares dos três Ramos das Forças Armadas Portuguesas. Neste grupo estavam representadas as várias Especialidades do navio, nomeadamente, Artilheiros, Eletricistas, Telegrafistas e Manobras. Este navio, o NRP Lira, sob o comando do 1º tenente Martins Soares, teve um papel importante na missão de “Retirada Final”, já que era o navio de apoio de retaguarda que se encontrava mesmo em frente à Ponte cais de Bissau, como tal o navio mais próximo do Forte da Amura. O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz é o que está a olhar para o fotógrafo.

Fotos do álbum do marinheiro radiotelegrafista 812/70 Manuel Beleza Ferraz.
 
Fotos (e legendas): © Manuel Beleza Ferraz  (2012). Todos os direitos reservados. (Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

No dia 14 de outubro, decorreu a última cerimónia de “Arriar da Bandeira Portuguesa”, ao qual se seguiu o “Hastear de Bandeira da República da Guiné-Bissau” (a última bandeira nacional em Bissau só foi retirada 4 ou 5 semanas depois de 14 de Outubro de 1974, sem cerimónia oficial) como tal nesse mesmo momento, todo o que restava do contingente militar português (à excepção de dois pequenos destacamentos de tropa portuguesa, da Marinha e da Força Aérea, esta na já ex-BA 12, em Bissalanca, mas ainda com helicópteros AL-III, e o destacamento 
da Marinha nas suas antigas instalações, para colaborarem na transição e transmissão de técnicas/procedimentos, conhecimentos e experiências de navegação aérea e marítima, com elementos do PAIGC), encontrava-se agora em território estrangeiro.

Nessa cerimónia encontrar-se-iam o Governador (brigadeiro graduado Carlos Fabião), o Comandante Militar (brigadeiro Galvão de Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (coronel Henrique Gonçalves Vaz), outros oficiais, alguns sargentos e praças. Os primeiros depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios que se encontravam ao largo no estuário do Rio Geba, seguiram para o Aeroporto, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Mal acabou a cerimónia referida anteriormente, e segundo testemunho do ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Aurélio A. Beleza Ferraz, que se encontrava nesta altura na LFG Lira, todas as guarnições dos nossos navios que se encontravam na zona, estavam por ordens superiores, em posição de combate (para qualquer eventualidade), estando todos os operacionais equipados com coletes salva-vidas, capacetes metálicos e as Bofors (peças de artilharia antiaéreas de 40 mm) sem capa e municiadas, prontas a realizar fogo de protecção à retirada das nossas tropas, que ainda se encontravam em terra.

Segundo o ex-marinheiro radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, os navios que se encontravam a realizar a “segurança de rectaguarda” mais próxima às tropas que iriam retirar-se para os navios ao largo no Rio Geba, eram a LFG Órion e a LFG Lira.

Encontravam-se também ao largo em missão de Segurança um patrulha (NRP Cuanza) e o navio NRP Comandante Roberto Ivens, este último a comandar as operações navais desta missão de “Retirada Final”. No próprio navio Uíge estava montado discretamente um dispositivo de segurança pronto a abrir fogo, caso o PAIGC se lembrasse de abrir alguma hostilidade contra o último pessoal militar a abandonar a Guiné, com algumas metralhadoras HK-21, além de todos os militares estarem armados com as suas G-3 e as respectivas munições.

 Após o “Arriar da Bandeira Portuguesa”, as tropas portuguesas dos três Ramos das Forças Armadas, presentes na referida cerimónia, logo de seguida, foram transportadas em zebros e LDM (lanchas de desembarque médias) para o navio Uíge, que os aguardava no meio do Rio Geba, a cerca de 400 metros afastados do cais, onde se encontrava já com as máquinas em pleno funcionamento (pairavam) por razões de segurança.

O ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, fonte destes testemunhos históricos, aqui relatados, informou-me ainda de que as ordens vindas do Comando Naval, com apenas 24 horas de antecedência, foram entregues em mão aos comandantes das duas LFG (Orion e Lira) e do patrulha Cuanza, presentes ao largo do cais, no caso do seu navio, o patrulha Lira, recebeu directamente o seu Comandante, 1º tenente Martins Soares.

Como tal, os comandantes destes três navios que constituíam nesse dia, a “força naval” em frente ao cais de Bissau, receberam ordens expressas “para se posicionarem em postos de combate”, com todas as peças Bofors de 40mm, devidamente municiadas e preparadas para realizarem fogo, como apoio de retaguarda à retirada das nossas tropas, de terra para os navios, nomeadamente o Uíge.

Felizmente tudo correu bem, não sendo preciso fazer fogo nenhum, já que a retirada se desenrolou como o previsto, sem altercação de qualquer natureza. 

De seguida, no final dos transbordos, os zebros e as lanchas (LDM) foram presas numa boia em frente ao cais (abandonadas), e imediatamente a flotilha portuguesa escoltou os navios Uíge e Niassa (este já navegava mais à frente) até águas internacionais, seguindo a maioria dos navios da Armada para Cabo-Verde, de onde alguns deles partiriam pouco depois, em direcção a Angola.

O Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, ainda informou que a flotilha que rumou em direção a Cabo-Verde, além dos navios já referidos (NRP Comandante Roberto Ivens, LFGs Orion e Lira e patrulha Cuanza) faziam parte também as LDG Ariete, Alfange e Bombarda, tendo estes navios da Armada atracado em 20 de outubro no porto de Mindelo na ilha de S. Vicente, Cabo Verde

A comitiva constituída pelo Governador (Brigadeiro Carlos Fabião), o Comandante Militar (Brigadeiro Figueiredo), o Chefe do Estado-Maior do CTIG (Coronel Henrique Gonçalves Vaz), bem como alguns outros oficiais do Estado-Maior, sargentos e praças, depois de assistirem ao embarque de todos os militares nos navios, que se encontravam ao largo do estuário do Rio Geba, e assegurando-se que tudo tinha corrido sem problemas e de acordo com o previsto nos “Planos de Retirada”, elaborados pelo CTIG/CCFAG que nesta altura se afirmava como o único Comando das Forças Armadas Portuguesas neste TO da Guiné, seguiram directamente para o Aeroporto de Bissalanca, onde mantínhamos ainda um dispositivo de segurança.

Às 2h30m do dia 14 de Outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné (por via aérea). Nesse momento estiveram presentes alguns Comandantes do PAIGC, que quiseram despedir-se dos “seus antigos inimigos”, e assim foi o fim da colonização da Guiné com cerca de 500 anos.

Mas antes de finalizar este artigo, gostaria aqui de referir o árduo trabalho atribuído ao último CEM/CTIG, coronel Henrique Manuel Gonçalves Vaz, já que foi o responsável, por “despacho escrito do Brigadeiro/Governador”, Carlos Fabião, pela elaboração dos “Planos de Retirada do nosso Exército”, da “Carta sobre a Redução de Efectivos e Comissões Liquidatárias”, dos “Planos de entrega dos Aquartelamentos da Ilha de Bissau”, do “Estudo da Comissão Liquidatária do QG/CTIG em Lisboa”, das "Cargas dos aviões", entre outras responsabilidades.


Enfim o brigadeiro Carlos Fabião determinou que este oficial do Corpo do Estado-Maior e Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG, coronel Henrique Gonçalves Vaz, se responsabilizasse por todos estes assuntos, como tal fica aqui a minha homenagem a ele, bem como a todos os oficiais, sargentos e praças, que sob o seu comando, o ajudaram a realizar essa importante tarefa, nomeadamente o senhor tenente-coronel de artilhgaria Joaquim José Esteves Virtuoso, o senhor major Mourão, o senhor capitão Lomba, e outros oficiais, sargentos e praças, que colaboraram nesta última missão militar no TO da Guiné, a “Retirada Final”, a todos eles, a minha homenagem, o meu respeito e uma grande admiração, pois ficaram neste episódio da longa história portuguesa.

20 de Fevereiro de 2012
Luís Filipe Beleza Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro nº 530 e filho do último CEM/CTIG)

(Uma primeira versão deste texto já tinha sido pubpicada sob o poste P9535, de 26/2/2012. Nova versão, com revisão / fixação de texto, edição de imagem e negritos: LG)


2. Comentário de  Albano Mendes Matos:

Caro Amigo Luís Gonçalves Vaz,

Só agora li o seu comentário ao meu escrito sobre o último a sair da Guiné.

Vou confirmar a data do último avião a sair da Guiné. No meu registo, consta saída em 14 de outubro pela 01h00. Pelas 13h00, do dia 13 ou 14, já não havia portugueses no QG, quando um comandante do PAIGC me deu boleia para Bissau. Julgo que fui o último a sair do QG. Nas ruas de Bissau, fui a andar. Estavam, ao largo, navios, com tropas, para zarparem para Portugal, logo que o último avião, onde eu vim, levantasse do aeroporto de Bissalanca.

Eu dependia do seu falecido pai. O seu pai saiu, pela manhã, para o Palácio do Governo ou para a Base Aérea da Bissalanca. Quando cheguei ao aeroporto, pelas 23h15, já todos os militares lá estavam.
Tenho jornal que tem a notícia da chegada do avião com os últimos militares da Guiné, que vou procurar, para confirmar a data. Tem a foto do general Galvão de Figueiredo.
´
Pelos vistos, o meu registo deve estar errado.
Os meus cumprimentos.
Albano Mendes de Matos
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014 às 21:21:18 WET

3. Resposta do Luís Gonçalves Vaz:

Caro sr tenente-coronel Mendes Matos:

(...) Agradeço-lhe se ter dignado vir aqui repor a verdade da data/hora (já vi que troquei a data/hora do último embarque no cais marítimo com o grupo data/hora do último voo), que julga ser a correta. Não vou nem quero opor-me à sua data de 13 ou 14 de outubro,quando refere no seu artigo, afinal trata-se do depoimento de um dos "protagonistas deste momento histórico", que como tal merece toda a minha credibilidade. 

Mas gostaria de o informar que "oficialmente" no Relatório que possuo,elaborado pela 2ª Rep do QG e autenticado pelo sr. major Tito Capela, na página 46, apresenta para o último embarque aéreo das nossas tropas, o grupo "Data/Hora" de 140230Out, como o embarque do Cmdt Chefe e elementos do QG. 

"Informa também" que foi no dia 13 de outubro que o QG/CTIG (Santa Luzia)  foi entregue, logo o seu artigo está de acordo com este Relatório "Secreto", de que já dei aqui visibilidade. Agora apercebo-me que "troquei" o grupo Data/Hora e, além de pedir desculpa a todos pela minha incorreção, quero também aqui corrigir esta hora, como tal onde digo "Às 23 horas do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné...",  quero emendar para: "Às 2h30min do dia 14 de outubro de 1974, estes militares serão os últimos a retirar da Guiné (por via aérea ...)

Estive a reler o Relatório, e no mesmo o que parece uma "incoerência", pois o grupo Data/hora do último embarque (aéreo) é 140230Out, e o grupo data/hora da entrega do QG/CCFAG (Fortaleza da Amura), é 142300OutT, não o será, pois o último embarque de tropas portuguesas, foi por via marítima em LDG (no cais de embarque) pelas 23h00 (142300Out), executado diretamente da fortaleza da Amura para os navio Uíge e Niassa e, como tal,  devem ter sido estes os militares que entregaram o QG da AMURA (??). 

No entanto, e segundo este mesmo Relatório, estes navios só saíram da zona em 151000Out, em suma terão sido estes os últimos a abandonar este TO. Agora se assim não foi, então será esta minha fonte que não foi fiel no que concerne às datas (terá alguma gralha ou mesmo erro nestes grupos Data/Hora ?). 

Relativamente aos registos do meu pai, só encontrei a referência que seria no dia 14, a saber:

Bissau, 5 de Outubro de 1974

"... Dia de trabalho derivado da antecipação da nossa saída em 15 deste mês (pois passou para 14 de Outubro) ...

Coronel Henrique Gonçalves Vaz
(Chefe do Estado-Maior do CTIG)

Entretanto, também registou na sua agenda de CEM, a antecipação de vários voos de cargas .... A pressão era "muito grande" para que abandonássemos aquele TO.

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz
domingo, 2 de março de 2014 às 15:14:43 WET
_________________

Notas do LGV:

(#) Mensagem do nosso amigo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande e filho do Cor Cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG - 1973/74), com data de 21 de fevereiro de 2012:

Caros Editores:

Conforme o prometido, segue em anexo finalmente, o meu artigo sobre "A Retirada Final: Os Últimos Militares Portugueses a Retirar da Guiné   (Dia 14 de Outubro de 1974)".

Para este artigo, além de consultar as notas pessoais do meu falecido pai, também entrevistei um primo meu,  que era na altura Marinheiro Radiotelegrafista da Guarnição do Patrulha Lira (LFG Lira), com quem estive ainda na Guiné, mas que ficou lá até ao último dia, o dia 14 de outubro de 1974, juntamente com muitos outros militares, um deles, o meu falecido pai, o último CEM/CTIG.

Este meu primo, Manuel Aurélio de Araújo Beleza Ferraz, relatou-me na primeira pessoa as últimas horas da retirada para o navio Uíge, dos militares portugueses ainda presentes nesse dia em terra, para assegurarem a última cerimónia, o "Arrear da Bandeira Portuguesa", bem como me forneceu um conjunto de fotografias, que ilustram o poste (...)

Espero que não tenha "distorcido muito" estas últimas horas da nossa "Retirada Final" da Guiné, se o fiz, foi sem intenção. Por outro lado, peço desculpa não "elencar o nome" de todos aqueles militares que nesse mesmo dia, "deram o seu máximo" para não manchar o Bom Nome da Nação, numa altura difícil da nossa longa história... se um de vós lá estava, então deixe aqui "o seu depoimento", pois assim enriquecerá este relato de mais um dos "episódios históricos da descolonização portuguesa".

Grande Abraço
Luís Gonçalves Vaz

 
PS - Como recebi mais informações do camarigo Magalhães Ribeiro, sobre este dia histórico e também do dia 9 de setembro de 1974, aquando da cerimónia oficial da transição da soberania nacional na Guiné, para o PAIGC, em Mansoa, onde fiquei a saber que o meu falecido pai não esteve, pois em representação do chefe do Estado-Maior do Comando Territorial Independente da Guiné (CEM do CTIG), esteve o tenente-coronel Fonseca Cabrinha, como tal fui naturalmente compelido, a corrigir e complementar este artigo, que almejo que se transforme num "agregar de vários testemunhos, daquele dia 14 de Outubro de 1974", dia histórico para os portugueses, e que representa simultaneamente o fim do Império Português nestas paragens.

(##) Um agradecimento especial:

(i) ao meu primo e ex-Marinheiro Radiotelegrafista, Manuel Beleza Ferraz, marinheiro da guarnição de um dos últimos navios a abandonar as águas da Guiné, o Patrulha Lira;
e também

(ii) ao Eduardo José Magalhães Ribeiro, Furriel Miliciano de Operações Especiais/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, pois sem os seus testemunhos, não poderia ter dado parte importante das informações, relatadas nesta minha pequena narrativa sobre a “retirada final da Guiné”.

Aos dois, que foram testemunhas deste momento histórico, o meu muito obrigado.
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Nota do editor LG:



sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27394: A nossa guerra... a Petromax (2): o destacamento da Ponta do Inglês (jan 65 /out 68), onde a iluminação do perímetro de arame farpado era feita com garrafas de cerveja cheias de querosene (António Vaz, 1936-2015)




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Xime > Ponta do Inglês > O destacamento da Ponta do Inglês, um dos muitos "bu...rakos" onde viveu gente nossa , entre janeiro de 1965 e outubro de 1968. Teve um gerador que nunca chegiu a funcionar. Nem petromax tinha ! (*)

(...) "As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível, tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a malta corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil era enorme, embora, que me lembre, nunca tenha havido flagelações nessas alturas. (...)

As garrafas também funcionavam como sistema de deteção e alerta: a aproximação de elementos IN do arame farpado, fazia-as tilintar... O sistema acabava por ser pouco fiável devido ao vento, à chuva e... aos macacos-cães.

Ilustração de Vera Vaz, filha do nosso camarasa António Vaz  (2012). 



António Vaz (1936-2015)
1.  Nunca será demais lembrar os "bu...rakos" onde vivemos, como toupeiras.

Um dos mais famigerados foi o da Ponta do Inglês, no subsetor do Xime (sector L1). O topónimo tem já perto de meia centena de referências no nosso blogue. Mesmo depois da retirada das NT, a Ponta do Inglês continuou a ser um nossos "ossos duros de roer". Havia sempre contacto com o IN, quando as NT progrediam na antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, há muito invadida pelo mato e interdita. No dia 26 de novembro, vai fazer 55 anos que a CART 2715 (Xime, 1970/72) e a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) sofreram uma brutakl emboscada com 6 mortos e 9 feridos graves (Op Abencerragem Cadente) (mais um revés nas NT que não vem referido no livro da CECA, correspondente à atividade operacional de 1970/74)


Excerto de um poste nosso saudoso camarada 
António Vaz (1936-2015),ex-cap mil, CART 1746
 (Bissorã e Xime, jul 1967/jun 69) (fot0 de 2012,
à direita).
 



O destacamento da Ponta do Inglês
onde nem petromax havia

por António Vaz (1936-2015)


A Cart 1746 saiu de Bissorã a 7 de Janeiro de 1968,  seguindo de Bissau para o Xime via Bambadinca,  a bordo da barcaça Bor. 

Um Grupo de combate seguiu diretamente para a Ponta do Inglês onde rendeu o pessoal da CCAÇ 1550.

Este Pelotão da Cart 1746 era comandado pelo alf mil Gilberto Madail (hoje uma figura pública) que lá permaneceu cerca de 4 meses,  sendo substituído por outro,  comandado pelo alf mil João Guerra da Mata que lá esteve até 8 de otubro, data em que este destacamento foi abandonado (por ordem do comando-chefe).


Francisco Pinheiro
Torres de Meireles (1936-1965).
Era natural de Paredes. Tem nome de rua
no Porto.

A Ponta do Inglês foi ocupada e os abrigos construídos em dezembro de 1964 na Op Farol pela CCAÇ 508,  comandada pelo malogrado cap inf Pinheiro Torres de Meireles (1936-1965), morto em combate na Ponta Varela (**).


Este destacamento teve sempre uma triste sina porque não tinha meios senão para..
 estar. 

A dispersão de meios que encontrámos no sector L1 a isso conduzia. Nunca serviu de nada a não ser castigar, sem culpa formada, as guarnições que para lá eram enviadas.

Não controlavam nada na foz do Corubal e nada podiam fazer em conjunto com o pessoal do Xime para manter aberto o itinerário Ponta do Inglês / Xime porque a companhia do Xime ocupava também Samba Silate, Taibatá, Demba Taco 
e Galomaro. Assim o seu isolamento era, foi, 
praticamente total.

Os géneros só a Marinha os podia levar e o mesmo se pode dizer das munições, correio, tabaco, combustível, etc.

A chegada dos abastecimentos era motivo de alegria geral como se pode ver nas imagens que junto.

Por muito que o pessoal controlasse os gastos, a falta de quase tudo fazia-se sentir. Bem podia o comando da companhia pedir insistentemente pela vias normais a satisfação dos pedidos que não conseguíamos nada. 

Cheguei a tentar meter uma cunha directamente na Marinha, mas as prioridades eram outras. Como alguns géneros recebidos da companhia que lá tínhamos rendido,  estavam deteriorados, a situação ainda foi pior. Esta situação originou, a pedido do alf Madail, o Fado da Fome,  que o Manuel Moreira ilustrou nas quadras populares da sua autoria.

O destacamento da Ponta do Inglês era a pequena distância da margem (direita) do Rio Corubal e tinha a forma quadrangular. A guarnição era formada por 1 GComb  / CA RT 1746 + 1 Esq/Pel Mort 1192 + Pel Mil 105.

O destacamento era formado por 4 abrigos principais nos vértices para o pessoal, para a mecânica e rádio. O combustível e as munições ficavam na parte mais perto do Corubal; na parte central sob uma árvore frondosa (poilão ?) um abrigo mais pequeno onde ficava o alferes, o enfermeiro e logo ao lado o forno do pão e uma cozinha, tudo muito rudimentar. 

Tinha o espaldão do morteiro 81 na parte central. Não tinha, ao contrário do Xime, paliçada e apenas duas fiadas de arame farpado.

Os abrigos eram de troncos de palmeira com as indispensáveis chapas de bidão, terra e não eram enterrados. Uma saída na direcção do rio e outra no lado oposto para as idas à água e à lenha. No destacamento havia um Unimog para estas tarefas.


Manuel Vieira Moreira
(1945-2024)
ex-1º cabo mec auto
A água era tirada a balde de um poço existente a cerca de 700 metros do arame farpado que também era utilizado pela população, totalmente controlada pelo IN, e pelo próprio IN, sem nunca este ter aproveitado as nossas idas à água e à lenha para nos incomodar e vice-versa


Escreveu  o Manuel Moreira (1945-2014)

O poço era um só,
Estava longe do abrigo,
Dava a água para nós
E também p’ro Inimigo.

Nunca percebi por que razão se fez o Destacamento, afastado do único poço com água potável... Uma proposta de sã convivência? O caso é que resultou.

O que se passou nos tempos infindáveis em que o gerador esteve avariado, assunto já abordado neste blogue, por quem o foi substituir, depois de aturados 
pedidos a Bissau sem que se resolvesse em tempo útil,   é inenarrável. (***)

As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível,  tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a “malta” corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil era enorme, embora, que me lembre,  nunca tenha havido flagelações nessas alturas.

Flagelações houve muito poucas (seis),  sem grandes consequências, a água do poço nunca foi envenenada e mesmo sabendo que a resistência oferecida pelas NT, aquando dos ataques, fosse de nutrido fogo mantendo o IN em respeito, penso que este nunca empenhou efectivos suficientes e capazes para provocar danos consideráveis. 

No fundo o IN sabia que,  enquanto aquele pessoal ali estivesse enquistado, a tropa do Xime, com a dispersão acima referida, estaria muito menos apta a fazer operações complicadas.

As relações entre o pessoal podem considerar-se muito boas,  não havendo atitudes condenáveis, que até seriam possíveis num ambiente concentracionário como aquele. 

A convivência com a milícia logo de início se mostrou muito favorável porque, abastecendo-se de géneros junto das NT, passaram a pagar muito menos do que anteriormente,  porque os preços eram os mesmos que nos eram debitados sem alcavalas de qualquer espécie. 

Não me recordo da existência de familiares a viverem com o pessoal africano, mas segundo o testemunho do tabanqueiro Manuel Moreira, uma mulher deu à luz na época em que lá esteve e foi o 1.º cabo aux enf Cordeiro Rodrigues, o " Palmela", ajudado por ele que assistiram ao parto.

Com a falta de géneros tudo se aproveitava incluindo a caça, que se resumia a tiro de rajada para bandos de aves grandes, pernaltas (não sabemos quais) e se caiam nas redondezas eram o pitéu desse dia. 

As noites eram passadas como se calcula, com as sentinelas nos quatro cantos do quadrado e a malta a ver e a ouvir os rebentamentos que vinham da direcção de Jabadá, de Tite, Porto Gole e do Xime, claro. Pode ser sinistro mas não é difícil pensar que muitos diriam: 

− Antes eles do que nós!...

Como de costume, depois das tarefas de rotina, quando o calor era menos intenso, seguia-se o eterno futebol com bolas dadas pelo Movimento Nacional Feminino (MNF), de péssima qualidade, substituídas pelas tradicionais trapeiras. 


João Guerra da Mata

Num dos reabastecimentos que se fizeram conseguimos levar, para além de gado mais miúdo, algumas vacas que, como sabemos, na Guiné são de pequeno porte. 

Como o futebol também farta,  houve alguém que sugeriu tourear uma das vacas que ainda estava viva para tardios bifes.

Foi uma festa com as peripécias inerentes à Festa Brava e todos os dias “a las cinco en punto de la tarde” soltava-se a vaca e era um corrupio de faenas com cornadas… incompetentes. O tempo foi passando e já só restava um dos pobres animais para animar os fins da tarde. 

Como o reabastecimento nunca mais chegava e o atum com arroz já não se podia ver, e muito menos comer, o alf Mata teve de decidir entre o partido pró-tourada e o partido pró-bife. 

Não foi fácil, mas acabou por vencer este último. Convocou-se o soldado condutor J. Viveiro Cabeceiras que também era padeiro, magarefe e pau para toda a obra, que procedeu à matança. Começando a esquartejar a rês,  vai ter com o Alferes e informa-o que a vaca estava tísica, pulmões quase desfeitos. 

 
− Come-se a vaca ou não se come a vaca? 

Nova discussão e resolveu-se não aproveitar as vísceras e apenas o músculo. Assim se comeu carne assada sem problema de maior. Quando esta acabou voltou-se ao atum aos enlatados,  tudo coisas que já escasseavam mas o pessoal andava triste com a falta dos fins de tarde taurinos. Então o Cabeceiras foi ter com o alferes Mata e disse-lhe:

- Meu alferes, a malta anda tão triste que se quiser e autorizar eu faço de vaca pois guardei os... cornos.

E assim de conseguiram mais uns fins de tarde…

Felizmente com a redistribuição das Forças no terreno, iniciada pelo brig Spínola, foi a Ponta do Inglês evacuada sem problemas em 7 e 8 de Outubro de 1968, pondo-se fim ao disparate da sua existência. 

Há uma enorme falta de informação (para mim) sobre a evacuação da Ponta do Inglês; nem na história do BART 1904, nem na da CART 1746, apenas é mencionada a data em que se efectuou. 

Tenho ideia que,  para além do pelotão da CART  1746,  da secção  de Morteiros e do pelotáo de milícia,  estiveram na Ponta do Inglês pessoal de outras unidades a montar segurança (mas quais?) enquanto o pessoal carregava a barcaça Bor de todo o material e bagagem da rapaziada. Estivemos nas imediações da Ponta Varela a assegurar a passagem da Bor a caminho de Bambadinca. Foi uma operação, para mim sem nome, que envolveu mais meios que não recordo.

Segundo informação de oficiais do BART 1904, o brig Spínola com o respectivo séquito aterrou na Ponta do Inglês, já ia adiantado o carregamento da Bor, mandando evacuar a segurança, depois de se ter armadilhado o que estava determinado... Só depois reparou que já não havia segurança nenhuma e que ele e os outros oficiais que o acompanhavam tinham ficado, como hei-de dizer, abandonados na margem do Corubal com o pessoal do ou dos helis a chamá-los quando se aperceberam da situação.

O pelotão da Cart 1746 chegou ao Xime sem problemas e todos tivemos uma enorme alegria por voltarmos a estar juntos. ....E na verdade o que vos doi... É que não queremos ser heróis (Fausto).

António Vaz (2012) (****)

(Revisão / fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd poste de 4 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27384: A nossa guerra... a petromax (1): Quem é que ainda se lembra dos candeiros a petróleo ? Em 1964, em Guileje, Gadamael, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, Cameconde... Em 1967/68, em Ponate, Banjara, Cantacunda, Sare Banda, Ponta do Inglês...

(**) O que diz a CECA (2015):

(...) Em 19 e 20Jan65, realizou-se a operação "Farol",para ocupação e instalação dum aquartelamento na Ponta do Inglês. 

O ln emboscou as NT, sofreu baixas não estimadas e foram capturadas granadas de mão e de lança-granadas foguete. 

Em 20Jan, forças da CCaç 526 e CCav 678, durante um reconhecimento na área Ponta do Inglês - Buruntoni, destruíram um acampamento com 15 casas a cerca de 600 metros a sul da antiga tabanca da Ponta do Inglês, tendo capturado diversas munições; encontraram alguns abrigos no lado sul da Ponta do Inglês-Xime, no local da emboscada feita às NT em 19 e destruíram 2 casas a leste de Ponta do Inglês. (...)

Fonte: Excerto de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág  311.


Em comentário ao poste P7590 (****), o José Nunes, ex-1º cabo mec eletricidade, BENG 447, 1968/70; escreveu:

(...) "O aquartelamento da Ponta do Inglês estava operacional em abril de 1968, quando aí nos deslocámos pra montar o grupo gerador, ficava junto ao rio e não havia cais, o Unimogue avançou rio dentro até da LDP [Lancha de Desembarque Pequena] de onde se descarregou o gerados a pulso. 

A iluminação era feita [, até então,] com garrafas de cerveja com uma mecha, cheias de combustível, e as havia a servir de alarme, havia muitos macacos na zona que causavam problemas, ao agarrar o arame farpado da zona de protecção. Foi uma permanência de horas por causa das marés." (...)



segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27336: Notas de leitura (1854): "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins; posfácio de Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2.ª edição, 2014 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
No posfácio desta importantíssima obra que é um "Império de Papel, Imagens do Colonialismo Português na Imprensa Periódica Ilustrada (1875-1940)", a investigadora Manuela Ribeiro Sanches releva a retórica da missão civilizadora, como a do marquês de Sá da Bandeira, e a sua filantropia anti-esclavagista, desmentidas pelas práticas nas colónias, a noção de cristianização que acompanhou o processo missionário, onde estavam ausentes dois fundamentos essenciais: o da igualdade natural de todos os humanos e o do seu estádio civilizacional inferior para justificar o aproveitamento do progresso, uma forma de puxar para cima as raças e as culturas - era como se o colonialismo exigisse a África entrar na Idade das Luzes, isto no século XIX, porque a seguir, com a industrialização maciça, com a valorização das matérias-primas, a intenção libertadora ou filantrópica ganhou outra dimensão. A resposta política que o Estado Novo encontrou, na efervescência dos movimentos anticoloniais, foi o lusotropicalismo, outra ficção, basta pensar na Guiné onde a população branca era mínima e quase sempre de passagem. Procurou-se dar uma imagem de tolerância, catapultar os quadros africanos para lugares intermédios da Administração Pública, subsidiar as peregrinações a Meca, construir estradas a galope, etc. Claro que estamos a falar de uma ou outra história posteriores à de um Império de Papel. E Manuela Ribeiro Sanches observa que cabe à Europa tentar ver no seu passado menos um repositório de glórias e feitos, mas uma oportunidade para reconhecer os limites e ensaiar um pequeno passo para se reinventar a Europa e as suas relações consigo mesma e com o mundo.

Um abraço do
Mário



Um Império ficcionado em jornais e revistas, livros e álbuns, um Império de e em papel (2)

Mário Beja Santos

Trata-se de uma obra esmerada pelo conteúdo e apresentação, "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins, posfácio de Manuela Ribeiro Sanches, Edições 70, 2.ª edição em 2014. A autora visionou e analisou publicações entre 1875 e 1940 e diz que vem ao mesmo tempo propor uma revisitação crítica da iconografia. “Com esse objetivo, procurei fazer um enquadramento histórico de imagens aqui reproduzidas, assinalando as circunstâncias políticas, culturais, mas também da ordem tecnológica, que marcaram – e possibilitaram – a sua produção e circulação. Considerei os temas mais recorrentes e as motivações dos diversos artistas e fotógrafos. O papel diligente e ideologicamente empenhado da generalidade da imprensa periódica ilustrada na disseminação de ideias e conhecimentos.“

Porquê 1875 e até 1940? Em 1875 é criada a Sociedade de Geografia de Lisboa, a quem caberá o papel catalisador para a construção do Terceiro Império, funcionará como o lobby junto do poder soberano, contribuirá para expedições, congregará intelectuais, diplomatas, agentes dos negócios e da finança, escritores, tem no seu comando uma figura excecional, Luciano Cordeiro- 1940 é a data da maior obra ideológica da construção e mentalização de que o Mundo Português ia do Minho a Timor, o regime de Salazar não poupou esforços para o grandioso espetáculo que ofereceu na Praça do Império.

Jornais e revistas contribuem para que os leitores nutram um sentimento de grandeza pelos cerca de 2 milhões de quilómetros quadrados do Império Colonial Português, é graças a esse Império de Papel que se vai tomando conhecimento da ocupação das regiões africanas, do atrativo em emigrar, refazer a vida numa base de prosperidade, tudo parece abrir campo à riqueza daquelas Áfricas, mais a mais o país continua a ser visceralmente de analfabetos, o que realça o peso da imagem.

Mas, como escreve a autora, tudo era relativamente ilusório. “O país não dispunha de meios para explorar e colonizar os seus domínios ultramarinos. Repare-se que na viragem do século a maior parte dos territórios, sobretudo os maiores, não estavam mapeados, não tinham redes de estradas ou caminhos de ferro, nem um sistema de administração unificado e as comunicações com a metrópole eram esporádicas e dependentes da navegação inglesa. As ferrovias existentes, construídas com capitais ingleses e à custa do trabalho forçado imposto aos indígenas ligava não as regiões das províncias ultramarinas portuguesas, mas Lourenço Marques aos Transval e a Beira à Rodésia. Assim, talvez mais do que a deficiente organização do aparelho administrativo colonial, ou as cíclicas crises financeiras nacionais, foi a dificuldade de atrair colones para a África Portuguesa, para a transformar no novo Brasil.”

As publicações esforçavam-se por mostrar as estações zootécnicas, os touros, os pastores portugueses, a produção de açúcar. Dava-se notícia do transporte gratuito de portugueses para Angola e da entrega de terras a esses novos colonos, preferindo-se aqueles que soubesse ofícios mecânicos ou fossem artistas e lavradores. Mas o Brasil continuava a ser um polo de atração.

A Igreja Católica mobilizava padres, freiras e missionários. E, sem tréguas, surgem imagens de construções, plantações, embarques de cacau, as famílias no planalto de Moçâmedes. Andaram a conviver portugueses e bóeres na Huíla, não se misturaram bem na maneira de viver, os bóeres grandes caçadores, os madeirenses dedicados principalmente a culturas alimentares, os bóeres abandonam o planalto da Huíla, houve depois um ambicioso projeto de colonização com transmontanos, estes só chegaram depois da Segunda Guerra Mundial. Também a autora observa que o imediato envolvimento de Portugal na Primeira Guerra Mundial acarretou a deslocação de tropas expedicionárias para o sul de Angola ou norte de Moçambique, estes atos foram decisivos para que o país mantivesse as suas colónias, contudo não ficou afastado o fantasma da expropriação do Império. Para afastar esse perigo criou-se em 1920 o regime dos Altos-Comissários para Angola e Moçambique, conferindo-lhe vastos poderes e maior autonomia de decisão, Norton de Matos foi Alto-Comissário em Angola, tinha um plano bastante ambicioso que previa, entre outros aspetos, a rápida modernização do território, feita através da reorganização das estruturas administrativas, o fomento da economia, a construção de habitações – mas um regime encapotado de escravatura ainda permanecia na colónia.

Há também uma outra observação pertinente que a autora regista:
“A iconografia alusiva à África colonial mascarava as fragilidades do Império: um Império onde as viagens de exploração não trariam grandes vantagens a Portugal no jogo da diplomacia e política coloniais europeias, mas a que as imagens publicadas na imprensa periódica deram uma expressão notável; um Império cujo efetivo controlo foi tardio, apesar das revistas ilustradas confirmarem a presença de regimentos de tropas portuguesas em várias regiões africanas desde os meados da década de 1890; um Império que, década após década, assistiu à falência dos sucessivos projetos do povoamento ‘branco’, mas que os retratos de grupos de colonos pareciam contraditar; um Império que, em termos globais, não gozava de uma economia próspera, mas do qual chegavam notícias e imagens de grandes fazendas agrícolas, empregando mão de obra nativa que era educada na aprendizagem da música europeia…”
Tudo conjugado, estas imagens tinha o poder de ludibriar, o mesmo não acontecia nos altos círculos da política, aí sabia-se perfeitamente que havia ameaças de expropriação estrangeira, e que os governos eram incompetentes para defender, administrar e desenvolver eficientemente as possessões ultramarinas.

Império de ficção, basta pensar na missão civilizadora advogada por Sá da Bandeira, a abolição da escravatura, que se prolongou à sorrelfa do que a lei prescrevia, mascarada de trabalho forçado. O Estado Novo procurou usar todo este material imagético a partir da Agência Geral das Colónias, teve a preocupação de apoiar ou incentivar a publicações periódicas para preparar os quadros da administração colonial (basta pensar no Boletim Geral das Colónias, a revista "O Mundo Português", a coleção "Pelo Império", os "Cadernos Coloniais", as mostras de produtos, os cortejos, as exposições coloniais, eram imagens em que aparecia o ministro das Colónias, Armino Monteiro, no Parque Eduardo VII, onde se realizava a Grande Exposição Industrial Portuguesa, em 1932, ali apareceram grupos de guineenses, depois a exposição colonial de 1934, apresentada publicamente como uma grande lição de colonialismo, faziam-se excursões no centro e no norte do país para ir ver esta gente exótica e as meninas de peito ao léu.

E assim se chegou ao acontecimento mais espetacular do Estado Novo, a exposição do Mundo Português, momento de grande dinamismo do regime, a par das comemorações, iniciava-se a recuperação de vários castelos medievais, o restauro dos chamados “Primitivos Portugueses” (pinturas dos séculos XV e XVI), a construção do Estádio Nacional, da Fonte Luminosa na Alameda D. Afonso Henriques, dos bairros do Restelo e Alvalade, do aeroporto, das gares marítimas e fluvial, de entre outras obras e infraestruturas públicas que mudariam de forma significativa a toponímia e a vida na cidade.

Não voltou a haver elã para repetir tal desafio de desenvolvimento à sombra do Império, nem mesmo nas comemorações do 40.º aniversário da Revolução Nacional. E a autora assim termina:
“Poder-se-á dizer que o Império de Papel aqui referido foi-o sobretudo de papel de jornal e revista. Não chegou a ser sequer um Império, de capa dura ou emoldurado – e muito menos de película.”

Exposição do Mundo Português, indígena Bijagó
Plano geral da Exposição do Mundo Português, 1940
Exposição do Mundo Português, outra vista panorâmica
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Notas do editor:

Vd. post anterior de 13 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27314: Notas de leitura (1850): " Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins; posfácio de Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2.ª edição, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27333: Notas de leitura (1853): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte IV: de Figo Maduro a Bissalanca "by air", e depois de LDG até Bolama para a estopada da IAO (Luís Graça)