Queridos amigos,
Naqueles anos de 1946 e 1947 falava-se fluentemente em tribos, em gentio, em incivilizados, em raças. O conhecimento histórico era nebuloso, a historiografia sobre África, e sob impulso das escolas francesas, inglesas e alemã, está a dar os seus primeiros passos firmes. O que se conhece é a literatura de viagens, ao recurso a relatórios, alguns trabalhos de campo como os que foram assinados pelo Padre Marcelino Marques de Barros.
A Agência Geral das Colónias e a Sociedade de Geografia de Lisboa procuram suprir lacunas. O Padre Dinis Dias, diga-se em abono da verdade, trabalhou que se fartou, leu Zurara, André Álvares de Almada, Valentim Fernandes, a obra do antigo governador Carvalho de Viegas, não podemos acusá-lo de que trabalhou às três pancadas, inclusivamente leu uma importante obra do seu tempo, Histoire de l'Afrique Occidentale Française, de J. L. Monod, de 1937. Depois dele, tudo seria mais fácil, quando o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa passou a produzir obras que ainda hoje são de referência na historiografia guineense.
Um abraço do
Mário
As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (3)
Beja Santos
O padre franciscano A. Dias Dinis viveu cerca de seis anos na Guiné e empolgou-se com as questões do mosaico étnico, em 1946 produziu um trabalho que iria ser publicado em quatro números de “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”. É bem percetível que procurou estudar e conhecer o que de mais recente fora publicado nos domínios da História, da Antropologia, Etnologia e Etnografia. Neste último texto far-se-á referência ao que ele observou e estudou dos Bijagós, Nalus, Fulas e Futa-Fulas.
Diz que o nome de Bijagós é relativamente tardio, remontavam a 1462 as primeiras notícias dos portugueses sobre aqueles indígenas, então observados pelo navegador Pedro de Sintra. Cadamosto também escreveu sobre os Bijagós dizendo que numa das ilhas “tinham desembarcado e falado com os seus negros, mas que não puderam ser entendidos; e que andaram algum tanto pela terra dentro, até às suas habitações, que eram choupanas de palha pobríssimas, em algumas das quais acharam estátuas de ídolos de madeira; pelo que deles puderam compreender, estes negros são idólatras e adoram aquelas estátuas; e, não podendo ter nem entender outra coisa deles, seguiram a sua viagem pela costa mais avante, e tanto caminharam que chegaram à boca de um grande rio largo…”. Nos mapas primitivos, o arquipélago dos Bijagós tinha o nome de «Ilhas de Buam». Valentim Fernandes refere-se a estas mesmas ilhas com tal nome dizendo que eram povoadas e abastadas de mantimentos. Para este autor missionário, Mármol seria o primeiro autor a usar a palavra Bijagós na forma de Bigiohos. André Alvares de Almada dedica um capítulo aos Bijagós, diz que eram muito guerreiros, que andavam continuamente em luta, assaltando as terras dos Brames e dos Biafadas. Almada informa não haver rei entre os Bijagós. Os homens ocupavam-se em três coisas: guerra, fazer embarcações e tirar vinho das palmeiras e diz que “As mulheres fazem as casas e as searas, pescam e mariscam e fazem todo o mais serviço que fazem os homens em outras partes”. Descreve a indumentária, faz alusão à facilidade com que o Bijagó se suicida, descreve os seus produtos. Mantem-se em aberto a questão posta pelo autor: De onde terão vindo os ascendentes dos Bijagós atuais?
Os Nalus habitam as regiões de Tombali e de Cacine, Valentim Fernandes, Duarte Pacheco Pereira e Almada fazem deles esparsas referências. Almada diz que os Nalus na linguagem e no traje eram muito diferentes dos vizinhos Biafadas. Há referências aos escravos Nalus que chegavam por intermédio dos Biafadas de Cubisseco e de Bolola e que recebiam o chumbo como a mais apreciada das mercadorias. Ainda segundo Almada, os Nalus acreditavam que as suas almas andavam metidas em animais ferozes e que morrendo o animal também morriam as suas almas. Os Nalus teriam vindo a ser progressivamente rechaçados primeiro pelos Biafadas e depois pelos Balantas, acomodando-se na apertada região onde hoje habitam.
Estranhamente, o Padre Dias Dinis é muito lacónico acerca dos Fulas e Futa-Fulas. Diz que são os Peuls do território francês. Diz que entraram para a nossa colónia em data incerta, mas relativamente recente. Terão feito parte do grande Império Fula, um império que principiava no rio Senegal e se estendia para o Sudão, em concorrência com o império dos Mandingas. Nos primeiros anos do século XVI, segundo conta Almada, os Fulas atacaram os Mandingas da Gâmbia e desceram até ao rio Geba onde foram destroçados. Os Fulas são gente fortemente mestiçada, acobreados e de feições corretas, geralmente.
E faz a seguinte referência aos Futa-Fulas, diz que são provenientes do Futa-Djalon, enviados outrora ao Forreá pelos almanis, para extensão da sua supremacia política pela nossa Colónia, são os indígenas de feições mais corretas que topámos na Guiné Portuguesa. Representam o tipo mais aproximado do Fula clássico.
E procede às seguintes conclusões:
1. Os autores propriamente Quatrocentistas, como Zurara, Cadamosto, Martinho da Boémia e Jerónimo Münzer não aludem ainda às etnias da Guiné Portuguesa;
2. Roteiros do século XV, recolhidos nos primeiros anos do século XVI por Valentim Fernandes Alemão e ainda a obra de Duarte Pacheco Pereira inserem referências, por vezes minuciosas às etnias Mandinga, Felupe, Balanta, Banhum, Biafada e Nalu;
3. Nos fins do mesmo século XVI, André Alvares de Almada refere-se já à situação geográfica, usos e costumes dos Mandingas, dos Arriatas, dos Felupes, dos Jabundos, dos Cassangas, dos Brames, dos Fulas, dos Sapes, dos Balantas, dos Biafadas, dos Bijagós, dos Nalus, dos Bagas e Cocolis;
4. Algumas destas etnias desapareceram do território português atual, fundiram-se com outras ali existentes ou mudaram simplesmente de nome, caso dos Arriatas, dos Jabundos, dos Bagas e dos Cocolis;
5. Os dados históricos, geográficos e etnográficos parecem permitir a identificação dos atuais Papéis com os antigos Sapes, oriundos da Serra Leoa e entrados na Guiné no século XVI;
6. Parece ter havido, no mesmo século, uma grande invasão Mandinga para dentro da Guiné, impelida por uma maior invasão Fula, partida da Gâmbia e que atingiu o rio Geba, não ficando porém no território os invasores Fulas; a mancha geográfica e a influência político-religiosa dos aguerridos Mandingas alastrou, desde o século XVI, por todo o Norte e Centro do colónia, descendo até às regiões do Quínara e do Cubisseco, mancha e influência a pouco e pouco reduzidas aos retalhos atuais, sobre a pressão da recente invasão Futa-Fula.
7. São de formação ou de aparecimento muito recente na colónia, as tribos dos Baiotes e dos Manjacos, devendo constituir os primeiros uma subdivisão dos Felupes e mostrando-se aparentados os segundos com os Brames e Papéis.
8. As presentes notas provam que é possível reconstituir, em boa parte ao menos, a evolução histórica e etnográfica das principais etnias da atual Guiné, com base nos autores nacionais e estrangeiros dos séculos passados, especialmente nos relatos de viagens à costa da Guiné.
9. Documentam ainda terem sido poucas as deslocações das etnias da colónia, entre os séculos XV e XX, assim como o facto de elas haverem mantido sensivelmente os mesmos usos e costumes, ou seja, o mesmo nível de civilização primitiva.
E assim termina o trabalho deste franciscano que devotou alguns anos da sua vida nas missões da Guiné.
A Senhora de África
Imagem retirada do jornal “O Comércio da Guiné”, abril de 1931.
____________Nota do editor
Último poste da série de 12 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19281: Historiografia da presença portuguesa em África (139): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2) (Mário Beja Santos)