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Caríssimos Camaradas,
Os meus melhores cumprimentos.
Para além das acções de risco elevado que experienciámos durante a nossa campanha no TO do CTIG, e que amiúde vos tenho recordado, outras houve que, igualmente, convém dar nota pública para memória futura.
Está neste caso a narrativa que hoje vos trago ao conhecimento, certamente desconhecida da grande maioria das subunidades do BART 3873, e, em particular, dos assíduos visitantes da nossa Tabanca Grande.
Trata-se da atribuição de um nome toponímico a uma Tabanca do subsector de Bambadinca, que não tendo carácter de geminação de relações protocolares, teve por base o reconhecimento da população que connosco partilhou o mesmo espaço durante os anos da nossa presença na região leste da Guiné.
SANTA CRUZ DA TRAPA
(Bambadinca – São Pedro do Sul)
- Um nome; duas comunidades separadas por + de 4.000 kms -
I – INTRODUÇÃO
Mobilizado pela 1.ª Repartição do Estado Maior do Exércitoem 04NOV1971 – faz hoje quarenta e três anos–para substituir o BART 2917 no Sector L1, com sede em Bambadinca[nota circular n.º 4496/PM-Proc.º 18/3873], a chegadada Companhia de Comando e Serviços [CCS] do BART 3873 a esta localidade da Zona Lestesó se verificou em 28JAN1972, 6.ª feira, sob o comando do Ten.Cor.Art. António Tiago Martins (1919-1992), tendo como 2.º Comandante o Maj.Art. João Manuel Pereira do Carmo Sousa Teles e Chefe da SECOPINFO o Maj.Art. Henrique Artur Branco Jales Moreira.
Durante quarenta e cinco dias [até 14MAR1972] decorreu a fase de transição, também designada de sobreposição, processo considerado de grande importância no contexto do conflito político-militar ultramarino. A institucionalização deste princípio normativo tinha por objectivodesenvolver algumas competências operacionais, para além da natural aquisiçãode conhecimento o mais amplo possível da malha e características do seu território,por via da transmissão de experiências, factos e feitos registados anteriormente, de modo a facilitar a integração do contingente recém-chegado, preparando-o para o cumprimento das suas missões e/ou tarefas prospectivas.
O pensamento filosófico do seu líder, e concomitantemente transmitido a todo o contingente do BART 3873, projectou-se, desde logo, na intencionalidade da escolha do lema da sua missãono TO do CTIG, gravada nos ícones da Unidade e Subunidades: «NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ». A operacionalização global deste desiderato [Cap. II; HU]passaria pela neutralização da subversão, através duma manobra simultaneamente psicológica, social e militar.
Na manobra militar [3.ª dimensão], as responsabilidades estavam distribuídas pelas subunidades colocadas nos subsectores do Xitole [CART 3492], de Mansambo [CART 3493] e do Xime [CART 3494], reforçadas com Pel Caç Nat’s, Pel Mil e Pel Art, enquanto o subsector de Bambadinca disponha de uma Companhia de Intervenção do CAOP 2 [CCAÇ 12], Pel Rec Daimler e Pel Morteiro.
Quanto à áreapsicológica e à promoção social [1.ª e 2.ª dimensão], o método a utilizar traduzir-se-ia, objectivamente, na necessidade de ganhar confiança e intimidade com a população local, através de palavras e actos relevantes. Para este efeito, foram espalhados panfletos de propaganda nos trilhos de passagem utilizados pelo IN, no cumprimento da directiva para uma «Guiné Melhor». Foram cedidas viaturas e barcos para o transporte de pessoas e bens, assim como foi feita protecção nocturna adiferentes tabancas pelas NT. A assistência médica e medicamentosa e os contactos permanentes com as tabancas passaram a ser uma prática regular. Melhorou-se a pista de aviação de Bambadinca de molde a receber aviões T-6 [1.º fascículo; HU].
Durante o primeiro ano da missão [1972/1973] foram construídas nove escolas na área de jurisdição do Batalhão, a saber: Ganhoma, Samba Juli, Sincha Mamajã, Sansancuta, Mero, Tangali, Sincha Madiu, Afia e Demba Tacobá, desconhecendo-se se destas alguma era Posto Escolar Militar. A edificação da Escola de Mero e de Sansancuta contaram com o apoio dos Pel Mil 358 e 203, respectivamente.
Corolário das múltiplas acções desenvolvidas pelas NT no apoio às populações, e referidas anteriormente, o mês de Abril de 1973 ficou marcado por um acto público de grande significado colectivo, ao ser proposta, e depois aprovada, uma nova designação toponímica para uma recém-reconstruída/ocupada Tabanca, localizada no subsector de Bambadinca – Santa Cruz da Trapa.
II – SANTA CRUZ DA TRAPA –– ABRIL DE 1973
- NOVO TOPÓNIMO DO SUBSECTOR DE BAMBADINCA
A presente narrativa surge na sequência de uma nova incursão ao baú de memórias das minhas vivências como ex-combatente no CTIGuiné [1972-1974], em que quatro fotos tiradas no mesmo contexto me permitiu recordar outros papéis aí desempenhados. Estou-me a referir ao que foi relatado na introdução e que, muito provavelmente, a grande maioria dos operacionais do BART 3873 [subunidades] ainda hoje desconhece.
A decisão de a divulgar, recuando mais de quatro décadas, foi uma vez mais influenciada pela publicação faseada dos diferentes fascículos que a nossa «Tabanca Grande» tem vindo a fazer, documento facultado pelo nosso camarada António Duarte [ex-Fur. Mil. da CART 3493/CCAÇ 12].
Relembro, então, o que constano documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 12.º fascículo; Abril de 1973, ponto 84. «POPULAÇÃO»:
- “O Pel. Mil. 370 de SANSANCURA pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada SINCHA BAMBÉ. A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta para a vida da GUINÉ. Estiveram presentes o CMDT do BART 3873, COR ART ANTÓNIO TIAGO MARTINS, cujo topónimo da terra natal – STA CRUZ DA TRAPA foi atribuído à renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de BADORA, MAMADU BONCO, os chefes das tabancas vizinhas e população. Uma lápide ali colocada ficou assinalando o acontecimento” (p.52).
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Quando se casava a oportunidade com a boleia, deslocava-me à sede do BART para tratar de assuntos logísticos e, algumas vezes, recolher o correio. Aproveitando esse facto, era natural e normal uma deslocação à Messe de Sargentos, interagindo com os camaradas aí presentes, repondo os líquidos necessários, comendo umas tapas e comentando o dia-a-dia da nossa “problemática”.
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Porque estava programada uma deslocação a essa Tabanca para o dia seguinte, 23SET1973 - Domingo, foi-me pedida uma ajuda para reforçar a equipa nomeada para a sessão de contacto com a população, que aceitei.
Foram-me buscar à “Ponte” pela manhã, tendo-me sido sugerido que trajasse com roupa civil, que respeitei.
Eis as quatro imagens de Santa Cruz da Trapa [subsector de Bambadinca] que guardo no meu baú de memórias.
Foto 2 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Viatura utilizada na deslocação.
Foto 3 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Foto para mais tarde recordar. Os furriéis: Jorge Araújo [CART 3494], Américo Costa [35ª CCmds] e Manuel Carvalhido [CCS - Armamento].
Foto 4 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Momento de descontracção [e alguma parvoíce] com a cumplicidade de um burro de SCT. Os furriéis: Jorge Araújo [CART 3494], Edgar Soares [CCS - Op.Esp.] e Horácio Carrasqueira [CCS].
Foto 5 – Santa Cruz da Trapa; subsector de Bambadinca [23Set1973]. Idem. O J. Araújo [CART 3494] e o Marques [CCS].
III – SANTA CRUZ DA TRAPA
- FREGUESIA DE SÃO PEDRO DO SUL [VISEU]
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Relativamente ao Coronel António Tiago Martins, CMDT do BART 3873, soube que faleceu em 10OUT1992, com setenta e três anos. Por outro lado, a sua esposa, Idalina Carvalho Pereira Jorge Martins, faleceu em 12ABR2011, com oitenta e oito anos.
- Eis um pouco da história de Santa Cruz da Trapa
Quando D. Afonso Henriques, por volta de 1132,concedeu Carta de Couto ao recém-refundado Mosteiro de Santa Cristina de Lafões, a então chamada Villa de Sancta Cruce já existia. Chamava-se "parrochia Sancti Mamedis" de Baroso. Sabe-se que a íntima ligação dos condes de Borgonha com S. Bernardo e o apoio que este reformador de Cister obteve nas terras que viriam a ser Portugal deu lugar ao nascimento do convento cisterciense de Lafões, chamado de S. Cristóvão.Uma das terras incluídas no seu património tomara entretanto o nome de Trapa, certamente por influência dos eremitas, que aí tiveram uma pequena ermida e um cenóbio reconstruído e ampliado, ao que consta, por Cristóvão João, também cavaleiro-fidalgo. Terá portanto existido num certo espaço, um convento na Trapa, que Cristóvão João (ou Anes) encaminhou para os cónegos Regrantes de Santo Agostinho (Crúzios).
A partir da primeira metade do século Xll tanto a Vila da Trapa, com o seu couto conventual, como Paçõ (de Palatiolo, residência de um antigo proprietário rural) passaram a integrar o Couto de Cima, para sustento de S. Cristóvão de Lafões. No entanto o antigo Couto da Trapa não perdeu importância, antes passou com o tempo a ser uma espécie de sede administrativa do grande Couto de Cima.
Esta que é talvez uma das mais belas aldeias da Beira e seguramente uma das que mais terá para contar, atravessou séculos de tempo, desempenhando-se da função de sede dum concelho medieval, autónomo, criado a partir da sua situação de terra coutada, portanto em muitos aspectos, isenta da intervenção das autoridades centrais e regionais.
Para memória, deixou-nos os vestígios do edifício da Câmara, hoje já alterado, restos do pelourinho que alguém em má inspiração meteu a cabouco dum muro, restos da antiga cadeia (ali junto a uma quinta com o nome de Leira da Cadeia), e documentação (de 1823) em que se apresenta como sede dos recenseamentos da Capitania-Mor das Ordenanças.
Uma freguesia milenária esta, com uma bonita igreja do século XVIII, construída por iniciativa do ilustre pároco Dr. José de Almeida Navais, por então já com o composto nome de igreja de S. Mamede de Santa Cruz da Trapa. Nome composto, como que a pretender resumir o também complexo percurso histórico.
Santa Cruz da Trapa, até pela riqueza histórica, humana e paisagística envolvente neste lindíssimo Vale de Lafões, é todo um convite ao turismo inteligente e cultural [fotos abaixo].
Fonte: sctrapa.jfreguesia.com/historia
Eis mais um pequeno contributo para a história do BART 3873/CART 3494.
Um abraço,
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________
Nota de M.R.:
Vd. Também o último poste desta série em:
2 DE NOVEMBRO DE 2014 > Guiné 63/734 - P13839: História da CART 3494 (1): A ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494. A OPERAÇÃO «GUARIDA 18» -XIME-03FEV1973 (Jorge Araújo)
1 comentário:
Obrigado, Jorge, mais um valioso contributo para a nossa "petite histoire"...
Claro que hoje Santa Cruz da Trapa só existe a de Portugal... O topónimo Sinchã Bambé era mais fácil de dizer e entender para um fula... Mas o desejo do régulo Mamadu Bonco era uma ordem e cumpriu-se e o comandante do BART 3873 naturalmente que se sentiu lisonjeado...
Quem não terá gostado foram os novos senhores de Bissau, epois da nossa retirada. Fuzilaram o régulo e mandaram sunstituir a tabuleta...
Acontece isso em todo o lado, só não aconteceu na América porque os índios foram derrotados e massacrados... E New York continou a ser New York...
Só encontro uma Sinchã Bambé na região de Gabu. Será que a população abandonou a Santa Cruz da Trapa ? Tens igual informação atual ?
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