Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 1 de setembro de 2017
Guiné 61/74 - P17718: Notas de leitura (992): Relatório científico do Aspirante de Artilharia Wilmer Delgado Pinto para o Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Artilharia, Academia Militar, 2014
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Março de 2016:
Queridos amigos,
Foi na Biblioteca do CIDAC que encontrei este documento em que um aspirante da academia militar foi entrevistar personalidades que conviveram com Amílcar Cabral, caso de António Medeiros, Osvaldo Lopes da Silva (que teve um papel primordial no ataque a Guileje), o historiador Tcherno Ndjai, Luísa Teotónio Pereira, historiador Julião Soares Sousa, entre outras.
O itinerário político e pessoal de Cabral não acrescenta nada de novo mas o método de abordagem, as perguntas da entrevista, a diversidade das personalidades entrevistadas, é de indiscutível interesse.
Como o autor escreve na conclusões, Cabral é unanimemente conhecido por saber superar e encontrar resposta atempada nas circunstâncias mais penosas, possuir uma coragem física e moral incontestável, ter sido dotado de uma capacidade comunicativa fora de série e com uma escrita rara.
Considero que este achado valoriza a utilidade interna e externa do blogue.
Um abraço do
Mário
Relatório Científico do Aspirante de Artilharia Wilmer Delgado Pinto para o Mestrado em Ciências Militares na Especialidade de Artilharia, Academia Militar, 2014
Beja Santos
O trabalho de Mestrado de Wilmer Delgado Pinto teve como objetivo principal caraterizar Amílcar Cabral quanto aos seus atributos e competências de liderança enquanto político e revolucionário. Um trabalho que se divide em duas partes fundamentais, a primeira aborda a vida política e revolucionária de Amílcar Cabral e a segunda aplica-se à análise qualitativa a 15 entrevistas de individualidades que privaram com Amílcar Cabral; tal análise permitiu ao autor identificar competências relevantes com destaque para: carisma, generosidade, capacidade de resolução dos problemas, flexibilidade e adaptabilidade a novas e diferentes situações, entre outras. Ao concluir-se a investigação, o autor conclui que Amílcar Cabral foi um líder carismático que orientou o seu estilo de liderança pela participação e envolvimento dos colaboradores nas tomadas de decisão.
A primeira parte do trabalho sobre o homem e o itinerário político de Amílcar Cabral mostra correção e não era esperado que apresentasse revelações de monta. Assim, temos o contexto da assunção da negritude, a vinda do jovem Amílcar Cabral para Lisboa, o ambiente sociopolítico e cultural da época, a sua intervenção na Casa de África, Casa dos Estudantes do Império e Centro de Estudos Africanos. O autor fala da “reafricanização dos espíritos” como a força dinâmica que mobilizava estes estudantes vindos das colónias, imprimindo-lhes a vontade de transformar a condição social do homem africano e chegar à libertação colonial. Mostra-nos depois o Cabral agrónomo na Guiné, primeiro, e em Angola, depois, onde trabalhou de 1955 a 1959, em cartografia dos solos e recuperação de solos salgados no Vale de Catumbela. Dá-nos depois uma súmula da ascensão dos movimentos nacionalistas das colónias portuguesas a partir da criação do MLNCP (Movimento de Libertação Nacional das Colónias Portuguesas), cujo objetivo era alcançar a autonomia das possessões portuguesas em África. É um percurso relativamente rápido em que do MNLCP se passou à criação do MAC (Movimento Anticolonialista). Neste último agrupamento Cabral seria responsável por garantir a ligação entre o diretório de Lisboa e as secções do MAC nas diversas capitais europeias. É em Bissau, em Setembro de 1959, que são lançados os alicerces do PAI e deliberada a estratégia de subversão em meio rural, indo parte da direção política para a clandestinidade no estrangeiro (ficariam na Guiné Conacri). Cabral, a despeito de se ter envolvido completamente na vida política do PAI, de ser autor de todos os documentos apresentados na formação ideológica e no estrangeiro, foi responsável por uma Escola Piloto em Conacri e angariador de apoios para a luta armada, continuou embrenhado pela luta de libertação das diferentes colónias portuguesas. O MAC passou depois a designar-se por FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência das Colónias Portuguesas, e o autor desvela o conjunto de iniciativas em que ao longo dos anos Cabral foi acompanhando os seu camaradas de luta, designadamente o MPLA e a FRELIMO.
Na segunda parte, o autor declara que pretende estabelecer um modelo em que se identifiquem as competências e o padrão de referência associados à liderança para avaliar lacunas de formação nos oficiais do Exército português e para tal recorre a um estudo empírico com recolha e análise de dados, descrição de materiais e os instrumentos utilizados e caraterização da amostra. E assim se chega às conclusões e recomendações, seguramente uma das seções mais interessantes do trabalho deste investigador militar.
A questão central era: quais foram as competências de comando e liderança que distinguiram Amílcar Cabral? O fundador do PAIGC, de acordo com as respostas obtidas, distinguiu-se pela sua ação de comando persuasiva, pela articulação teórica e prática do seu pensamento e por se pautar por valores e ideias decorrentes de uma base cultural e filosófica resoluta. Quanto aos seus atributos de comando e de liderança verifica-se que enquanto político e revolucionário demonstrou inabalável espírito de sacrifício, determinação, coragem e resistência. A forma como se relacionava com os colaboradores era distinta dos restantes líderes africanos da época. Suscitava e ouvia com interesse a opinião dos outros, o essencial centrava-se no desenvolvimento dos sentimentos de união, alicerçado nas vantagens do trabalho conjunto. No âmbito da luta armada, enquanto combatente simultâneo em várias frentes, revelou grandes conhecimentos estratégicos tanto nas matas como na esfera internacional, bem como na criação das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Ficou patente a sua capacidade para realizar trabalhos e estudos de natureza diversa, bem como a sua agilidade em transformar o pensamento em ação e disseminar essa energia à sua volta.
Em termos de reflexões finais o autor diz que Cabral revelou eminente capacidade de motivar os seus colaboradores, apesar das dificuldades impostas pela liderança estratégica que exerceu ao longo de todo o processo da luta.
Este líder africano, como visionário e estratega, tinha plena consciência da influência dos fatores psicológicos sobre o desempenho em combate, por isso expôs-se e desafiou o perigo para visitar e incitar os seus homens no cumprimento das missões, sobretudo em teatro de guerrilha, para renovar os laços de confiança, recorrendo à informalidade para se conseguir aproximar a comungar dos mesmos sacrifícios com os combatentes.
Todos os entrevistados são unânimes em destacar o carisma e empreendedorismo de Amílcar Cabral como competências cruciais para o sucesso da luta, quer na mobilização das massas, quer no desenvolvimento de contactos com entidades, cujo papel, no meio envolvente, podia contribuir para alcançar os desempenhos singulares de que precisava. Amílcar Cabral mantinha elevadas expetativas sobre os seus colaboradores, permitindo-lhes tomar decisões importantes durante o desenrolar das operações. Essa liberdade permitia a máxima exploração da criatividade e do potencial dos homens ao seu dispor.
O legado deste líder atento à sua época define-se pela tomada de iniciativa histórica, pela compreensão da realidade viva do seu povo e pela coragem moral para desafiar a situação vigente da agitação política e militar nas colónias portuguesas em África. Não se revelou apenas um revolucionário, revelou-se um humanista disposto a servir os interesses de África e da Humanidade em geral.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17709: Notas de leitura (991): “Memórias SOMânticas”, de Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2016 (Mário Beja Santos)
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Mário, faltou referir que o autor do trabalho é guineense e a tese de mestrado ganhou um prémio internacional... Abraço. Luís
__________________
TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO APLICADA (TIA) VENCE CONCURSO INTERNACIONAL DE TESES DE MESTRADO E DOUTORAMENTO EM 2015
O Trabalho de Investigação Aplicada (TIA) com o tema "Caraterização do Comando e Liderança de Amílcar Cabral", elaborado pelo Aspirante-Aluno Wilmer Delgado Pinto (Guiné-Bissau), sob a orientação do Tenente-Coronel de Infantaria (Doutor) José Carlos Dias Rouco, para a obtenção do Grau de Mestre no Mestrado Integrado em Ciências Militares, na Especialidade de Artilharia (Academia Militar), venceu em Ex aequo com outro candidato a categoria de Dissertações de Mestrados no Concurso Internacional de Teses de Mestrados e Doutoramentos, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), da Guiné-Bissau, em 2015.
Fonte_ Academia Militar
http://academiamilitar.pt/tia-vence-concurso-internacional.html
E falta referir que é facciosa, endeusa, eleva Amílcar Cabral quase até à perfeição.
Abraço,
António Graça de Abreu
o habitue
j.dias
Enviar um comentário