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sábado, 25 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27351: Humor de caserna (216): BA 12, Bissalanca: os tomates... da horta do capelão: uma história pícara que mete a nossa querida enfermeira pqdt Giselda e o seu "olheiro" na BA 12, o ex-ten pilav Miguel Pessoa... Um pequena homenagem póstuma ao major capelão Abel Gonçalves (1931-2019), que foi chefe do serviço de assistência religiosa da FAP.




Padre Abel Gonçalves (Cinfáes, 1931 - Porto, 2019),
major capelão reformado. Fez duas comissóes na Guiné (1967/69). 
Foi capelão na BA 12, Bissalanca (1970/74).



O capelão Abel Gonçalves, ma Guiné, vestido com um traje tradicional
Fonte: cortesia de Bártolo Paiva Pereira - "O capelãomilitar na guerra colonial"
(Edição de autor, Vila do Conde, 2025), pág. 54.


Guiné> Bissalanca > BA 12 > s/d (c. 1972/74) > Uma enfermeira paraquedista, colhendo limões diretamente do limoeiro. Foto gentilmente cedida por Miguel Pessoa.. [Ele próprio acabou, em comentário ao poste P4065 (*) por identificar a enfermeira, que de resto é uma das protagonistas da história que se conta a seguir: a Giselda, Antunes, de solteira, Pessoa, de casada]

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 


1. Mensagem,  a seguir, do Miguel Pessoa (ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje cor pilav ref, casado com a Giselda (nenhum deles precisa de apresentações, porque são justamente o casal mais mediático da guerra da Guiné e, mais do que isso, o casal mais "strelado" do mundo: se vivessem nos EUA e tivessem feito a guerra do Vietname, já estariam há  muito no Guiness):


Data - 21 mar 2009

Luís:

(...) envio-te este texto ligeirinho, um pouco "revisteiro",  que, na minha ótica ica, embora não sendo escrito por nenhuma delas, me foi contado por uma das intervenientes, pelo que penso que talvez possas incluí-lo na série "As Nossas Queridas Enfermeiras Paraquedistas". 

(...) Embora eu goste de escolher os títulos dos meus textos, deixo ao teu critério a escolha do título para este trabalho, por recear que possa ser mal aceite aquele que eu escolhi.(,,,) (*)


Humor de caserna >  BA 12, Bissalanca: Os tomates... da horta do capelão

por Miguel Pessoa


No meu tempo na Guiné, os tomates do capelão da BA12 eram muito cobiçados, muito por culpa das nossas enfermeiras paraquedistas que, sempre que podiam, faziam uma colheita na horta que o padre A... mantinha junto à igreja da Base.

Era generalizada a opinião, entre quem deles se servia, de que os tomates do nosso capelão, embora pequenos, eram sumarentos e saborosos e enriqueciam qualquer salada. E sabe-se o gosto que o pessoal tinha por tudo o que lhe lembrasse a metrópole. E era vê-los a "deitar abaixo" uma saladinha feita com tomates fresquinhos, acabadinhos de apanhar...

É claro que o padre A... calculava perfeitamente quem eram os malandros (neste caso as malandras...) que lhe andavam a "derreter" a fruta, mas pactuava simpaticamente com a situação, dado ser por uma boa causa.

Mas não se ficava pelos tomates a razia que as enfermeiras paraquedistas faziam na fruta da base. Para além da fruta que iam comprando ao responsável pela horta da Base, lá iam marchando de vez em quando uns limões, uma papaia, que o pessoal a alimentar era muito e de bom apetite.

Nem o cajueiro do Comandante escapava (do Comandante é um modo de dizer, que estava junto ao comando da Base), sendo que, um dia, havendo uma escada à mão, duas enfermeiras (de que não vou referir os nomes...) resolveram atacar o dito cujo. 

Estavam elas neste preparo, penduradas nos ramos altos, quando passa o Comandante da Base, com o seu séquito.

O facto é que o Comandante não reconheceu "as intrusas", pois se viam apenas as calças do camuflado, pelo que invectivou energicamente as duas "delinquentes", julgando que eram soldados da Polícia Aérea; e as duas no topo da árvore também não reconheceram a voz do Comandante, pelo que reagiram verbalmente em termos que não vou reproduzir aqui...

Tendo as partes procedido à identificação mútua, o incidente acabou por ficar sanado, pese embora o Comandante tenha prosseguido a sua viagem resmungando contra a lata daquele pessoal, sublinhado por um sorriso complacente dos militares que o acompanhavam.

Miguel Pessoa


2. Comentário do editor LG:

Miguel:  esta tua historieta pícara já "tem barbas", foi publicada por nós há 16 anos (!) (*)...

Como eu  te disse na altura ao telefone,  nada como o humor de caserna, coisa que é muito própria, específica, única, como a própria expressão indica, da malta da tropa...(**)

O humor (talvez mais do que a sorte) é que protege os audazes... Que me perdoem os nossos camaradas dos comandos, se lhes estou a glosar a divisa Audaces fortuna juvat [A sorte protege os audazes]...

O humor (temperado q.b.) era, na Guiné, na BA 12 ou em Bambadinca, o nosso talismã, a nossa mezinha, o nosso amuleto mágico, o nosso cinto de segurança, o nosso cordão detonante, a nossa "droga"... contra as balas de amigos e inimigos, contra a costureirinha, contra a Kalash, contra o RPG, contra o Strela (ainda não o havia no meu tempo, sou mais velhinho do que tu...), contra o tédio, contra o desânimo, contra o medo, contra a desesperança dos dias, contra as abelhas, contra os mosquitos, contra o cozinheiro, contra o vagomestre, contra o sargento, contra o RDM, contra o capitão, contra o comandante, contra o Com-Chefe, contra Deus e o Diabo...

O género, que tu cultivas tão bem, neste e noutros teus textos bem humoarados, não é fácil, é preciso muito talento para não se cair na grosseria, na boçalidade, na alarvice, registos com que muitas vezes, mas injustamente, se confunde o humor de caserna...

Em suma, não é para todos, o humor de casetna enquanto género literário, é para ti, é para o Alberto Branquinho, é para o José Ferreira da Silva, era para o "alfero Cabral", e poucos mais...

De facto, grande cultivador deste género era  o nosso saudoso Jorge Cabral(1943-2021) a quem nunca, por nunca, ouvi dizer um palavrão, tanto lá como cá.  

Tudo isto para te dizer que os tomates da horta do capelão, surripiados pelas nossas queridas enfermeiras paraquedistas, continuam a ser  uma história de cinco estrelas, que merece ser republicada (os "periquitos" nunca a leram...) e  figurar numa próxima antologia do nosso humor de caserna...

 Obrigado, a ti e à tua transmontana.

Um pretexto também para a sua reedição é o facto de eu ter  identificado o teu/vosso capelão: na época era o Abel Gonçalves. 

De facto, esteve 4 anos na BA 12 (de agosto de 1970 a agosto de 1974). Fez duas comissões no CTIG como capelão (a primeira no exército, em 1967/69). Publicou o  livro "Catarase" (edição de autor, 2007). Tem meia dúzia de referèncias no nosso blogue.  

Diz dele o nosso crítico literário, Beja Santos:     

"O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama.

Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe: "Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.

Não ficou sem resposta: “É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”. (...)



Infelizmente o Pe. Abel Gonçalbes já morreu, em 1 de abril de 2019, aos 87 anos. Era natural de Pias, conselho de Cinfães, distrito de Viseu. nasceu no dia 1 de novembro de 1931 e foi ordenado Padre no dia 15 de agosto de 1958.

Foi capelão do Exército, acabando por ser ransferido para a Força Aérea Portuguesa em 24 de novembro de 1969. Era major, esteve na Chefia do Serviço de Assistência Religiosa da FAP. passou à reforma em 14 de agosto de 1981 )Fonte: Ordinariato Castrense).

Miguel e Giselda, não sei se o padre Abel Gonçalves chegou a ler esta história. Ele devia conhecer o nosso blogue, através do Beja Santos. De qualquer, a sua republicação é também uma homenagem a ele e  a todos os nossos capelães que passaram pelo CTIG: 113 no total, 102 no exército, 7 na FAP e 4 na Marinha.

Que Deus, Alá e os bons irãs o tenham em bom descanso, lá o assento etéreo para onde váo as nossas almas, dizem os crentes.
(**) Último poste da série > 12 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27311: Humor de caserna (215): A minha... G3trudes: uma peça em 3 atos e um final feliz (José Teixeira, CCAÇ 2381, ex-1º cabo aux enf, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá , Empada, 1968/70)

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27350: Agenda Cultural: António Graça de Abreu, "Conversas Sábias: Os fascínios de uma grande cidade, Pequim"... 30 de outubro, quinta-feira, 17:30, Auditório do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM)

 







"Cheguei a Pequim, meio maoista, em setembro de 1977, exatamente um ano após a morte de Mao Zedong.

Foram quatro anos e meio de traabalho, assessorando a pequena propaganda oficial chinesa em língua portuguesa.

A deceção, o socialismo a falhar, o mundo a mudar. 

Deng Xiao Pinbg a esclarecer, 'o enriquecimento é glorioso'. 

Gloriosos não propriamente os novos capitalistas, mas glorioso o crescimento de todo o império chinês.

Pequim, quase seis anos de vida, minha alegria, meu sofrimento, as mudanças a caminho do futuro. Os muitos regressos, o último em 2018.

Testemunho de anos e anos de vida em Pequim. Com excecionais fotografias de todos esses anos. Falam as imagens, mais o o sentir de uma fabulosa cidade que atravessa a minha vida".



"Apareçam, meus Amigos. Vou falar e mostrar Pequim, de 1977 a 2025. Fotografias únicas, experiências curiosas. Um português à deriva pela capital da China, com os pés assentes na terra e na brisa." (Facebook,  sexta-feira, 24 de outubro de 2025, 14:19)

Guiné 61/74 - P27349: Em busca de... (329): Fur Mil Art Silva, de Rio Tinto - Porto, que fez parte da CART 6552/72 (Cameconde, Cacine e Cabedú, 1973/74), companhia que, estando mobilizada para S. Tomé, acabou por ir cumprir a sua comissão de serviço na Guiné (João Ferreira, ex-Fur Mil Art da CART 6254/72)

Fotografia onde está o meu amigo Silva, de Rio Tinto, Porto. Eu sou o do centro e o Silva é o que está do lado direito da foto. O que tem a boina presa à presilha do blusão esteve comigo no Olossato (Furriel Barros), infelizmente já falecido.

Foto (e legenda): João Ferreira (2025)

1.
Mensagem do nosso camarada João Ferreira enviada ao blogue em 12 de Setembro de 2025 através do Formulário de Contacto do Blogger:

Caros camaradas

Procuro ex-Furriel Mil, Silva, de seu apelido, estampado na farda de trabalho. Somos do 2.º Turno/72, Leiria/Caldas, especialidade atirador na EPA Vendas Novas, (vínhamos os dois à boleia para o Porto, quando não havia autocarro).

Colocados no RAP-3 na Figueira da Foz, onde fomos mobilizados, eu para a Guiné, ele para S. Tomé e Príncipe (a Companhia/Batalhão, foi depois transferida/o para a Guiné, por interferência do Gen. Spínola).

Ele é de Rio Tinto-Porto, e a casa dele ficava à face da EN 15, que atravessa Rio Tinto, onde pernoitei uma vez devido ao avançado da hora, e já não haver comboio para a Póvoa de Varzim, onde moro.

Sei que os elementos de identificação que vos dou são muito poucos, mas com a vossa colaboração, talvez eu consiga ainda vir a dar um abraço a este amigo e camarada de armas.

Tenho uma fotografia onde ele aparece, mas não consigo postá-la aqui.

Grato pela atenção, aguardo notícias do meu amigo Silva de Rio Tinto
Cumprimentos,
João Ferreira
Póvoa de Varzim
16cidral21@gmail.com


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2. Mensagem enviada ao João Ferreira em 16 de Outubro:

Caro João Ferreira

Em relação ao teu camarada Silva, vai ser difícil encontrá-lo só pelo apelido.

Dizes que a Companhia/Batalhão dele ia destinada a S. Tomé, mas que foi desviada para a Guiné. Suponho que terá sido desviada no caminho, porque não aparecem registos de unidades de artilharia em S. Tomé e Príncipe depois de 1970.

Se ele viajou perto da tua data de ida para a Guiné, diz-nos quando foste, em que unidade, BART ou CART e quando regressaste.

Podes enviar a foto que possuis do Silva para este meu mail para eu publicar no Blogue.
Vê se te lembras de mais algum pormenor que possa ajudar a encontrá-lo.
Fico ao dispor

Abraço
Carlos Vinhal
Coeditor

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3. Mensagem do João Ferreira, ex-Fur Mil Art da CART 6254/72, com data de 23 de Outubro:

Bom dia Carlos Vinhal

Obrigado pela resposta ao meu pedido de informação sobre o meu amigo Silva.

Efetivamente, a informação que prestei foi muito escassa. Como sugerido por ti, acrescento que fiz parte da CART 6254 (Companhia Independente) e a data de embarque com destino à Guiné, em conjunto com 1 Batalhão e mais 2 companhias independentes, foi a 16 de Março de 1973 (Paquete Uíge), com chegada a Bissau a 22 do mesmo mês, tendo sido encaminhados para o Cumeré, onde fizemos o IAO.

Desconheço se havia na Guiné mais algum quartel, além do Cumeré, onde as tropas fizessem o IAO onde, eventualmente, a companhia/Batalhão do Silva o tivesse feito. Também pode dar-se o caso de ele ter feito o IAO na metrópole, e então aí, a ida dele para a Guiné terá ocorrido mais de um mês depois da minha.

Espero que este acréscimo de informação, com a vossa prestimosa ajuda, possa fazer vislumbrar a luz ao fundo do túnel, onde eu possa ver este meu amigo.
Mais uma vez grato pelo vosso empenho, aguardo esperançosamente boas notícias.
Um abraço fraterno.

João Ferreira
Ex-furriel Mil.



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4. Mensagem enviada hoje mesmo ao João Ferreira

Amigo João
Segundo o livro da Comissão para o Estudo das Campanhas de África (Estado-Maior do Exército), a tua Companhia de Artilharia 6254/72, foi mobilizada no RAP 2 (Vila Nova de Gaia).
Foi para a Guiné comandada pelo Cap Art Eduardo dos Anjos Costa. O RAP 3 (Figueira da Foz) não foi unidade mobilizadora, nem de Companhias, nem de Batalhões de Artilharia.

Em relação à Unidade do teu amigo Silva, achei muito estranho um Batalhão ser mobilizado para S. Tomé. Acho que nem havia lá condições para alojar tanta gente, mas posso estar enganado. Ainda se fosse uma Companhia?...

Procurei uma CART que tivesse ido para a Guiné depois de vocês, tendo encontrado a 6552/72, mobilizada pelo RAL 5 (Penafiel), que embarcou para a Guiné em 26 de Maio de 1973, indo de avião.

A partir daí foi só ir ao Blogue e lá estava, tudo explicadinho. Ainda em quartel, estava destinada a S. Tomé, mas foi desviada para a Guiné.
e aqui: https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/07/guine-6174-p22396-as-desventuras-da.html.

Vou fazer um post na série Em busca de com todos os elementos mais a foto.
Se entretanto quiseres fazer uma tentativa, tens aqui o contacto do Manuel Domingos Ribeiro [...] da CART 6552, pode ser que ele tenha ou saiba de alguém que tenha o contacto do Silva.

Boa sorte
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

A propósito do "desvio" da CART 6552/72 de S. Tomé para a Guiné, lembremos o que escreveu o camarada Manuel Domingos Ribeiro no Poste 22393:

Falando um pouco sobre o desvio da CART 6552/72, de S. Tomé para a Guiné, quando se encontrava a aguardar embarque na carreira na de tiro de Espinho, embarque que já tinha sido adiado duas vezes, eu que me encontrava em casa de licença fui convocado por telegrama para me apresentar na unidade para seguir de imediato para o ultramar, mas não mencionava o destino final
Apresentei-me a uma sexta feira ao fim da tarde e tive de imediato fazer o espólio de algum fardamento para de seguida o pagar pois, como te deves de lembrar, recebíamos um valor monetário para compra de todo o fardamento e demais artigos necessários ao serviço militar, artigos esses que foram comprados no casão militar em Bissau.

Como me apresentei à última da hora só levei a farda que tinha vestida, algum fardamento que tinha no quartel e uma muda de roupa que transportava numa pequena mala de mão, foi nessa altura que nos foi comunicado que tínhamos sido desviados para a Guiné pelo nosso Comandante de companhia e encarregues de comunicar aos nossos militares e por pelotão o nosso destino.
Nós, os graduados, ainda ponderámos não embarcar, alguns ainda se deslocaram ao Porto já ao princípio da noite para falar com familiares e pedir algum conselho. Fomos aconselhados a embarcar pois as consequências seriam de certeza graves.

Depois de todos regressarem, reunimo-nos já ao principio da madrugada, explicámos a nossa situação e informámos que partiríamos ao início da madrugada em autocarros, com destino à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, onde embarcaríamos ao princípio da manhã de sábado.
Na altura de embarque surgiu alguma resistência por parte alguns soldados e graduados em embarcar por não nos terem alterado a nossa mobilização e não nos terem explicado por que razão estávamos a ser deslocados para a Guiné. Alguns elementos foram isolados da restante companhia e postos à guarda da policia aérea responsável pela segurança do aeroporto, foram confrontados por elementos civis e militares se não iam embarcar e as consequências de uma resposta negativa... Responderam, por fim, que embarcavam e seguiram para a pista, saindo o avião com cerca de uma hora de atraso.

Lembro-me de ver alguns familiares no aeroporto militar mas da parte de fora da rede, de ter entrado no avião a chorar de revolta por não nos terem dito a razão da nossa ida para a Guiné, da nossa chegada que foi cerca do meio dia, hora de muito calor, da saída do avião, o cheiro característico a que depois me habituei, o embarque quase de imediato em viaturas militares com destino ao Cumeré.


Último post da série de 5 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26013: Em busca de... (328): Rastrear o percurso do meu avô Joaquim Martins Beirão (1932 - † 1991), 1.º Sargento, enquanto militar na guerra do Ultramar (Osvaldo Beirão Germano)

Guiné 61/74 - P27348: Notas de leitura (1855): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Ecos Coloniais não é nem um guia de viagem nem um almanaque de curiosidades histórico-culturais onde as memórias coloniais e imperiais se interpenetram. Juntaram-se académicos, ativistas, museólogos e jornalistas e fazem uma apreciação desses espaços, lugares, monumentos, instituições onde pulsam as tais reverberações que dão ensejo a encarar a História de Portugal na faceta que as marcas do Império nos arrastam à compreensão da nossa identidade, na dimensão do passado. Começámos no Arquivo Histórico Ultramarino, estamos hoje em frente ao monumento a Sá da Bandeira, vamos até ao Forte do Bom Sucesso, o monumento aí é outro, homenageiam-se os combatentes mortos nas guerras do Ultramar, seguimos depois para o Museu Nacional da Etnologia. Dá-se esta obra como relevante, é um exercício original para debates sobre passado e o presente, mostra como o património colonial está obrigatoriamente associado a uma memória inapagável.

Um abraço do
Mário



Império e colonialismo: reverberações na Lisboa atual - 3

Mário Beja Santos

Ecos Coloniais resulta de um exercício coletivo de investigação sobre o património histórico e cultural, aqui se interrogam instituições, entidades, monumentos, obras de arte, palácios onde se interseccionam a história colonial e imperial portuguesa, do passado ao presente, edição ilustrada com fotografias de Pedro Medeiros e o acervo de textos tem a coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto, edição Tinta-da-China 2022. Logo na introdução, os organizadores referem que este levantamento é uma obra consciente e que há muito por investigar e por saber, importa evitar generalidades e simplismos mobilizadores para escapar aos engenheiros e empreendedores da “história” e da “memória”.

Encaminhamo-nos agora para o monumento a Sá da Bandeira, sito ali perto do Mercado da Ribeira e da Marconi, tendo a Avenida 24 de julho pela frente. O bravo Marechal, de nome Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, de bravura incontestável, liberal e irredutível, está ligado à abolição da escravatura em Portugal. Como escrevem os autores deste texto, “Na década de 1850, quando vários decretos vão progressivamente libertando os escravos do Estado e das misericórdias, quando se estabelece o conceito da liberdade do ventre e aqueloutro de ‘libertos’. São estes dois bons exemplos de carácter gradual, feito de concessões e cedências, e hesitações, que marcou não só o abolicionismo português como a própria figura de Sá da Bandeira (…) A estátua de celebração do Marquês Sá da Bandeira não se esgota no movimento abolicionista. No sope, uma outra estátua, de uma mulher africana evoca aquilo que era um tropo na altura: o agradecimento do continente e seus habitantes, ao abolicionismo protagonizado pelas classes esclarecidas dos países ‘civilizados’. O problema da escravatura enquanto injunção moral que os poderes imperiais projetavam sobre si mesmo havia sido transformada num novo instrumento de geopolítica. A escravatura, real, que existia ainda no continente africano, apesar das várias ‘abolições’, era então identificada como problema congénito das sociedades locais a que estavam associados outros: poligamia, canibalismo, uso imoderado de álcool, predisposição para a indolência. A escravatura, alimentada que tinha sido ao ponto de alcançar uma dimensão quase industrial na sua versão transatlântica, era agora apresentada como o resultado do atavismo e violência de grupos socioculturais tidos por atrasados.”

O marechal e aquela mulher africana com a criança ao colo, no significado que a época lhe deu, representa a homenagem do país a quem deu a liberdade aos escravos, mas num quadro ideológico de tornar estes libertos indígenas com possibilidade de aceder à civilização.

Tomámos agora o rumo para Belém, vamos até ao monumento aos Combatentes do Ultramar. Diz a autora do texto: “Numa instrumentalização da dor, os monumentos aos mortos de guerra revelam que a morte não dá igualdade. A abstração do morto aniquila as diferenças dos que lutaram integrando-as num processo hegemónico.” Anteriormente, a autora apresentara assim o monumento inaugurado em 5 de fevereiro de 2000:
“Ao Forte do Bom Sucesso foram adicionadas placas talhadas com os nomes, dispostos cronologicamente, de cerca de 10 mil soldados mortos na Guerra Colonial, incluindo soldados africanos das Forças Armadas Portuguesas. A associação dos mortos procura fortalecer, por um lado, a ideia de uma linearidade histórica, sem as ruturas que momentos de crise como as guerras poderiam causar e, por outro lado, a integração orgânica dos membros do corpo nacional, onde também se encontra o colonial. A 11 de novembro de 2015, no 97.º aniversário do Armistício, foi integrado ao conjunto memorial o Soldado Desconhecido caído na Guiné durante a Guerra Colonial, depositado na Capela do Combatente. Tal como em 1921, o morto anónimo é colocado no centro do palco. O herói não identificado, figura idealizada e transversal, é chamada à função de regenerar a nação e transladado para o Panteão Nacional.”

Um monumento que esteve envolvido em controvérsia, e que tem a estatura de uma ferida histórica, há quem o encare como espelho de memória de uma descolonização acabada. Com o passar dos anos, este espaço público vai gerando o sentimento de uma memória comum, ganha o papel de reconciliador, torna-se numa memória comum, o país ajustou-se à veneração dos seus mortos, já são muito poucos os que, por razões ideológicas, pretendem instrumentalizar a dor.

A última viagem é ao Museu Nacional de Etnologia, a autora do texto revela-se bastante crítica quanto ao teor da exposição permanente e releva o papel do multiculturalismo que em Portugal se agigantou com as sucessivas vagas de imigração, logo a dos “retornados” após a revolução do 25 de abril, o que está patente no Museu oculta o lado violento e racista do colonialismo português, abre espaço para exibir narrativas como a panaria de Cabo Verde e Guiné Bissau, e a autora destaca a importância do Serviço Educativo que valoriza as coleções a partir do presente, contribuindo para a construção de relações recíprocas, tal serviço educativo volta-se hoje para a população afrodescendente, contribuindo de forma crítica para o combate à marginalização de grupos sociais que buscam sentido de cidadania, fora da ética dos Descobrimentos. “Coleções como as do Museu Nacional da Etnologia constituem uma oportunidade única para conhecer uma história profundamente desumana, permitindo-nos ativar práticas reparadoras no campo das temporalidades, das materialidades e da dignidade, e compreender melhor o mundo em que vivemos, para podermos assumir o compromisso de contribuir para a construção de um presente melhor.”

Ecos Coloniais, vale a pena repetir, debruça-se sobre um eco diversificado de espaços, atores, instituições e símbolos, permitem-nos ver ou refletir sobre histórias imperiais e coloniais que podemos ver em Lisboa e arredores. É um trabalho coletivo, envolve uma equipa em que há autores e um fotógrafo. Impondo-se uma súmula ou resenha desses espaços e lugares, falando de um quadro que está no Museu Nacional de Arte Contemporânea, “os Pretos de Serpa Pinto”, iremos depois ao Porto de Lisboa e à Sociedade de Geografia de Lisboa.

Monumento aos combatentes do Ultramar, junto do Forte do Bom Sucesso
Museu Nacional de Etnologia, objetos em exposição
Os Pretos de Serpa Pinto, Catraio e Mariana, por Miguel Ângelo Lupi, 1879, Museu Nacional de Arte Contemporânea

(continua)
_____________

Notas do editor

Vd. post de 17 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de outubro de 2025 >
Guiné 61/74 - P27336: Notas de leitura (1854): "Um Império de Papel", por Leonor Pires Martins; posfácio de Manuela Ribeiro Sanches; Edições 70, 2.ª edição, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27347: A nossa guerra em números (43): afinal, a nossa ração diária de vinho era de 0,5 litros... O melhor assistente de IA, em matéria dos nossos comes & bebes, é o nosso vagomestre... Aníbal Silva (ex-fur mil SAM, CCAV 2483 / BCAV 2867, Nova Sintra e Tite, 1969/70)

 



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda 3ª C/Bart 6520/72 (1972/74) >  "Porto fluvial" (!) de Fulacunda (a 3/4  km do aquartelamento): reabastecimento quinzenal: mantimentos, caixas de munições, sacos de arroz para a população, bidões de combustível e de vinho, artigos de cantina, etc.; como não havia pontão, ou cais, a descarga era feita manualmente para as viaturas da tropa (GMC, Berliet, Unimog...). Uma tarefa penosa, feita na maré-cheia, dentro de água...

 Fulacunda era reabastecida, através do rio Grande de Buba  e do seu afluente, na margem direita, o rio Fulacunda (que ficava a sul),  com recurso a LDM (Lancha de Desembarque Média) ou barco civil (popularmente conhecido como "barco-turra").

Na foto acima, com pormenores assinalados a amarelo, veem-se bidões: 2 deles, de 1 cor verde e outro azul, podem ser de combustível, petróleo branco e gasóleo, respetivamente; um outro, com tampo branco,  com círculo amarelo mais pequeno, pode ser de vinho... Mas pergunta-se: como se descarregavam, nestas circunstâncias, bidões de 200 litros ?
  
 Fotos do álbum do Jorge Pinto  (parte dos "slides" que temos aqui publicados são dele ou do Armando Oliveira: generoso e solidário como ele, não faz questão de reclamar os créditos fotográficos: considera o seu álbum como património de todos os fulacundenses).


Fotos (e legenda): © Armando Oliveira (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda, afluente do Rio Grande de Buba, que ficava a sul > Chegada de uma LDP com reabastecimentos, vinda diretamente de Bissau.. A LDP e LDM eram mais práticas, podendo abicar na praia,o que facilitava a descarga de bidões e barris,

[ Foto do álbum de Jorge Pinto, ex-alf mil da 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), professor de história reformado; natural de Alcobaça, vive na Grande Lisboa e é também membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca da Linha]


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O melhor assistente  de IA  para sabermos coisas sobre os nossos comes & bebes na Guiné ? São os nossos "intendentes" e os nossos "vagomestres", pois claro. 

Infelizmente são poucos, os que integram a Tabanca Grande e estão ainda vivos. Mas felizmente que temos o nosso Aníbal   Silva (ou Aníbal José da Silva, como está registado na Tabanca Grande) que tem sido inexcedível na sua vontade em partilhar informação (oral e escrita) sobre estas matérias, que já estão tão esquecidas da maior parte da malta... Além disso, ele é o autor da notável série "Vivências em Nova Sintra", de que se publicaram 16 postes,  desde 4/3/2025  até 17/6/2025.

Perguntei a alguns de nós se se lembravam do "per diem", a verba para a nossa alimentação diária... Já ninguém se lembrava da quantia em escudos (24$50), que o gen António Spínola, no relatório do comando relativo à situação em 1971, propunha que passasse para 33$00 (um aumento de mais de 1/3), face ao agravamento do custo de #géneros de 1ª necessidade" bem como dos "transportes da Metrópole para a Província". (Não sabemos se até ao final da guerra houve alteração da verba para a alimentação diária no CTIG.)

Era com esses 24$50 que o vagomestre  tinha de nos alimentar diariamente (3 refeições).

Além de informador privilegiado como vagomestre e como gestor da cantina de Nova Sintra, ao tempo em que esteve com a sua companhia, CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), o Aníbal Silva é um excelente e afável contador de histórias e lembra-se de coisas do arco da velha.

O Aníbal (que fez a Escola Comercial e foi técnico de seguros) tem especiais competências em matéria de literacia e numeracia: só podia, pois, ser o homem certo no lugar certo. E ainda hoje guarda (o que é incrível!) documentação daquela época, rekatcionadas com a alimentação e atigos de cantina, e que faz questão de partilhar com o nosso blogue.

Mensagem recente, de 22/10/2025, 09:10 

Bom dia, caríssimo Luís

Depois da nossa conversa telefónica de ontem, que muito me honrou, procurei e encontrei o livro sobre a alimentação, o "missal" dos vagomestres, que tem umas dezenas de páginas e do qual envio em anexo meia dúzia dessas páginas, digitalizadas. 

Numa delas, relativa às ementas, verifico que a quantidade de vinho que cada militar tinha direito por dia era de 0,5 litros  (0,2 ao almoço e 0,3 ao jantar). 

Tenho também uma sebenta que para além das questões da alimentação, aborda outros assuntos, tais como: prestação de contas; fardamentos; vencimentos e até armamento. Na sebenta fui encontrar o protótipo do mapa modelo 1, o tal lençol de que te falei.

Caso pretendas, para os teus estudos e análises, posso enviar-te pelo correio os dois "documentos". Na afirmativa, fico a aguardar que me facultes o teu endereço. (...)


Capa do "missal dos vagomestres":  1º Grupo de Companhias de Administração Militar: Gabinete de Estudos - "Elementos sobre o Serviço de Alimentação no Exército" (Compilados de apontamentos editados pela EPAM em 1962).



Capítulos 1 e 2 (pp. 1-14)


Capítulos 3,4,5,6 e 7 (pp. 15 -28)


Capítulos 8, 9 e 10 (pp. 29 -40)

Índice do livro, de 40 pp. Cada página corresponde a uma ficha





De acordo com as ementas nºs 5 e 6.  a ração diária de vinho, dos militares, nos anos da guerra do ultramar, era de 0,5 l (0,2 l ao almoço, e 0,3 l ao jantar).



A famigerado mapa modelo 1 (que era o quebra-cabeças do vagomestre). Como curiosidade, repare-se no preço (unitário) do vinho: 6$00 (em 1969/70); em 1974 era já   quase o dobro (11$60). O mesmo se  verifica com outros bens essenciais: arroz (6$50, que passa para 14$50); batata (5$00 | 8$20)... O açúcar mantem-se (6$00 | 6$70). 

Fotos (e legendas): © Aníbal Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Aníbal Silva, ex-fur mil SAM,
  CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70)

2. O que transcrevo a seguir é um apanhado das conversas que vou tendo com ele ao telemóvel (ele vive em Arcozelo, se não erro, freguesia de Vila Nova de Gaia, já prometemos encontrarmo-nos quando eu for à Madalena).

2.1.  São João, frente a Bolama, era abastecido diretamente por Bissau. Tite também. E Fulacunda. E Bambadinca. E, claro, Nova Sintra,

 A via fluvial ainda era a mais rápida, económica e relativamente segura (rio Cacheu, na zona Oeste; rio Geba, na zona Leste; canal do Geba e de Bolama, para a região de Quínara; o rio Cumbijã  e o rio Cumbijã e o rio Cacine, para a região de Tombali).

O vinho era transportado de Bissau em barris de 100 litros (mais tarde bidões de 200 l, mas já não é do tempo do Aníbal Silva, nem do meu, somos de 69/71,.

2.2. Em Nova Sintra, era através de um afluente do rio Grande de Buba.

Como não tinham outro sítio para os guardar os barris de 100 litros, utilizava um antigo galinheiro, que estava vago; claro que era um sítio de fácil acesso aos "ladrões de vinho" (não havia "guarda á adega").

Uma vez aberto  um barril, durava dois a très dias... E a opinião que a malta ainda hoje tem é que vinho que se bebia em  Nova Sintra  até era de boa qualidade, tinha bom paladar; e de resto toda a gente bebia vinho. 

E interessante a informação de que um barril de 100 l dava só para 2 ou dias. Ou seja, não havia risco de oxidar.Utilizava-se um tubo de borracha para encher recipientes mais pequenos como garrafões. Também já não é do seu tempo o uso de garrafões de 10 l, empalhados, para o transporte de vinho (deve ter sido prática dos primeiros anos de guerra).

2.3. Claro que também aqui havia pequenos furtos: havia sempre ums "jeitosinhos" que, com uma broca manual,  fazia um furinho na tampa, e com uma borrachinha ia lá encher o cantil.. "Pró petisco".

Tal como havia malta que, no dia de descascar batatas para o rancho levava as calças de camuflado para encher os bolsos..."pró petisco". Os iam de calções, que era o traje habitual...

Tal como havia malta que era capaz de, numa coluna logística ao porto fluvial, no reabastecimento mensal, e antes da chegada ao quartel,. , "desviar uma ou duas caixas de cerveja", gurdá-las no mato em sítio seguro e  ir lá depois buscá-las, passadas 24 ou 48 horas.

2.4. Mas também havia a ração de aguardente. A meio da comissão,  a Intendência mandou perguntar se a companhia tinha barris de aguardente. O Aníbal disse que não. Passados uns tempos, foi abrir um barril (que julgava ser de vinho) e  viu que era aguardente. Havia 300 litros (3 barris) de aguardente, em "stock", intactos!...  Bom, deu para o resto da comissão,  enquanto a malta esteve em Nova Sintra antes de ir para Tite. Uma ração de aguardente passou a ser distribuída pelos abrigos.

2.5.  O Aníbal, vagomestre, tirou a especialidade em Póvoa do Varzim, na antiga Escola Prática de Administração Militar (hoje Escola de Serviços do Exército)  ficou também, em Nova Sintra, com a cantina, ao tempo do segundo capitão da companhia que detectou irregularidades na gestão anterior. 

Havia um "buraco" nas contas que era preciso sanear... E que ele saneou... (Como "prémio", ficou, no fim, na "comissão liquidatária" da companhia e do batalhão, um "pincel" que ninguém queria, podendo atrasar o regresso a casa.)

Não havia máquinas de calcular, naquele tempo, as contas eram feitas à mão, uma, duas, três, quatro vezes, até baterem certas. E havia um lençol, o famigerado mapa modelo 1, que era um a quebra-cabeças para qualquer vagomestre.


2. Falando há dias com um antigo comandante de companhia, hoje cor art ref, o nosso grão-tabanqueiro Morais da Silva, disse ele que "nunca bebeu vinho em Gadamae
l" (onde comandou a CCAÇ 2796, entre jan 1971 e fev 1972). Nem ele nem os seus alferes e furriéis,. Bebiam cerveja. Aliás, deixou de beber vindo desde que  veio de Angola. onde fez o  curso de comandos.

Já não se lembrava do "per diem" nem da ração de vinho diária...Vai perguntar ao vagomestre que é hoje um quadro superior do BCP, reformado.  Gaba-se de ter tido excelentes colaboradores em todos os setores de apoio, da saúde (onde teve um  1º cabo aux enf  excecional, e de quem toda gente perdeu o rasto) às transmissões,  da intendência ao material.

Tem ideia, sim, que a malta se queixava que a Intendência punha uns "pozinhos no vinho". 

O Humberto Reis, ex.fur mil op esp /ranger, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e colaborador permanente do nosso blogue também confirma que os nossos soldados, pro serem resarranchados, recebiam mais 750$00 por mês.

 Quando o Gr Comb dele, o 2ª, ia para o destacamento do rio Undunduma, o pessoal metropolitano recebia o seu rancho, confeccionado em Bambadinca, mas a viatura também trazia os "tachos de arroz" que as mulheres dos nossos soldados cozinhavam para eles na tabanca... Cada um tinha um lenço da sua cor.... Em operações no mato, também levavam a sua "marmita" (arroz cozido embrulhado num lenço)...

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Nota do editor LG:

Último poste da série > 2 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27340: A nossa guerra em números (42): com um "per diem" (verba de alimentação diária) de 24$50 (hoje 4,10 euros) dava para fazer uma... ometela simples mas saborosa!

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27346: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte XXX: o "choro" entre os balantas


Foto nº 1 > Mansoa > Choro (1)


Foto nº 2 > Mansoa > Choro (2)


Foto nº 3 > Mansoa > Choro (3)

Foto nº 4 > Mansoa > Choro (4)


Foto nº 5 > Mansoa > Cesteiro


Guiné > Zona Oeste > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)


Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, antigo capelão militar.


Fotos (e legendas): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alf capelão graduado José Torres Neves,
BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71), natural de Meimoa, Penamacor;
missionário da Consolata, reformado


1. Mais um conjunto de fotos do padre Zé Neves sobre Mansoa, enviadas no passado dia 2 de agosto pelo nosso camarada e amigo Ernestino Caniço, que  tem sido o zeloso e diligente guardião do álbum fotográfico da Guiné, deste padre missionário da Consolata, José Torres Neves, natural de Meimoa, Penamacor, merecendo os dois os nossos melhores elogios e saudações.


O Padre José Torres  Neves, nosso grão-tabanqueiro, reformou-se recentemente de uma vida inteira, generosa, abnegada, dedicada às missões católicas, nomeadamente em África; tem já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue.

Pelo seu álbum, reconhecemos-lhe uma especial sensibilidade, de natureza socioantropológica, que o levava a registar, além do ambiente militar, cenas do quotidiano das populações com quem as NT interagiam partilando inclusive os mesmos esçaos (destacamentos iintegrados em tabancacas em autodefesa) ou espaços contíguos (caso da maior dos aquartelamentos).

As fotos trazem legendas muito sucintas, sem data.

 2. O "choro"  (cerimónia fúnebre) aqui documentado pelas fotos acimas, tiradas em Mansoa, "chão balanta" por excelência,  tinha / tem um significado social, religioso e cultural, que escapava  a muitos de nós, na época em que estivemos na Guiné. Para mais, em contexto de guerra (1961/74).

Embora a designação "choro" (termo crioulo, ou djambadon,  nalgumas línguas locais) possa variar conforme o grupo, a essência da cerimónia era/é semelhante entre povos animistas (como os balantas), muçulmanos (como os fulas) e até entre minorias cristãs (como os cabo-verdianos).

No essencial a função do "choro" era/é  “reintegrar” o morto e ajudar reintegrar os vivos após a rutura (física e emocional)  provocada pela morte. 

A cerimónia podia/pode durar dias, envolvendo danças, cânticos e libações.

Jorge Dias (1907-1973), o grande antropólogo português, mas também missionários católicos chamaram a atenção para o facto de que estas práticas funcionarem como mecanismos de coesão social, muitas vezes mais poderosos do que as duas religiões monoteistas  (o cristianismo e o islamismo)  impostas do exterior, pela coinquiusta, a ocupação e a dominação política e económica.

Ainda hoje  o “choro” continua a ser central na vida social guineense, tanto no meio rural como urbano (e nomeadamente em Bissau).. É uma cerimónia pública que combina tradição, espetáculo e religiosidade.

Mesmo entre famílias muçulmanas ou cristãs, é frequente realizar-se um “choro” tradicional depois da cerimónia religiosa formal. A função principal mantém-se: (i) honrar os mortos, (ii) reforçar a coesão comunitária, (iii) reafirmar a pertença étnica e familiar, (iv) “fechar o luto” e restabelecer o equilíbrio espiritual, emoconal e social.

O tema merece um poste à parte.

Guiné 61/74 - P27345: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (40): Missangas da Guiné

1. Mensagem do nosso camarada João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 20 de Outubro de 2025:

Bom dia Vinhal,
Junto 3 fotos de colares feitos de missangas que trouxe da Guiné em 1972.

Abraço
João Moreira


Colar branco e colar vermelho


Colar branco


Colar vermelho

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27324: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (39): Missangas da Guiné

Guiné 61/74 - P27344: O "back office" da guerra (i): Serviço de Intendência: obrigado, camaradas "intendentes", pela "bianda nossa de todos os dias"...

 







Sinais convencionais militares (28Rep/EME/ME-1972)



CTIGuiné > c. 1971 > O BINT (Batalhão de Intendência) tinha sede em Bissau e destacamentos (Pelotões de Intendência, PINT) , além de Bissau, Farim, Bambadinca e Buba e, depois em Cufar, a partir de 1/8/1973 (o Pel Int 9288/72).

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 73 e  542/543 



1. O que seria dos "atiruenses" ( os "amanuenses do gatilho"), o "front office", naquela guerra, naquele cu de Judas, que era a nossa "Guinezinha", sem o "back office", os serviços de apoio, da Intendência ao Material, da Engenharia à Saúde, das Transmissões aos Transportes...

 Façamos, pois, justiça aos nossos "caixeiros", "padeiros", "magarefes", "cantineiros" e  outros "intendentes", sem esquecer os estivadores civis da Companhia de Terminal, nem a tripulação dos "barcos-turra" ao serviço da Intendência... Sem esquecer ninguém  dos que ficavam por de trás da guerra, no "back office", numa guerra que não tinha frente nem  linhas da frente, era ubíqua. Uma guerra traiçoeira, que  não se fazia anunciar, como no dia de 2 de março de 1974, em Cufar... Um dia de tragédia para a Intendência (Pel Int 9288/72) e as NT em Cufar, que era então a sede do CAOP1 (*). (Não encontrámos nenhuma referência no livro da CECA, 2015, a esta ação do IN.)

Não esquecemos os nossos vagomestres, médicos, enfermeiros, cozinheiros, amanuenses, capelães, juristas, engenheiros, pedreiros, carpinteiros,  mecânicos, bate-chapas, criptos, juristas, etc.,   tantos camaradas anónimos que, na retaguarda, com os seus saberes e competências,  nos ajudaram a "encher o peito às balas" e, em última análise, a regressar  a casa, sãos e salvos, dois anos depois de, meninos e moços, termos sido retirados da casa dos nossos pais para ir defender os restos do velho império lusitano de 500 anos, na África longínqua...

Todas as guerras se ganham pelos exércitos que combinam os três melhores componentes da  "warfare": (i) hardware; (ii) software; (iii) humanware.

Os nossos "maiores" diziam-nos que tínhamos os melhores soldados do mundo... Certo. Mas não chega para ganhar as guerras. Os melhores do mundo cansaram-se da guerra, dizem os críticos dos nossos "maiores". Ou foi a guerra que se cansou de nós...Tanto faz. No fim, tem de haver sempre umas palavras de agradecimento. Nas vitórias e nas derrotas. Na vida e na morte. Sob pena da Pátria ser ingrata... A Pátria, nós, a começar pelos antigos combatentes.  

Comecemos pelos "intendentes". Obrigado pela "bianda nossa de todos os dias"...(Mas eles não nos abasteciam só de víveres, também nos forneciam os artigos de cantina, em suma os comes & bebes: forneciam-nos também combustíveis e lubrificantes, fardamento, impressos e material diverso)...

APOIO DE SERVIÇO DE INTENDÊNCIA (CECA, 2015, pp 72/74)

I. Abastecimento

(i) Víveres e artigos de cantina

As Unidades fazem os seus pedidos directamente ao Órgão de Intendência (01), que as apoiam.

Para certos artigos de cantina os pedidos são feitos à Sucursal das OGFE (Oficinas Gerais de Fardamento do Exército), em Bissau.

Os 01 requisitam à Chefia os víveres e artigos de cantina necessários à manutenção dos níveis determinados.

(ii) Combustíveis e lubrificantes

As Unidades requisitam directamente às empresas gasolineiras ou através dos Orgãos de Intendência (01).

Os 01 mantêm os níveis determinados através de requisições feitas à Chefia de Serviço, em Bissau.

A Chefia de Serviço acciona as empresas gasolineiras no sentido de fornecerem aos 01 ou às Unidades os combustíveis e lubrificantes requisitados.

(iii) Fardamento

As Unidades requisitam aos Pel Int  (Pelotões de Intendência) ou Depósito Base de Intendência (DBI), conforme forem apoiados por uns ou outros, os artigos necessários.

Os Pel Int requisitam por sua vez à Chefia os artigos indispensáveis à manutenção do nível determinado.

A Chefia acciona o DBI de acordo com o solicitado pelos Pel Int.

(iv) Impressos

As Unidades requisitam os impressos directamente ao DBI. Através dos Pel Int o DBI encaminha-os para as Unidades.

A Chefia do Serviço mantém o controlo deste material junto do DBI por forma a não haver faltas.

(v) Material diverso

Os pedidos são feitos directamente à Chefia que acciona o DBI para o efeito. Este envia o material à Unidade que fez o pedido.

Os artigos críticos são pedidos à 4a Repartição/QG que os acciona em ligação com a Chefia do Serviço.

II. Evacuação

(i) Fardamento

A evacuação dos artigos de fardamento é feita das Unidades para o Pel Int que as apoiam.

(ii) Material diverso

As evacuações são feitas directamente das Unidades para o DBI.

pag 72/73

III. Síntese da actividade operacional do Batalhão de Intendência da Guiné (CECA, 2015, pp. 488/489

(...) "O BInt foi criado com base em QO aprovado por despacho ministerial de 21Nov63 e englobou uma Companhia de Intendência, umaCompanhia de Depósito, então constituidas, e os Destacamentos d Intendência (4), então existentes em Bissau, Tite, Bula e Bafatá, este depois instalado em Bambadinca, a partir de 02Jun66, e, mais tarde, outro Pelotão instalado em Farim, a partir de OlJan67, sendo considerado uma unidade da guarnição normal.

Em OlAbr68, as funções da Companhia de Depósito passaram a ser executadas por um novo órgão, então criado, o Depósito Base de Intendência e a partir de O1Set68, o Batalhão passou a ser constituídoelas subunidades designadas por Companhia de Intendência de AlD,Companhia de Intendência de AlG, e Pelotões de Intendência, tendoainda sido instalado outro Pelotão em Cufar, a partir de OlAg073.

Nesta situação, forneceu o apoio logístico às unidades e subunidadesem serviço na Guiné, efectuou a reparação dos meios de frio, máquinas de escritório e de bobinagem, entre outros, para o que dispunhatambém de equipas itinerantes.

Ministrou também instrução de formação de especialistas de Intendência de padeiros, magarefes, caixeiros e outras. Manteve ainda as reservas de combustíveis e lubrificantes e acionou o funcionamento dos centros de fabrico de pão e de abate.

Em l40ut74, após entrega das instalações e equipamentos ao PAIGC,  Batalhão foi desactivado e extinto." (...)

__________________

Nota do editor LG:

(*) Vd. poste de 12 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

(...) "Os homens ardiam como tochas, gritavam, vinham direitos a mim. O inferno deve se um lugar bem mais agradável do que aquelas dezenas de metros de picada com pessoas a serem consumidas pelas chamas, o ar, o escuro da noite empestado por um horrível, um nauseabundo cheiro a carne humana queimada. Despi a minha camisa e com ela tentei apagar restos do fogo que cobria aqueles homens. Meti quatro negros no carro, dei a volta com o jipe e subi, acelerando em direcção a Cufar. Uma viatura blindada Fox (do Pel Rec Fox  8870/72) descia a picada com os faróis e as metralhadoras apontadas para nós.

"Eram os primeiros militares que acorriam à explosão dos barcos. Gritei-lhes para pararem. Ficaram espantadíssimos por encontrarem ali o alferes Abreu em tronco nu com homens todos queimados dentro do jipe. Rodeei a Fox com dificuldade – ocupava quase toda a picada, – e em segundos cheguei com os desgraçados à enfermaria de Cufar. Foram deitados em macas e regados com água. Dois grupos de combate da CCAÇ 4740/72, bem armados, desciam entretanto para o porto interior e havia mais pessoas atingidas pela gasolina a arder, a caminho. Não era mais comigo."  (...) 

Vd. também postes de:

 21 de outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4366: Tabanca Grande (144): João Lourenço, ex-Alf Mil, PINT 9288, Cufar (1973/74)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)