1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2012:
Queridos amigos,
Manda o rigor que se diga que é inaceitável estudar a Guiné Portuguesa sem consultar a respetiva monografia assinada pelo então primeiro-tenente Avelino Teixeira da Mota. Profundo conhecedor da realidade guineense, foi um árduo estudioso de matérias tão dispares como o ambiente físico, as línguas, a fauna e a flora, a demografia e a pré-história e a história conhecida antes da presença portuguesa. Remete-nos para o segundo volume a história da ação portuguesa e os capítulos obrigatórios numa monografia sobre a economia que ele regista com todos os pormenores, até à exaustão.
A diferentes níveis, e reconhecido por outros estudiosos, a sua monografia mantém um valor incalculável, pelo que é de leitura obrigatória.
Um abraço do
Mário
“Guiné Portuguesa”, por Avelino Teixeira da Mota (1)
Beja Santos
Avelino Teixeira da Mota acompanha o Governador Sarmento Rodrigues, foi seu Ajudante de Campo e depois passou a prestar serviço na missão Geo-Hidrográfica da Guiné Portuguesa, em 1947. Para trás ficavam os seus decisivos contributos na fundação, organização e publicação de um Boletim Cultural, na elaboração de um inquérito etnográfico, e na sua preparação para publicação uma nova carta geográfica e etnográfica da Guiné. Mesmo com alguns interregnos, Teixeira da Mota ficará na Guiné até finais de 1957. Ele reconhecerá mais tarde que havia encontrado a solução providencial para continuar na costa ocidental de África e a aprofundar os seus conhecimentos sobre a Guiné. Por exemplo, é neste período em que colabora com a Missão Geo-Hidrográfica que estabelecerá contactos mais estreitos com membros do Institut Français de l’Afrique Noire (IFAN), prestigioso centro de investigação científica da África Ocidental Francesa, que publica a sua primeira obra de fôlego, em 1950, sobre a toponímia de origem portuguesa usada para denominar vários locais na Costa Ocidental de África. Finalmente, aparecerá em 1954 a Guiné Portuguesa que ainda hoje é inultrapassável em muitos dos seus pontos focados, como escreve o seu biógrafo, Carlos Valentim, nomeadamente no que respeita à Geografia Física e Humana, à Geologia e História do espaço guineense. Apresentada em dois tomos, publicada pela Agência-Geral do Ultramar, desta monografia é uma súmula dos cerca de nove anos de conhecimento e estudo do autor sobre a Guiné Portuguesa. Não é despiciendo referir que Teixeira da Mota esteve atento, durante este período a um conjunto de missões de zoólogos, botânicos, geógrafos, médicos veterinários e médicos tropicais que produziram documentos inovadores.
Tratando-se de um trabalho de primeiríssima, e sendo o primeiro retrato histórico de importância incontestável, obra de primeiríssima água, deve-nos merece uma apreciação detalhada. Como segue.
Depois de descrever o meio físico (situação, estrutura geológica, relevo), o clima, os solos, os cursos de água, as costas, deixou-nos um quadro impressivo da fauna e flora (vegetação, a fauna nas suas relações com o ambiente físico), detém-se sobre as populações nativas. E esclarece sem rebuços: “A pré-história guineense e, de uma maneira geral, a da África Ocidental, continua a ser pouco conhecida, em virtude da escassez dos elementos até agora descobertos. Adiante refere-se ao que se tinha vindo a apurar sobre a proto-história guineense, referindo que achados recentes vinham ligar os vales de Geba e do Corubal às velhas civilizações sudanesas, revelando que o interior da Guiné Portuguesa tinha estado na órbita de grandes Estados continentais – facto de considerável significado e que em muito explica a atual distribuição de populações e certos aspetos da sua civilização”. E discreteia sobre explorações mineiras, incluindo as auríferas, de que não restam praticamente vestígios. Admite que a mineração no vale do Geba tenha correspondido ao apogeu do império do Mali, no século XIII ou XIV e adianta: “Não é impossível que o vale do Geba tenha sido explorado no tempo do império que precedeu o dos Mandingas, ou seja o império Saracolé de Gana. São hipóteses que aqui ficam. Do que já não pode haver mais dúvidas é que o interior da Guiné portuguesa desde cedo esteve ligado aos grandes impérios sudaneses (convém articular este texto com a tese de doutoramento de Carlos Lopes intitulada “Kaabunké – Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais”, de que já se fez aqui recensão). E explana sobre os impérios do Gana e do Mali e primeiras islamizações, bem como sobre o primeiro conhecimento histórico das populações da Guiné Portuguesa, efetuando uma relevante situação por meio de notas históricas das várias etnias (até ao século XIX), discutindo as suas origens e afinidades, abarcando Balantas, Felupes e Baiotes, Banhuns e Cassangas, Cobianas, Manjacos, Brames, Papéis, Bijagós, Beafadas, Nalus, Bagas e Landumãs, Tiapis e Cocolis, Pajadincas e Tandas, Mandingas. Depois regista a islamização dos fulas, a constituição do Estado do Futa-Jalom e a sua expansão. E, muito importante, analisa as consequências da ocupação europeia no deslocamento de populações. A título de curiosidade, refere que os manjacos emigraram para o território do Casamansa, principalmente a área de Ziguinchor e dentro da Guiné aparecem também em centros urbanos e dedicam-se à agricultura e exploração de palmares e regiões como o Oio e Catió; os Papéis emigraram também para áreas de palmares como os Bijagós, Chitole e Cubisseco. Os maiores emigrantes terão sido porém os Balantas que se deslocaram para constituir novas bolanhas em terrenos roubados ao mar. e foi assim que invadiram o baixo Geba, baixo Corubal, Quínara e quase toda a área de Catió.
O trabalho monográfico de Teixeira da Mota passa depois para a demografia, associando-a aos solos, recursos hídricos, doenças tropicais e própria ocupação europeia. Quanto às línguas faladas na Guiné refere que fazem parte do grande grupo das línguas sudanesas, o qual, com as línguas bantas e as línguas nilóticas, formam o ramo das línguas negro-africanas. E dá a sua interpretação sobre o crescimento do crioulo: “A necessidade dos indígenas se entenderem entre si, terem uma língua franca, pelo facto da ação e depois a ocupação europeias terem quebrado o isolamento tribal. O movimento demográfico atual carateriza-se por duas grandes correntes, uma de deslocamento para os espaços rurais desocupados anteriormente por motivo de defesa, a outra de atração urbana. Qualquer dos movimentos vem baralhar cada vez mais o complicado mosaico étnico e linguístico que é a Guiné onde se falam para cima de 20 línguas. Que se entendam por meio do crioulo, em vez de utilizaram uma língua nativa importante, como o Balanta ou Fula, só me parece motivo de satisfação para nós – noutras partes de África foi o último caso que cedeu (por exemplo, o Kisuahili nos territórios ingleses da África Oriental)”. O investigador explica como o crioulo guineense se tinha vindo a afastar do crioulo cabo-verdiano, incorporando um português antigo, arcaísmos portugueses e muitíssimas palavras africanas. Fica aqui uma nota de curiosidade, como escreve o autor: “É de registar que o crioulo utiliza para animais e plantas formas portuguesas criadas em África; para os animais marinhos é frequente a designação de peixe seguida de outra palavra (peixe-banda, peixe-areia, peixe-cavalo, etc.); para as árvores é, de maneira análoga, a forma pau (pau-carvão, pau-sangue, pau-ferro, pau-conta, etc.)".
E o primeiro volume prossegue com o inventário das religiões, a caracterização do animismo e a especificidade islâmica. Temos, por último, o capítulo sobre géneros de vida e formas de civilização que permite ao autor questionar a identidade dos diferentes grupos étnicos, bem como o agrupamento das populações negras, o que os liga à agricultura e forma de povoamento, as técnicas de pesca, a organização social ou o caso das sociedades sem Estado, como os balantas e o modo como cada uma destas etnias aplica as singularidades arquitectónicas na habitação.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10519: Notas de leitura (416): Kaabunké Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance", por Carlos Lopes (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Pois é Camarada.
Este livro é mais um dos "tais" que, lido nas entrelinhas, dá muita informação para o que veio a seguir. Aparentemente é um descrição do terreno, populações, etc., etc., enfim, inócuo, mas quem souber ler, lê mais qualquer coisa...
Um Ab.
António J. P. Costa
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