1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen Pilav
Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 9 de Outubro de 2014:
Caros amigos
Ainda há poucos dias nos despedimos do “Blé”(1) e já outro amigo nos deixou, o Carrondo Leitão, piloto de helicópteros na Guiné entre 71 e 73.
Das muitas outras“ estórias” em que foi o protagonista destaco a seguinte:
Guiné, dia 4 Outubro 73, uma parelha de Fiat-G-91 sai às 6 da manhã para dar apoio algures, o meu avião é o 5409, ao entrar na aeronave o mecânico diz-me que o painel das metralhadoras não inspira confiança, está rachado.
Sendo as metralhadoras completamente inúteis, já que qualquer árvore ou monte de baga-baga é protecção mais que eficaz contra as balas 12.7, ainda por cima o painel com rachas, …, chegando ao local do pedido de apoio de fogo apenas largo as bombas.
Às 6:50 estou de regresso a Bissau, a partir desse momento fico em funções de “alerta”.
Pelas 9 horas sai uma nova parelha de aviões numa missão planeada, vai fazer um ataque na zona do Tancroal, um pouco a norte do Olossato, os pilotos são o Coronel Comandante da Zona Aérea e o Capitão Roxo da Cruz.
Às 9:30 soa a sirene de “Alerta aos Fiats”, não espero pelo outro piloto de alerta, rapidamente entro num dos G-91 que se encontra na placa e descolo, no rádio dizem-me para me dirigir ao Tancroal, um piloto de Fiat-G91 ter-se-à ejectado.
Chegado à área vejo um dos G-91 da parelha a circular e, no chão, os destroços de uma aeronave, o Cap. Cruz tinha-se ejectado.
Por falta de combustível o avião da parelha acidentada acaba por abandonar o local, fico sozinho a circular na zona, esperando ver algum “flare” que indique a posição do piloto e algum helicóptero que o possa recuperar.
Ao fim de alguns minutos ouço no rádio que dois ALIII estão em aproximação, um de transporte pilotado por um “periquito” e um heli-canhão com o Carrondo Leitão aos comandos.
Vou-lhes dando as indicações necessárias para se dirigirem ao local, ao chegarem dizem-me que avistam os destroços, logo depois o paraquedas do piloto, passados alguns momentos e lá no meio do arvoredo, avistam o Cap. Cruz.
A partir desse momento o Carrondo Leitão toma conta das operações, fica a circular com o heli-canhão enquanto o “periquito” vai descer e recuperar o piloto, só que…. o local é um buraco entre árvores, de muito difícil acesso.
Decisão rápida, trocam-se as posições, o heli de transporte finge ser o canhão e fica a circular, enquanto o outro passa a fazer de transporte e desce ao buraco.
A descida até foi bem, o atirador lá foi buscar o Cap. Cruz, vinha combalido mas inteiro.
O problema foi a saída, ao aplicarem motor para tentar sair do buraco, com a deslocação de ar provocada pelo rotor, as copas das árvores fechavam-se, tornando o espaço de pequeno a diminuto.
E foi assim que o “periquito”, a circular por cima da clareira acabou por ter um papel decisivo, ao dar indicações ao Carrondo Leitão:
- “Dois metros para a esquerda! Alto! Um metro para trás, agora para a direita!! Pára, mais um metro para a esquerda, ……!!!.”
Esta conversação terá durado não mais que um minuto mas, para mim, foi como se levasse horas, finalmente lá saíram do buraco e puderam rumar a Bissau.
Para terminar a “estória”…
O avião do Cap. Cruz era o mesmo 5409 do painel rachado, quando resolveu imitar o número 1 da formação e utilizar as metralhadoras, logo o painel saltou, tornando o avião incontrolável.
Mais tarde alguém no topo da hierarquia tentou fazer crer que teria havido uma sabotagem, chegando mesmo ao desplante de acusar os mecânicos, nada mais estúpido e que nos deixou a todos deveras envergonhados, se havia gente leal, cumpridora e acima de qualquer suspeita eram aqueles homens que nos preparavam as aeronaves.
Uma verificação posterior concluiu haver outras aeronaves nas mesmas más condições, painéis rachados e canos das armas em péssimo estado!
Não foi nenhuma novidade, estávamos fartos de ver e saber que havia quem, em vez de efectuar rajadas de 4 segundos como vinha no manual, gastasse todas as 800 munições num só passe de metralhadoras…..
Por isso os painéis rachavam!!!
António Martins de Matos
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Nota do editor
(1) Vd. poste de 4 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13845: In Memoriam (201): Coronel Piloto Aviador Manuel Bessa Rodrigues Azevedo (1938-2014): "Blé, eu sei que, lá por onde andas, estás em boa companhia, com os amigos pilotaços Brito, Moura Pinto, Mantovani, Gil e as enfermeiras Manuela e Piedade" (António NMartins de Matos, ten gen pilav). …
Último poste da série de 8 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13863: In Memoriam (203): José Fernando de Andrade Rodrigues, ex-alf mil at, e cmdt interino (de 1/1/71 a 1/3/71), da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72)... Morava em Rio de Mouro, Sintra... Será amanhã celebrada missa em sua homenagem, na sua terra natal, Ribeira das Taínhas, Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, RA Açores (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Olá Camarada
Coisas chatas que sucederam e que a FAP tapa (o Sol com a peneira) ou tentou tapar.
Compreendes agora o meu desespero por não poder ter acesso a um acidente ocorrido com uma relíquia da FAP.
E outras coisas chatas ocorrerem.
Já ouviste falar daquele estampanço colectivo (7 aviões) contra a serra de Montejunto?
Um Ab.
António J. P. Costa
Este poste é extremamente oportuno. O Cor.Pil.Av. na Reforma, António Manuel Carrondo Leitão, foi ontem, dia 0911.14, a enterrar no cemitério de Torres Novas. Teve honras militares prestadas por uma secção da BA5 comandada por um Alferes. Foi um homem bom em toda a sua vida. Estivemos na mesma altura na Guiné mas não nos conhecíamos e não nos cruzámos como me cruzei e convivi muitas vezes com o Fur.Pil.Av. Galinha que também era, e é, aqui de Torres Novas. Este relato impressionou-me e acabou por mostrar muitos dos "milagres" que os homens da FAP fizeram por todos os combatentes. O que é que posso dizer mais? Obrigado Leitão. Paz á tua alma.
Caros amigos
Como de costume, o nosso amigo AMMatos dá-nos a má notícia e aproveita para 'ilustrar' a vida do camarada agora desaparecido com um relato surpreendente.
Também como de costume direi que é lamentável a 'partida' dos nossos contemporâneos, embora, também como costumo dizer, essas notícias serão cada vez mais habituais.
E ainda, também como de costume, que a forma como o AMMatos nos dá a notícia, prestando ao mesmo tempo a homenagem devida, apoiada nas boas recordações, é exemplar.
Como 'informação colateral' ficámos a conhecer mais alguns aspectos da capacidade de actuação dos nossos 'homens da FA', certamente de 'desenrascansos' próprios de 'tugas' e de como, aliás como habitualmente', os 'superiores' procuram 'mascarar' suas próprias responsabilidades.
Enfim, à família enlutada, a própria e a dos seus camaradas, os meus pêsames.
Hélder S.
Mais um Camarada que parte a engrossar as nossas forças lá de cima.
Que descanse em paz.
Condolências aos familiares e amigos.
Adriano Moreira
António, é uma magistral história para a despedida de um camarada que nos deixa de vez. E uma singela homenagem... Oxalá todos os combatentes, quando travarem o último combate contra a morte, pudessem contar com o talento, a naturalidade e o bom humor de um camarada como tu, que em meia dúzia de parágrafos consegue uma história de heróismo como esta...
Se isto não é heroísmo, então não sei o que é o heroísmo... Estamos em outubro de 1973, o ano do Strela, e há pilotos da nossa Força Aérea que são capazes de fazer coisas como estas, aparentemente tudo tão simples, tão rápido, tão eficiente...
Bolas, isto devia ser contado, na Academia, aos putos que hoje sonham ser os heróis da FAP de amanhã, a pilotar sofisticados aviões a jato, supersónicos, que valem milhões...
Caramba, até nisto somos "portugas", no pior sentido da palavra, somos incapazes de enaltecer o melhor de que somos capazes, e os melhores de todos nós... Sem comnplexos de inferioridade, sem falso pudor....
António, para além da homenagem a mais um camarada e amigo que nos deixa precocemente, é também uma história de camaradagem, coragem e solidaridade de homens na guerra... S
Se o Carrondo Leitão não tem morrido, provavelmente não te lembrarias mais deste episódio... É mais um razão para, seguindo a minha sugestão já de há tempos, juntares estas "peças" e fazeres um livrinho com as tuas memórias de "tenente pilav"... Acredito que esse tempo foi bem mais empolgante do que o tempo mais recente em que foste tenente general no ativo, no topo da hierarquia militar...
Calro que não precisaa de fazer isso por ti, para lisongear o teu ego, pelo contrário faz issso pelos camaradas que o jagudi da morte já levou nas suas garras, o Brito,o Blé, o Leitão e tantos outros...
Os nossos votos de pesar para a família mais próxima do Carrondo, para os seus muitos amigos e camaradas. Luís Graça
Sentidas condolências à família.
O coronel Carrondo Leitão apesar de viver em Torres Novas era quase meu conterrâneo (natural de Águas-Penamacor)
Transportou inúmeras vezes o "grande chefe" e dizem que era um dos seus preferidos..tinha ousadia e maluquice q.b..como qualquer bom pilav.
C.Martins
Para situar o Pereira da Costa
O acidente foi na serra do Carvalho em Vila Nova de Poiares e a Fap perdeu 8 aviões, com um igual número de perdas de vidas. Foi em 1955. Eu tinha 5 anos, mas recordo de o meu pai falar de vez em quando neste tema.
Abraços
António Duarte
Cart 3493 e Ccaç 12
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