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Do Ninho D'Águia até África (18)
O clima do Equador
Já duas e meia da tarde? - Diz o Cifra, para o Trinta e Seis, soldado telegrafista, baixo e forte, que passou por ele, vindo de limpar a messe dos sargentos, onde também ajudava no bar, pois normalmente, acabava o seu serviço a essa hora.
Estava um calor forte, abafado, húmido. A pele do corpo tem uma gordura, como se fosse cola, ou coisa parecida, passa os dedos sobre o braço, e fica colado. Há mosquitos, mas a sua picadela, já não produz qualquer efeito, a pele está rija e escura. Para os lados do norte, o céu está um pouco escuro. Começa a correr uma brisa, que vem só desse lado.
- Que maravilha!. Comenta para si o Cifra, com o cigarro “Três Vintes” na boca, sentado numa cadeira feita de um barril de vinho vazio, lendo pela centésima vez uma revista do “Século Ilustrado” que trazia fotografias de umas “gajas em biquíni”, que tinha roubado na messe dos sargentos.
A brisa aumenta, torna-se em pequenos remoinhos de vento, que levantam alguma poeira e folhas secas do chão. Caiem alguns pingos de chuva, raros, mesmo raros. Já não são tão raros assim, a chuva aumenta de volume, e quando cai, deixa marcas nas costas nuas, do Cifra. O céu fica escuro, o vento sopra agora com muito mais força, e em remoinho.
O Cifra, com a revista do “Século Ilustrado”, nas mãos, foge correndo para o abrigo. Enquanto caminha para o abrigo ouve um ruído, volta-se e vê a sua cadeira ir pelos ares em redopio. É uma tempestade de chuva e vento ciclónico. No improvisado cabanal da limpeza de armas, voaram algumas folhas de zinco.
Choveu por mais de quinze minutos, o abrigo ficou inundado de água, lama e lixo, onde o Cifra ficou atolado até aos joelhos. A revista, que tanto adorava, ficou molhada, e com a água da lama ficou ilegível, sem poder mais ver as fotografias das “gajas em biquíni”.
Pensa para si, usando a linguagem do Curvas, alto e refilão: - Puta de vida!.
Sai do abrigo, recolhe a sua cadeira, senta-se de novo, acende outro cigarro, e passado uns minutos depois de tudo acontecer, vem uma brisa quente que vai diminuindo de volume, até ficar de novo tudo parado, e volta tudo ao normal, calor forte, abafado, húmido, e a revista, no chão, em pedaços, suja, enrolada, e só com uma pequena imagem da cara de uma das “gajas em biquíni”, a querer sorrir para o Cifra, que volta a cara para o lado, e volta a dizer: - Puta de vida!.
Olha para o seu corpo, a pele tem uma gordura, como se fosse cola, ou coisa parecida, passa os dedos sobre os braços e fica colado.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 13 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)
3 comentários:
Grande Tony
Com meia duzia de palavras, descreves-te o que se passava realmente em certas épocas. Mais real não pode ser, até nos fazes sentir a tal cola no corpo, com umas moscasitas das vacas á mistura, também poderei dizer, "que puta de vida aquela".
Um abraço do Rogerio Cardoso
Cart.643-Aguias Negras
Olá Rogério, Como dizes, faltaram algumas moscas, daquelas com asas azuis, que ferravam que nem umas desalmadas!. Continuamos vivos, e com alegria em viver, isso e o mais importante. Um abraço, do amigo, Tony Borie.
De Tony Borie, para Helder Valério.
Amigo Helder, muito obrigado por todas as mensagens que tens colocado nos meus escritos, são o maior suporte, que um antigo combatente pode ter, ao recordar o seu passado. Bem hajas.
Recebe um abraço do amigo Tony Borie.
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