sábado, 2 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17722: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (21): Passados que foram quase 44 anos sobre data do reconhecimento da independência da Guiné por parte de Portugal (10SET74), ocorre-me perguntar: E afinal para quê?

Guiné-Bissau - 2008 - Cemitério Militar de Bissau - Talhão Central
Foto: © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.


1. Em mensagem de 28 de Agosto de 2017, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª da CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos esta reflexão onde põe em causa o sacrifício de uma geração que combateu em África, numa guerra sem sentido em território desconhecido para a esmagadora maioria dos militares para além-mar mobilizados. A mesma interrogação se põe para os camaradas guineenses que durante 11 anos lutaram a nosso lado.


A Minha Guerra Petróleo (21)

E Afinal para Quê?

Passados que foram quase 44 anos sobre data do reconhecimento da independência da Guiné por parte de Portugal (10SET74), facto histórico ocorrido após onze anos de guerra, conduzida nas condições mais duras de quantas ocorreram nos três TO onde a guerrilha contra as autoridades portuguesas eclodiu e depois de ter lido alguns dos últimos posts no blog que me atingiram mais profundamente, ocorre-me perguntar:
E afinal para quê tanto esforço? Para que serviu tanto sacrifício? Valeu a pena o nosso empenhamento, (sempre que existiu) não apenas na área operacional, mas também nas outras, (e tantas foram)? Esta questão do “empenhamento” no desempenho das tarefas diárias levanta a questão fundamental da nossa intervenção em África: será que a considerávamos necessária, justificada, útil e vantajosa até? Ou pelo contrário, aceitávamo-la como uma problema – uma espécie de obstáculo a transpor – a que não podíamos fugir?

Tenho para mim e declaro já que, cada vez mais, concluo que tanto esforço e sacrifício foi totalmente inútil. Mas isso é a minha maneira de pensar… Aqui deixo algumas considerações sobre o tema. A guerra na Guiné durou 11 anos e traduziu-se essencialmente num somatório do sacrifício – físico e psíquico – de períodos de dois anos imposto aos jovens portugueses, numa altura da vida que deveria ser, como dizia Gomes Freire de Andrade, a mais bela parte da vida e durante o qual os rapazes do nosso tempo se preparavam para a vida que se iria seguir. Para além dos que foram e voltaram “bem”, temos a considerar o sacrifício dos mortos, a dor dos feridos e de todos os outros que voltaram depois de terem sido vítimas de outros tipos de sofrimento, como a prisão, por exemplo.

Hoje, coleccionamos as consequências do “conflito”, descrevemo-las em livros, em blogs e em evocações anuais ou convívios em que se recorda o sucedido. Chamam-nos os “Velhotes da Tropa”. Nesta altura já não será importante contabilizar as tais consequências, pois isso é do campo da estatística, uma ciência fria e que normalmente não acrescenta nada de novo, depois de um tratamento matemático da realidade. Os estudiosos futuros que o façam! Além disso, hoje não se pode fazer nada para melhorar o que quer que seja…

Venho apenas perguntar para que serviu tudo aquilo que passámos e cujas marcas hoje ostentamos, veladamente uns, outros exibindo-as com orgulho (provas de dever cumprido, afirmação de coragem ou de virilidade) ou, na pior das situações, por impossibilidade de as esconder.

Vou falar dos portugueses metropolitanos. Mas poderia estender a pergunta, incluindo os guineenses, que lutaram – esses de modo ininterrupto, nas suas terras e junto das suas famílias – do lado das autoridades portuguesas. E, por uma questão de justiça, ainda poderia estender as mesmas perguntas, relativamente aos guineenses (guerrilheiros do PAIGC e civis que os acompanhavam, na esperança de que, depois daquele sacrifício, a vida lhes sorriria). Se podemos apresentar um número dos que lutaram à ordem do governo, sediado em Lisboa, em relação a estes últimos não encontramos arquivos fiáveis que nos permitam estimar quantos tenham sido e, muito menos, quais desses morreram ou ficaram com as sequelas dos tipos que indiquei a cima.

Os “Metropolitanos”, arregimentados num processo contínuo e sempre crescente, podem ter começado por aceitar a ida para a guerra como um imperativo patriótico e moral. Com efeito, a História e a Geografia de Portugal que estudávamos, todos pelos mesmos manuais, e examinados, da mesma forma e com os mesmos critérios, inculcavam-nos no espírito, uma espécie de crença (não diria fé) que fazia com que tivéssemos daquelas terras um conhecimento menos que livresco mas, mesmo assim, se nos perguntassem, considerávamos que elas eram “os nossos territórios de além-mar”. O número dos que lá tinham qualquer coisa de seu era mínimo e, em boa verdade, o sentimento de posse em relação àquelas terras era algo que ninguém conseguia explicar o que fosse. Estou convencido de que este estado de espírito tinha que ver com o momento da vida em que o conhecimento nos era inculcado. Era uma ideia que íamos interiorizando e não podíamos pôr em causa – por motivos óbvios – e que íamos arrumando no nosso espírito, esperando nunca ter de a fazer vir à memória e, muito menos, que isso viesse influenciar a nossa maneira de viver. Quantos de nós tinham ido alguma vez à Guiné? E, contudo, se a Pátria precisasse, iríamos e fomos…

A censura que pesava sobre as publicações antigas acerca da Guiné impedia que tivéssemos conhecimento do que por ali se passou, ao longo de 500 anos e a que não tínhamos acesso nos tais manuais. Era uma censura estranha, já que não “cortava” textos ou impedia a publicação dos livros mas, recorrendo a uma espécie de silêncio nunca assumido, impedia que a mensagem daquelas publicações se difundisse e assim tivéssemos uma ideia concreta do que íamos encontrar e, principalmente, porquê. Hoje, quando lemos os livros e as revistas antigas, só temos que somar dois e dois, ao conectar o que encontrámos nos locais onde vivemos com as descrições que ali encontramos. As publicações de propaganda (emitidas pelo SNI e outras entidades oficiais) eram algo que tinha uma difusão muito restrita, talvez propositadamente, e não despertavam interesse. Eram coisas que “o Estado” publicava, mais por obrigação, e que acabavam por não ter utilidade na difusão da realidade.

E a “realidade” veio. Uma vez desembarcados, só poderemos falar de choque e espanto. Então a Guiné era aquilo? Era por aquilo que vínhamos arriscar-nos? Aquela terra também era Portugal? Porquê, se a diferença era tão grande? Qual era a ligação que sentíamos ter àquelas populações? Ou, reciprocamente, qual era a ligação que as populações tinham connosco? Sem possibilidade de retorno, fizemos apelo à velha capacidade de adaptação dos portugueses a qualquer meio onde se encontrem, chegando ao ponto de tentar falar a língua que era comum aos seus grupos étnicos de que ainda conhecíamos(?) vagamente os nomes. No contacto diário, nunca procurámos ensinar-lhes a nossa. Por mim, creio que recusar aprendê-la era uma das suas formas de resistir à ocupação, que só episodicamente assumiu a forma de integração. É por isso que ainda conhecemos algumas palavras em crioulo ou mesmo em fula, balanta ou outra, consoante as regiões por onde andámos. Mas o mais importante foi que, à chegada, caiu por terra o mito de “dilatação da fé”, uma vez que o número de católicos que encontrámos era ínfimo, se comparado que o dos islamitas ou animistas.

Inevitavelmente, no íntimo de cada um de nós, começaram, então, a ser postas em causa as razões para estarmos ali, naquela hora e naquelas condições. Era uma interrogação para qual cada vez menos tínhamos resposta. É inútil dizer que as perguntas deste teor, sem resposta, eram cada vez mais e as contradições se avolumavam a cada dia de comissão. Sabemos todos que a convicção – mesmo forte – das primeiras mobilizações rapidamente se perdeu e, a cada “fornada” de periquitos, era possível notar a falta de mentalização, de interesse e vontade, relativamente aos velhos que saíam com a sensação de que as coisas não tinham melhorado. Mas, no fundo, o que é que interessava se tinham melhorado? O “dever cumprido” era afinal ter estado sem fugir, ter sofrido e, com maior ou menor êxito ter suportado as investidas do inimigo ou ter obtido êxitos nas nossas acções ofensivas. Mas, em consciência, a maior parte de nós não saberia responder cabalmente se o sector que passámos aos periquitos estava melhor do que tínhamos recebido da velhice. Não falo obviamente, na melhoria das condições de vida, nos aquartelamentos, porque essas vinham do nosso ânimo, capacidade e apoio logístico conseguido.

Numa análise das outras áreas da nossa actuação, vou excluir a famigerada APsic que, antes de tudo, tinha de ser barata, o que a condenava a nem conseguir sequer seduzir os incautos, tal era o seu grau de demagogia. Mas havia outras áreas em que a nossa acção revestia aspectos gratificantes. A melhoria das condições de vida nas tabancas através (por exemplo) da abertura de poços ou construção dos chamados “reordenamentos”, onde era suposto que a população viveria melhor, pelo menos a coberto dos incêndios. No entanto, os “reords” eram também uma consequência da nossa táctica, o que faz supor que nunca teriam acontecido se a guerra não tivesse surgido. Temos também o caso do apoio sanitário que conseguíamos prestar às populações e que, algumas vezes, até estendíamos aos inimigos. E as melhorias no sistema viário, intensificadas durante o governo do General Spínola e obtidas à custa de grande esforço em todas as regiões. Já no que respeita à educação, a nossa actuação foi mais discreta e os resultados bem modestos. Nunca detectei uma grande avidez da população no acesso à instrução e cultura e, devido ao atraso em que se encontrava, seria de esperar que o desenvolvimento da educação fosse quase exigência. Recuso que se trate de características endémicas do povo. Admito antes que se tratasse de uma atitude de desconfiança, ou até de recusa, que radica no passado, talvez longínquo, e que visaria evitar a descaracterização. Seria possível a montagem de uma estrutura de escolas primárias semelhante à que existia na Metrópole? Não creio que fosse, por demasiado cara. Como sabem a “guerra” tinha que ser barata, pois o orçamento não dava para tudo. E professores/as será que os havia?

De qualquer modo, temos que concordar que é uma ideia um tanto ou quanto absurda ter de fazer uma guerra para obter melhorias sociais ou “concedê-las” em consequência da guerra. “Na Guerra Preparando a Paz”, a divisa de um dos batalhões a que pertenci é, no mínimo, um absurdo. A Paz faz-se e pratica-se. Se há guerra é porque há condições para que surja. Preparar a Paz fazendo a guerra, como muitas vezes se diz é como ficar feliz por ter adoecido e saber que o que é bom é ter saúde. Surrealismo puro!

Mas por mais que fizéssemos, há uma coisa, que ninguém pode negar: nunca ocorreu uma mudança de campo massiva da população sob controlo do inimigo, nem uma colaboração espontânea e generalizada por parte da população que estava sob nosso controlo. E a população era o alvo daquela guerra. Era o que tínhamos de conquistar de modo a negar ao inimigo a exploração das contradições que tinham levado à situação que se vivia. É dado adquirido que, na Guerra, há sempre uma parte da população com um comportamento amorfo em relação aos beligerantes, mas as mudanças operadas deveriam ter levado a uma maior aceitação do domínio das autoridades. E tal não sucedeu, por mais que nos esforçássemos.

Não entendíamos porquê mas, já naquele tempo, tínhamos a ideia de que o inimigo estaria muito mobilizado e motivado. Não tínhamos dúvidas de que o aparelho administrativo do inimigo não tinha capacidade para fazer melhor do que a nossa Administração. Também não entendíamos bem o que levava a população que apoiava o inimigo a manter-se junto dele. Sabemos agora que a deserção, de combatentes ou não combatentes, era severamente punida e que o controlo dos acompanhantes era muito apertado. Era o “partido” dos anos sessenta/setenta, nos restos do estalinismo. As sucessivas independências da África iam-no confirmando, de vez em quando. Era só ler os jornais e revistas. Claro que os nacionais poderiam ser acusados de facciosismo, mas os estrangeiros – a que tínhamos acesso – e que normalmente eram a base dos noticiários que víamos, ouvíamos e líamos, poderiam ser aceites como bastante credíveis. Em geral, a saída das autoridades coloniais, precipitava os novos países para as situações de neocolonialismo que não beneficiavam senão o partido (único) que ficava no poder. E se assim fosse em relação à Guiné, que é que poderíamos fazer para que ali fosse diferente?

Passaram 54 anos. Duas gerações! Estamos quase todos na casa dos setenta e é tempo de olhar para trás, de modo lógico, imparcial, sem ideias preconcebidas e com a coragem necessária para enfrentarmos o que passou. É bom que o façamos, antes que os doutores comecem a fazer teses, frias e sem alma, mas que encerrarão o processo. E o que eles escreverem o que está certo. Enumerei, sinteticamente o que fizemos e os resultados (pobres) que tivemos. Descrevi o modo – vicioso e atabalhoado, mas férreo – como fomos, desde a meninice, preparados para participar activamente no que sucedia. O trauma da chegada e as dificuldades em justificarmos numa auto-análise o que fazíamos e o desacerto entre nós e as populações locais que eram também portugueses, mereceu-me destaque. Acho que a convicção, uma vez adquirida, não deve ser posta em causa e, se perdida, perdeu-se tudo o resto. Resumidamente, descrevi a nossa actuação na área operacional e indiquei os sacrifícios e os traumas de toda a espécie que carregamos e que muitas vezes não são compreendidos e muito menos aceites na sociedade dos nossos dias. Por fim mostrei as consequências de um fenómeno que começou sem que nos apercebêssemos e terminou, como seria de esperar.

Como conclusão final interrogo se poderíamos ter feito algo (ou deveríamos ter feito mais) para que as coisas não sucedessem assim e tenho a certeza de que nada havia a fazer. No meu primeiro, ou segundo post, digo que éramos um grupo de bombeiros que chegavam tarde a um incêndio florestal que tinha todas as condições para arder e não tenho hoje qualquer dúvida de que tudo foi em vão. Se calhar, com um pouco de senso, poderíamos ter chegado a uma solução melhor e com menos sacrifícios dos metropolitanos e dos guineenses amigos ou inimigos. Mas, a História não se rebobina…

28 de Agosto de 2017
AJPC
____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16891: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (20): Estudo sobre o bi-grupo de Mário Mendes

17 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valeu a pena ?, perguntava o poeta da "Mensagem", Fernando Pessoa... Cada um de nós fará (ou já fez) o seu deve e haver, o seu balanço... Há uma perspetiva histórica e uma perspetiva individual... Tal como a geração que morreu em La Lyz, sacrificada no altar da República, a nossa também o foi, no altar, não da Pátria, mas de um regime que, para mais, tinha um problema histórico de "legitimidade", interna e externa.... Hoje penso que a nossa geração fez o seu melhor, em termos humanos e militares, na esperança de que a elite política do regime encontrasse uma solução política para um conflito que, em última análise, era político... Infelizmente não foi capaz de o fazer...O regime caiu de podre... Perdemos uma oportunidade histórica... Fizemos o 25 de abril e descolonização na pior altura, em plena crise do sistema económico capitalista (a crise do petróleo de 1973 e o fim dos "trinta gloriosos" anos de milagre económico europeu...) e em plena guerra fria, quando dois blocos político-militares tentavam em vão conquistar a hegemonia geoestratégica do mundo... Obrigado, Tó Zé, pela franquueza e lucidez da tua reflexão. Temos o direito de a azer, fomos atores, e não apenas seguintes figurantes, deste drama!... (LG)

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Deixemo-nos de poesias. Valeu a pena? Ir buscar os poetas para um assunto deste tipo, soa-me a tentativa de engano.
O Fernando Pessoa também escreveu o Menino de sua Mãe, de que tão pouco se fala e tanto se deveria falar. Se calhar era boa ideia publicá-lo no blog, nem que fosse para compararmos que fica escrito e o que vimos e lá vem descrito. Digo eu...
E essa coisa da Alma que não é pequena não passa de treta para nos seduzir e, pior do que tudo, para nos adormecer o espírito.

Claro que cada um de nós fará (ou já fez) o seu balanço.
Por mim estive a trabalhar para o boneco. E pouco importa se me esforcei, se estava convicto, se dei o meu melhor, etc..
A única a perspectiva concreta e correcta é histórica. É nela que temos que ver se valeu a pena. A "perspectiva individual" é um processo de auto-convencimento, para dormirmos tranquilos e sermos reconhecidos, que não somos.
Estamos fortemente convencidos de que que a nossa geração fez o seu melhor, em termos humanos e militares, mesmo sem a esperança de que a elite política alguma vez se compenetrasse de que o problema era político...
Infelizmente negou-se a fazê-lo...
E as consequências estão à vista e foram essas que enumeras. E mesmo assim já ouvi dizer que se fez pouco e o que foi feito foi mau!
Como actores, e não apenas seguintes figurantes, deste drama devemos fazer uma reflexão séria que nos leve onde levar, com coragem e sem preconceitos fomos !...

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Colocam-se livros (outrora "palpitantes") na penumbra das prateleiras.

Lenta mas continuadamente väo apodrecendo.

Mais tarde...as prateleiras também!

Na ténue poeira resultante flutua a História.
E,há mistura,milhares de pequenas-grandes histórias...as nossas!

Um abraco do J.Belo

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Não é exactamente assim.
As bibliotecas têm incunábulos e outros ainda mais antigos, e os conservadores e recuperadores esforçam-se para que a degradação dos materiais seja o mais lenta possível.
E além disso, a divulgação e a reprodução dos documentos são a nossa maneira de manter viva a vida humana.
Claro que há os que querem que tudo seja (devidamente) esquecido. Mas sem esses, a vida não tinha piada nenhuma...

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Do alto da sua arrogância intelectual, os académicos, os historiadores encartados, dirão, como o monsieur René Pélissier, que somos um bando de velhadas, do caga e tosse, nostálgicos da nossa juventude perdida nas bolonhas da Guiné...

Outro dia, um camaradda nosso, também grávido da sua ciência (ou sapo...ência ?), referia-se ao nosso blogue com igual desprezo, acusando-nosm do alto da sua cátedra, de discutor o sexo dos anjos, quando a Pátria e sobretudo o Mundo estão em vias de desaparecer...
lmaber.

"Temos pouco tempo para salvar o planeta e vocês ainda a lamber as putas das feridas de há 50 anos atrás, da guerra do ultramar!"... E deu-me um conselho, paternal; "Arruma de vez as botas, a G3 e o camuflado, fecha o blogue e vive o resto da vida que Deus te deu!"...

Confesso que embatoquei, mas tomei boa nota e levei o recado para casa... Ando a remoer essa do "sexo dos anjos", há uns tempos...

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

É três vez que venho à antena e duas por tua causa. Tás numa de me provocar.
Efectivamente discutimos "o sexo dos anjos", pois como já disse a História não se rebobina. É como no futebol: não há "ses".
Já li coisas do Pélissier e tenho dificuldade em rebater a maior parte das suas teses justificativas do sucedido no ex-ultramar português, especialmente antes de.
Há nostalgia? Se calhar. E depois? A nostalgia é o que nos permite reconstituir e até estudar o passado. Não podemos, não devemos é ficar-nos por aí. Há diferença entre História - mesmo recentemente vivida como é o nosso caso - e a nostalgia dos tempos que já lá vão e da nossa juventude.
Claro que podemos e devemos viver a vida de todos os dias e até com sexo, dos anjos e do outro, se for possível...
Aquela do mundo a desaparecer e da salvação do "pelaneta" não me dá muito que pensar, para ser franco. É mais uma questão de os e as verdes e maduras ou maduros...
Mas quando o paleio é esse... ou similar, então não tenho dúvida: há cagaço de uma análise aprofundada do sucedido. E o resto é disfarce.
E o Freud explica essa atitude, como sabes.

Um Ab.
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Caro Pereira da Costa.
Gostei de ler, e concordo consigo, este seu ponto de vista da guerra na Guiné. (vamos ficar só pla Guiné).
No seu ponto de vista, afinal que guerra aconteceu na Guiné? (e vamos ficar só pla Guiné)
Foi uma guerra civil entre grupos organizados dentro do mesmo estado/nação ou parte dele/a apoiados ou não de exterior?
Foi uma guerra de guerrilha contra invasão do nosso/seu território com o fim de expulsar os invasores?
Que grande confusão para os teóricos dos conceitos de guerras, esta guerra na Guiné.(e se chegassem ao Xime ao março/1969, maior seria) Qual é sua opinião?
Abraço
Queiroz

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Esta questão está bem equacionada na definição de Guerra Subversiva que consta no I Livro dos 5 de capa azul sobre aquele tipo de guerra.
Não conhecendo bem os outros "TO das outras PU", limito-me à Guiné.
Poderia extrapolar, mas não sinto muito à vontade.
Para mim a guerra na Guiné foi uma "guerra conduzida (...) por uma parte da população com (...) apoio do exterior, contras autoridades de direito ou de facto (é irrelevante esta questão) visando (...) no mínimo paralisar a sua acção".
Podemos, portanto aceitar que foi uma guerra contra um grupo organizado dentro do mesmo estado/nação ou parte dele/a.
Foi uma guerra de guerrilha e não se verificou qualquer invasão do território, embora os guerrilheiros se refugiassem no estrangeiro e regressassem para realizar novas acções.
Quanto aos teóricos dos conceitos de guerras, é só observar e ler.
Só ouvi falar do que se passou no Xime antes de Jun72, que foi quando lá estive. Por isso não tenho opinião. Naquela altura já não havia população para disputar e a que o In detinha era, muitas vezes usada como escudo humano ou sistema de alarme. Seria?

Um Ab.
António J. P. Costa

Manuel Bernardo - Oficial reformado disse...

Destaco do texto do Cor. Pereira da Costa:
"(...) E afinal para quê tanto esforço? Para que serviu tanto sacrifício? Valeu a pena o nosso empenhamento, (sempre que existiu) não apenas na área operacional, mas também nas outras, (e tantas foram)? Esta questão do “empenhamento” no desempenho das tarefas diárias levanta a questão fundamental da nossa intervenção em África: será que a considerávamos necessária, justificada, útil e vantajosa até? Ou pelo contrário, aceitávamo-la como uma problema – uma espécie de obstáculo a transpor – a que não podíamos fugir?

Tenho para mim e declaro já que, cada vez mais, concluo que tanto esforço e sacrifício foi totalmente inútil. (...)"
Considero a resposta do Prof. Luís Graça bem dada:
"(...) Hoje penso que a nossa geração fez o seu melhor, em termos humanos e militares, na esperança de que a elite política do regime encontrasse uma solução política para um conflito que, em última análise, era político... Infelizmente não foi capaz de o fazer. (...) Ab para os dois.
MB

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, falando sério... É um bom tema para a "rentrée"... Tem a vantagem de não cairmos, ingenuamente (como aconteceu nos primeiros tempos do blogue...) na falsa dicotomia guerra ganha/ ganha perdida...

Estou de acordo que é tempo, e sobretudo é muito saudável, mentalmente saudável, reflectirmos sobre a tua pergunta, complexa, multidirecional, e que nunca terá uma resposta única nem simples: E afinal, para quê ?

Vou para o Porto, ruminando na questão... Talvez em Lisboa volte a pegar no tema, apesar do tarbalho que me espera...

Acho que nós temos o direito (e o dever) de falar sobre isto... Os guineenses farão o mesmo, pelo seu lado... Não tenho o direito de falar por eles, os que estiveram do "nosso lado" e os que nos combateram...

Ficaria feliz se o debate se alargasse e conrinuasse neste tom cordial, entre camaradas que se estimam e se respeita, independentemente das diferentes "idiossincrasias"...

Um bom resto de domingo... LG

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada

Agora é que era boa altura para um dos tais inquéritos

O meu esforço e dedicação foi
1. Foram muito úteis
2. Úteis
3. Pouco úteis
4. Inúteis
5. Não sabe, mas vai pensar
6. Não sabe, mesmo!

Não se podem admitir respostas do tipo "não me lembro" só aqueles tipo que a gente é que podem esquecer "em sã consciência" e, obviamente, não responde. Se não queria responder para que é que se meteu no inquérito.

Um Ab.
António J. P. Costa

Manuel Luís Lomba disse...

Como já não tenho idade para pressas,é-me legítimo servir um comentário retardado ao post do camarada Pereira da Costa, com o qual geralmente discordo, mas sem prejuízo do meu apreço pela sua honestidade. A Guerra da Guiné afinal serviu para quê?
Para um Partido-armado se apropriar de um território, que fazia o seu caminho civilizacional da cultura ocidentalista, para a sua oligarquia político-militar enriquecer ilicitamente, superando rapidamente as "fortunas" da então Guiné Portuguesa, exceptuando a da CUF, pela sua dimensão multinacional...; para os militares profissionais da Metrópole regressarem ao ripanço dos quartéis e poderem "gozar da vida o doce fruto", para os do contingente geral não terem de dar com o costado naquela costa da África e para cairmos no empobrecimento e na falência. E em consequência dela, o Portugal imperial dos quatro cantos do mundo passou a Pobregal da Europa, salvo pelo tenebroso FMI!
E trago à colação da invocação do "Valeu a pena" do poeta Fernando Pessoa o asserto do materialista dialético José Saramago: "A História é uma coisa e o Passado é outra. No Passado está tudo; na História não".
Quem é o Passado da Guerra da Guiné? Os seus actores, daqui e de lá, nos dois campos, que a entenderam como um serviço prestado à pátria e à felicidade do seu povo.
Um Ab e que Setembro nos dê belos dias. Vindimar é fixe!
Manuel Luís Lomba


Valdemar Silva disse...

Viva, caro Manuel Lomba.
Essa do passar do Portugal imperial para o Pobregal da Europa é interessante, julgo
que, então, antes de ser Pobregal seria Ricogal.
Quer dizer que pelo menos até 1970 seria Ricogal da Europa.
Que Ricogal, com estas estatísticas:
Ano de 1970
36% da população sem electricidade
42% da população sem esgotos
53% da população sem água canalizada
26% dos homens e 35% das mulheres analfabetos
Mortalidade infantil, em cada 1000 crianças que nasciam morriam 58.
Este eram os valores do Ricogal da Europa, já quanto ao Portugal imperial não havia
estatísticas por manifesto incómodo de não se cair no ridículo.
Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valeram a pena estes Quinhentos e 11 anos?

António J. P. Costa disse...

Caro Anónimo Manuel Luís Lomba
Que hei-de fazer? Geralmente discorda de mim, "mas sem prejuízo do seu apreço pela sua honestidade". Já fico satisfeito.
A Guerra da Guiné afinal serviu para quê?
"Para um Partido-armado se apropriar de um território". É natural. Se não estivesse armado não se apoderava de nada. Todavia será bom que se determine porque é que ele surgiu e se implantou, uma vez que as revoltas/revoluções não caem do céu.
Não dei porque o tal território fizesse "o seu caminho civilizacional da cultura ocidentalista". Pelo contrário, acho que lhe faltava qualquer coisa, mas admito que "a sua oligarquia político-militar (do tal partido, suponho) quisesses enriquecer ilicitamente, superando rapidamente as "fortunas" da então Guiné Portuguesa, exceptuando a da CUF, pela sua dimensão multinacional".
Volto a dizer que não tenho culpa disto e que essa foi a prática corrente em toda a África daquele tempo, mas também lembro ou relembro que "quem não tem competência não se estabelece" e muito menos para gerir o seu país/povo.
Não vejo bem qual é o problema de "os militares profissionais da Metrópole regressarem ao ripanço dos quartéis e poderem "gozar da vida o doce fruto", e os do contingente geral não terem de dar com o costado naquela costa da África". Porque é que deveria ser de outra forma, ao fim de 13 anos de subversão com a situação a piorar continuamente. Isto para não falar de outras causas.
Não acho que tenhamos "caído no empobrecimento e na falência". E se tal sucedeu temos que reverter a situação. Problema nosso!
Cada vez tenho mais dúvidas - e já expressei essa ideia - sobre o tal "Portugal imperial dos quatro cantos do mundo", mas pode ser que o camarada tenha outros elementos que eu não tenho. No que respeita à Guiné lembro que hoje só 23% da população fala(?) português e que esta é já a 3ª língua do país.
Quanto ao "Pobregal da Europa" e à "salvação" feita "pelo tenebroso FMI!" Este é mais um caso de que quem não tem competência... Não vejo a relação com o Portugal Imperial (passaram 50 anos), se alguma vez existiu. Será que se Portugal, de hoje, fosse imperial (não é reclame à cerveja) não teria vivido a tal situação económica?
Por fim, como já disse, a poesia não vem para aqui. O texto do poeta Fernando Pessoa é laudatório e ele sabia porque e para quê o escrevia assim...
Estou de acordo com materialista dialéctico José Saramago, mas acho que a História é o passado e interpretado, mesmo que seja à luz de preconceitos e idiossincrasias.

Um Ab e que Setembro nos dê belos dias. Vindimar é fixe?
Pois claro, quem me dera...
António J. P. Costa

Valdemar Silva disse...

Viva, caro António Rosinha.
Quinhentos e 11 anos !!!
Mesmo com as exigências fixadas na Conferência de Berlim no final do sec. XIX, na Guiné, ainda por lá ficaram resquícios de comerciantes de escravos e uns quantos madeireiros e, depois, 'mancarreiros' da CUF e pouco mais, passados 400 anos.
Parece que um tal Gonçalves de Sintra e uns italianos, nas últimas décadas do sec.
XV estavam pouco interessados em divulgar, pel'aquelas paragens, a civilização
cristã (ocidental ainda não era moda). O interesse deles era outro e do Infante também.
Basta ver a pouca, ou quase nenhuma influência do cristianismo naqueles paragens, não falando da civilização ocidental!!, que ainda agora, apenas, podemos ver uma igreja cristã (construída nos anos 1940/50)em Bissau e meia dúzia de capelas no resto do território. Afinal, o Infante empreendeu a gesta dos descobrimentos para
sacar aos muçulmanos o comércio do oriente e abençoado pela Papa pela divulgação
da fé cristã, chegado à Guiné, qual fé cristã, qual carapuça, vai de negociar com
os muçulmanos, que já lá estavam, ouro e escravos.
E, praticamente, foi sempre assim, ao longo do tempo, embora com comércios diferentes e, também, passou a ser destino de degredados e, depois, condenados políticos que pra lá foram cumprir penas.
Não fora, nos anos de 1960 e até 1974, a guerra e a grande necessidade de deslocações da tropa e devido ao grande número de homens no território, ainda não lá estariam as vias de comunicação e outras infraestruturas e principalmente a verdadeira convivência com os Portugueses.
Afinal, os quinhentos e 11 anos resumem-se, vendo bem, a pouco mais de 50 anos.
Ab.
Valdemar Queiroz

Manuel Luís Lomba disse...

Viva, António J. P. Costa!
Que boa "colheita" me saiu o teu contraditório ao meu comentário...
Ab
Manuel Luís Lomba