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terça-feira, 18 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27436: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (114): a tábua corânica de Galugada Mandinga (subsetor de Contuboel)

 



Tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga, no setor de Contuboel, região de Bafatá, Guiné-Bissau. Cortesia de Eduardo Costa Dias (*)


(...) Tirei hoje esta fotografia - uma tábua escrita por alunos de uma escola corânica em Galugada Mandinga, no dia da festa Eid-al-Adha que o Sissau Sissé (falecido em 1994) considerava o centro do ano muçulmano e no mês em que fez 30 anos que morreu.

Acometido de uma apendicite aguda em Contuboel foi trazido por um jipe do DEPA para o hospital Simão Mendes em Bissau. Morreu durante a operação… tendo precisado de oxigénio… O hospital não tinha, sendo mais preciso: não havia oxigénio porque tinha sido desviado e possivelmente, como na época acontecia bastante, vendido no Senegal ou na Gâmbia. (...)






Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Carta de Contuboel (156)  (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Contuboel, Jabicunda, Rio Geba, Rio Bissanque e Gulagada.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ( 2025)


1. A publicação de uma tábua  corânica, pelo meu amigo e colega de curso Eduardo Costa Dias (*), membro de longa data da nossa Tabanca Grande, despertou-me curiosidade. Estas tabuinhas são do meu/nosso tempo,  passei por algumas tabancas (mandingas e fulas) , no setores de Contuboel e de Bambadinca, onde havia o ensino do Corão. E os miúdos, os "djubis", ao fim da tarde, soletravam versículos corânicos, inscritos a tinta preta nestas pequenas tábuas de madeira, semelhantes às tábuas dos 10 mandamentos. Nos meses frios (dezembro / janeiro), era à volta de uma fogueira. Uma das imagenns mais fortes que algunms de nós trouxeram da Guiné.

Os professores destas escolas ("dara" ou "madrassa")  chamam-se "marabus". E os alunos são os "talibés"

Que rezavam ou recitavam eles ? Com a ajuda da minha assistente de IA, a "Sabe-Tábua", consegui   uma tradução aproximada destes caracteres, em árabe... Já em tempos, por volta de 2008, andei às voltas com uma cópias destas tabuínhas. Tinha entáo um aluno meu, médico, argelino, que estava a frequentar o curso de medicina do trabalho na Escola Nacional de Saúde Pública. Por qualquer razão, de que já náo me lembro, "perdi" o tradutor de árabe (**)...

Eu sempre desconfiei  das competências, já não digo pedagógicas, mas linguísticas desses marabus de tabanca... Mas isso é outra questão, a discutir mais tarde. De qualquer modo, há  que distinguir:

  •  o Árabe Corânico (ou Clássico): é a forma de árabe utilizada no Alcorão (Corão) e nos textos islâmicos mais antigos; a  grande maioria dos marabus adquire a capacidade de ler o Alcorão em voz alta e de o memorizar (o que se chama recitação), e de escrever passagens corânicas, geralmente com o objetivo de produzir amuletos (escrita talismânica); a competência principal que lhe é exigida (e reconhecida) é a  leitura e recitação do texto sagrado;
  • o Árabe Moderno (Fusha): é a língua usada hoje em dia na comunicação, nos jornais, na televisão e na educação formal nos países árabes;
  • muitos marabus tradicionais não têm competência para falar o Árabe Moderno para conversas quotidianas, ou para ler/escrever fluentemente textos não-religiosos em Árabe Moderno, a menos que tenham frequentado universidades ou escolas religiosas nos países árabes (como Marrocos, Egito ou Arábia Saudita).
  
De qualquer modo, à força de serem reproduzidas, há nestas tabuímnhas erros sistemáticos que passam, de mão em mão, de ... O Beja Santos lembra-se de as ver à venda,  em 1968/70, em Finete, tabanca e destacamento a norte do Rio Geba, no subsetor de Bambadinca.


2. O  que diz a  IA / ChatGPT em português:

Interessante peça! Essa tábua é um exemplo típico de ensino corânico tradicional na Guiné-Bissau, especialmente entre comunidades Mandinga: os alunos escrevem versículos do Alcorão em tábuas de madeira (chamadas luh) para memorização e recitação.

No entanto, não consigo fornecer uma tradução exata sem uma leitura cuidadosa do texto árabe. O que posso dizer, observando a imagem, é que o texto parece ser um excerto corânico  provavelmente relacionado com o sacrifício e a  obediência, temas centrais na festa de Eid al-Adha, que comemora a disposição do profeta Abraão em sacrificar o filho em obediência a Deus.

É muito provável que os versículos sejam retirados da Surata As-Saffat (37:102–107) ou Al-Hajj (22:34–37), ambas frequentemente estudadas e copiadas nessa altura do ano, por abordarem o tema do sacrifício.

Mas posso tentar fazer uma transliteração e tradução aproximada. Aqui vai:

Antes de tudo, deixo claro que o texto da tábua é em árabe corânico (e não árabe moderno), e, como é comum nas escolas tradicionais da Guiné-Bissau, a caligrafia pode variar ligeiramente da norma. 

Pelo que consigo ler da imagem, o conteúdo corresponde, de facto, a versículos do Alcorão ligados à história de Abraão (Ibrahim) e do sacrifício, recitados durante o Eid al-Adha (Tabaski, na Guiné-Bissau, ou "festa do carneiro").

Segue uma tradução aproximada do conteúdo:  Texto e tradução livre:

"Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
Quando (o filho) atingiu a idade em que podia trabalhar com ele,
(Abraão) disse: 'Ó meu filho, vejo em sonho que te sacrifico;
observa o que pensas disso.'
Disse (o filho): 'Ó meu pai, faz o que te foi ordenado;
encontrarás em mim, se Deus quiser, um dos pacientes.'
E quando ambos se submeteram e ele o deitou com o rosto para baixo,
chamámo-lo: 'Ó Abraão!
Já cumpriste a visão.'
Assim recompensamos os que praticam o bem.
Isso foi, na verdade, uma provação evidente."

 Estes versos são da Surata 37 — As-Saffat (Os que se colocam em fila), versículos 102 a 106.

Na tradição islâmica, recitar e copiar este trecho é um ato de devoção durante o Eid al-Adha, simbolizando fé, obediência e sacrifício.

A tábua que o professor Eduardo Costa Dias tem em casa e fotografou, representa, portanto, um testemunho da pedagogia religiosa mandinga e da espiritualidade local associada ao ciclo ritual islâmico, sobretudo em regiões como  Galugada Mandinga, que têm uma longa tradição corânica. 


3. O Gemini  IA / Google confirma o conteúdo destes versículos, 102 a 106. da Surata 35 - As-Saffat:

A Surata 37, As-Saffat (Os que se colocam em fila), nos versículos 102 a 106, narra o episódio do Profeta Abraão (Ibrahim) e o mandamento de sacrificar seu filho.

Aqui está o resumo do que dizem esses versículos (baseado em traduções do Alcorão):

(i) Versículo 102: "E quando (o filho) chegou à idade de labutar com ele, (o pai) disse: "Ó filho meu, sonhei que te oferecia em sacrifício; que opinas? Respondeu-lhe: Ó meu pai, faze o que te foi ordenado! Encontrar-me-ás, se Deus quiser, entre os perseverantes!"

Este versículo descreve o diálogo entre Abraão e seu filho (geralmente identificado como Ismael), onde Abraão revela a visão de seu sonho e o filho demonstra total submissão e paciência à ordem de Deus

(ii) Versículo 103: m ostra o momento da submissão total de pai e filho, prontos para cumprir o que Deus havia ordenado. "E quando ambos aceitaram o desígnio (de Deus) e (Abraão) preparava (seu filho) para o sacrifício."

(iii) Versículo 104: "Então o chamamos: Ó Abraão!"

Neste ponto, Deus intervém no sacrifício.

(iv) Versículo 105: "Já realizaste a visão! Em verdade, assim recompensamos os benfeitores."

Deus confirma que Abraão cumpriu fielmente o que lhe foi ordenado no sonho, demonstrando sua devoção e obediência.

(v) Versículo 106: "Certamente que esta foi a verdadeira prova."

Conclui que o evento foi um teste claro e revelador da fé e submissão de Abraão (e seu filho).

Esses versículos são centrais na narrativa do sacrifício de Abraão e são a base do feriado islâmico de Eid al-Adha (Festa do Sacrifício, Tabaski ou "festa do carneiro", na Guiné-Bissau).



4. Já agora ficamos saber, o que é bom para a nossa cultura ecuménica, o que dizem os restantes versículos (de 107 a 111), da Surata 37, As-Saffat 

Os versículos 107 a 111 da Surata As-Saffat (Os que se colocam em fila) concluem o episódio do sacrifício de Abraão, destacando a graça, a recompensa e a honra que Deus lhe concedeu após a prova de fé. Aqui está o significado desses versículos:

(i) O Fim da Prova e a Recompensa: Versículo 107: "E o resgatamos com outro sacrifício importante."

Este versículo descreve a intervenção divina final. Deus substituiu o filho por um grande sacrifício (geralmente interpretado como um carneiro ou animal similar), completando a prova de fé de Abraão sem o sacrifício de seu filho.

(ii) Versículo 108: "E o fizemos (Abraão) passar para a posteridade."

Deus estabeleceu um louvor e uma menção honrosa para Abraão entre as gerações futuras. O seu nome e exemplo são lembrados e reverenciados por todas as religiões monoteístas (judaísmo,cristianismo e islamismo).

(iii) Versículo 109: "Que a paz esteja com Abraão!" (Saudações a Abraão).

Uma saudação e benção direta de Deus ao Profeta Abraão, enfatizando a sua posição honrada.

(iv) Versículo 110: "Assim, recompensamos os benfeitores."

Esta é uma declaração geral de Deus, indicando que a recompensa dada a Abraão é o padrão de como Deus retribui a todos aqueles que praticam o bem (muhsinin), que são sinceros e buscam a excelência na adoração.

(v) Versículo 111: "Porque foi um dos Nossos servos fiéis."

Conclui o trecho reafirmando o estatuto de Abraão como um servo crente (mu'minin), leal e submisso a Deus.

Em resumo, estes versículos mostram que a disposição de Abraão em sacrificar seu filho já era o cumprimento do mandamento em espírito. Deus aceitou essa submissão total e, por Sua misericórdia, proveu um resgate, garantindo que o seu ato de obediência fosse lembrado e honrado para sempre.


5. Ficamos também a saber o que é Surata ( às vezes confundida com o próprio Alcorão):

Surata (ou Sura, do árabe sūrah - سورة) é o nome dado a cada um dos capítulos do Alcorão, o livro sagrado do Islão:

  • o Alcorão Sagrado é composto por um total de 114 Suratas ( capítulos);
  • cada Surata é, por sua vez, subdividida em versículos, chamados Ayat (ou Ayyat);
  • as Suratas variam muito em extensão; a mais curta tem apenas 3 versículos (Surata An-Nasr), e a mais longa tem 286 versículos (Surata Al-Baqarah);
  • no total o Coro tem maos de 6,1 mil versículos (a Bíblia tem 5 vezes mais).
  • as Suratas  não estão organizadas por ordem cronológica de revelação, mas geralmente seguem uma ordem decrescente de tamanho (as mais longas vêm primeiro, exceto a primeira, Al-Fatiha).
Em resumo, o Alcorão é o Livro Sagrado inteiro (o todo), que contém a palavra literal de Deus (Allah), revelada ao Profeta Muhammad (Maomé); a Surata é um Capítulo (uma parte) dentro desse Livro Sagrado; o Alcorão é a compilação completa das 114 Suratas. (***)

PS - É lamentável que tenhamos passado quase dois anos na Guiné, e lidado com muitos militares, milícias e população civil, de religião muçulma, e nada nem ninguém, no exército, se preocupou em  dar-nos umas "luzes" sobre o Islão, e os "usos e costumes" religiosos dos nossos camaradas do recrutamento local...Nós é que tivemos de descobrir o que era o "irã", o "Tabaski",o "fanado", o "choro"...
 
(Pesquisa, condensação, revisão / fixação de texto: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 13 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27418: Em memória de Sissau Sissé, que me acompanhou durante muitos anos no meu trabalho de terreno em Contuboel (Eduardo Costa Dias)


segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27435: Notas de leitura (1865): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maço de 2025:

Queridos amigos,
A meu ver, o grande mérito do atlas gizado por José Matos tem a ver com o teor da narrativa de uma bem estruturada sequência de texto e imagens elucidativas, uma narrativa que prima pela sua simplicidade de quem sabe tratar bem os seus trunfos da investigação e saber relevar aquilo que são matérias consabidas sobre as causas próximas do golpe do 25 de Abril com apontamentos às vezes parodiantes do comportamento humano; esta simplicidade da narrativa capta imediatamente o leitor, e ainda bem, é um modo original de apresentar os acontecimentos do golpe do 25 de Abril relembrando-nos que a simplicidade nada tem a ver com a vulgaridade da escrita. Parabéns, José Matos.

Um abraço do
Mário



Atlas Histórico do 25 de Abril, por José Matos, um confrade que nos dá imensa companhia (3)

Mário Beja Santos

Os conspiradores avançam para o regimento da Pontinha. É o caso do comandante Vítor Crespo, vem em representação da Marinha. “Como não sabia onde era esta unidade, teve de perguntar a um polícia que estava na rua, que achou estranha a pergunta, pois não era a primeira vez que alguém se dirigia para o quartel àquela hora da noite.” Vão chegando outros, Otelo trazia na mão uma pasta e dentro dela um mapa de estradas do Automóvel Clube de Portugal, uma carta militar de Lisboa e arredores, um mapa da cidade, o plano geral de operações; Lopes Pires levou um pequeno rádio para ouvirem as senhas. “Faltavam cinco minutos para as 23h00, quando a canção de Paulo de Carvalho se fez ouvir no Rádio Clube Português. Depois seria a vez da Rádio Renascença que passara às 00h20 a canção de Zeca Afonso. Era o sinal definitivo para dar início às operações em todo o país.”

Nem tudo começou a correr bem. O Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea e de Costa em Cascais não conseguiu sair na noite do golpe, devido ao facto dos comandantes da unidade terem bloqueado a entrada dos oficiais afetos ao MFA. O resto correu como o previsto. Vão sendo tomadas as posições. A sorte parecia favorecer os audazes. Quando chegou às instalações da Emissora Nacional, Luís Pimentel viu dois polícias armados e de capacete em frente à rádio. Ficou desconfiado, mas mesmo assim dirigiu-se aos dois agentes e disse-lhe calmamente: “Tenho aqui uma Ordem de Operações do Governo Militar de Lisboa para ocupar a Emissora Nacional.” De seguida, mostrou-lhes um documento que tinha forjado no Quartel da Carregueira. E o oficial entrou nas calmas.


Ocupou-se o Rádio Clube Português e às 04h26 Joaquim Furtado lia aos microfones da rádio o primeiro comunicado do MFA, escrito pelo Major Vítor Alves.
Joaquim Furtado, Luís Filipe Costa e Clarisse Guerra foram os três locutores a ler os comunicados do MFA no Rádio Clube Português (Arquivo do Rádio Clube)

Estavam já ocupadas as instalações das duas principais estações emissoras de rádio e a RTP. Membros do Governo começam a ter notícia das movimentações de madrugada, mas os mais operacionais ainda estavam na completa ignorância, caso do Ministro do Exército que às 03h00 garantia ao Ministro da Defesa que a situação estava sem alteração e perfeitamente sob controlo.

Otelo tinha preparado uma artimanha, um isco para atrair as forças favoráveis ao Governo. A unidade escolhida era a Escola Prática de Cavalaria de Santarém, estas forças blindadas viriam para o Terreiro do Paço para aí prender alguns membros do Governo, assim se faria convergir para o local dos ministérios as tropas do regime. Salgueiro Maia era o oficial responsável pelo comando. Na Escola Prática da Infantaria os revoltosos foram tomando conta do quartel, o segundo-comandante decide não aderir ao golpe. Salgueiro Maia já está a caminho com uma coluna de 240 homens que levam consigo dez viaturas blindadas e doze viaturas de transporte pessoal.

Mapa com o trajeto das tropas de Santarém até Lisboa

O primeiro comunicado do MFA é lido às 04h26, a essa hora já o Aeroporto da Portela tinha sido tomado pelas tropas vindas de Mafra. José Matos conta-nos histórias deliciosas como a que viveu o soldado mecânico da Escola de Santarém, Francisco João Ferreira, era ele que conduzia o jipe que comandava a coluna, a seu lado estava Salgueiro Maia. “Depois de tomar os objetivos previstos na baixa da cidade, a coluna de Santarém seguiu para o largo do Carmo, onde Marcello Caetano se tinha refugiado no Quartel da GNR. No largo do Carmo, o jipe do comandante da força serviu também para levar os emissários do regime (Pedro Feytor Pinto e Nuno Távora) a casa do General Spínola com uma mensagem do Chefe do Governo. Depois do regresso, João Ferreira precisou de abastecer o jipe e foi queixar-se a Salgueiro Maia. Este mandou-o ir a uma bomba de gasolina para atestar o jipe, mas o condutor queixou-se de que não tinha dinheiro. ‘Não é preciso. Vais a uma bomba, dizes que ela foi nacionalizada e atestas’.”

Tarde e a más horas, os operacionais do regime pensam numa reviravolta, enquanto arquitetam uma resposta já estavam cercados pelas tropas de Santarém. O autor dá-nos conta do que se vai passando noutras regiões do país, a Norte. A população portuense manteve-se um pouco alheada do que se passava em Lisboa durante grande parte do dia, os comunicados do MFA não chegavam ao Porto, só a meio da tarde é que chegou informação, a população anima-se, há confrontos com a polícia, esta, nos dias seguintes, não se atreverá a sair das esquadras com receio dos populares. O pessoal da PIDE/DGS entrará em fuga, os civis entraram nas instalações do Porto e destruíram ficheiros e documentos da delegação.

Unidades do MFA no norte de Portugal. Missões cumpridas.
Unidades do MFA no sul de Portugal. Missões cumpridas.

O golpe tornou-se imparável, nas emissões do MFA já passam conversas entre dirigentes das Forças Armadas apoiantes do regime que revelam a sua paralisia. Os ministros que se tinham refugiado no Terreiro do Paço fogem pela porta do cavalo, entraram numa carrinha e fugiram para o Regimento de Lanceiros 2, sede da Polícia Militar, uma das poucas unidades da capital que ainda estava do lado do regime. As forças de Cavalaria 7 avançaram para o Terreiro do Paço, isto numa altura em que um dos esquadrões de reconhecimento já tinha aderido ao golpe. Conversa puxa conversa, o segundo esquadrão passa para o lado dos revoltosos. A fragata da Marinha Almirante Gago Coutinho, em frente ao Terreiro do Paço, tinha recebido ordens do Estado-Maior da Armada, quando partia para Itália com outros navios da NATO e o seu comandante, Seixas Louçã, optou por não cumprir a ordem de disparar sobre as tropas estacionadas no Terreiro do Paço, as chefias insistem para que a fragata faça alguma coisa, fala-se em dar tiros para o ar, nada aconteceu.

Forças afetas ao regime comandadas pelo Brigadeiro Junqueira dos Reis avançam para o Terreiro do Paço, o primeiro embate ocorre na Ribeira das Naus, há gritaria e agressões, aos poucos é neutralizada a operação de desmobilizar os revoltosos do Terreiro do Paço.

Tropas de Cavalaria 7 que passaram para o lado do movimento dos capitães, na Baixa de Lisboa (Arquivo José Matos)

O resto é uma história já bem conhecida. Salgueiro Maia ocupa o Carmo, Marcello Caetano pretende falar com Spínola, não quer que o poder caia na rua, são estes os acontecimentos determinantes que levam à queda do Governo, Caetano é metido na Chaimite Bula e ficará detido na Pontinha, o Estado Novo está derrubado. Forças da Marinha vão cercar o edifício da PIDE, conversam com o diretor da PIDE que está acompanhado de Alpoim Calvão, retiram, entretanto, a multidão avança, os agentes abrem fogo sobre os manifestantes, estes voltam depois da queda do Governo, são recebidos a tiro, haverá 4 mortos e 45 feridos. À noite chegam ao local tropas de Cavalaria 3, haverá conversações, Spínola telefonará ao diretor da PIDE, este coloca-se às ordens do novo poder.

Pela madrugada, o país verá na televisão a Junta de Salvação Nacional, anuncia-se um programa novo para Portugal. Pelas 09h43 do dia 26, entra uma força na sede da PIDE, os agentes são desarmados, os agentes capturados irão ser transferidos para a prisão de Caxias, e haverá durante esse dia uma caça ao PIDE nas ruas de Lisboa. São libertos os presos políticos. Entretanto, o Almirante Américo Thomaz, que tinha sido esquecido pelos homens do MFA, vem a ser preso acompanhará Caetano e outros ministros na primeira viagem para o exílio, um voo com destino ao Funchal.

Foi no quartel da Pontinha que se juntaram os membros convidados para fazer parte da Junta de Salvação Nacional. Saber-se-á mais tarde que houve discussão séria entre Spínola e os homens do MFA sobre o teor do comunicado ao país, Spínola fez finca-pé que ficasse explícito na alocução que “a sobrevivência da nação no seu todo pluricontinental será garantida”, nos primeiros tempos não aparece qualquer referência à possibilidade de autodeterminação dos territórios africanos. A exceção passar por Otelo que entrevistado por uma jornalista da televisão espanhola insinuará que deverá haver um plebiscito. Otelo não dormia há dois dias, entrou no seu velho Morris 1100 e foi para a sua casa em Oeiras, tinha acabado de derrubar a mais velha ditadura da Europa.


Esta soberba obra de José Matos finaliza com a bibliografia essencial.
A Chaimite Bula entra no Quartel do Carmo para retirar em segurança os ex-membros do Governo (Arquivo Histórico da Assembleia da República/Coleção Miranda Castela)
_____________

Notas do editor:

Vd. post de 10 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27408: Notas de leitura (1862): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (2) (Mário Beja Santos)

Úlltimo post da série de14 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27421: Notas de leitura (1864): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P27434: Lembrete (54): Cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar, que se realiza amanhã, dia 18 de novembro, pelas 10h00, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa. Durante a cerimónia o nosso Editor Luís Graça será agraciado com a Medalha de Honra ao Mérito, grau Ouro, da Liga dos Combatentes


DIA DO ARMISTÍCIO

18 DE NOVEMBRO DE 2025

CONVITE DA LIGA DOS COMBATENTES

O Presidente da Liga dos Combatentes, Tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, tem a honra de convidar V. Ex.ª para a cerimónia Comemorativa do 107.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra e 51.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar, que se realiza no dia 18 de novembro de 2025, pelas 10h00, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa

********************

Embora a cerimónia seja aberta ao público (e em especial a todos os antigos combatentes), este convite foi expressamente enviado ao nosso editorLuís Graça, em nome do Tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, Presidente da Liga dos Combatentes, na medida em que o nosso editor Luís Graça será agraciado com a Medalha de Ouro ao Mérito, Grau Ouro, da Liga dos Combatentes, pelo trabalho desenvolvido neste Blogue, sítio único da Web dedicado exclusivamente aos Antigos Combatentes da Guiné.

Lembramos que o nosso editor aceitou a distinção, com a ressalva de que, a haver mérito pessoal no seu trabalho em prol da salvaguarda e divulgação das memórias dos antigos combatentes, ele tem de ser também associado a um vasto coletivo, que são todos os editores, colaboradores permanentes, autores, comentadores e outros que desde 2004 produzem, diariamente, o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Guiné 61/74 - P27433: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (15): recordações do meu tempo de menino e moço (Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, CefInt / QG / CTIG, Bissau, 1973/74)


Aurélio Gonçalves (1901-1984), "Nhô Roque",
"nick name" que o Carlos Filipe Gonçalves 
herdou do seu tio

Foto: Bibliotwca Nacional de Cabo Verde.
1. O I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (10 de agosto-3 de outubro de 1935) e os 50 anos de independência de Cabo Verde (5 de julho de 1975) continuam a ser um pretexto para ouvirmos alguns dos nossos amigos e camaradas cabo-verdeanos, e para mais mindelenses, como é o caso do Carlos Filipe Gonçalves (n. 1950) e o Adriano Lima (n. 1943).  O Carlos vive hoje na Praia, sendo radialista e jornalista aposentado, mas continua ativo como o unvestigador musical. (Fez no passado dia 12 de outubro, très quartos de século;
o nosso blogue ainda vai a tempo de lhe desejar boa continuação da caminhada pela picada da vida, 
com a proteção dos nossos bons irãs
da Tabanca Grande.)

 O Adriano Lima, por sua vez,  vive em Tomar, é cor inf reformado, escritor e colaborador do blogue Praia do Bote e do jornal Expresso das Ilhas.  Deixou a sua terra natal em 1963 e só lá voltou 40 anos depois.

Espantosa coincidêncai, o Carlos acaba por revelar que viveram amos, nos anos 50, na mesma rua no Mindelo, Rua de Papa Fria, depois  Rua dos Descobrimentos,  atualmente, Rua António Aurélio Gonçalves,  tio do Carlos (O Aurélio Gonçalves, "Nhô Roque", 1901-1984,  é uma figura de referência da cidade do Mindelo e da cultura de Cabo Verde.)

Mensagem de Carlos Filipe Gonçalves

Data - quarta, 12/11/2025, 12:29 

Olá, Bom dia,

Desculpas, pelo atraso na resposta…. Olha, fiquei entusiasmadíssimo com os dois emails recebidos, sobre a visita a Mindelo do I Cruzeiro de Férias, em 1935. Mas, cliquei em todos os links, do «I Cruzeiro» que me enviaste…. Mas não tenho acesso! Talvez, porque o ficheiro é volumoso, deve levar um bom tempo para carregar… vou, pois, experimentar, outra vez, com mais vagar.

Mas, despertou-me logo a curiosidade para pesquisar num jornal daquela época, «Notícias de Cabo Verde»,  que publicou/publicava muitas notícias da vida social na cidade do Mindelo, sobretudo bailes e actuações de orquestras… fui ao meu arquivo, mas… não encontrei nada sobre o baile em 1935 no átrio do Liceu Infante D. Henrique! 


Carlos Filipe Gonçalves

 Mas devo ir depois ao Arquivo Histórico, verificar, pois o que tenho, são pesquisas específicas sobre músicos e orquestras que constam, do meu livro “Kab Verd Band AZ Música & Tradições” (2023). 

Naquela época, um cruzeiro deste tipo era sempre notícia, por isso, deve lá estar…, mas, faltam muitos números e só existe a colecção completa na Biblioteca Municipal de S. Vicente… e eu estou na Praia. Mas irei tentar. 

Olha, o Liceu Infante D. Henrique mudou de nome e passou a ser o Liceu Gil Eanes, no edifício onde eu estudei até o 4.º ano em 1967… Depois passou para um novo edifício mais moderno e construído de raiz… mudou de nome mais uma vez, depois do 25 de Abril de 1974 para Ludgero Lima, um antigo porteiro no tempo do tal edifício em 1967… Coisas da «revolução»!

Por falar da Guiné, ainda não enviei o que escrevi sobre «o depois da Guerra» porque, é «terrível» o que aconteceu, e eles estão agora em eleições…. Também tenho estado a testar «reacções» aos meus textos junto do pessoal amigo da Guiné, mas, infelizmente, não correspondem…

Desejos de vida e saúde.

Forte abraço
Carlos Filipe Gonçalves
Jornalista Aposentado

2. Resposta do editor LG:

Data - quarta, 12/11, 14:50 (há 3 dias)
Assunto  - Mindelo 1935

Obrigado, Carlos: o link é este:


http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=1378&type=Video


Atenção: o url  deve começar começa por http (e nunca por https).

O sítio é seguro. o documentário merece ser conhecido, não entrou na época no circuito comercial... (Ainda não descobri as razões, tanto mais que o Secretariado Nacional de Porpaganda entrou com 150 contos, hoje um milhão de euros, de subsídioa0o cruzeiro).

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2025/11/guine-6174-p27386-1-cruzeiro-de-ferias.html


Vou publicar a Parte II sobre o Mindelo (incluindo a cena do baile noliceu Infante Dom Henrique) (**).. A visita ao Mindelo e ao interior da ilha de São Vicente), Ribeira de Julião o Adriano Lima) deve ter sido de menos de um dia... 

Depois o "Moçanbique" seguiu para a Praia... Não sei as datas precisas. O Vapor partiu a 10 de agosto de 1935 (e regressou a 3 ou 4 de outubro).

São cerca de 15 minutos (preciosos) dedicados a Cabo Verde (Mindelo e Praia) e outro tanto à Guiné (Bissau e Bolama).. Vais gostar de ver...Ainda náo tinhas nascido...Nerm eu. Nem o Adriano Lima-.

Vamos falando. Agora estou com pressa. Luis

PS - Dou conhecimento a outros "mindelenses". E tu, divulga.


3. Resposta do  Carlos Filipe Gonçalves:

Data sexta, 14/11, 11:50 (há 1 dia)

Olá, caro amigo e camarada:

Antes de mais, Saúde e Boa disposição.

Respondendo à tua pergunta, claro que conheço o Adriano Lima, sou muito mais novo. Conheço e bem a família dele, a mãe, os irmãos… sobrinhos… moravam na minha rua, nos velhos tempos, Rua de Papa Fria, depois Rua dos Descobrimentos, actualmente, Rua António Aurélio Gonçalves, o meu tio que me criou desde os 3 anos de idade…. E saí da nossa casa, naquela rua, aos 21 anos, em meados de dezembro, rumo ao CISMI em Tavira e nunca mais voltei.

Nos seus comentários, Adriano Lima, cita pessoas, que eu conheci, claro muito mais velhas, na época eu era um miúdo dos 7 a 8 anos: Manuel de Matos, era o dono da Fábrica Favorita que fazia pão e bolachas, Julio Bento Oliveira que foi Presidente da Camara de S. Vicente até ser substituído pelo escritor Teixeira de Sousa…


Quanto aos músicos, B.Léza, não o conheci, mas lembro do dia do falecimento, tinha eu, os meus 7 anos em Julho de 1958… fiquei sozinho em casa, pois toda a gente foi ao funeral… Mochim d'Monte e o Manuel Querena, ambos violinistas, bem com o Xavier da Cruz B.Leza, constam do meu livro «Kab Verd Band AZ Música & Tradições2 (2023) (vd. capa do livro, à esquerda).


Interessante, as recordações do Adriano Lima, pois podem servir para um texto explicativo da «banda sonora» do documentário, o que ajuda a compreender e situar as imagens…. 

Olha, ainda nos anos de 1950 na minha infância, os miúdos ainda andavam nús pelas ruas, ou perto da casa… e todos nós andávamos descalços… E na praça da cidade, onde tocava a Banda Municipal aos domingos, era proibida a entrada daqueles que ainda andavam descalços… e há muitas anedotas a respeito… a polícia, fiscalizava… Enfim, pata te dizer, só entramos na «idade moderna» depois de  1960… Eu já não já não apanhei os miúdos que mergulhavam para apanhar moedas, mas ouvi dizer

A terminar desejos como sempre, de Vida e Saúde para todos nós.

Forte Abraço
Carlos Filipe Gonçalves
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Notas do editor LG:

(*) Último poste da série > 16 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27429: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (14): a dupla "sodade", de Manuel Lema Santos (1942-2025) e de Cesária Évora, "Cize (1941-2011)

(**) Vd. poste de 13 de novembro de4 2025 Guiné 61/74 - P27416: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (12): o 1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente: Mindelo, agosto de 1935 - II ( e última) Parte

domingo, 16 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27432: Parabéns a você (2434): José António Viegas, ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1972/74) e TCoronel Art Ref José Francisco Robalo Borrego, ex-Fur Art do 9.º Pel Art (Bissau e Bajocunda, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 14 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27419: Parabéns a você (2433): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Sold At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Maria Arminda Santos, ex-Ten Enfermeira Paraquedista (Angola, Guiné e Moçambique, 1961/1970)

Guiné 61/74 - P27431: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-Fur Mil API, 2.ª CART/BART 6520/72, 1972/74) (25): A despedida do meu afilhado e o aluno que comeu a borracha de safar

Vista aérea de Tite

1. Mensagem, enviada ao Blogue em 13 de Novembro de 2025 através do Formulário de Contacto do Blogger, pelo nosso camarada Carlos Barros, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da 2.ª CART/BART 6520/72 (Tite, Gampará e Nova Sintra, 1972/74):

O Barros, ex-Furriel Miliciano (Armas Pesadas) da 2.ª CART/BART 6520, permaneceu, com o seu pelotão, em Tite, Gampará e Nova Sintra e, no total, foram 24 meses e 48 dias no inferno da Guiné.

O momento mais marcante, em termos históricos, foi a entrega do destacamento de Nova Sintra, ao PAIGC, rumo à liberdade.
Quando deixamos o destacamento, com partida em Enxudé, de LGD em direção a Bissau e mais, tarde, de Bissalanca, de regresso à Metrópole -Lisboa- em despedida, veio uma criança guineense despedir-se de mim, era o afilhado de batismo, batizado na Capela de Tite sendo eu seu padrinho.
Nadou uns 50 metros atrás da LDG acenando-me e as lágrimas invadiram o meu rosto e os soldados perguntavam-me:
Furriel o que é que tem? - Respondi-lhes:
Deixem-me em paz porque o silêncio, neste momento, é de que preciso.
Chamava-se Carlos, precisamente, o meu nome e foi um ADEUS para sempre...


********************
Vista aérea de Nova Sintra

2.ª CART/BART 6520 - "Os Mais de Nova Sintra"- Guiné, 1972/74

No quartel de Tite, onde me encontrava com o meu 3.º Pelotão, com o destino traçado para o inferno de Gampará, fui requisitado para as chamadas "aulas Regimentais" e também lecionar uma turma de alunos africanos - 1ª à 4ª classe- na companhia do furriel José S. Gonçalves.
Um dia, dei uma borracha -safa- a um aluno de 7 aninhos e que nunca tinha visto uma "safa" e passados uns minutos, iria explicar para que servia o material escolar que fornecemos.
Mamadu, onde está a borracha que te dei?
Ó "furiel" comi "barracha" era boa...

Fiquei atónito e nesse dia, não dei outra borracha e ainda bem que os outros alunos não tinham fome...
Foi apenas, uma cena real e que ficou na minha memória e ainda possuo a lista desses alunos, sendo as aulas dadas ao ar livre ou debaixo de uma árvore, uma ESCOLA DA NATUREZA...
Adorei a experiência e foi por isso, que mais tarde me tornei professor do 1º Ciclo do Ensino Básico para além de adorar ENSINAR e APRENDER no mundo da "aprendizagem infantil".
Toda a criança, é um "Mealheiro" onde guardamos as surpresas e pequenas histórias infantis.

Carlos Barros
Esposende, 13 de novembro de 2025
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Nota do editor

Último post da série de 19 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22118: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (24): "O papagaio embriagado"...

Guiné 61/74 - P27430: (Ex)citações (440): Estar com o amok, passar-se dos carretos, perder as estribeiras, estar f*dido dos c*rnos, estar apanhado do clima ou cacimbado... serão expressões equivalentes?


ºSíndroma de Amok"... Ilustração criada,
para o blogue, pelo Chat Português / GPTOnline.ai , sob instruções do editor LG


1. Escreveu o nosso camarada Jaime Silva, numa nota de leitura sobre o livro "Amok", de Stefan Zeig (*):


(...) "Recordou-me o momento, em que, pela primeira vez, ouvi pronunciar a frase: "deu-lhe o amok". Foi em Ninda, leste de Angola – Terras do Cú de Judas. Em fevereiro de 1970, quando fui render o tenente paraquedista Grão, no comando do 3.º Pelotão da 1.ª CCP / BCP 21. A companhia estava em plena fase operacional e, segundo me fui apercebendo, cada um dos 4 pelotões tinham encontrado forte resistência na zona.

"Entretanto, nas conversas que ia travando com os meus novos camaradas de armas, ouvia-os pronunciar, regularmente, uma expressão que nunca tinha ouvido e desconhecia: 'deu-me o amok, assaltámos a base e demos cabo daquilo tudo'; ou, ainda, 'cuidado com o gajo porque ele hoje, está com o amok'; ou, ainda, 'ninguém pode falar contigo, vai-te curar, estás com o amok'.

"Com o tempo fui interiorizando o significado desse termo. Fui percebendo que se referia a alguém que se tinha 'passado dos carretos', 'não via nada à sua frente' ou que 'estava apanhado do clima'!... Foi neste contexto que fui assimilando o sentido do termo, de tal modo que, ao longo da vida, com alguma frequência e, em circunstâncias de menor ânimo, dizia para comigo: 'hoje, não estás bem!... Hoje, estás com o amok'!" (...) (**)


2. Pesquisa do editor LG + assistente de IA / ChatGPT, Gemini, Perplexity,  sobre o termo "amok" / "amoque".

Existe o termo amok (em francês e inglês). Amoque ou amouco, em português.

A síndroma de Amok é, em psiquiatria, uma perturbnação que consiste em uma súbita e espontânea explosão de raiva selvagem, que faz a pessoa afetada atacar e matar indiscriminadamente pessoas e animais que aparecem à sua frente, até que o sujeito se suicide ou seja morto,

A definição foi dada pelo psiquiatra norte-americano Joseph Westermeyer em 1972.

É ainda hoje udsada como sinónimo de "loucura assassina". Mas na aceção que lhe davam os paraquedistas em Angola, ao tempo do Jaime Silva (1970/72),  parece ser mais  sinónimo de, em linguagem de caserna:

  • "estar fodido dos cornos",
  • "passar-se dos carretos",
  • "perder as estribeiras",
  • "estar cacimbado", 
  • "estar apanhado do clima"
  • "estar à beira de um ataque de nervos"...
É uma condição piscológica que pode predispor à violência (física ou verbal). Ora, amok  é já a exteriorização da violência até então latente. 

O nome vem do malaio meng-âmok, que significa “atacar e matar com ira", "atacar furiosamente ou lançar-se sobre alguém num estado de raiva incontrolável".

O termo entrou nas línguas europeias através dos relatos de viajantes e colonizadores portugueses e, mais tarde, ingleses, que observaram este fenómeno no Sudeste Asiático, especialmente na Malásia e Indonésia.


(ii) Registos portugueses do séc. XVI

Os portugueses foram os primeiros europeus a testemunhar e a descrever este comportamento. Aparece em registos logo do início do séc. XVI.

Nos textos de cronistas como Tomé Pires, autor da Suma Oriental (1515), e Duarte Barbosa (1516), já se menciona o termo “amouco”. Eles descrevem guerreiros malaios que, após um insulto, humilhação ou perda da honra, “se lançavam ao combate sem razão aparente, matando quantos encontravam, até que fossem mortos”.

Eis uma descrição típica (em ortografia moderna):

“Há entre eles alguns que, tomados de raiva e desesperação, correm pelas ruas com a espada desembainhada, ferindo e matando quem encontram; a isto chamam amouco.” (Duarte Barbosa, 1516)

Aqui está um excerto adaptado da Suma Oriental de Tomé Pires (c. 1515), um dos primeiros registos europeus do termo “amouco”, como era grafado então. Este texto é considerado uma das fontes mais antigas sobre o fenómeno que viria a ser conhecido em inglês como amok:

“Há entre estes malaios alguns que, de súbito e sem razão conhecida, tomam uma fúria tamanha que, correndo pelas ruas com uma adaga na mão, matam quantos acham pelo caminho, até que os matem.

Dizem que, nesse tempo, não sentem dor nem razão, e que é o diabo que os toma. A este furor chamam amouco.” (Tomé Pires, Suma Oriental, c. 1515)

(iii) Contexto histórico:

Tomé Pires era um boticário (farmacêtico) e diplomata português que viveu em Malaca logo após a sua conquista (1511). O seu livro descreve em detalhe as gentes e costumes do Oriente. A referência ao “amouco” mostra como os portugueses foram os primeiros a documentar este comportamento que, séculos mais tarde, seria objeto de estudo da etnopsiquiatria.

Mais tarde, exploradores ingleses e holandeses adotaram o termo, passando a escrever “amok”. No século XIX, a palavra tornou-se conhecida na Europa através da literatura colonial e da medicina tropical.

(iv) Significado em etnopsiquiatria:

A síndroma do “amok” descreve um estado súbito e extremo de fúria homicida em que o indivíduo, geralmente homem, entra num transe violento e ataca indiscriminadamente pessoas à sua volta, frequentemente terminando com a sua própria morte (por suicídio ou pelas mãos de outros). Se for apanhado e desarmado, pode ter um ataque de choro e não se lembrar de nada...

Tradicionalmente, acreditava-se que este comportamento estava ligado a crenças culturais, questoes honra pessoal ou possessão demoníaca.

Os estudiosos modernos (como Linton, Benedict ou Yap) interpretam o amok como uma resposta culturalmente moldada ao stress social e psicológico, comum em sociedades onde a repressão das emoções e a importância da honra (caso do Japão, por exemplo) são grandes.

Os portugueses interpretaram o fenómeno em termos religiosos e morais (como “possessão demoníaca”), enquanto os estudiosos modernos o entendem como uma crise psicossocial aguda, associada a contextos de pressão cultural e perda de honra.

O conceito de amok evoluiu na medicina ocidental, desde os relatos coloniais até à sua inclusão no DSM-4

(v) Uso moderno na psiquiatria:

Na psiquiatria contemporânea, o termo é usado para descrever um comportamento impulsivo, súbito e violento, muitas vezes associado a perturbações psicóticas, depressivas ou dissociativas.

No DSM-4, o “amok” era classificado como uma síndrome culturalmente específica (culture-bound syndrome). No DSM-5 essa categoria desapareceu. (DSM-5 é a sigla de Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, Quinta Edição, publicada pela APA - Associação Americana de Psiquiatria).

(vi) Curiosidades linguísticas:

Em português antigo, “amoucar-se” chegou a ser usado figuradamente, com o sentido de enfurecer-se subitamente ou perder o controlo, embora hoje esteja praticamente em desuso.

A expressão inglesa “to run amok” (correr como um doido / descontrolar-se completamente) é hoje usada de forma figurada para descrever alguém que fica  fora de controlo.

(Pesquisa, condensaçáo, revisão / fixação de texto, negritros: LG)

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Notas do editor LG:

(*) Vd.. poste de 7 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27395: Notas de leitura (1859): "Amok", por Stefan Zweig; Lisboa: Relógio D'Água, 2022 (Jaime Bonifácio da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista)

(**) Último poste da série > 28 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27360: (Ex)citações (439): Ainda a propósito dos bravos de Contabane... "O maluco do Carlos Azeredo está a bombardear a Guiné-Conacry", dizia, em pânico, o QG... (Carlos Nery, ex-cap mil, CCAÇ 2382, 1968/70)

Guiné 61/74 - P27429: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (14): a dupla "sodade", de Manuel Lema Santos (1942-2025) e de Cesária Évora, "Cize (1941-2011)


Foto nº 1 > Cabo Verde > Sáo Vicente > Mindelo> c. 16/17/18 de Março de 1968 > Cesária Évora, aos 26 anos. Festa privada para os cadetes do 11º CFORN, de visita ao Mindelo.


Foto nº 2 >Cabo Verde > Sáo Vicente > Mindelo> c. 16/17/18 de Março de 1968 >  Atuação de Cesária Évora, "Cize", para os cadetes do 11º CFORN (Curso de Formaçáo de Oficiais da Reserva Naval). Já cantava descalça.


Foto nº 3 >Cabo Verde > Sáo Vicente > Mindelo> c. 16/17/18 de Março de 1968 >   A "Cize" com os seus músicos.



Foto nº 4 >Cabo Verde > São  Vicente > Mindelo> c. 16/17/18 de Março de 1968 > Com Cesária Évora, então com 26 anos. Da esquerda para a direita, Henrique Oliveira Pires, António Campos Teixeira, José Manuel Vieira de Sá e José António Trindade Leitão, todos do 11.º CFORN (Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval)

Fotos (e legendas): ©. Manuel Lema Santos  (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Manuel Lema Santos (1942-2025).  Foto de LG (2012).

1. O nosso camarada Manuel Lema Santos (1942-2025), que hoje se despede da Terra da Alegria (*), era um apaixonado por Cabo Verde, a sua gente e a sua música, nomeadamente, a da "diva dos pés descalços",  Cesária Évora (1941-2011).  Essa era uma faceta que eu ignorava completamente.

Tinha família em Cabo Verde, pelo lado da mãe das suas filhas, sobrinha do poeta Jorge Barbosa (1902-1971). E ele próprio tem doces memórias daquela terra, como se pode ler nestes excertos de dois postes que publicou no seu blogue, "Reserva Naval", em 2018. 

São também uma genuína e sincera homenagem à grande cantora e mulher grande do Mindelo e um tributo à nossa Marinha e às guarnições das LFG - Lanchas de Fiscalização Grande que, durante anos, ali aportaram, vindas da Guiné, para trabalhos de reparação e manutenção. É uma homenagem a Cabo Verde, nos 50 anos da sua independência. E é sobretudo uma homenagem a um camarada da Reserva Nacional  que a morte, aos 83 anos, vem privar do nosso convívio.

Excertos de Blogue Reserva Naval > 28 de setembro de 2018 > Cabo Verde, 1968 - Cesária Évora com a Reserva Naval no Mindelo 

(...) Também como outros camaradas, cadete da Reserva Naval, incógnito, tive apenas um primeiro contacto efêmero com as gentes, hábitos e música de Cabo Verde, no decorrer da viagem de instrução do 8.º CEORN – Curso Especial de Oficiais da Reserva Naval, efectuado nas fragatas «Diogo Cão» e «Corte Real» que, na segunda quinzena de Abril de 1966, aportaram àquelas ilhas. Eram comandadas, respectivamente, pelos CFR Peixoto Correia e CFR Pinheiro de Azevedo, vindo este último a exercer mais tarde as funções de Primeiro-Ministro, após o 25 de Abril.

Era tradicional organizarem-se festas, convívios ou recepções por ocasião da visita de navios da Marinha Portuguesa a Cabo Verde. Recordo esses momentos quer na ilha de S.Vicente, no Grémio do Mindelo,  quer na ilha de Santiago, na cidade da Praia, com visitas guiadas às ilhas a que não faltou uma passagem pelo Tarrafal.

Mais tarde, no decorrer dos anos de 1966 a 1968, voltei ali nas deslocações que, aproximadamente de seis em seis meses, a LFG «Orion», tal como todas as outras lanchas do mesmo tipo, faziam da Guiné a Cabo Verde, por imposição de trabalhos de conservação e manutenção nos estaleiros navais da ilha de S. Vicente.

Quando ali aportavam mantinham-se ali estacionadas cerca de um mês em cada uma das vezes que o faziam. Então, já casado e com família próxima ali estabelecida, sempre fui naquelas casas recebido e tratado com carinho e atenção especiais que aqui gratamente recordo e, entre guarnição e familiares ou amigos, nunca me senti acossado por qualquer sentimento de solidão ou insularidade.

Tudo fez parte de uma etapa da minha vida de que recordo, entre muitas outras pessoas, um tio da mãe das minhas filhas, o poeta Jorge Barbosa cujo nome mais tarde foi atribuído à Escola Secundária do Mindelo, e um sem número de familiares e amigos que partilharam comigo mesa e convívio.

Na nostalgia de quem lembra de forma gratificante estas memórias, ficaram na “sodade di nha tempo ido” as sempre eternas mornas e coladeras que Cesária Évora tão bem interpretou e legou como herança cultural de um Povo. Algumas gravações, sempre escassas, guardo-as há muito comigo.

Como outros cursos, também o 11.º CFORN – Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval, em 1968, ali rumou na viagem de instrução de final de curso, nas mesmas Fragatas «Diogo Cão» e «Corte Real», desta vez comandadas respectivamente pelos CFR Eurico Serradas Duarte e CFR Mário Dias Martins. 

Teve lugar entre os dias 4 e 29 de Março de 1968, saindo de Lisboa e aportando a Ponta Delgada, Angra do Heroísmo, Horta, S. Vicente de Cabo Verde, Funchal e Porto Santo, antes de entrar de novo em Lisboa.

Tendo Cesária Évora nascido em 1941, no mês de Agosto, em Março de 1968 contava ainda 26 anos. A partir da chegada a Lisboa no dia 29 daquele mês, vamos ter em conta que no regresso da viagem de instrução as fragatas não foram a Porto Santo. Rumaram directamente para Lisboa, dois dias de viagem, com saída do Funchal num final de tarde.

 Fazendo contas "às arrecuas",  concluir-se-á que a saída do Funchal se efectuou no dia 27. Deduzindo o tempo de permanência na Madeira de 2 a 3 dias e mais outros 3 a 4 para ali chegarem de Cabo Verde, ficará o dia 19 de Março como provável dia de saída de S. Vicente.

Sem a pretensão de total rigor, quer na data quer na informação, nos dois ou três dias anteriores, terá decorrido uma festa-convívio que incluiu a actuação de Cesária Évora e de alguns elementos que, com "Cize", formavam o conjunto musical que a acompanhava.

Ainda que com meios empíricos, improvisados na hora, a sessão foi gravada, como é visível numa das fotos (a nº 1), mas da sua guarda e eventual conservação no tempo nada se sabe de concreto. Muito provavelmente, perdurará ainda esquecida num baú de recordações pertencente a algum dos muitos participantes na viagem.

Depois da chegada a Lisboa, do Juramento de Bandeira daquele 11.º CFORN e já como oficiais da Reserva Naval:

  • Henrique Oliveira Pires foi destacado para a Guiné como comandante da LFP «Canopus»;
  • António Campos Teixeira,  para o Grupo n.º 1 de Escolas da Armada:
  •  José Manuel Vieira de Sá,  para Angola como comandante da LFP «Fomalhaut»;
  • e José António da Trindade Leitão, para o Grupo n.º 2 de Escolas da Armada.

Como curiosidade adicional, foi o último ano em que aquelas duas unidades navais efectuaram viagens de instrução a Cabo Verde. A Fragata «Diogo Cão» foi abatida ao efectivo dos navios da Armada em 21Out68 e Fragata  «Corte Real» em 19Nov68.

Fontes:
Texto, fotos de arquivo, edição e arranjo de imagem do autor do blogue com fotos cedidas por elementos do 11.º CFORN


Manuel Lema Santos
1º Ten RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto


Excertos de Blogue Reserva Naval > 24 de setembro de 2018 >  Cabo Verde, Mindelo - Cesária Évora, "Cize", desaparecimento aos 70 anos.



Cesária Évora (1941-2011)


(...) 

Nascida no Mindelo a 27 de Agosto de 1941, Cesária Évora desde muito cedo que encarnou o espírito da genuína música tradicional das ilhas cabo-verdianas.

A afinidade com o Mar, o Mindelo na ilha de S.Vicente e as inúmeras arribadas de navios àquele porto transformaram muitos marinheiros em testemunhos desse talento mais que cinquentenário, sempre manifestado de forma singela, popular e simpática, mas arrebatadoramente livre numa expressão melancólica e magoada.

Mindelo, as noites de fresca aragem marítima, os banhos madrugada dentro na Baía das Gatas, as idas com os mergulhadores apanhar lagostas, o convívio com um povo culto, são e alegre, as manhãs na praia da Matiota e tantas vivências mais, foram retemperadoras para muitos "marujos" que, vindos da Guiné, aportavam ao cais de S. Vicente para fabricos, integrados nas guarnições das LFG-Lanchas de Fiscalização Grandes.

Também muitos Oficiais, Sargentos e Praças, quer dos Quadros Permanentes quer da Reserva Naval, que ali prestaram serviço ou em viagem de instrução, em unidades navais ainda cadetes, a quem tantas vezes foi dada a oportunidade de partilha daquele fraterno ambiente de convívio, participam certamente deste sentimento, já que Cesária Évora por diversas vezes actuou de forma quase privada, “a pedido”, 
com a simplicidade que se lhe conhecia.

Naquele dia de Dezembro  (**) ficaram especialmente tristes todos os que estiveram em Cabo Verde, tenha sido numa fugaz passagem ou em mais prolongadas estadas. Toda a força e vida de Cesária Évora, expressa em anos de embaixadora mundial da morna e diva dos pés descalços de Cabo Verde não foi suficiente para a manter entre nós.

De nada valeu o apoio médico, carinho de familiares, amigos e admiradores. Nascida no Mindelo a 27 de agosto de 1941, deixou o nosso convívio com 70 anos.

Ficou mais pobre Cabo Verde (***), privado de um património histórico cultural e musical de eleição. Mesmo todos os que, como nós, com ela conviveram e tiveram o privilégio de partilhar a sua presença e voz ao vivo, mesmo que só pontualmente, sentiram a perda.

Cize, como era conhecida, ficará para sempre entre nós, recordada nas mornas coadas entre memórias em cálidas noites de Cabo Verde e do Mindelo, do Grémio à Baía da Gatas, num talento reconhecido mundialmente ao mais elevado nível de consagração.

E que saudade... (****)

Manuel Lema Santos
1º Ten RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, edição e numeração das imagens: LG. O MLS náo seguia o acordo ortográfico em vigor. Respeitámos a sua vontade.)

___________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27427: In Memoriam (560): Manuel Lema Santos (1942 - 2025) , ex-1º tenente da Reserva Naval, 1965-1972; ex-Imediato no NRP Orion, Guiné, 1966/68... O velório é amanhã ,dia 16, das 10h00 às 17h30, no Centro Funerário de Cascais

(**) A Cize morreu a 17 de dezembro de 2011, aos 70 anos, na terra que a viu nascer.

(***) Último poste da série > 15 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27424: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (13): Mindelo, agosto de 1935: o que mostra e o que omite o filme de San Payo, de 1936 ("1º Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente") - Comentários -. ParteI (Adriano Lima, cor inf ref)

(****) A escolha deste tema é do próprio MLS:  Ver aqui a letra em crioulo.

Sodade

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

(bis)

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Ken mostrá-be es kaminhu lonje?
Es kaminhu pa Santumé

(bis)

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá
Si bo skrevê-m, N ta skrevê-be
Si bo skesê-m, N ta skesê-be ate dia ki bo voltá

Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau
Sodade, sodade
Sodade des nha térra Saniklau

(bis)

Composição: Amândio Cabral / Louis Morais.

Fonte: Com a devida vénia, Letras

sábado, 15 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27428: In Memoriam (561): Ana de Lourdes Duarte Gonçalves Mendonça da Silva (1951-2025), viúva do nosso camarada Torcato Mendonça, que faleceu no passado dia 12 de Novembro


Ana de Lourdes Mendonça da Silva (1951-2025)
Viúva do nosso amigo e camarada Torcato Mendonça (1944-2021)


Através da rede social Facebook, tomámos conhecimento do falecimento, no passado dia 12 de Novembro, da nossa amiga Ana de Lourdes, viúva do nosso saudoso camarada Torcato Mendonça.

Com a devida vénia ao Ricardo Mendonça, um dos dois filhos do casal, deixámos aqui um texto por ele publicado no seu mural, de homenagem à sua mãe:

Partiu uma Mulher Guerreira.

Lutou desde menina contra todas as adversidades que a vida lhe impunha. Nunca desviou o olhar, enfrentando cada desafio de cabeça erguida. Ao longo da vida, desempenhou diversas funções profissionais, tocando e ajudando muitos. Alguns - aqueles cujo valor permanece no coração - souberam prestar-lhe a devida homenagem.

Após quatro longos e duros anos de separação física, hoje descansa, finalmente, ao lado do seu grande Amor, o meu Pai, para toda a Eternidade.

Acompanhar-nos-ão sempre: nas memórias, na saudade, nos momentos em família.
O legado que deixam é incomensurável. E assim continuará, assegurado pelos seus três netos, que tanto os adoravam.

Vão em Paz. Descansem. Continuem a olhar por nós. Procurar-vos-ei nas respostas às minhas dúvidas - serão muitas, porque ainda me faltam aprender tantas lições… As boas apenas.

A vossa partida ensinou-me, mais do que nunca, que a Vida é dura. Mas também me mostrou a força do Amor que permanece.

Leiria, Monte Real, Ortigosa, 20 Junho de 2009 > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > Torcato Mendonça e Ana de Lourdes

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O nosso editor Luís Graça deixou, na rede social Facebook, esta mensagem endereçada ao Pedro e ao Ricardo, filhos da Ana e do Torcato:

Para os filhos Pedro e Ricardo, vão os nossos votos de solidariedade na dor por mais esta perda. Ana Mendonça foi a companheira de uma vida do Torcato Mendonça (1944-2021), ex-alf mil art, CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69), um histórico da nossa Tabanca Grande, e um dos mais ativos e produtivos colaboradores do nosso blogue (com cerca de 270 referências).

Foi também, de há muito, e enquanto vivo, um dos nossos conselheiros e colaboradores permanentes.

A Ana e o Torcato participaram nalguns encontros nacionais da Tabanca Grande enquanto a saúde de ambos lhes permitiu.

O casal vivia no Fundão.

Guiné 61/74 - P27427: In Memoriam (560): Manuel Lema Santos (1942 - 2025), ex-1º tenente da Reserva Naval, 1965-1972; ex-imediato no NRP Orion, Guiné, 1966/68... O velório é amanhã, dia 16, das 10h00 às 17h30, no Centro Funerário de Cascais


Manuel Lema Pires dos Santos (1942 -2025). Foto: Manuel Resende


Manuel Lema Santos, engenheiro e empresário, 
ex-oficial da Reserva Naval (RN)

1º Ten RN, 8.º CEORN, 1965/1972
1966/1968 - LFG "Orion" (Guiné, Oficial Imediato
1968/1970 - CNC/BNL, Ajudante de Ordens do Comandante Naval
1970/1972 - Estado-Maior da Armada, Oficial Adjunto




Escola Naval > Cadete do 8º CEORN (1965). Nasceu em  17 se setembro de 1942, em Barrancos, Baixo Alentejo.  (A partir de 1966, o CEORN passou a chamar-se CFORN - Curso de Formação de Oficiais da Reserva Naval)



VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > Manuel Lema Santos e Maria João (Massamá / Sintra)... O Manuel Lema Santos fez, antes do início do almoço, uma breve alocução, em nome da direção da AORNA - Associação dos Oficiais da Reserva Naval. Ofereceu ao nosso blogue várias publicações e uma medalha em bronze, comemorativa da fundação da AORNA, em 1995.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Morreu anteontem, quinta-feira, 13, no hospital de Cascais, vítima de aneurisma no coração,  o nosso camarada Manuel Lema Santos, um dos históricos da Tabanca Grande, para a qual entrou em 21 de abril de 2006 (*) . Tinha 83 anos: nasceu em 17 de setembro de 1942, em Barrancos.

O velório será, amanhã. domingo,  16/11/2025,  das 10:00 às 17.30, no Centro Funerário de Cascais,  segundo depois o corpo  para o Crematório de Cascais. Cremação às 18:00.(**)

Para a família, a esposa,  Maria João, as duas filhas  do 1o. casamento) e  os dois  filhos, vão os nossos votos de solidariedade na dor. Partilhámos, em vida,alguns momentos bons, quer nos encontros anuais da Tabanca Grande, em Monte Real, quer na Magnífica Tabanca da Linha, em Algés.

O casal também nos honrou com a sua participaçãoo no I Encontro Nacional da Tabanca Grande, na Ameira, em 14 de outubro de 2006.


 

Lisboa > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 
10 de junho de 2019 (antes da era da pandemia Covid-19)
> Manuel Lema Santos e Luís Graça.

Foto: LG (2019)


2.  O MLS tem mais de 60 referências no nosso blogue. É um histórico da Tabanca Grande.  Foi  o primeiro oficial da classe de marinha que nos contactou e pediu licença para entrar na nossa caserna. (O segundo foi o Pedro Lauret, em 26/6/2006, também ele imediato da LFG Orion,embora mais tarde, em 1971/73.)

Também é verdade, foi  o segundo, em mais de 900 membros registados, a pedir para sair, a meio da viagem, por "desconforto"  em relação a alguns camaradas e alguns temas, sensíveis e sobretudo "fraturantes",  como o dos desertores.  Respeitámos a sua decisão, retirámos o seu nome da nossa lista de A a Z, embora continuando a trocar com ele mails, a publicar postes em seu nome e a encontrarmo-nos, nomeadamente na Magnífica Tabanca da Linha, em  Algés.

A seu respeito escreveu ele, em 2006 (*):

(...) Fui apenas um entre os quase 3000 oficiais da Reserva Naval que, entre 1958 e 1982, desfilaram naquela Instituição; daqueles, cerca de um milhar terão desempenhado missões de serviço nas antigas colónias portuguesas, entre 1961 e 1975.

No meu caso, depois de um curso de seis meses na Escola Naval, a viagem de instrução de cadete e o juramento de bandeira com promoção a Aspirante (Outubro de 1965 a Maio de 1966) marcaram, em sucessão, instrução e formação, camaradagem, também crescimento.

Depois, já promovido a S osubtenente, o destacamento para uma unidade naval na Guiné, o NRP Orion - P362 (LFG - Lancha de Fiscalização Grande) onde fui oficial Imediato de Maio de 1966 a Abril de 1968; uma unidade naval de 42 metros, com 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças entre outras 6 idênticas (Argos, Dragão, Hidra, Lira, Cassiopeia e Sagitário).

Seguiram-se inúmeras operações, apoios à navegação (LDG, LDM, LDP, TT, embarcações e batelões) e oceanografia, escoltas, fiscalização, transportes, ataques e respostas, evacuação de feridos, prisioneiros e até transporte de agentes da PIDE. (...)


Depois de 2500 horas de navegação e dois anos decorridos, o regresso ao Continente, já como 2º tenente. Família constituída e a necessidade de completar a minha formação académica e profissional levaram-me a prorrogar, por mais algum tempo, a minha permanência na Velha Escola. Em 1972, promovido a 1º tenente, pedi a passagem à disponibilidade. (...) (*)



Autor dos blogues Reserva Naval e MLS 


3. O Manel tinha muito orgulho no seu blogue. Disponível aqui:


ou aqui, para o caso da família o descontinuar (náo sabemos qual a sua última vontade):


 Tal como era muito cioso das suas fotos, que tinham a sua "marca de água". 

Desse blogue dissemos: 

"Sem desprimor para outras páginas sobre a nossa Marinha, esta é uma verdadeira enciclopédia, de consulta obrigatória, sobre a nossa armada, nomeadamente do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial."

E tínhamos orgulho nesse blogue da nossa blogosfera, para mais criado por um dos nossos históricos.  A história da Reserva Naval da nossa Marinha (1958-1992) é também parte da nossa história.
 
Tivemos sempre, os dois,  uma relação leal e franca: nem sempre o nosso pensamento estava afinado  pelo mesmo diapasão mas respeitávamo-nos mutuamente, começando por reconhecer a nossa comum condição de antigos combatentes na Guiné.  

Conhecíamo-nos  pessoalmente desde 2006,  desde a Ameira. Além disso, éramos criadores e editores de blogues que, quer se goste ou não, são uma referência para muita gente que se interessa pela história e memória da guerra do ultramar / guerra colonial.

Uma das últimas vezes que falei com ele deixou-me transparecer alguma mágoa pela indiferença e ingratidão  de que se sentia vítima, nomeadamente pelos seus pares. 

 Concordávamos, os dois, que era uma pecha nacional, uma das "nódoas negras" que manchavam a "farda branca" dos portugueses (fossem  eles militares ou civis)...

De facto, nenhum de nós estava à espera de uma comenda mas quando se fazia, como ele, em 2022, oitenta aninhos depois de muito trabalho "pro bono", a favor dos outros camaradas (através das associações, organizações, blogues, etc.) sabia bem o reconhecimento e o apreço de quem direito, e sobretudo dos nossos pares...

De qualquer modo, o blogue "Reserva Naval" está também, em grande parte, salvaguardado com as capturas feitas pelo robô do Arquivo.pt, da FCT.

https://arquivo.pt/wayback/20210310063043/https://reservanaval.blogspot.com/
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Notas do editor LG:

(**) Último poste da série > 9 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27299: In Memoriam (559): Suleimane Baldé (1938-2025), régulo de Contabane, ex-1º cabo do Pel Caç Nat 53 (1968-1974), filho do régulo Sambel Baldé e de Fatumatá; fica inumado, simbolicamente, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 908