quinta-feira, 19 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13307: Notas de leitura (602): "Onde se fala de Bissau", do princípio dos anos 50, da UDIB... Um excerto do próximo livro de Lucinda Aranha dedicado a seu pai Manuel Joaquim, empresário e caçador em Cabo Verde e Guiné (Lucinda Aranha)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Lucinda Aranha, filha de Manuel Joaquim, empresário e caçador em Cabo Verde (1929/1943) e Guiné (1943/1973), com data de 20 de Maio de 2014:

Caros amigos:
Envio-lhes para publicação, caso estejam interessados, um texto composto a partir de um excerto do meu próximo livro.

Os meus cumprimentos,
Lucinda


Onde se fala de Bissau

Ao avistar Bissau, vindo de Bolama, já no estuário de águas lodosas do Geba, Manuel Joaquim, o homem do cinema, pensava em como fizera bem em optar pelo mato ao invés de se ficar por Bissau onde a vida era mais cosmopolita mas onde por isso mesmo a concorrência era maior a começar pela UDIB, ponto de encontro da elite de Bissau, que era preciso ter estatuto social para lá entrar. Tudo o que era político, músico, comerciante de nota, futebolista, senhora respeitável desfilava pelo clube.

Sucediam-se os torneios desportivos, os bailes, os filmes ao fim de semana, até os chás dançantes como o que a mulher do governador organizara, em 52, com fins beneficentes. Apesar dos 25 pesos da entrada fora muito concorrido e animado com verbenas e sorteios no terraço.

É certo que tinha boas relações com o clube e até colaborara, no primeiro de Janeiro de 46, na sessão cinematográfica que a UDIB realizara. Enfim, como o não havia de fazer se se tratava das comemorações dos quinhentos anos da Guiné as quais tinham culminado, no final do ano, na Exposição de Bissau que condensara em 20 salas toda a vida e a história da Guiné? A finalizar essa sessão solene de abertura houvera, ainda retinha com nitidez na memória, desfile das forças militares, corporações, colectividades e numerosos indígenas, com uma marcha luminosa bem pitoresca e surpreendente a que se sucedera um grande batuque no Cupilon.

Guiné-Bissau > Bissau > UDIB  (...Com a devida vénia a Bissau Architecture )


Guiné-Bissau > Bissau > s/d > O emblemático edifício da sede da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau onde jogou à bola o pai do Nelson Herbert, Armando Duarte Lopes, de origem cabo-verdiana, nascido em 1920, e que fez parte da seleção de futebol da Guiné Portuguesa.  Imagem: Cortesia de Nelson Herbert (2009)., jornalista da VOA - Voz da América.

Foto: ©  Nelson Herbert  / Blogue Luís Graça &  Camaradas da Guiné (2009). Todos os direitos reservados.


Guiné > Bissau > UDIB  > c. 1962/64,  foto  do nosso camarada açoriano Durval Faria (ex-fur mil da CCAÇ 274, Fulacunda,  jan 1962/ jan 64)

Foto: © Durval Faria / Blogue Luís Graça > Camaradas da Guiné (2011). Todos os direitos reservados.

Lembrava-se dos concertos do 1º e 3º domingos de cada mês que no coreto dos Combatentes da Grande Guerra a Banda da Câmara Municipal animava, nos anos 50, com música.

Recordava os Salões de Arte que as senhoras organizavam, as exposições de bordados e trabalhos manuais das educandas de Bór, as palestras com sessões de poesia e morna e as conferências que os cabo-verdianos e a Casa dos Estudantes do Império dinamizavam.

Muitas eram festas de beneficência que se sucediam ao longo do ano, ora auxiliando o Asilo-Escola de Bór ora os velhos e inválidos da colónia. Mas a beneficência não se ficava por aí que também organizavam rifas a favor da Liga Portuguesa contra o Cancro com prémios chorudos, um carro, uma motocicleta como a que saíra ao irmão de um seu rapaz, o Calabouça que ganhou o 2º prémio em 53.

Voltava atrás, ao ano anterior, e sorria. A loucura que fora o torneio de futebol da África Ocidental. Até o Conselho de Desporto aprovara o fretamento de um avião da Air France para a deslocação a Dacar dos apoiantes da Selecção de Bissau. Só que os 1.100$00 do bilhete inviabilizaram o projecto.


A raiva enfurecia-o quando recordava a barbárie que chegara a Bissau: a festa brava. Tardara mais dez anos a chegar que na Praia mas não havia como fugir-lhe. Em 43, ano da sua ida para Bolama ainda tivera tempo de assistir ao seu triunfo na Praia e agora lá tinha na cidade capital ao mesmo triste espectáculo. Onde estava a festa, perguntava-se. Matar animais com tortura e por simples diversão alguma vez pode ser festa? Pensar que se construiu uma praça, se mandaram vir bandarilheiros e mesmo touros bravos da metrópole e se foram buscar animais bravios às manadas bravas dos Bijagós fazia-lhe crescer instintos justiceiros e simultaneamente assassinos.

Lucinda
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MAIO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13120: Notas de leitura (588): "Julinha", um excerto do próximo livro de Lucinda Aranha dedicado a seu pai Manuel Joaquim, empresário e caçador em Cabo Verde e Guiné (Lucinda Aranha)

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