sábado, 7 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18819: História de vida (47): O centenário dos nossos pais (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

1. Em mensagem do dia 3 de Julho de 2018, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviou-nos este belíssimo texto a propósito do centenário de seus pais que ocorre este ano.


O CENTENÁRIO DOS NOSSOS PAIS

Para recordar e homenagear os nossos pais, no ano do centenário do seu nascimento, estamos aqui os filhos, os netos e os bisnetos, está toda a sua descendência.

Ele chamou-se Emídio António Baptista. Ela chamou-se Maria das Dores Magalhães. Nasceram na Rua dos Paus, em Brunhoso, em casas que distavam entre si cerca de cem metros. Nesse convívio próximo, que marcou o seu crescimento de meninos e adolescentes, aprenderam a conhecer-se, a estimar-se e a admirar-se.

Ele, sendo o filho varão mais velho da família, com a morte do pai, que aconteceu quando tinha apenas 16 anos, teve uma adolescência difícil pois teve que trabalhar duramente na lavoura e ajudar a mãe a dirigir a casa agrícola. Muitas vezes a nossa mãe, na varanda ou atrás das janelas, terá visto esse seu vizinho passar com carros de vacas, carregados ou vazios, para as hortas, para as sementeiras, para as colheitas do trigo e do centeio ou para a cortiça.

Fisicamente era bastante alto, forte, atlético e ágil. Sem nunca se vangloriar disso foi durante muitos anos campeão do lançamento da relha e do ferro, jogos tradicionais muito praticados pelos jovens e homens desse tempo. Nas feiras de Mogadouro vinham por vezes lançadores doutros concelhos a desafiá-lo para a prática desses jogos.

Ela era uma jovem inteligente, bonita, duma vaidade austera, humilde na sua relação com todos mas orgulhosa dos pais que tinha. Gostaria de ter sido professora primária mas não a deixaram estudar. Nesse tempo o dinheiro não abundava e aos filhos de pequenos lavradores nunca lhes era dada essa possibilidade.

Aprendeu a costurar, arte que lhe foi muito útil para vestir filhas e filhos durante muitos anos, aprendeu a tratar do linho, da lã, a tecer e a fazer outros trabalhos domésticos.

Já numa fase tardia da adolescência, frequentando esporadicamente a casa dele, na companhia da Adelaide, sua irmã mais velha, de quem era amiga, duma forma discreta, como ambos gostavam, sem palavras, com um olhar claro e transparente, terá respondido ao olhar dele, que sim, que o amava.

O arquivo secreto da nossa mãe, onde guardava as cartas do namorado, depois marido, e dos filhos, era numa arca de madeira, no meio de lençóis de linho. Foi lá que uma filha, adolescente e curiosa, encontrou um dia algumas cartas que o namorado lhe terá escrito durante a vida militar. Cartas que começavam sempre por “Minha Maria”. Mas a nossa mãe encontrou-a nesse delito de inconfidência, quando ainda só tinha lido uma carta. Foi uma pena para a história da família, pois essas cartas nunca mais foram encontradas e perdemos a possibilidade de conhecer melhor o lado mais meigo e gentil do nosso pai que sendo educado na sociedade paternalista transmontana, procurou sempre esconder debaixo duma capa mais dura.

Do que escreveu, restam apenas três livros de deve e haver, de uma escrita simples de contabilidade dum lavrador e negociante de cortiça, com algumas observações ocasionais sobre a sua vida pessoal e familiar, que os filhos tiveram o cuidado de guardar.

Casaram com a idade de 24 anos e foram viver para uma casa pequena, próxima da casa da mãe dele, que tinha sido duma parenta conhecida por Maria Pequena. Só com cozinha e um quarto, foi a casa onde tiveram os primeiros filhos, dois ou três. Mais tarde foram viver para casa dos pais dela, enquanto iam construindo a casa deles, que encheram de filhos. Foram dez os filhos, três morreram ainda meninos. Somente recordamos, alguns de nós, o Zézinho, um menino calmo e meigo, de tez clara, era o mais novo de todos, um menino muito lindo, dizia toda a gente, segundo a nossa mãe. Era muito lindo, eu conheci-o.

Dos sete que se criaram falta aqui um, infelizmente morreu cedo, o Tomás, que hoje recordamos igualmente com muita emoção. Foi um grande trabalhador, tanto na casa dos pais como na casa dele, quando constituiu família. Eu, muito próximo dele na idade, nalguns trabalhos e noutras vivências, senti muito a sua falta. Todos os irmãos a sentem, cada qual à sua maneira, os filhos muito mais.

As boas árvores conhecem-se pelos frutos que produzem e o Tomás deixou três filhos e uma filha, todos bem educados, honrados e trabalhadores.

Os nossos pais, de início com poucos meios para criar a família que crescia quase todos os anos, foram cultivando terras emprestadas pela mãe dele ou pelos pais dela. Por outro lado, ele começou a negociar em cortiça, um negócio que já fora do pai dele e dum seu avô. Já conhecia alguns produtores do concelho e alguns fabricantes de Lourosa. Tinha uma grande convivência e amor, aos sobreiros que algum avô ou bisavô dele tinha semeado ou plantado nos montes da Lagariça, Ferreiros, Ortelã, Ribeira, Relva e Azinhal. Conhecia bem a cortiça.

Negociar é uma arte de que somente alguns conseguem conhecer os segredos e sabem praticá-la com êxito. Para além da seriedade e da fidelidade à palavra dada, com o seu feitio reservado mas sempre cordial, sabia usar as palavras certas para conquistar a confiança e a simpatia dos outros, o que transformava as suas relações comerciais em relações de verdadeira amizade.

A nossa mãe trabalhava muito. Andava sempre cansada, dizia-se que sofria do coração, mas nunca parava. Gostava de ter meninos, adorava-os. E os meninos cresciam, ficavam grandes e continuavam a dar muito trabalho. Mas ela continuava com um amor imenso a esses meninos que iam crescendo e se faziam homens e mulheres.

Ajudava algumas pessoas mais pobres. Com muita discrição uma vizinha, boa pessoa, com poucos recursos, de quem o homem até não gostava muito por a achar muito intrometida. Dava esmolas às ciganas que lhe batiam à porta a pedir pão, batatas e o azeite para o fiolho. Todas essas mulheres tinham muitos filhos, ela também mãe de muitos filhos imaginava a dor das outras mães por não terem pão para lhes matar a fome. Uma delas, uma cigana gorda, mal encarada, pedinchona, batia-lhe à porta quase diariamente e a nossa mãe dava-lhe sempre esmola, contra a vontade de alguns dos filhos, que não gostavam dela. É que essa cigana além de ter muitos filhos era viúva. Ajudava muito, também, as famílias de triteiros - faziam pequenas acrobacias, eles e os filhos e outros pequenos números de circo – que por vezes lhe pediam a curralada, em frente à casa, para se albergarem e darem espectáculos.

O nosso pai, tenho pensado que sem dar esmolas, dava uma boa ajuda aos seus trabalhadores, da seguinte forma:
Depois das ceifas, das colheitas do trigo e do centeio e da tiragem da cortiça, os meses de Setembro, Outubro e Novembro agravavam muito a pobreza dos trabalhadores, pois a colheita da azeitona só começava a 8 de Dezembro. Lembro-me que nalgum desse tempo parado, que podia ser de fome para algumas casas, contratava quinze a vinte homens, dos mais habituais ao serviço da sua casa agrícola, para trabalhar na Lagariça a fazer desmatagem dos sobreiros. Mas essa desmatagem profunda, feita com o arranque manual dos arbustos feita com pás e picaretas, durante cerca de um mês, nunca chegava a atingir meio hectare, o que não era significativo face aos vários hectares de área de sobreiros que ele lá tinha. Durante muito tempo intrigou-me esse facto, mas depois, conhecendo o carácter discreto do nosso pai e o respeito que tinha pelos trabalhadores, acabei por me convencer de que ele fazia essa desmatagem para benefício dos sobreiros mas sobretudo para benefício dos homens, que eram dignos chefes de família como ele e que precisavam de dinheiro para a alimentar, mas que também, sabia-o ele bem, nunca aceitariam esmolas de ninguém.

Era simpático com os jovens, comprava-lhes sacos de cavacos de cortiça, a bom preço. Alguns dos nossos primos e outros desse tempo ainda hoje me falam nisso. Aos filhos não nos comprava nada, talvez com receio de irmos encher os sacos às rimas de cortiça dele. Eu, de garoto, só me lembro dos trocos dos responsos que me dava o padre Zé na Igreja, e alguma coroa que encontrava quando andava ao rebusco lá em casa.

Se me encontrava na rua à luta com outros rapazes chamava-me e dava-me umas bofetadas com a mão dura dele, que magoava mesmo. Eu achava-o injusto porque pensava que o culpado da luta era o outro e o meu pai nem razões queria saber. Era assim, bastante duro com os rapazes, filhos dele, a quem procurava educar através duma educação espartana. Queria fazer de nós guerreiros destemidos. Recordo-me que, quando mobilizado para a Guiné, fui passar três dias a Brunhoso com ele, ele que nunca tinha cozinhado, fazia umas sopas muito boas. Estava sozinho, a mulher estava com os mais novos, que estudavam em Vila Real. Quando parti, foi comigo a Mogadouro, a despedida foi perto da estátua do Trindade Coelho, ele comoveu-se e deixou cair umas lágrimas, eu fiquei emocionado. Enfim, as lágrimas de um duro comovem qualquer guerreiro.

Com as filhas era mais meigo e tolerante e se tinha alguma censura a fazer-lhes encomendava-a à mulher. Quando veio a moda da mini-saia muitos recados ouviu a nossa mãe por causa de uma filha, que habilidosa, subia sempre as saias que a mãe lhe fazia abaixo do joelho.

O nosso pai morreu cedo, aos 59 anos, depois duma doença grave que o atormentou durante três anos. A nossa mãe, viúva, com a mesma idade, sofreu muito com a partida do seu companheiro de sempre. Para agravar o enorme desgosto pela sua morte sofreu muito pela solidão em que ficou na sua casa vazia. Os filhos, alguns estavam casados, outros trabalhavam longe e outros ainda estudavam. Enquanto a saúde lho permitiu nunca quis deixar a casa dela, apesar de solicitada por filhas e filhos. Algum tempo mais tarde, a Lurdes, já casada e com meninas, alegou que precisava da ajuda dela e conseguiu levá-la para junto de si alguns anos.

Estava presa à terra dela com raízes fortes. Lá estavam todas as suas melhores recordações, dos seus queridos pais, do seu marido e dos filhos nas suas várias fases de crescimento. Na Igreja, essa casa grande e sagrada que a transportava para junto de Deus, todos os Santos lhe eram familiares.

Gostava de ir à horta de Lamas, esse chão para ela sagrado, que herdara dos seus pais, que ajudara a cultivar e tratar ainda menina, com os pais, e já adulta, com o seu homem e os filhos. A burra dela, muito dócil, foi o seu transporte e boa companhia de muitos anos, no caminho para lá, que os netos e netas adoravam, sobretudo quando subiam nela para a beira da avó. Gostava de encher a despensa com todo o género de hortaliças para dar aos filhos quando iam estar com ela ou somente visitá-la.

Porque lhe sobrava o tempo e porque não gostava de estar parada fazia também colchas de renda para os filhos.

O quarto dos nossos pais conserva ainda na parede da cabeceira da cama um quadro com a imagem do Sagrado Coração de Jesus, um grande rosário de cortiça numa outra parede e algumas imagens e estatuetas de santos pousados sobre uma cómoda, onde também se encontra um retrato de um soldado garboso, fardado com elegância, dos finais da década de trinta do século passado. Quando o seu Emídio morreu, a nossa mãe foi buscar essa fotografia do seu namorado, à arca onde a tinha guardado, e colocou-a nesse altar junto dos santos. Tinha-lhe sido enviada por ele de Mafra onde esteve na tropa, com uma linda dedicatória e era a única que tinha da sua juventude. A fotografia torna o nosso pai mais presente, a nossa mãe está presente em toda a decoração que ela fez, que as filhas e netas mantêm, com santos, santas e o amor da sua vida.

No silêncio do dia, da aldeia quase deserta, há uma nostalgia que se espalha pela casa vazia que parece trazê-los à vida. Eles continuam vivos, vivos no sangue que nos corre nas veias, vivos no amor, no trabalho, na dedicação, vivos nos ensinamentos e nos exemplos de vida, que foram muitos. Vivos na raça, na coragem, no génio, os nossos pais, vossos avós e bisavós, foram uns heróis e como os heróis eles são imortais!

Tiveram muitas qualidades, que sempre gostámos de ver projectadas em filhos e netos. Legaram-nos uma herança imaterial imensa, muito mais valiosa do que as terras ou sobreiros que nos deixaram, que todas as gerações de Magalhães Baptistas têm que preservar

Francisco Maria Magalhães Baptista
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 de julho de 2018 30 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18470: História de vida (46): O meu saudoso mano mais novo, Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014) (João Schwarz da Silva) - III (e última)

Guiné 61/74 - P18818: Os nossos seres, saberes e lazeres (275): De Aix-en-Provence até Marselha (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 20 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Foi bom regressar a Arles, sabe muito bem pôr os pés em diferentes estádios da civilização, aqui prepondera o romano, o romanesco, o gótico e um certo feitiço dos séculos da penumbra, antes da cidade reocupar a atenção que lhe passou a ser conferida por ser Património da Humanidade. Calcorreou-se lugares conhecidos, mas o polo da atração era um museu que tem uma posição fascinante junto do Ródano, pejado de tesouros, só desenhos de Picasso estão lá 57, há para ali fotografia de muitos génios, convém não esquecer que Arles se arroga a possuir um centro de fotografia de fama internacional.
A próxima visita também será de arromba, aquele viandante que já visitou Pompeia e museus arqueológicos em Roma ou Nápoles nunca vira uma arquitetura tão faiscante para acolher peças de tantíssima qualidade do génio romano.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (7)

Beja Santos

Antes do viandante voltar a Arles, em plena ponte de Avignon, olhando para a outra margem do Ródano entrou numa certa euforia, naquela vegetação do Sul de França anunciava-se a primavera, apareciam as primeiras folhas, já tinham sido avistadas as chamadas flores bravias, agora é um maciço florestal que começa a vicejar, que bonito, esta ode à alegria, ao renascimento!


Estamos em Arles, é dia para deambulação e de visita a corpo inteiro ao Museu Réattu. Pelo caminho, registam-se detalhes como estes dois, esta porta de gótico final, digam lá a verdade se não há aqui uns sinais de manuelino.


Já muito se disse sobre o portal de São Trófimo, uma inexcedível beleza do romanesco provençal. Entrando na catedral, confessa-se que toca a imponência, mas para se ser franco escasseiam os adjetivos. Ergue-se sobre o antigo fórum romano, é basílica de três naves, diz o guia turístico que é a maior e a mais esbelta desta época da Provença, último quartel do século XII, exalta-se a sua extraordinária parcimónia. Os historiadores de arte têm dificuldade para uma boa datação, há lá construção do início do século XI, muitos elementos do século XII, a cabeceira data do século XV. Enfim, arquitetura compósita, um tanto como por toda a parte, ia-se fazendo aos poucochinhos, remendava-se, alteava-se, os doadores rasgavam capelas, outros benfeitores adornavam com alfaias religiosas, frescos, pinturas.


Também do claustro de São Trófimo já se fez exaltação, mas foi durante o passeio, depois de contemplar a perfeição das esculturas, de admirar o programa teológico, com apóstolos, o túmulo vazio de Cristo depois da Ressurreição, a ascensão de Cristo aos céus, e muito mais, que num determinado ângulo, com céu esborratado de nuvens se apanhou este ângulo até á torre, e nos fica a ilusão de que ela se adornou daquele azul profundamente azul, como se também ascendesse para encontrar Cristo.


A cidade romana está por toda a parte, mas é um grandioso anfiteatro onde os turistas chegam, trata-se do seu monumento maior, mexendo nos guias, folhetos e mapas, aparecem cores que pouco correspondem ao que o viandante visualiza, muito lhe agrada esta imagem com os seus claros-escuros, sombras misteriosas, pois para ali há corredores subterrâneos, mas o que esmaga são estas possantes arcadas exteriores com passagens em corredor, a contornar toda esta monumentalidade. Todos os epítetos são menores perante este exercício de génio. E ponto final.



Cá estamos, o Museu Réattu é o prato de substância para dia tão primaveril. Houvesse espaço e mostrava-se várias imagens para se ver uma certa grandiloquência desta construção, aqui esteve o grão-priorado de uma ordem de cavaleiros. Depois o pintor Jacques Réattu (1760-1833) comprou o edifício que hoje alberga o museu. Há muita produção local, a começar pelas obras de Réattu, mas Picasso ofereceu 57 desenhos da safra de 1970/71, tinha o génio malaguenho 90 anos. A graciosidade disto tudo é que o edifício está na curva do Ródano, tem várias paisagens a seu favor, a intensidade luminosa do céu, o tumulto da corrente do Ródano, uma linda margem e muitos sinais tanto do Império Romano como da Idade Média.




Aqui misturam-se facilmente o antigo e o moderno, pois há diferentes coleções, fruto de diferentes doações e um esplendoroso acervo fotográfico, lá iremos.




Há um belo Picasso dentro de um florilégio de arte contemporânea, vejam-se duas obras de aproveitamento, uma de lixo, outra de junção de instrumentos de trabalho.




O viandante aproveitou a oportunidade para se empanturrar do que há de melhor em fotografia, temos aqui imagens de consagrados como Dora Maar, Edward Weston, Cecil Beaton, Ansel Adams ou Gisèle Freund, só por esta oportunidade, enquanto por aqui se ciranda, já só se pensa em regressar, feita a digestão de tão magnificente banquete. Aquela bailarina, feita torso seco de carnes a sair da escuridão, Virgínia Woolf fotografada por Gisèle Freund, e aquela impagável fotografia de Julia Pirotte, Rapaz perante um cartaz de cinema, imagem de 1944. Sem palavras.

(Continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18794: Os nossos seres, saberes e lazeres (274): De Aix-en-Provence até Marselha (6) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18817: (In)citações (120): SOS, Língua Portuguesa: a situação na Guiné-Bissau e em Angola (São e Paulo Salgado, ex-cooperantes)

1. Texto enviado ontem, para publicação,  pelos nossos amigos e grã-tabanqueiros Paulo e São Salgado, um casal com larga experiência de cooperação nalguns PALOP, como é o caso da Guiné-Bissau e de Angola, e em particular nas áreas da saúde e da educação. O Paulo, além de gestor e consultor em gestão de saúde,  foi alf mil op esp da CAV 2721, (Olossato e Nhacra, 1970/72). A São é economista. Ambos são transmontanos de Torre de Moncorvo, e vivem em Vila Nova de Gaia.

SOS – Língua Portuguesa!

O que vamos escrever sobre a língua portuguesa nas ex-colónias portuguesas, países independentes há várias décadas, não são comentários de comentários, glosas de glosas, sobre o muito que já foi referido sobre este assunto (*).

Pode esta ser uma apreciação ou um contributo nossos; não mais do que isso (**). E reflecte a nossa experiência e, de algum modo, as preocupações de quem foi cooperante na área da educação e na área da saúde. Desde já pedimos indulgências a quem souber mais do que nós – e há muitos que sim, em especial quem trabalha no Instituto Camões, ou por alguns estudiosos atentos e historicamente isentos. Apenas focamos o que sabemos sobre a Guiné-Bissau e Angola, não obstante termos visitado Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

Primeiro: O português falado na Guiné-Bissau, em Angola, em Moçambique, em S. Tomé e Príncipe, em Cabo Verde e em Timor apresenta diversos matizes e dimensões. Tendo sido declarado como a língua oficial, verifica-se o seguinte relativamente à Guiné-Bissau e a Angola, mas considerando que se trata de uma visão parcelar:

a) Na Guiné-Bissau, os textos oficiais são em português, seja nos Tribunais, seja na Presidência da República, seja no Governo, nas escolas e noutros serviços públicos (embora nas escola, haja tendência para “fugir para o crioulo…). 

Nos eventos a que assistimos e ou em que participámos, como congressos, workshops, jornadas, etc., se a língua oficial era e é o português, muitas vezes, ou quase sempre, se encaminhava para o crioulo, porque era mais fácil e envolvente a comunicação para todos os participantes. 

Recordamos três exemplos, entre muitos: 

(i) as orientações de natureza clínica às matronas (parteiras das e nas tabancas) eram em crioulo e as próprias imagens ilustrativas tinham as designações nesta língua – o que, nestas circunstâncias, era correcto de forma que as mensagens passassem plenamente para as destinatárias; 

(ii) nas sessões de formação que orientámos tivemos de usar muitas vezes o nosso fraco crioulo; num determinado momento, o então Secretário de Estado da Saúde, pessoa que domina perfeitamente o português e que eu estimo muito, referiu-me, a mim, Paulo Salgado, que deveria aprender o crioulo. 

(iii) uma nota mais: existia o Centro Cultural de Portugal e existia, à data das nossas várias presenças na Guiné-Bissau, o Centro Cultural do Brasil – duas instituições interessantes, operacionais e interventivas; mas existia, em edifício, pujante e em crescendo de influência, o Centro Cultural Francês; decerto, acreditamos, que desde 2006 muitos factos concretos terão ocorrido em matéria de cultura e de ensino das línguas portuguesa e francesa.

b) Em Angola, nas cidades, fala-se o português, por vezes com um ligeiro sotaque, frequentemente em bom português; no interior (aldeias e comunas), que visitámos, não se falava o português ou falava-se mal. São as línguas nativas que servem de meio de comunicação. 

No entanto, por exemplo, nos congressos das Ordens dos Médicos, dos Advogados e noutros eventos fala-se o português, embora houvesse situações, compreensíveis, de intervenções em inglês e espanhol. Uma nota: os brasileiros têm contribuído, de algum modo, para difusão da língua portuguesa.

Segundo: Nas tabancas da Guiné-Bissau ensina-se o árabe (ensino praticado pelos marabus), junto dos povos que seguem o Islão, e ali aprendem as crianças a língua árabe; recorda-se que a língua árabe tem mais falantes do que qualquer outro idioma e é falada por mais de 280 milhões que a usam como língua materna, seja no Norte de África e boa parte da África Subsariana, seja no Sudoeste Asiático e Médico Oriente. É a língua oficial de 26 países; o Corão, o livro sagrado islâmico, foi escrito nesta língua. Falada em 58 países, o árabe só é menos difundida no mundo do que o inglês

Terceiro: Na época da guerra colonial, que o escriba Paulo Salgado viveu durante 23 meses, Cabral procurou fomentar o português, que se ensinava nas matas, não obstante as dificuldades; há livros e cadernos interessantes desta atitude do grande pensador, político e lutador, e de outros seus companheiros de jornadas. Quem, militar que tenha sido na Guiné, não sabia que jovens professores ensinavam disciplinas, sobretudo aprender a ler e escrever e a contar, nas zonas libertadas, em português?

Quarto: Em Angola, com a presença de várias centenas de milhares portugueses da Metrópole durante os séculos XIX e XX, houve um processo de disseminação da língua, aliás uma forma de assimilação amplamente fomentada pelas autoridades coloniais, assimilação tão cara e defendida pelos europeus em África e noutras partes do Mundo.

Quinto: Portugal não tem sabido efectuar, em partilha saudável, de forma eficaz e efectiva, o desenvolvimento da língua. Não tecemos comentários sobre este fenómeno. Mas dizemos o seguinte: por que razões não se instalaram escolas de ensino do português nas cidades dos Países que adoptaram o Português? Por que razão não soubemos fazer como os ingleses e franceses que têm abundantes escolas nos países anglófonos e francófonos, respectivamente? 

Decerto que instalar uma escola em cada cidade e vila mais importantes destes países de expressão portuguesa, enviar professores portugueses e recrutar alguns locais, e formar outros em cada País seria dispendioso. Mas não valeria o sacrifício? Isto, não com a ideia de “colonizar”, mas de ajuda num registo de cooperação autêntica, fraterna, solidária, de acordo com o princípio da reciprocidade. Bem sabemos que são meritórias algumas iniciativas, quer institucionais, quer individuais, nestes dois países, interessantes, mas episódicas, não duradouras.

Sexto: Seria na educação e na saúde o grande exemplo de Portugal de cooperar com estes países. É, cremos nós, um imperativo ético e histórico.

Duas notas finais:

Primeira – Nós respeitamos o que alguns camaradas do blogue afirmam, ou que transmitem nas mensagens, como é óbvio; no entanto, se estamos no mundo da globalização, para o qual contribuímos de forma intensa no período das Descobertas (ou expansão), qual o nosso papel no Mundo? É o de deixar correr? É o de pôr a cabeça debaixo da areia?

Segunda – A nós interessa a História; passar ao lado da História é como desistir, e isso nós não queremos.

Os tabanqueiros,

Maria da Conceição Salgado e Paulo Salgado
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)

(**) Último poste de 10 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18731: (In)citações (119): Coisas e Loisas acerca da nossa Guerra de África, das nossas Forças Armadas e da Descolonização e dos seus Destroços (1) (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P18816: Notas de leitura (1081): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42) (Mário Beja Santos)

Cine-Bolama. Fotografia extraída, com a devida vénia, do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, a fotografia é de Francisco Nogueira, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Chegámos aos derradeiros relatórios, cobrem os anos de 1970, 1971 e 1972, nada mais consta no Arquivo Histórico do BNU.
Procurando levar este empreendimento a um bom porto, segue-se, por sequência cronológica o acervo documental de ofícios, informações sobre as mais variadas matérias, desde quezílias entre os gerentes de Bolama e Bissau, confrontos entre o gerente de Bissau e o médico avençado, peças como um telegrama em que o gerente de Bissau comunica em Janeiro de 1971 que o governador solicitava ao BNU que participasse com mil contos para a constituição de uma sociedade destinada à publicação de um jornal na Guiné, a administração deliberara não adquirir posição de acionista mas pusera à disposição daquela entidade o pretendidos mil contos como ajuda do banco, por isso mesmo o gerente deveria avistar-se com Sua Excelência o Governador e comunicar-lhe a decisão de Lisboa.
O leitor prepare-se para notícias insólitas, tem mais peças para que o caleidoscópio dê outra visibilidade ao discurso formal e mítico que enformou a nossa geração.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (42)

Beja Santos

Quando se leem os derradeiros documentos enviados da filial de Bissau para a administração do BNU em Lisboa sente-se a distância abissal daqueles primeiros relatórios que podemos folhear no Arquivo Histórico do BNU, como se sabe só há referências destas publicações a partir de 1917. Eram então textos com elevado investimento pessoal, tinham carga opinativa e um desafronto que ainda hoje nos deixa aturdidos. Não há nada como exemplificar, socorro-me do relatório da filial de Bolama, de 1927.
Escrevem-se coisas deste jaez:
“O meu comercial estagnou, sem condições de desenvolvimento e de nulo valor, longe de todos os centros de produção e de população”. Eram tempos diferentes, é certo, o BNU aceitava penhores e garantias em aguardente. Tinha-se dado uma falência de estrondo, Victor Gomes Pereira conhecia a execução hipotecária, e o gerente comentava assim: “Não possuía faculdades de trabalho para administrar a sua casa que há muito estava agonizante. Habituado a uma vida faustosa, mantido pelo crédito que no Banco desfrutava, não pensava senão em grandezas que deslumbrassem as odaliscas do seu harém. Assim acabou a lenda de Victor Gomes Pereira, cuja situação os meus dois antecessores pintaram a Vossas Excelências com espessas camadas de tinta cor-de-rosa, que o signatário se entreve a raspar, como lhe cumpria, pondo a nu uma situação que há anos se vinha arrastando por uma forma irregularíssima e criminosa até”.

Mas são comentários que não se confinam a erros praticados pela própria filial, também ao descrever a situação geral da colónia, comenta que o Estado procurava fomentar o aumento da produção com a criação de duas instituições altamente problemáticas e de remotos efeitos: a Granja Agrícola e a Estação Pecuária. Não se exime a explicar porquê, fala na primeira pessoa do singular, não lhe parece que a Granja Agrícola possua facilidade especiais de vulgarização de novos métodos culturais e termina a sua dissertação recordando a pobreza do solo da Guiné. Exprime a sua opinião sobre a distribuição de sementes e a cultura pecuária. Não deixa de verberar que a colónia está a encher-se de funcionários em emissão especial, é um encargo sem proveito algum. E toma posição sobre a mudança da capital para Bissau, que ele diz considerar ser benéfica a todos os títulos.

Veja-se agora a diferença. Estamos em Maio de 1969 e o gerente expede para Lisboa a seguinte informação:
“Apressamo-nos a levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, muito confidencialmente, fomos hoje informados que o senhor Secretário-Geral da Província, desempenhando presentemente as funções de Encarregado de Governo, solicitou na sessão do Conselho do Governo de hoje ao Senhor Inspector do Comércio Bancário que fizesse o expediente necessário para a apreciação da viabilidade do estabelecimento de um banco comercial na Província.
Não temos, porém, qualquer indicação de qual o banco que pretende estabelecer-se aqui.
Aproveitamos ainda a oportunidade de informar Vossa Excelência que Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho e o Senhor Ministro do Ultramar, aquando da sua recente visita à Guiné, em breve diálogo com que nos honraram na recepção levada a efeito no Palácio do Governo, se mostraram muito interessados em que o Banco substituísse o actual edifício da filial, que acharam antiquado, por um imóvel moderno e de acordo com a projecção e grandeza do nosso Banco”.

No relatório de 1970, é detalhadíssima a informação sobre as colheitas. Quando lemos estas análises de situação não devemos abstrair que o BNU detinha há décadas a Sociedade Comercial Ultramarina, era vital estar a par do que se produzia, do que se exportava e quais as culturas em experimentação. Depois de considerar que 1970 não fora um ano satisfatório no campo da agricultura, discreteou sobre os empreendimentos em curso, a cultura orizícola na área de Teixeira Pinto, Bissau em Antula, Tite, e depois detalhou o que se estava a fazer nas culturas da mancarra, palmeira, mandioca, hortofrutícola, apícola e cajueiros. Nesse ano havia trabalhos num conjunto de estradas: Bula-S. Vicente; João Landim-Bula-Có-Pelundo-Teixeira Pinto; Teixeira Pinto-Cacheu; Mansabá-Farim; Nova Lamego-Piche-Buruntuma; Bambadinca-Xime; Nhacra-Cumeré-Quartel; Sara-Bacar-Fronteira. E terminava o relatório mencionando os preços médios locais dos principais produtos alimentares e de consumo corrente.

O relatório de 1971 é redigido com a idêntica neutralidade e assepsia. Diz que o ano não podia ser considerado como um ano agrícola mas que devia ser classificado como razoável. Não fala na guerra mas nos “condicionalismos atuais” que justificavam a importação de 20 mil toneladas de arroz. Faz seguidamente a descrição sumária da intensificação da cultura orizícola, da multiplicação e distribuição de sementes selecionadas, o fomento da cultura da mancarra e da palmeira e dá os números do óleo de palma, das frutas, plantas em viveiro e o estado do fomento florestal. No relatório do segundo semestre desse segundo ano menciona que a produção agrícola tem um nível modestíssimo, o que não era de admirar porque faltava um clima de paz e confiança: “Infelizmente, apesar de todos os esforços da administração pública, ainda não foi possível alcançar essa meta tão desejada e indispensável ao progresso da Guiné”. Não deixa de informar que as exportações continuam a ser insignificantes e sintetiza o artificialismo que paira na vida económica da Guiné: “O comércio, principalmente o de Bissau, continuou a tirar partido do poder de compra do sector militar, e daí poder solver os seus compromissos com relativa facilidade, o que, também, contribuiu para que os negócios da Filial se processassem com a segurança aconselhável e que sempre procurámos ter presente, por forma a não nos afastarmos das superiores directrizes traçadas por Vossas Excelências e que, quando bem interpretadas e seguidas, conduzem, indubitavelmente ao progresso e expansão do Banco”.

Estamos agora em 1972, é o último relatório guardado em arquivo, conserva a mesma singeleza e guarda as distâncias de modo a que os comentários possam ser lidos como de alguém que procura evidenciar-se ou ter opiniões próprias:
“Durante o exercício findo o comércio teve oportunidade de realizar boas operações, sobretudo de artigos importados do estrangeiro, o que lhe possibilitou liquidar, com relativa facilidade, os seus compromissos assumidos e aumentar, de um modo geral, os stocks permanentes nos seus estabelecimentos.
A indústria deu agora o seu primeiro sinal ao iniciar a construção de uma fábrica de cerveja e refrigerantes, em que se prevêem investimentos da ordem dos 100 mil contos, e que é propriedade da Companhia de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, SARL. Esta unidade fabril deve proporcionar à Província anualmente uma economia em divisas de algumas dezenas de milhares de contos, além de empregar muitos trabalhadores locais.
No campo agrícola, porém, pouco ou nada se avançou em relação aos anos anteriores. Foi necessário continuar a importar praticamente todos os bens de consumo, com o que se despenderam largas centenas de milhares de contos em cambiais. Na distribuição do crédito, procurou-se, e estamos certo que se conseguiu, aplicá-lo com a indispensável segurança, sem perder de vista os superiores interesses da Província”.

Conclui-se este apanhado de apreciações sobre os relatórios sobre os relatórios de Bolama e Bissau, entre 1917 e 1972 com duas informações encontradas nos dossiês.

A primeira prende-se com um hotel que se pretendia construir na Praça do Império, tinha sido ponderado o arranjo urbanístico da referida praça e o atual edifício da Associação Comercial, era um projeto arquitetónico francamente tropical, fazia-se uma descrição minuciosa das dependências constantes na cave, rés-do-chão e os três andares, com 53 quartos no total. Dizia-se que “o edifício será estruturalmente em pórtico de betão armado, com panos de enchimento de tijolo formando paredes duplas, na melhor protecção dos efeitos da temperatura e humidade exteriores e a cobertura será constituída por lajes maciças de betão tratadas hidrófuga e termicamente”.
Previa-se que o custo total do empreendimento fosse de 26 milhões de escudos.

A segunda é referente a um ofício enviado da filial de Bissau com o plano de obras para 1974-1975. Previa-se que no Verão de 1974 começasse a construção da delegação de Bafatá do BNU. O atual edifício de Bissau ia ser demolido e no mesmo local construído um novo, o projeto iria ser brevemente submetido à aprovação do município de Bissau, a Filial funcionaria provisoriamente num pavilhão.

E dos relatórios vamos agora passar para um outro volume de papel, por vezes bem impressionante, a documentação avulsa correspondente ao mesmo período.

Participação de doença de um funcionário público

Exemplo de uma mensagem cifrada do BNU

(Continua)
____________

Notas do editor:

Poste anterior de 29 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18790: Notas de leitura (1079): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (41) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18800: Notas de leitura (1080): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18815: Ser solidário (215): Sessão cultural: "Diálogos sobre Timor Leste", Sabugal, auditório municipal, 19 de julho próximo, 5ª feira, às 20h30: (i) exposição de fotografia ("Expressões Lorosae", de Victor Cordeiro); (ii) momento musical, seguido da exibição do filme "Rosas de Ermera", de Luís Filipe Rocha; e (iii) conversa com Rui Chamusco e Gaspar Sobral


1. Mensagem, com data de 5 do corrente,  às 12h34, enviada pelo nosso amigo Rui Chamusco, membro da Tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã, e cofundador da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste (*):

Assunto - Projeto de Solidariedade em Timor Leste

Caros Amigos Madrinhas / Padrinhos e Sócios da ASTIL

Conforme prometemos na última mensagem enviada, no dia 19 de Julho, pelas 21.00 horas, terá lugar uma Sessão Cultural “Diálogos com Timor”, promovida pela Astil e pela AMCF, com a preciosa colaboração da Câmara Municipal do Sabugal, no Auditório Municipal. Em anexo, segue o cartaz alusivo ao evento.

Queremos por este meio estar à vossa disposição para vos prestarmos os esclarecimentos e informações afins ao trabalho que, em conjunto, vimos desenvolvendo em Timor, nação irmã. O vosso apoio material e sobretudo moral tem sido para nós a âncora que nos sustem. Esperamos continuar a merecer a vossa confiança e apoio. Todos juntos, continuaremos a lutar por um mundo melhor, na defesa e promoção de valores que possam promover o desenvolvimento e o bem estar das pessoas mais carenciadas de bens materiais e culturais.

Por isso, apelamos a que estejam presentes, para que em mútuo regozijo possamos desfrutar a amizade que este projeto de solidariedade nos proporciona.

Dia 19 - quinta feira - às 21. horas, no Auditório Municipal do Sabugal.

ESPERAMOS POR VÓS.

Agradecidos e com muita amizade

Rui + Gaspar + Glória (**)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 27  de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18148: Feliz Natal 2017 e Melhor Bom Ano Novo 2018 (16): Rui Chamusco, Glória e Gaspar Sobral, fundadores da ASTiL - Associação dos Amigos Solidários com Timor Leste... Para breve (um a dois meses) a inauguração da escola de Boibau, nas montanhas de Lorosae

(**) Último poste da série >  3 de julho de 2018 >  Guiné 61/74 - P18806: Ser solidário (214): SOS!!!... SOS!!!... Por Timor Leste e pela língua portuguesa... Há um esforço (deliberado) da Austrália para fomentar o uso do inglês, e da Indonésia, para promover o bahasa... Camarada, manda até ao fim do dia um email ao Senhor Presidente da República para que envolva Portugal e os portugueses nesta campanha em defesa da educação, em português, na pátria de Xanana Gusmão e Ramos Horta... O verdadeiro "campeonato do mundo", não o da bola mas o do futuro, joga-se e ganha-se aqui... (João Crisóstomo, Nova Iorque)

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18814: Efemérides (287): O 10 de junho em Ponte de Lima: vibrante homenagem aos Limianos mortos na Grande Guerra e na Guerra Colonial (Mário Leitão)


Foto nº1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto nº 8

Ponte de Lima > 10 de junho de 2018 > As cerimónias organizadas pelo Núcleo de Ponte de Lima da Liga dos Combatentes.

Fotos, texto e legenda: © Mário Leitão (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de 12 de junho p.p.,  de Mário Leitão 

[ hoje farmacêutico reformado, ex-fur mil, Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973; residente em Ponte de Lima, membro da nossa Tabanca Grande, escritor, autor de livros como "História do Dia do Combatente Limiano" (2017) e "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012) e, mais recentemente (2018), "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar"]


Camarada Luís, voltei!

Um abraço para a tua equipa e todos os Grão-Tabanqueiros!

A Homenagem aos Limianos falecidos na Grande Guerra e na Guerra Colonial, ontem promovida pelo Núcleo de Ponte de Lima da Liga dos Combatentes [Foto nº 4], correu muito bem, com uma grande afluência de familiares [Fotos nºs 5 e 8], entidades oficiais e veteranos. 

O Capelão Aspirante a Oficial Ricardo Barbosa, celebrante da missa de sufrágio pelos 80 Heróis do nosso concelho, proferiu um vibrante discurso [Fotos nº 7 e 78. Foi uma pena não ter sido gravado, porque nunca ouvi nada igual sobre a temática dos deveres da nossa sociedade para com as memórias dos que por ela morrem!

Foi uma homilia soberba! Insurgiu-se contra a insolência dos que ignoram o sacrifício dos Heróis da Pátria! Denunciou a ausência daqueles que deviam estar naquela igreja e não estavam! Consolou os familiares dos Mortos! Leu, um por um, todos os oitenta nomes, referindo as suas freguesias! Desafiou os presentes para fazerem ainda mais e melhor no próximo ano! Foi lindo!

Os Escuteiros de Arcozelo e da Correlhã [Fotos nº 1, 2, 5, 6 e 7] apareceram em força, assumindo o início de uma saudável transmissão de tarefas, de conhecimento histórico e de emoções!

Está foi a primeira actividade da Liga dos Combatentes, recentemente criada em Ponte de Lima. Está a nascer em força, com adesão de muitos combatente e simpatizantes. 

No Memorial dos Combatentes, uma Força Militar do Regimento de Cavalaria 6, de Braga [ Fotos nºs 1, 2 e 3]  prestou as honras militares, sob a saudação devida ao oficial mais graduado presente, o Coronel Agostinho Cruz, comandante da GNR de Viana do Castelo [Foto nº 3]. O Núcleo de Monção da Liga dos Combatente [Foto nº 4] também se associou a esta Homenagem, na qual participou o Presidente da Câmara e o Presidente da Assembleia Municipal.[

Várias personalidades proferiram discursos, entre eles o Tenente-coronel Ribeiro Leitão e o veterano Dr. [Manuel] Oliveira Pereira [, nosso grã-tabanqueiro]

Teve particular impacto a presença da Alferes Enfermeira Paraquedista Rosa Serra [, nossa grã-tabanqueira], que se deslocou propositadamente desde Lisboa. Ao usar da palavra cativou a assistência com a descrição da sua experiência militar.

No final da Homenagem foi apresentado o meu livro Heróis Limianos da Guerra do Ultramar, numa sessão presidida pelo Presidente da Canara Municipal.

Nessa sessão foi dedicado um minuto de silêncio em memória do Coronel Ranger António Feijó de Andrade Gomes, recentemente falecido. Aliás, a sua memória foi referida durante a missa e na cerimónia de Homenagem.

Aqui te envio algumas fotografias!

Um grande abraço!
Mário Leitão
_____________

Guiné 61/74 - P18813: FAP (110): FIAT G-91, um caça entrado ao serviço de Portugal, na guerra do ultramar, em 1965 (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Bissau, 1969 - G-91 R4, com bombas


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 6 de Junho de 2018:

Caro amigo Carlos

Como habitualmente, agradeço-te a publicação deste poste que considero de grande relevância para os camaradas que passaram pela Guiné. Embora de conteúdo técnico será de interesse para os camaradas e amigos terem mais e melhor percepção do protagonismo desta aeronave e de todo o pessoal que com ela lidou, Aviadores e Técnicos de manutenção.

Este é um artigo destinado a todos os que se interessam pela Aviação Militar, e muito em especial pelos Aviões de Caça antigos e que equiparam a nossa Força Aérea.
Descreve ao pormenor não só meras tecnicidades, mas também as razões porque este caça em particular foi criado, a intenção de o colocar ao serviço da NATO, e a razão por que Portugal “ganhou” a facilidade de o poder utilizar com grande êxito na guerra do Ultramar ou dita colonial.

Os detalhes técnicos do comportamento da aeronave em voo é da autoria do meu amigo e meu contemporâneo na Guiné Gen Pil/Av José Nico.

********************

Começaria então por dizer que o G-91 foi construído quando a guerra fria era muito quente e a possibilidade de um ataque das forças soviéticas estava sempre presente. Por isso a NATO quis equipar as forças aéreas dos aliados europeus com caça ligeiro, robusto e fiável, capaz de operar a partir de pistas improvisadas e que, além disso, introduzisse uma certa uniformidade visto que os meios que então equipavam as forças aéreas europeias primavam pela diversidade em todos os campos, desde a concepção passando pela operação e pela logística.

O G-91 nasce assim para cumprir requisitos NATO e é escolhido como o melhor entre outros projectos. Podemos assim afirmar que em 1960, para os requisitos que devia cumprir, era a melhor coisa que existia. O avião começou a ser fabricado para a RFA, Itália, Grécia e Turquia e só não teve mais compradores porque o projecto foi visto pela industria aeronáutica americana como uma grave ameaça à sua hegemonia. Foi por isso que os gregos e os turcos desistem do G-91 e aceitam em substituição os F-5 oferecidos pelos americanos. Foi a nossa sorte. E a sorte só não foi maior porque o modelo para os gregos e turcos tinha 4 metralhadoras 12,7 em vez dos dois DEFA 30mm. Embora não tenha provas documentais tudo leva crer que a NATO, dado o estado de tensão latente, entre os dois países, resolveu diminuir a letalidade dos aviões não fossem eles pegarem-se e acabarem a disparar com os DEFA uns contra os outros.

Quando tivemos de arranjar qualquer coisa para África, em 1965, os aviões que tinham sido encomendados por gregos e turcos estavam disponíveis e foi o melhor que conseguimos. Tinham apenas cinco anos e eram aviões perfeitamente actualizados para as tarefas que deviam cumprir.

 BA 12, 1967 - Linha da Frente - Esquadra de Tigres

Em operação, provou ser robusto, fiável e de simples manutenção. Tinha a velocidade que devia ter e não devia, nem era necessário ter mais. Era para voar baixo e tudo o que podia ser atacado tinha que ser adquirido visualmente. Ainda por cima o inimigo raramente andava em campo aberto e o seu ambiente preferido era a cobertura da vegetação. Portanto quem pensa que a velocidade era muito útil engana-se. No nosso caso era útil quando havia fogo antiaéreo mas nas outras situações não.

Estava equipado com um sistema de reconhecimento fotográfico do melhor que havia naquela época, associado a um gravador de voz. Aqui o que falhava não era o avião. É que para obter informações de forma sistemática por reconhecimento fotográfico são necessários muitos aviões, horas de voo e muita gente no chão a explorar os filmes (pessoal de informações especializado). Não tínhamos nada disso e por isso o reconhecimento fotográfico foi sempre uma capacidade limitada.

Estava equipado com um sistema de navegação autónomo. Naquele tempo não havia, nem sistemas de inércia, nem de GPS. Todavia o G-91 estava equipado com um radar Doppler associado a um sistema PHI, o que era um grande salto em frente neste tipo de aviões. Na prática não nos serviu de nada porque, como era um sistema de primeira geração, era muito pouco preciso. Com ele não se conseguiu chegar a nenhum cruzamento de trilhos ou outra coisa qualquer de natureza pontual. A navegação tinha que ser feita confrontando o que se estava a ver no terreno com as cartas geográficas que utilizávamos.

 Cockpit do Fiat G-91

Tinha uma cadeira de ejecção do melhor para a época. Foi a primeira em que o piloto se podia ejectar ainda no chão desde que que o avião tivesse 90 KIAS (knots indicated airspeed) de velocidade.

Resumindo, quando o recebemos o G-91 era um avião moderno e eficaz para as tarefas para que foi construído. Com o passar do tempo e o evoluir da indústria aeronáutica começaram a aparecer outros aviões melhor equipados, como é natural.

Ao fazer a análise do G-91 não podemos pôr de lado os requisitos a que devia obedecer e a tecnologia disponível. Não é razoável hoje em dia avaliarmos um avião de transporte construído nos anos cinquenta como o DC-6 com o Airbus 330 Neo.

Abraço,
Mário Santos
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18767: FAP (109): Testemunho sobre a minha ejecção na Guiné em 04OUT1973 (Alberto Roxo Cruz / Mário Santos)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18812: (Ex)citações (340): Histórias de vida, a propósito do "ventre da guerra" (Luís Graça / António Ramalho)




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > "Laranjada Convento / Mafra / Marca registada"... Restos arqueológicos de uma guerra... e que hoje figuram no Núcleo Museológico Memória de Guiledje, carinhosamente criado pelo nosso saudoso amigo Pepito (1949-2012). Na imagem pode ler-se: "Composição: Sumo - Popa e óleo de laranja - Açúcar granulado - Água esterelizada / Corado artificialmente / Fabricado por Francisco Alves & Filho Lda / Venda do Pinheiro"... 

Houve muita gente, na Metrópole, a ganhar dinheiro com a guerra, a começar pelos industriais do sector agroalimentar... Ainda conheci o sr. Evaristo Alves e um dos filhos, Mário, descendentes do fundador da empresa Francisco Alves & Filhos Lda, quando trabalhei na administração fiscal em Mafra, em 1973... Constava que o sucesso do Francisco Alves, no negócio dos refrigerante, tinha começado no tempo da guerra civil de Espanha (1936-1939)...

Na Guiné (como de  resto nos outros Teatros Operacionais), o "ventre da guerra" obrigava, por seu teu turno, a uma tremenda logística... Quantos camaradas nossos não terão morrido ou sofrido para que esta garrafa de laranjada Convento chegasse a Guileje ?

Fotos (e legenda): © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018). Todos os direitos reservados

1. Mensagem de António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), alentejano de Vila de Fernando, Elvas:

Data: 28 de junho de 2018 às 19:09

Caro Luís Graça, boa tarde.

Agradecido pela publicação das fotos e memórias da nossa guerra por terras de África.(*)

Achei interessante a réplica ao texto sobre as sobras das nossas refeições, para nós não eram "restos"!

Pela parte que nos toca,  achámos sempre uma acção interessante até porque os nossos cozinheiros ensinaram aos miúdos algumas tarefas na cozinha, além de começarem a habituar-se a comer com colher, faca e garfo.

Há uma pequena imprecisão no texto sobre a laranjada Convento (**), se algum camarada da Venda do Pinheiro o ler verá que o  jantar foi com o senhor Evaristo Alves (filho de Francisco Alves, o fundador da empresa ) e seu filho Mário, este felizmente ainda vivo, fará 84 anos em Julho (, neto portanto do fundador).

Foi dia de festa quando nos anos 80 foi adquirido o primeiro semi-reboque para transporte da Laranjina C, esteve em exposição na fábrica, uma autêntica romaria!...

Vivi dez anos na Venda do Pinheiro, naquele tempo era um lugar da freguesia do Milharado, cocnelho de Mafra, e hoje é freguesia.

Foi uma família que me acolheu assim como a maioria dos habitantes duma forma extraordinária, ainda hoje mantenho essa amizade e convívios.

Era um lugar lindíssimo com pinhais recheados de vivendas com habitantes dos mais variados extractos sociais, culturais, artísticos e empresariais

Logo ao lado tínhamos a Malveira onde às 5ª feiras degustávamos um belo cozido à portuguesa, além de outras "iguarias"!

Tudo isto nada tem a ver com o nosso blogue, é só para te situar e sustentar aquela pequena imprecisão.

Aguardo com toda a ansiedade um almocinho para esta zona, oxalá a minha agenda o permita e tu possas estar presente, ou ou o blogue pára  nas férias?

Um grande abraço,

António Ramalho

2. Resposta do editor LG:

Obrigado, António, pelo esclarecimento e pela autorização para publicar... Sim,  Evaristo e não Francisco Alves, OK, tomei  boa nota... O Francisco foi o fundador da empresa, o Evaristo o filho e o Mário o neto...

Troquei os nomes ao escrever:

"Ainda conheci o Sr. Francisco Alves e um dos seus filhos, quando trabalhei na administração fiscal em Mafra, em dezembro de 1973, num 'jantar de Natal' que ele ofereceu ao 'pessoal das Finanças', como era da tradição: foi na fábrica, em Venda o Pinheiro, tudo muito bem 'regado', eu, que era 'novato' no ofício e na repartição, não me lembro de ter bebido 'produtos da casa'... Constava que o seu sucesso, nos negócios, tinha começado no tempo da guerra de Espanha (1936-1939)... Uma das marcas famosas da firma era a Laranjinha C, cuja história, ao que parece, remontava já a 1926, ano da fundação da empresa Francisco Alves e Filhos, na Venda do Pinheiro, e em que o empresário Francisco Alves começou a produzir pirolitos, a par de outros refrigerantes".

Possivelmente, em 1973, o fundador da empresa, Francisco Alves,  já não seria vivo, e portanto o jantar foi-nos oferecido pelo sr. Evaristo Alves e o seu sucessor, o Mário Alves... Devo acrescentar que, depois desse jantar de Natal, nunca mais os vi, mas eram uma família hospitaleira e simpática... Nunca lhes fiz favores nem recebi benesses ... Liquidava-lhes o imposto de circulação, que já era uma pipa de massa... Eu estive uns meses em Mafra, de resto apanhei lá o 25 de abril...Trabalhava no "convento", na Repartição de Finanças... Aliás, estive 15 anos no Ministério das Finanças, 10 anos em Lisboa, acabei a minha carreira como técnico superior do elitista Centro de Estudos Fiscais, a "nata" dos fiscalistas... Depois acabei por enveredar por outra carreira, o ensino superior... numa instituição que só passou a integrar a universidade, a NOVA, em 1994... 

António, todos temos uma "história de vida", para uns mais curta, para outros mais comprida. Somos uma geração que andou em bolandas e apanhou todas as mudanças e todas as crises (políticas, militares, demográficas, sociais, económicas, culturais, mentais...) a começar pela maldita guerra (, que me tirou, sem exagero, dez anos de vida, no mínimo, aliás, nos tirou a todos...). Mas isso são contas de outro rosário... Não nos vitimizemos. Ninguém escolhe a data e o local de nascimento e muito menos os progenitores... E eu não gosto de me vitimizar nem de ver os nossos camaradas a armarem-se em coitadinhos... É uma pecha nacional. (***)

Fica bem, um abraço, Luís


3. Resposta do António Ranalho, com data de 28 de junho p.p.:

Caro Luís,  boa noite.

Se assim o entenderes publica, a tua vontade é soberana.

A minha passagem pela DGCI  [, Direção-Greal das Contribuições e Impostos,] em 67/68 também foi interessante mas efémera! Iniciei o meu percurso na Covilhã com cerca de 250 fábricas de lanifícios, em todo o concelho, era obra, processos de Contribuição  Industrial à mão!

Fui para a Direcção de Finanças da Guarda, um paraíso,  com a Direcção Escolar ao lado! Terminei na Mealhada por causa de uma marotice que até hoje não consigo entender: vim a Lisboa ao Liceu Camões prestar provas, entreguei-a 15/20 minutos antes do tempo e regressei à Mealhada. Sai a lista no "Diário do Governo" e o meu nome não constava, o meu Chefe entra em pânico e liga para Aveiro, Aveiro liga para Lisboa,  e sabes qual foi a resposta?

A prova extraviou-se, venha no próximo concurso! 

Tinha direito a férias, voltei-lhe as costas, até hoje, e assim perderam um "distinto" elemento!

Mais tarde vim encontrar alguns ex-colegas espalhados em diversas repartições, um deles foi Director em Lisboa, é a vida!

Caro Luís, somos a geração que somos, foram experiências que também nos enriqueceram, amadureceram-nos, ainda estávamos na árvore, contudo devemos pôr-nos sempre do lado positivo da vida! (***)

Uma boa noite. Um forte abraço.

António Fernando Rouqueiro Ramalho

_______________

Notas do editor;

(*) Vd. poste de 25 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18779: O segredo de... (31): António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)... O senhor alferes que estava mesmo a pedir... uns abatises, à hora do almoço, no cruzamento da estrada Bula / Binar / Pete

(**) Vd. poste de 25 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18777: Fotos à procura de...uma legenda (106): "As sobras do rancho da tropa"... e as latas de conservas, "made in Portugal", que as crianças levavam à cabeça (Valdemar Queiroz / Museu de Portimão / Virgílio Teixeira)

(***) Último poste da série > 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18805: (Ex)citações (339): "Hoje sentimo-nos bem connosco, por termos ajudado a minorar o sofrimento dos feridos e doentes, que nos foram confiados. Em nós ficou o sentimento de um dever cumprido" (Maria Arminda Santos, capitão, enfermeira paraquedista, ref)

Guiné 61/74 - P18811: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (22): A Mina

1. Em mensagem de 25 de Junho de 2018, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos mais um acontecimento da sua Guerra a Petróleo onde não faltam jornalistas estrangeiros de visita a Mansabá e o rebentamento de uma mina, que danificou uma Berliet, lá para os lados do Bironque.


Itinerário Mansabá-Farim, com o Bironque sensivelmente a meio caminho
© Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné


A Minha Guerra a Petróleo (22)

A Mina

Talvez por estar ligada a Bissau por estrada asfaltada, Mansabá tornou-se um destino para o turismo bélico-jornalístico, aí por volta de Dezembro de 1972, Janeiro de 1973. Um dia, recebi uma mensagem que me informava de que a CArt 3567 seria visitada por um jornalista e professor da Universidade de Harvard. Fiquei naturalmente surpreendido, mas não preparei recepção especial. Pensei que era mais positivo que o visitante visse um dia de actividade normal. Que viria um americano fazer à Guiné, quando as coisas já estavam a correr tão mal no Vietname, de tal sorte que nos Estados Unidos, a contestação à guerra subia diariamente de tom? Um dia, próximo da hora de almoço, uma coluna vinda de Mansoa trouxe o tal professor, acompanhado pelo Capitão Otelo Saraiva de Carvalho. Era um rapaz na casa dos trinta anos, jovial e ávido por saber. Fez-me perguntas, às quais fui respondendo, procurando dar-lhe uma ideia tão real quanto possível da situação. Pelo meu tempo de permanência no “TO daquela PU” não me apetecia, sequer, tentar apresentar-lhe uma situação que não correspondesse à realidade. Todavia, logo no início da conversa, impôs-me uma condição: ao almoço não queria que lhe dessem nem frango, nem bife. Acabara de me inutilizar as duas ementas festivas mais comuns nas “unidades do mato”.

Não me recordo do que era o almoço do dia, mas dispus-me a servi-lo “à la carte”, desde que o nosso depósito géneros pudesse satisfazer-lhe o capricho. Não enjeitou a sopa nem as fatias de casqueiro, mas optou por uma lata de sardinhas em azeite com batatas cozidas, que comeu com uma satisfação muito evidente. Tinha uma certa razão, já que, em todos os sítios onde tinha ido, o que lhe davam para comer era frango assado ou bife com batatas fritas e este último, muitas vezes, parecia extraído da cabeça da rês… Ainda lhe expliquei que aquela iguaria não fazia muito o nosso estilo, em virtude do número de vezes que já a tínhamos experimentado, mas ele respondeu-me no seu melhor português que “esta pessoa prefere sardinhas enlatadas em azeite”.

Após a refeição, passeámos no quartel, trocámos ideias e o visitante regressou a Bissau. Pareceu-me que ia bem impressionado.

Uma ou duas semanas depois – a 9 de Janeiro de 1973 – nova mensagem de teor idêntico, mas agora era uma jornalista norueguesa. A avaliar pela idade do jornalista anterior, começaram as conjecturas acerca da visitante seguinte. Para já era uma nórdica, o que, na nossa escala de conhecimento da Europa, significaria alguém alta, loura, de olhos azuis e com uma certa desenvoltura física… Mas, neste caso, não seria bem assim.

A coluna de Mansoa trouxe-a, num jeep civil, acompanhada pelo meu amigo Otelo e aí aconteceu a surpresa. Era uma velhota magrinha – Inga(?) de seu nome – vestida com uma túnica leve, de cor clara, umas calças escuras um pouco justas, e calçada com umas sabrinas de pano. Vinha visivelmente cansada. Desta vez, não me foram postas questões relativas à ementa do nosso restaurante-snack, mas quando me pediu que lhe mostrasse igrejas e hospitais fiquei bastante confuso. A igreja era improvisada, sempre que o delegado do Senhor visitava a unidade, num antigo refeitório do batalhão que anteriormente tinha guarnecido a localidade, e a enfermaria, se bem que boa e muito funcional, não era propriamente um hospital. Médico, só em Mansoa.

A minha mulher e as esposas de dois furriéis estavam connosco, clandestinamente, o que a jornalista achou muito interessante1. Porém, não conseguiu estabelecer contacto com nenhuma, pois nenhuma falava inglês.

Não sei qual era a posição do governo norueguês em relação à guerra. Hoje, pela experiência que a vida me deu, creio que o povo do país teria uma muito vaga ideia do que ali se passava e os dirigentes políticos mantinham uma posição de conhecimento, mas muito contido. Nunca ouvi falar de qualquer atitude oficial de apoio ou contestação à política portuguesa por parte da Noruega. A Suécia, sabíamos nós que participava na guerra, apoiando farisaicamente o PAIGC, fornecendo-lhe material escolar e sanitário. Mas, embora próximos os países são diferentes e não é lícito misturá-los. Nós, os portugueses também estamos perto dos espanhóis, mas somos povos bem diferentes, vivendo em países diferentes…

A coluna tinha chegado um pouco atrasada e convívio luso-norueguês esteve animado e prolongou-se. Estando previsto que a viagem continuaria para Farim, a partida da coluna para Norte atrasou-se, por consequência. Além disso, a CART não tinha no seu parque um jeep operacional onde se pudesse transportar a visitante até àquela localidade, onde apanharia o avião civil para Bissau. Procurando evitar transportá-la numa viatura militar de difícil acesso para um activo elemento da terceira idade, pedi emprestado ao administrador do posto, um jeep que tinha uma particularidade: estava mal de travões.

Enfim, partimos para Farim, indo a ilustre visitante no jipe, em segundo lugar na coluna. Subitamente, já perto do K3 (Saliquinhedim, de acordo com o mapa), surgiu um pequeno avião civil que, depois de uma volta à nossa vertical, aterrou na estrada no sentido da marcha da coluna. Não seria uma manobra fácil, mas o Comandante Pombo2 realizou-a, provavelmente porque entre o Bironque e o Rio Farim, a estrada asfaltada era recta e desenvolvia-se em terreno plano e praticamente sem vegetação numa área considerável.

Assim, “devido ao adiantado da hora” os dois viajantes VIP foram recolhidos e o avião partiu para Bissau. Que fazer agora? Mandei a coluna prosseguir até à margem do rio. O batalhão ali estacionado estava para ser rendido. Daí que tivesse aproveitado a jangada onde vinha o respectivo comandante para receber a jornalista e com uma viatura apenas cruzei o rio. Ali, os meus “ferrugentos”3 arranjaram, por simples oferta, peças avulsas para reparação das nossas viaturas. Um exemplo de camaradagem entre unidades. Não nos demorámos muito em Farim. Voltámos a cruzar o rio e iniciámos a marcha para Mansabá.

Tudo corria bem e seguíamos a uma velocidade regular. Passámos a tabanca velha do Bironque e um pouco depois… uma explosão. Eu, que seguia com o furriel mecânico (o Licínio), transportando na segunda viatura, o jeep sem travões, vi uma densa nuvem da terra e fumo negro junto da roda dianteira da Berliet que seguia à frente. Todo o pessoal que seguia nela foi projectado, excepto o condutor – o Valongueiro – que permaneceu agarrado ao volante.

Todos deverão ter passado pela estranha sensação de surpresa que o alferes Silva descreveu como “uma percepção imediata de que já se estava no Além, devido à formação de poeira, fumo e escuridão”. Depois diz que “não deixou de apalpar o corpo e ter uma sensação estranha e assim pensar que desta vida já fui”; e continua dizendo que “com o desanuviar da situação de escuridão, ouviu alguns a vociferar "dignas palavras" do nosso vocabulário vernáculo, começou a aperceber-se de que ainda não tinha sido desta que "estava no Além" e mais adiante ainda confessa que “à parte, apenas como desabafo, sei que praguejei contra a jornalista norueguesa um sem fim de palavras vernáculas minhotas, que dispenso de mencionar”. Uma descrição verdadeiramente rica do efeito de surpresa, quando nos sentimos envolvidos num conjunto de sensações dadas por todos os sentidos, mas mergulhados na escuridão, o que nos reduz muitíssimo a nossa capacidade de relação com o meio que nos cerca.

Não consegui imobilizar logo o jeep, mas acabei por aproveitar a berma para esse efeito e, por sorte não atropelei ninguém. O Sá Lopes, furriel “ranger” berrava para os lados do Morés contra os elementos In responsáveis pela situação. Chamava-lhes cobardes e convidava-os a virem até ao local onde estávamos parados. Graças a Deus foi ignorado nos seus apelos e apupos e pudemos tentar resolver o problema. Havia que mudar o pneu da Berliet, mas a poli devia estar deformada pelo que a roda não rolava. Para evitar que o segundo pneu também rebentasse colocou-se-lhe debaixo, uma das grelhas laterais do motor da Berliet e assim fomos rebocando a viatura. De vez que quando, molhava-se a chapa com água ou óleo para baixar e temperatura e facilitar o deslizar da roda.

Mas havia feridos. O que mais me preocupou foi o soldado Pessoa, que tinha um fiozinho de sangue que lhe saía do ouvido. Suspeitei de traumatismo craniano. Porém, o mais grave veio a ser o cabo Trindade4, que foi evacuado para Bissau, no dia seguinte. Empilhei os seis feridos no jeep e segui para o quartel, deixando o alferes Silva a conduzir a coluna, procurando chegar depressa e com a viatura atingida, o menos danificada que fosse possível. À chegada, a minha mulher recebeu-me e, segundo me disse depois, eu tinha terra até no intervalo dos dentes. Era natural, não podendo travar entrei na nuvem de poeira negra que se levantou e, o Licínio e eu ficámos um tanto enfarruscados. Ela nunca mais se esqueceu de que quando lhe peguei num braço, deixei nele uma marca de fuligem.

 Berliet que accionou a mina anticarro na zona do Bironque

No aquartelamento, o alvoroço foi grande. Embora a explosão da mina se tivesse ouvido no quartel, foi o Valdrez, o operador de rádio de serviço, quem recebeu comunicação do sucedido e deu o alarme. A minha mulher que estava a escrever, sentada à minha secretária, foi dos primeiros a saber, já que o gabinete era próximo do posto de rádio. O furriel enfermeiro Carvalho começou a preparar a enfermaria para receber os feridos, mesmo saber quantos eram e o seu grau de gravidade. Estando um grupo de combate da companhia empenhado na segurança à construção da estrada para Bambadinca, o alferes Serras procurou organizar uma coluna de socorro com base no único grupo de combate disponível, o seu, e com as duas viaturas quase incapazes de que dispúnhamos e que só usávamos nos serviços do quartel, que teria de ficar entregue ao desfalcado pelotão de milícia. O Carvalho observou os feridos e, especialmente para o Trindade, era aconselhável a evacuação para Mansoa, onde o médico diria de sua justiça. No dia seguinte, uma nova coluna partiu com os feridos. Todos voltaram, excepto o Trindade, mas alguns vinham muito em baixo de forma. O alferes Silva e o Bateira andaram de bengala durante, pelo menos uma semana, e ainda assim andavam, quando fomos visitados por um brigadeiro do CTIG que vinha estudar da possibilidade de ser instalado em Mansabá um centro de instrução para uma companhia de comandos. Assim veio suceder, tendo sido preparada uma companhia de recompletamentos para o Batalhão de Comandos Africanos da Guiné.

Nunca tive qualquer resultado destas visitas dos tais jornalistas de estrangeiros, nem me foi dito para que publicações trabalhavam. Era um esforço que era necessário fazer para tentar – como se tal fosse possível – para modificar a opinião pública mundial…

Notas:
[1] - Um dia, antes das mulheres dos furriéis Costa e Ramos chegarem, um dos dois médicos do batalhão confidenciou à minha mulher que, na unidade, só havia uma pessoa onde poderia exercer a sua especialidade. O Dr. Pedro Carneiro era ginecologista.
[2] - O Comandante Pombo – José Luís Pombo Rodrigues (1934 – 2017) – era um piloto dos TAGP. Fora piloto da Força Aérea e havia prestado serviço na Guiné, no início da guerra.
[3] - Designação comum a mecânicos e condutores das companhias.
[4] - Manuel de Almeida Cunha Trindade
____________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17722: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (21): Passados que foram quase 44 anos sobre data do reconhecimento da independência da Guiné por parte de Portugal (10SET74), ocorre-me perguntar: E afinal para quê?