quarta-feira, 24 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22031: Historiografia da presença portuguesa em África (257): A "Expansão portuguesa na Guiné", por Maria Archer; em "O Mundo Português", revista de atualidades do Império, edição da Agência Geral das Colónias, abril de 1946 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
Neste número da revista Mundo Português, de abril de 1946, tendo Serpa Pinto na capa, a escritora Maria Archer, que viveu com a sua família alguns anos na Guiné, procede a um escorço da nossa presença entre os séculos XVI e XIX, procura ser rigorosa à luz dos conhecimentos da época. Nada de surpreendente encontrará aqui o leitor. No noticiário da revista ficamos a saber que o governador da Guiné determinou que se passasse a escrever conforme a ortografia e a fonética portuguesas os nomes indígenas de pessoas, coisas, acidentes geográficos e outros. Nos casos em que o nome do indivíduo não se acompanhe de apelido, dever-se-á suprir a falta com qualquer apelido português, à vontade do interessado.
Quando dois nomes designem o mesmo acidente geográfico, o nome português prevalecerá ao indígena, e, assim, a ilha de Canhabaque passou a nomear-se, simplesmente, ilha Roxa. Sambelchior passará a escrever-se Sam Belchior.

Um abraço do
Mário


A expansão portuguesa na Guiné, por Maria Archer

Mário Beja Santos

A escritora Maria Archer viveu alguns anos na Guiné Portuguesa, ao longo da sua carreira dedicar-lhe-á páginas calorosas, com elevado sentido memorial. Em "O Mundo Português", revista de atualidades do Império, edição da Agência Geral das Colónias, abril de 1946, porventura em associação com as Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, a escritora publicou um artigo intitulado “Expansão Portuguesa na Guiné”, epítome dos dados históricos conhecidos, alguns deles vieram posteriormente a ser retificados.

Abre com a referência à presença de comerciantes cabo-verdianos na Guiné, estabelecidos em Cacheu, referindo que em 1640 foi dada à povoação a categoria de Capitania, sujeita ao Governo de Cabo Verde. A situação na época é praticamente de ruína, a União Peninsular facilitara ataques de franceses, ingleses, holandeses, e os dois primeiros foram-se posicionando a Norte dos Rios da Guiné os franceses e os ingleses a Sul. “O trecho de costa que nos pertence, actualmente, é aproximadamente aquele que conseguimos manter, livre da presença de dominadores estrangeiros, até 1640”. Não foi bem assim, mas aceita-se. Refere a autora que no século XVII o tráfico negreiro era a grande fonte de comércio, exercido por gentes de várias proveniências, desde cabo-verdianos a holandeses. A autora releva a importância da ilha de Bissau, a construção de diferentes fortalezas e o início de guerras com os régulos da ilha de Bissau. “No final do século XVIII ainda não tínhamos ocupação efectiva na Guiné mas já possuíamos povoações fortificadas e várias praças-fortes, obras feitas com consentimento dos régulos. Havia a Praça de S. José de Bissau, a povoação de Geba, a Praça de Cacheu, a Praça de Ziguinchor, a povoação de Farim. Além das praças e povoações havia outros centros de povoamento de portugueses e cabo-verdianos”. Dito de outro modo, aventureiros de várias nacionalidades instalavam-se e comerciavam quando queriam, aproveitando a espúria presença portuguesa na Guiné. A Inglaterra tentou expandir-se neste território, anexou a ilha de Bolama à colónia da Serra Leoa, questão que será dirimida pelo presidente norte-americano Ulysses Grant.

Todas as dificuldades sentidas em Portugal, desde a presença napoleónica, ao constitucionalismo monárquico viverá toda a agitação da Guerra Civil e as profundas tensões que irão desembocar no fontismo, refletir-se-ão na presença portuguesa na Guiné. “Depois de 1834, pode-se dizer que a colónia viveu num permanente estado de revolta. Apesar disso, continuava mal guarnecida de efectivos militares, mal armada e municiada. De quando em quando as tropas portuguesas revoltavam-se, ou por falta de pagamento ou por reacção contra certos aspectos da política local, chegando a prender os seus capitães e governadores”. Maria Archer refere a política de Honório Pereira Barreto e termina o seu artigo com referência a um relatório oficial de 1841:
“Bissau tem 70 soldados, 22 peças, um quartel para 300 soldados e uma capela. Na povoação há só 5 casas telhadas. Todas as outras têm cobertura de colmo. A população está indisciplinada e só as principais pessoas obedecem ao governo. O gentio insulta os habitantes portugueses e exige-lhes tributos. Os pagamentos do governo são feitos em géneros, o que descontenta toda a gente. Geba, a 60 léguas de Bissau, tem um comandante nominal. É região rica e farta. O posto militar de Fá tem uma peça, um sargento, três soldados. Bolama só tem a feitoria de Caetano Nozolini e as povoações indígenas. Cacheu tem um quartel coberto de palha. A guarnição é de 40 soldados, há duas peças”. E Maria Archer termina apologeticamente dizendo que os portugueses do século XX receberam a Guiné empobrecida, desorganizada e rebelde.
Casuarinas na Praia de Varela
Cacine - Manipanso Nalu
Ilustração alusiva à Guiné publicada em O Mundo Português, abril de 1946
Maria Archer
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22013: Historiografia da presença portuguesa em África (256): Libelo de António de Saldanha da Gama contra a abolição da escravatura em "Memória sobre as colónias de Portugal situadas na Costa Ocidental de África"; 1814 (2) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Esta autora não tem motivos para faltar à verdade, ao descrever a Guiné do "seu" tempo.
O artigo que escreveu foi submetido à "comissão de censura" e passou, o que quer dizer que não feria a "ordem vigente"; ou porque não faltava à verdade ou porque nada tinha de subversivo.
É, portanto totalmente credível.
É provável que a descrição que faz do tempos idos não seja muito rigorosa. No fundo falava do que lhe diziam ou do que ainda ouvia falar. Mas, em geral, confirma o que alguns esqueceram e outros não quiseram lembrar.

Tem esta autora tem um livro "Memórias da Linha de Cascais" escrito a meias com Branca de Gonta Colaço, filha do pintor Jorge Colaço.

Um Ab.
António J. P. Costa