terça-feira, 16 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 11 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Apesar deste livro já ter sido publicado em 2006 e de ter sido recenseado neste mesmo blogue, no ano seguinte (2007), como apenas o li muito recentemente, sem contrariar a crítica do nosso comum amigo Mário Beja Santos, decidi complementá-la com algumas ideias minhas.
Procurei, assim, dar um contributo para de algum modo desenvolver e enriquecer - passe a imodéstia - alguns temas tratados pelo Mário. Considero o livro do coronel Ferando Policarpo, uma notável obra de síntese, uma verdadeira radiografia da guerra de África, tal como foi vivida (tal como nós a vivemos) na Guiné, um livro de consulta obrigatória para todos os que se interessam pela história de Portugal no século XX.
Dividi os meus comentários em duas partes, de que vos remeto a 1ª parte .

Com os meus cordiais e amigos cumprimerntos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil. de infantaria CCAÇ 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (1/2) 

A obra do coronel Fernando Policarpo, “Guerra de África – Guiné 1963-1974” integrado na colecção Batalhas de Portugal, editorial Quidnovi, Matosinhos, 2006, constitui, em nosso entender, uma verdadeira radiografia dos 11 longos anos de conflito naquele país africano, que opuseram as Forças Armadas portuguesas aos guerrilheiros do PAIGC. Trata-se de um documento sintético, todavia preciso, rigoroso e objectivo que se destina ao grande público, mas que, mesmo o especialista, seguramente, não enjeitará. Fernando Policarpo não nos apresenta factos inéditos, nem tão-pouco grandes novidades, a nível da interpretação histórica. Tem, porém, cremos, a convicção de que está em terreno minado e que a sua (nossa) proximidade, ou mesmo vivência, dos acontecimentos não permite análises ousadas, que podem ser facilmente contestadas pelo seu carácter controverso, nem tão-pouco são apresentados factos não comprovados ou duvidosos. Nalguns casos são expostas várias versões e o autor limita-se a indicar qual é, a seu ver, a que entende ser mais provável, sem excluir, porém, nenhuma das outras. É o caso, por exemplo do assassinato de Amílcar Cabral em Conakry (20 de Janeiro de 1973). Em suma, a meu ver, a obra possui os méritos da concisão, do rigor e da imparcialidade.

Para além de uma breve resenha histórica inicial relativa ao descobrimento da Guiné e à consolidação dos direitos de Portugal ao território (Conferência de Berlim e sobretudo a Convenção luso-francesa de 1886), por conseguinte, o novo Direito Colonial Público, que, no fundo, marca o verdadeiro nascimento da Guiné Portuguesa, focaliza-se, em seguida, no enquadramento internacional, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, para delinear a génese e a evolução dos movimentos emancipalistas então emergentes e traçar, depois, as grandes linhas do conflito, no que foi considerado o pior de todos os teatros da guerra que Portugal enfrentou em África – a Guiné.

Relativamente ao problema da descolonização, o autor sublinha as diferenças no relacionamento das grandes potências (França e Reino Unido) com as respectivas colónias e “a relação estreita e fraterna que Portugal mantinha com as suas”, com as prováveis excepções dos belgas com o Congo e dos franceses com a Argélia (p. 19).

Fernando Policarpo delineia em traços claros, o que foi a política portuguesa em relação aos territórios africanos ao arrepio dos chamados ventos da História: “Os governos de Salazar e Caetano demonstraram inflexibilidade na condução da politica colonial. Num quadro de grande apoio internacional, ao desmantelamento dos impérios coloniais, Portugal não ousou tirar vantagem dessa mais-valia diplomática, optando por fechar todas as portas a uma solução sensata, credível, digna e honrosa para a Pátria... O país ficou refém da nostalgia do império” (p. 26). Tal posicionamento politico foi pesado de consequências para a Nação e para as suas Forças Armadas. Com efeito, como refere F. Policarpo, “durante os 13 anos seguintes, as Forças Armadas Portuguesas sustentaram a mais longa frente de batalha do mundo, que ia de Lisboa a Timor” (p. 27).

Nos capítulos seguintes, o autor descreve sinteticamente as origens e as características da Guiné, desde os antecedentes históricos, à geografia física e humana do território, não deixando de sublinhar com destaque a complexidade antropológica do território, um “mosaico populacional onde se falavam cerca de 20 línguas diferentes” (p. 39), bem como, a diversidade religiosa. Existem dois pequenos capítulos dedicados às actividades económicas e às comunicações, salientando-se as dificuldades existentes nos transportes terrestres, devido à falta de pontes, donde o inevitável recurso às vias fluviais.

O autor dedica, seguidamente, algumas páginas à fundação do PAIGC e à personalidade e carisma do seu líder, Amílcar Cabral. Para além de meras referências de passagem a outros movimentos independentistas guineenses de vida efémera, Fernando Policarpo acaba por concluir que o único movimento estruturado e com capacidade para a acção armada era o PAIGC, mas – e este ponto é de uma importância capital para se compreender o processo histórico na Guiné-Bissau – “quase todos os fundadores do PAIGC eram cabo-verdianos de formação marxista. Quando a guerrilha se instalou , os seus comandos eram mestiços e a maioria dos combatentes nativos do território. Esta diferenciação explicará o mau relacionamento, as tensões e os conflitos bem visíveis entre estes dois povos, mesmo ao nível da cúpula dirigente do partido – ao ponto de a maioria do povo da Guiné preferir ser colonizado pelos portugueses do que pelos cabo-verdianos.” (p. 51). O apoio explícito do Presidente da Guiné-Conakry, Sekou Touré, foi fundamental para a fundação do PAIGC e para o lançamento das suas acções armadas já em território da Guiné Portuguesa. Todavia, as pretensões do líder conakry-guineense à criação de uma “Grande Guiné” que poderia integrar a então Guiné-Portuguesa e as suas relações com Amílcar Cabral que são virtualmente desconhecidas (cfr. p. 110), bem como a condução ditatorial do seu país, levantam dúvidas quanto às suas verdadeiras intenções.

O coronel Fernando Policarpo divide o conflito na Guiné-Bissau em duas fases cronológicas e político-militares distintas: o período de 1963 a 1968, que abrange os governos de Vasco António Martinez Rodriguez (63-65) e do general Arnaldo Schultz (65-68) e a segunda fase, de 1968 a 1974 que coincide, no essencial com a governação do general António Spínola e o consulado do general Bettencourt Rodrigues, que se resume a uns escassos 8 meses (Agosto de 1973 a 27 de Abril de 1974).

A primeira fase é caracterizada pela implantação do PAIGC no terreno, sobretudo no Sul, mas também em santuários importantes dispersos pelo território, como o Morés ou a mata do Cantanhez, por exemplo. A tropa portuguesa é reforçada e o dispositivo militar na Guiné dispõe-se em quadrícula, cobrindo a quase totalidade da província. Os aquartelamentos situavam-se a poucos quilómetros uns dos outros, atenta a exiguidade do território. A malograda operação “Tridente” (batalha da Ilha de Como) constituiu um revés para Portugal e um importante triunfo para a guerrilha. As deficiências detectadas no sector das informações terão estado na razão do malogro da operação, à semelhança, aliás, da operação “Mar Verde” (invasão de Conakry), anos mais tarde, já em 1970. Em suma, Portugal não consegue conter a progressão da guerrilha em quase todo o território e assume, amiúde, uma atitude meramente reactiva. Adivinhava-se uma vitória militar do PAIGC, a prazo, e tal devia-se “à manifesta incapacidade do General Schultz, Governador e Comandante-Chefe, de planear e pôr no terreno um plano de acção político-militar capaz de inverter a situação” (p. 75)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

3 comentários:

antonio graça de abreu disse...

No essencial, este trabalho do coronel Fernando Policarpo parece-me uma radiografia bem tirada. Com pequenos desfoques, naturais, ninguém é perfeito.
Mas também, como todos sabemos, as pequenas mentiras históricas transformam-se frequentemente em grandes
mentiras, e depois em "verdades".
A tese da derrota militar da Forças Armadas portuguesas na Guiné é uma delas.

Leio, no último capitulo desta obra, pag. 134,
intitulado "A Perda da Supremacia
Aérea":

Pós Strela, "A perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora, deixaram de poder contar com ele durante as operações decisivas."
(...)"os caças voltaram aos céus. Mas voavam a altitudes superiores a 10 mil metros, perdendo a capacidade de escolher alvos."

Nas páginas 50 e 51, deste livro, leio esta descrição da pena do mesmo coronel Fernando Policarpo:
"Numa das suas últimas missões, a
operação Neve Gelada, realizada no início de Abril de 1974, Raul Folques,agora major e comandante do Batalhão (de Comandos Africanos), confronta-se de novo com a necessidade de socorrer um aquartelamento cercado ("?", o ponto de interrogação é meu AGA) pelo PAIGC, em Canquelifá, no norte do território, perto da fronteira senegalesa, há cinco dias flagelado por uma bateria de seis morteiros 120.
O batalhão (de Comandos Africanos) parte de Bissau em três lanchas e desembarca no porto fluvial do Xime, ao fim de cinco horas de viagem, seguindo depois em nove viaturas militares e quinze civis (camionetas) num percurso de mais de 24 horas. A última etapa é feita a pé. Depois de uma longa marcha nocturna, as suas tropas chegam ao lugar da operação, conseguindo neutralizar o grupo atacante e capturar três morteiros. Os combates prolongam-se por toda a tarde, provocando 26 mortos(incluindo dois instrutores cubanos) e numerosos feridos entre a forças do PAIGC, sofrendo o batalhão de comandos três mortos, seis feridos graves e catorze ligeiros.
A Força Aérea é chamada a intervir com os pequenos aviões FIAT de ataque ao solo, dotados de grande mobilidade e vários helicópteros para a evacuação de feridos, apoiados por um hélicanhão."

E as NT haviam "perdido a supremacia aérea"...
Não se sabe bem a favor de quem.
Talvez a favor dos MIGS do PAIGC.

Esta minha pequena observação em quase nada invalida o valor deste trabalho.

Abraço,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

"as Forças Armadas Portuguesas sustentaram a mais longa frente de batalha do mundo, que ia de Lisboa a Timor” (p. 27).

Como é possível, perguntarão hoje alguns jovens de 30 anos que tenham a pachorra de nos ler.

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... para uma melhor apreciação sobre a perspectiva da «Guerra de África - Guiné, 1963-1974», objecto dos vossos postais 10537 e 10541 e que foi publicada em 2006 por Fernando Policarpo (coronel de infantaria deficiente das FA's, licenciado «em História pela FLL/UL», recorde-se que aquele autor, nascido em 03Jul51, em 1973-74 era alferes miliciano comandante de um pelotão no BCac4514, tendo actuado - [sic] -, «na Frente Leste (Sector de Nova Lamego), na Frente Norte (Guidaje e Cuntima), e na Frente Sul (ataque maciço ao Cantanhez, desencadeado em 1973, especialmente na Região de Cadique-Cafine-Jemberém, entre os Rios Cumbijã e Cacine), onde foi gravemente ferido em Combate».
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