sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10546: Notas de leitura (420): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Teixeira da Mota consegue uma síntese meritória sobre a história da presença portuguesa na Guiné. Possui, mais do que qualquer outro historiador do seu tempo, informação sobre o que escreve: as viagens do século XV, as viagens pelos rios e através dos emissários que chegam ao interior profundo de África; o enfraquecimento da presença portuguesa devido a piratas e corsários franceses que só de 1500 a 1531 capturaram cerca de 300 navios; domina com mestria a literatura de viagens, a presença dos missionários, as sucessivas campanhas militares em busca da pacificação.
A sua monografia continua em muitos pontos a manter a exigência da leitura do estudioso ou do curioso.
Pasma como não se tenha voltado a reeditar esta obra incontornável.

Um abraço do
Mário


“Guiné Portuguesa”, por Avelino Teixeira da Mota (2) 

Beja Santos

O segundo volume da monografia de Teixeira da Mota arranca com a história da ação portuguesa na região, as descobertas da costa africana para sul do Bojador. De um modo geral, estas viagens acabavam em contactos no litoral, só muito excecionalmente se subiam os rios ou se procediam viagens por terra. Ficaram relatos de viagens até ao reino de Tombuctu. Algumas dessas viagens e explorações só virão a ser repetidas por outros europeus no século XIX. E procura um enquadramento: “A história dos portugueses na África Ocidental, pelo menos na sua fase inicial, tem de ser encarada em conjunto. Por todos os meios os reis portugueses procuraram assegurar-se do monopólio da ocupação e comércio da região, baseando-se na prioridade de descobrimento. Os outros Estados europeus não o reconheceram, pelo que se desenrolou uma ativa rivalidade que veio a resultar, nos fins do século VXI na perda efetiva de tal monopólio”. E tece considerações sobre os três núcleos de ocupação em Cabo Verde, Guiné e São Tomé. No que toca aos Rios de Guiné do Cabo Verde, os reis arrendavam o seu trato a um ou mais particulares. Eram os habitantes do arquipélago de Cabo Verde os únicos autorizados a comerciar nesta zona. Não houve quem defendesse a primazia do interesse em ocupar a Guiné. O clima era devastador.

Recorde-se que quando os ingleses iniciaram, em finais do século XVIII o povoamento da Serra Leoa, a mortalidade foi tal que se passou a chamar a esta parte de África “cemitério dos brancos”. Uma das razões explicativas para o povoamento da Guiné foi a sua ligação com o arquipélago de Cabo Verde. O proselitismo religioso encontrou todos os obstáculos relacionados com o clima e o islamismo. No início do século XVII, os jesuítas lançaram-se na atividade missionária na região de Senegâmbia, mas o projeto não teve continuidade. A meio do mesmo século, os franciscanos lançaram-se nos Rios da Guiné de Cabo Verde, empreendimento também sem sucesso. A fixação de portugueses foi na zona das rias, eram fundamentalmente os lançados ou tangomaos, como Teixeira da Mota explica: “O nome veio-lhes de andarem lançados pelo meio dos indígenas, vivendo e cruzando-se com eles. Se por um lado contribuíram para irradiar a influência portuguesa, por o outro facilitaram a ação dos franceses e ingleses, a quem de preferência vendiam os produtos no sertão. A sua penetração para o interior não ultrapassava normalmente o limite das marés, o que mostra o carácter predominantemente comercial de tal povoamento, em ligação com as condições de navegação. Data de 1588 a primeira fortificação na região, mais propriamente no Cacheu. No Rio Grande de Buba havia também várias povoações portuguesas, algumas fortificadas. O comércio fazia-se sobretudo nos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba. Em 1675, é criada a companhia de Cacheu e em 1687 iniciou-se a construção de uma fortaleza em Bissau. O ano de 1792 marca o início de uma época em que a posição portuguesa na Guiné esteve prestes a perder-se. É naquela data que os ingleses Beaver e Dalrymple desembarcaram na ilha de Bolama, à testa de uma expedição de 570 pessoas, sofreram tantas baixas que foram forçados a regressar a Inglaterra. Em 1810, no tratado com a Inglaterra, Portugal comprometia-se a cooperar com o seu aliado na abolição gradual do comércio de escravos. Tais acordos permitiram aos ingleses, à sombra da fiscalização da navegação, a imiscuírem-se nos assuntos da Guiné- em simultâneo, os franceses punham em ação um plano para se apoderarem do território onde os portugueses estavam presentes. E o oficial da marinha faz o doloroso reparo: “A marinha brilha pela sua ausência na Guiné. No século XVIII ela permitira-nos defender os nossos direitos no Casamansa perante os franceses, e ajudara na construção do forte de Bissau. No século XIX, tirando os últimos decénios, não há navios de guerra portugueses na Guiné. Os marinheiros franceses e ingleses exercem à vontade o direito de visita aos navios mercantes portugueses, levam a cabo brilhantemente um novo e mais rigoroso levantamento hidrográfico da costa, por toda a parte impõem o prestígio da força aos indígenas, obtêm destes inúmeros contratos de venda de terrenos, protegem eficazmente as feitorias comerciais, etc.”. E paulatinamente vão fixando-se na foz do Casamansa e em Boké, no rio Nuno. Aos poucos Ziguinchor foi sendo cercada pela presença francesa. O autor elenca depois as cenas lamentáveis que se foram vivendo na primeira metade do século XIX: revoltas de guarnições; lutas políticas entre fações opostas, transportando-se para o Ultramar as divisões vividas na metrópole, e assim escreve: “Assiste-se ao cúmulo de uma das partes solicitar o apoio de franceses e ingleses contra a outra, e são navios de guerra estrangeiros que por vezes asseguram a defesa dos habitantes de Bissau contra os Papéis”. Descreve igualmente a ação de Honório Pereira Barreto para dignificar a administração e defender a integridade do território.

Findo o regime da escravatura procurou-se nova situação económica na mancarra, a partir de meados do século XIX aparecem os “ponteiros”, agricultores e comerciantes que vão estimular os autóctones para a cultura da oleaginosa; foi em Bolama e nas margens do Rio Grande de Buba que se iniciou o ciclo da mancarra, estabelecendo-se aí numerosas feitorias. Porém, as relações mercantis com o exterior eram feitas praticamente só para o estrangeiro, e por casas francesas, alemãs e francesas que montavam na Guiné as suas filiais. E o autor lamenta: “A Guiné, celebrizada na Europa pelo seu mau clima, foi considerada uma simples colónia-feitoria pelos homens públicos do século passado, que entendiam que a ação portuguesa se devia limitar à conservação das posições nas rias. Não se vislumbra assim o mais pequeno interesse pelo interior. É significativo que não tenha havido um único explorador português nesta parte de África durante o século XIX, e que a Guiné tenha servido de ponto de partida ou de chegada a exploradores franceses”. Em 1878 dá-se a autonomia administrativa da Guiné, ficou desligada de Cabo Verde. Depois do desastre militar de Bolor, em 1878, tornava-se imperativo ocupa o território, reorganizar os serviços públicos e criar postos militares. Inicia-se um período de guerras, que não abrandou com a convenção luso-francesa de 1886, que definiu os limites da Guiné Portuguesa. E assim conclui a sua digressão pela história da ação portuguesa: “Na Guiné é raro o ano em que não há operações militares, que por vezes se têm de repetir várias vezes contra as mesmas populações. É o caso dos Papéis (1891 e 1894) que mantêm em Bissau em permanente estado de cerco. No interior é Mussá Molô, que foi mais fácil de bater (1892); no Gabu os Fulas submeteram-se sem operações. Em 1897, inicia-se a primeira campanha do Oio. Em 1904, há uma nova campanha do Churo. Em 1907 e 1908, o governador Muzanty leva a cabo uma brilhante ação na área do Geba.

Em 1913, o governador Carlos Pereira manda demolir a muralha que protegia a povoação de Bissau, mas os Papéis serão os últimos indígenas a submeter-se. Cabe a Teixeira Pinto a glória de o fazer, em 1915, depois de duas campanhas brilhantes no Oio. A pacificação completava-se finalmente, embora depois ainda houvesse operações contra Abdul Indjai e os Bijagós de Canhabaque.

À fase de ocupação militar, que tão duros e longos sacrifícios custou, seguiu-se a fase da ocupação administrativa. Os resultados que estes conseguiram em curto espaço de tempo, são o fruto de uma das mais notáveis obras levadas a cabo no Ultramar, durante este século, pelo quadro administrativo”.

A monografia depois espraia-se por tópicos como o desenvolvimento urbano, a saúde e a educação. Adiante, expõe os fundamentos económicos da valorização portuguesa com bastante pormenor. É neste ponto que se deve articular a leitura de Teixeira da Mota com a investigação de René Pélissier, de cujo trabalho já aqui se deixou recensão.
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Notas de CV:

Vd. primeira parte no poste de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

Vd. ultimo poste da série de 17 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

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