Fig. nº 1 – Recuperação do Tenente Miguel Pessoa.
Crédito fotográfico – Capitão Delgadinho Rodrigues
Fig. nº 2 – Destroços do Fiat G.91 5419 pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito. Crédito fotográfico: Roel Coutinho
1. Mensagem de José Matos:
Data - sábado, 25/04, 14:20
Olá, Luís.
Acabou de sair um artigo meu na Revista Militar sobre o último ano Fiat na Guiné. Foi um ano terrível e envio-te o PDF da revista e também o artigo em word para publicar no blogue. Agradecia que divulgasses dado a temática.
Este ano vai haver mais algumas novidades, pois está para breve a saída do meu livro sobre o Estado Novo e a África do Sul na Defesa da Guiné.
Ab, José Matos
O último ano do Fiat G.91 na Guiné
por José Matos
,
[Publicado originalmente na
Revista Militar N.º 4 – abril 2020, pp. 395-414-
Cortesia do autor e editor]
Revista Militar N.º 4 – abril 2020, pp. 395-414-
Cortesia do autor e editor]
José Matos [, foto à direita]: Investigador independente em História Militar, tem feito pesquisas sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou nos livros “A Força Aérea no Fim do Império” (Lisboa, Âncora Editora, 2018) e "A Guerra e as Guerras Coloniais na África Subsariana" (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019).
É autor, com Luís Barroso, do livro, a sair brevemente, "Nos meandros da guerra: o Estado Novo e a África do Sul na defesa da Guiné" (Lisboa, Editora Caleidoscópio, 2020).
É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo cerca de 3 dezenas e meia de referências no nosso blogue]
O último ano do Fiat G.91 na Guiné foi o mais difícil com a perda de cinco aviões, três deles abatidos por mísseis terra-ar SA-7 “Strela”.
O impacto desta nova arma na actividade aérea foi considerável, mas rapidamente a Força Aérea Portuguesa (FAP) adaptou-se à nova ameaça continuando a voar nos céus da Guiné. Os G.91 da Esquadra 121 desempenharam, nesse âmbito, um papel importante na resposta à guerrilha, sendo o principal vector de ataque e de apoio táctico às forças portuguesas nos meses derradeiros da guerra.
No dia 25 de Março de 1973, ao começo da tarde, o quartel de Guileje, no sul da Guiné, é flagelado por fogo de artilharia. O ataque é desencadeado em plena luz do dia para provocar a reacção da Força Aérea[1] e os militares no quartel pedem apoio aéreo a Bissalanca, onde estão sempre dois Fiat G.91 de prontidão.
Passado pouco tempo, um G.91 pilotado pelo Tenente Miguel Pessoa está na área de Guileje. Voando a baixa altitude, Pessoa procura vestígios do inimigo na zona de Gandembel, um pouco mais a norte de Guileje, mas subitamente, uma explosão faz o Fiat estremecer. O piloto tenta, desesperadamente, controlar a aeronave, mas sem sucesso. O motor está morto, as superfícies de comando não respondem, e o solo aproxima-se velozmente. Pessoa puxa a alça de ejecção sobre a cabeça e sofre o impacto da ejecção, que o lança para cima e para longe, abandonado o avião condenado, que explode com o impacto no solo.[2]
Contudo, ejectara-se já muito tarde. Demasiado baixo para que o pára-quedas se abrisse completamente, caiu com violência entre as árvores, acabando com uma perna partida. Ninguém sabe se está vivo ou morto, mas, ao final da tarde, consegue disparar um very-light que é visto pelo Tenente-Coronel Almeida Brito que participava com um Fiat, nas buscas. [Fig. nº 1, acima]
Na manhã seguinte, desloca de Bissau um grupo de pára-quedistas, em dois aviões Noratlas e um avião Dakota, para a Aldeia Formosa com o objectivo de resgatar o piloto. Os pára-quedistas são depois helicolocados na mata e rapidamente encontram vestígios do piloto. São depois secundados por um grupo de comandos africanos que acaba por encontrar Pessoa, sendo este levado para Guileje de helicóptero e depois para Bissau.[3]
Na altura, ainda não o podia saber, mas fora a primeira vítima dos novos mísseis terra-ar SA-7 Strela 2, de fabrico soviético e recentemente adquiridos pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde).
Três dias depois, a 28 de Março, outro Fiat, desta vez pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito é também abatido por um Strela, no sul da Guiné, provocando a morte do piloto [Fig. nº 2, acima].
Na manhã desse dia, o Centro de Operações da Base Aérea n.º 12 (BA12) intercepta uma mensagem proveniente da guerrilha que referia a presença de uma viatura na estrada de Ché Ché para Madina do Boé, no sul da Guiné, com uma individualidade importante do PAIGC. Dois G.91 em alerta na BA12 descolam e dirigem-se imediatamente para Ché Ché. A partir daí percorrem o trilho até Madina do Boé e continuam até próximo da base Kambera, já no território da Guiné-Conakry. Não tendo descoberto nada, os dois pilotos (Tenente-Coronel Almeida Brito e Capitão Pinto Ferreira) fazem o percurso inverso, a cerca de 500 pés de altitude. Na picada entre Gobije e Madina do Boé, a 3 km da fronteira, Almeida Brito dá conta a Pinto Ferreira de uma mata suspeita. Nesse mesmo instante, o avião de Brito explode no ar atingido por um SA-7.
Um segundo míssil é disparado contra Pinto Ferreira, que faz uma manobra brusca, passando muito baixo sobre o terreno e, saindo assim, fora do alcance do míssil. Em seguida, sobe para os 10 mil pés para identificar o local do incidente e comunica à base o sucedido.[4]
Além de Comandante do Grupo Operacional 1201 (GO1201), Brito era um oficial experiente e muito estimado pelos restantes pilotos. A sua morte provoca grande consternação em Bissalanca. Percebe-se depois que a mensagem interceptada era falsa e que se destinava apenas a atrair os aviões a uma armadilha. Com a morte de Brito, o comando do GO1201 passa para o Major Fernando Pedroso de Almeida.
O impacto do míssil na actividade aérea dos G.91 sente-se de imediato. O número de horas voadas pelos caças passa de 30 horas na última semana de Março para 22 horas na primeira semana de Abril e para apenas 9 horas na segunda semana desse mês, quando a ameaça do míssil ganha contornos dramáticos com o abate de 2 aviões Dornier DO 27 e um T-6. Porém, na semana seguinte, volta a aumentar para 22 horas e atinge novamente as 30 horas, na última semana de Abril, o que mostra que os “Tigres” se adaptaram à nova ameaça.[5]
No entanto, a perda de dois jactos afecta também o quantitativo atribuído à BA12. De 11 aviões disponíveis, os “Tigres” passam para 9. A situação leva, em Junho, a que sejam atribuídos mais 2 Fiat à ZACVG (Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) para compensar as perdas de Março, sendo o 5428, acabado sair de IRAN, cedido pela Base de Monte Real (BA5) e o 5434, ainda em IRAN, retirado da reserva nas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico).[6] Os 2 aviões chegam à BA12 em meados de Julho.[7]
O aparecimento do Strela leva a Força Aérea, logo em Abril, a informar-se sobre as suas capacidades e limitações de forma a adoptar contramedidas. Em Lisboa, a Direcção Geral de Segurança (DGS) obtém informação sobre o míssil através dos Serviços Secretos Alemães (BND), informação que depois é transmitida ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN) e às chefias militares, nos três cenários de guerra africanos.
A informação recolhida junto do BND indica que o SA-7 não tem capacidade de actuação acima dos 1500 metros de altitude (5000 pés) nem abaixo dos 50/60 metros (160/190 pés) - embora informações recolhidas mais tarde mostrem que o SA-7 podia actuar até aos 8000 pés (2400 metros)[8] - e que é possível evitar o míssil por meio de manobras evasivas e da adopção de altitudes de segurança.
A informação da DGS refere também as características positivas e negativas do míssil salientando, nas positivas, o manuseamento e utilização fácil, além da alta velocidade e mobilidade da arma. Quanto às negativas, era referido que só são possíveis tiros de perseguição, e a impossibilidade de utilização em todas as condições meteorológicas, o alcance efectivo relativamente pequeno, os reflexos térmicos provenientes do solo que podiam confundir o sensor de infravermelhos, a fácil identificação pelo rasto de fumo e ainda o baixo peso da ogiva (1kg), que exigia o impacto directo do míssil para a destruição do alvo. [9]
Munidos desta informação, os “Tigres” passam então a usar novas tácticas de aproximação ao alvo e fuga, de forma a evitar os mísseis. As missões de ataque ao solo passam a ser feitas com altitudes de entrada e saída mais elevadas.
Nas missões ATIP (Ataque Independente Planeado), o início da picada começa nos 10 000 pés com a largada de bombas a 6000 pés, sendo que o ponto mais baixo da trajectória não deveria situar-se abaixo dos 2500 pés. Nas missões ATAP (Ataque de Apoio Próximo), os Fiat podiam levar apenas bombas tendo que executar as missões nas mesmas condições de ATIP.[10]
Além disso, a actuação em parelha passa a ser obrigatória, pois permite que um dos caças fique em posição de vigilância fora do alcance do míssil, perscrutando o solo e o espaço aéreo em torno do outro jacto, que efectua o ataque, com o intuito de detectar disparos do míssil e lançar, na frequência de intercomunicação, a mensagem de alerta de míssil.
Relativamente ao disparo do SA-7 podia ser detectado tanto pela assinatura que deixava no terreno como também no ar. No terreno, a assinatura era caracterizada pelo aparecimento repentino duma bola de fumo muito branco, resultante da ignição e expulsão projéctil do tubo de disparo. No ar, a assinatura era formada pelo rasto de fumo da carga impulsora de combustível sólido, indiciando a trajectória do projéctil. Desta forma, quando um piloto visse um Strela a aproximar-se podia sair fora do alcance relativamente estreito do detector de infravermelhos através de uma rápida mudança de altitude e direcção.
As manobras evasivas
A eficiência destas manobras é confirmada mais tarde, em Outubro de 1973, quando um atirador de mísseis do PAIGC, Armando Baldé, se entrega na guarnição de Tite às forças portuguesas. O ex-guerrilheiro revela então que os insucessos nos lançamentos do míssil contra o G.91 se deviam sobretudo à dificuldade do Strela em adquirir o alvo durante a picada do avião e também devido ao facto dos pilotos saírem dos passes de bombardeamento ou tiro, numa manobra de volta muito apertada, que superava as capacidades de manobra do míssil. [11]
Esta táctica exigia, contudo, frieza e presença de espírito da parte do piloto, para executar a manobra mantendo o mais correcto equilíbrio entre a aceleração e a ascensão. Se apertasse demasiado (na gíria aeronáutica “se aplicasse muitos Gs”) o avião perdia velocidade e razão de subida, muito rapidamente. A geometria da volta passava a ser rectilínea quando olhada do solo. Caso enfrentasse um atirador de Strela experiente e calmo, podia ser abatido se o atirador atrasasse o disparo do míssil, na expectativa de que o piloto cometesse o erro descrito.
Outra excelente manobra de evasão era metralhar a picar e sair dos passes de tiro a descer em volta até ao nível um pouco acima do topo das árvores. Com esta manobra expunha-se muito menos a fonte de emissão de infravermelhos do avião, o cone de escape, à leitura do sensor de infravermelhos do míssil, comparativamente ao que acontecia quando se faziam saídas de ataque a subir, onde essa exposição era maior. A possibilidade de sobrevivência aumentava muito, conferida tanto pela velocidade como pela protecção oferecida pela baixa altitude, onde o calor irradiado pelo solo suplantava o emitido pelo avião.
Este procedimento tinha, todavia, o problema da última aeronave a sair do passe de tiro não ter a vigilância e o aviso do outro avião, quanto a um eventual disparo do míssil. Desta forma, quando praticada, esta manobra exigia um cuidadoso planeamento da saída do último caça do passe de tiro. Com o decorrer do tempo, alguns pilotos praticaram este procedimento.[12]
Sabe-se hoje que as primeiras acções com o míssil visavam sobretudo preparar o terreno para duas grandes ofensivas da guerrilha contra duas guarnições de fronteira: Guidage e Guileje.[13] [Fig. nº 3]
Em primeiro lugar, os guerrilheiros atacam e isolam o quartel de Guidage, perto da fronteira com o Senegal. O primeiro bombardeamento a Guidage acontece a 6 de Abril e aproveitando a evacuação de um ferido em DO-27, os guerrilheiros abatem dois aviões destes, além de um T-6, que participa, mais tarde, na operação de busca dos aviões abatidos.[14] O quartel fica praticamente isolado durante todo o mês de Maio. As vias de comunicação são minadas e as colunas de reabastecimento caem várias vezes em emboscadas.
A situação leva as forças portuguesas a montar uma operação em grande escala (Operação Ametista Real), contra a base de Kumbamori, no Senegal, para a qual é mobilizada uma força de 450 comandos com o apoio de meios aéreos. A Esquadra 121 participa na operação com seis aviões Fiat, cada um equipado com duas bombas de 750 libras. Logo ao começo da manhã do dia 20 de Maio, os “Tigres” levantam voo de Bissalanca, mas um dos aviões pilotado pelo Capitão Pinto Ferreira é obrigado a regressar devido a uma colisão com um pássaro, que lhe danifica o motor. Para aterrar em segurança, o piloto larga as bombas com as cavilhas de segurança, no rio Geba.
Entretanto, os outros cinco jactos entram em acção e bombardeiam a zona onde se supunha estar situada a base.[15] As bombas atingem alguns paióis de munições provocando rebentamentos violentos.[16] A base é depois atacada pelos comandos, que se envolvem num longo combate com os guerrilheiros. Só ao início da tarde, após duros combates, os comandos retiram da zona com o apoio da Força Aérea. A manobra de retirada é lenta e difícil e é pedido apoio de fogo aéreo e os Fiat, que tinham ficado em alerta na BA12, voltam a descolar rumo a Kumbamori para apoiar a retirada.[17] Nenhum avião é atingido, embora existissem na zona mísseis Strela.
Guidage resiste com grande custo ao cerco da guerrilha, sendo visitada, a 13 de Maio, pelo General Spínola, que desceu de helicóptero na povoação sitiada.[18] Spínola incita os militares a resistirem e sob o comando do Tenente-Coronel Correia de Campos, a guarnição aguenta o cerco até ao final de Maio, nunca abandonando a posição.[19]
Depois de Guidage é a vez de Guileje, no sul da Guiné. Este quartel ficava situado numa zona vital da rota de reabastecimento da guerrilha e o seu abandono seria uma vitória importante para o PAIGC.
A guarnição de Guileje é sujeita a violentas flagelações, entre os dias 18 e 21 de Maio. Nesta última data, o quartel é bombardeado com intensidade e fica sem comunicações rádio com Bissau e com as Unidades mais próximas.
Nessa altura, a 22 de Maio, o comandante da guarnição, Major Coutinho e Lima, decide abandonar Guileje com tudo o que lá havia, permitindo a entrada do PAIGC no quartel, três dias depois, sem qualquer resistência. A guerrilha permanece no quartel apenas algumas horas retirando de seguida. Os militares e a população de Guileje refugiam-se em Gadamael Porto, mas os guerrilheiros, motivados pela vitória alcançada, atacam de seguida Gadamael.
Os primeiros bombardeamentos começam no dia 31 de Maio e prolongam-se pelos dias seguintes de forma intensa provocando grandes estragos no quartel e também a fuga de muitos militares.[20] Os Fiat actuam logo nos primeiros dias, bombardeando as posições de artilharia do PAIGC, na vizinha República da Guiné.[21]
Quanto a Gadamael, resiste graças à intervenção de duas companhias de tropas paraquedistas enviadas para a defesa do quartel.[22]
Depois da perda de Guileje, o comando militar em Bissau, não podia perder mais nenhum quartel no sul da Guiné, daí o empenho na defesa de Gadamael.
Como se pode ver, mesmo no pico da crise militar, os Fiat de Bissalanca continuam a voar actuando tanto a norte na zona de Guidage e Binta, como a sul em Guileje e Gadamael, sendo flagelados algumas vezes quer por mísseis terra-ar, mas sem consequências,[23] quer pelas armas antiaéreas de Kandiafara nos ataques que fazem a esta base da guerrilha no país vizinho para aliviar a pressão sobre Gadamael. [24]
O número de horas de voo dos “Tigres” [Fig. nº 4] sobe assim de 83 horas em Abril para 128 horas em Maio. Como se pode ver pelo gráfico seguinte, a exploração operacional dos G.91 aumenta a partir de Agosto/Setembro mantendo uma média mensal de 150 horas até ao final do ano. A média dos 10 meses é, no entanto, de 130 horas mensais.[25] [Fig. nº 5]
A difícil situação militar leva Spínola a escrever, a 22 de Maio de 73, ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), General Costa Gomes, e ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, pedindo um reforço de meios para a Guiné “não tanto em ordem à obtenção do sucesso militar, mas tão-somente à prevenção de um colapso a prazo mais dilatado.” [26]
Spínola alerta Costa Gomes e Silva Cunha para a possibilidade de um colapso militar na Guiné, o que provoca grande preocupação em Lisboa. É então decidido enviar o CEMGFA à província para se inteirar da situação.[27] Costa Gomes desloca-se à Guiné a 6 de Junho e fala com os diversos sectores militares para diagnosticar a situação.
No fim da visita, a 8 de Junho, preside a uma reunião no quartel-general em Bissau, com a presença de Spínola e dos principais comandantes militares no território. Durante a reunião, os oficiais presentes, defendem que a situação militar exige um retraimento do dispositivo que evite o aniquilamento das guarnições de fronteira e concentre meios na zona mais interior da província de forma a “ganhar tempo e consolidar um reduto final que “in extremis” ainda possa permitir uma solução política do conflito.”[28]
Outra preocupação manifestada na reunião é a possibilidade da guerrilha usar meios aéreos e Spínola alerta para a “extrema gravidade que se revestirá um ataque aéreo a Bissau, dada a vulnerabilidade dos órgãos essenciais de apoio logístico.”[29]
Face a esta análise, Spínola salienta a necessidade urgente de novos meios de combate na Guiné capazes de contrabalançar o crescente poderio militar do PAIGC. Para a Força Aérea são pedidos 8 aviões de transporte Skyvan, 12 caças Mirage, 5 helicópteros e 1 radar de detecção. A este pedido acresce ainda mais homens e material para o Exército, além de lanchas para a Marinha. No fecho da reunião, Costa Gomes refere que não é possível, por absoluta falta de meios, reforçar o teatro de operações com os pedidos feitos por Spínola, mas concorda com a remodelação do dispositivo no sentido da retracção das unidades de fronteira.[30]
A impossibilidade de fornecer novos meios de combate e a alteração no dispositivo levam Spínola a escrever uma nova carta ao ministro do Ultramar manifestando a sua discordância quanto à retracção do dispositivo militar e ao abandono de certas áreas geográficas junto às fronteiras deixando à sua sorte as populações aí residentes, solução com a qual não se identificava, embora a considerasse necessária perante a falta de meios.[31] Desiludido com a política seguida pelo Governo, Spínola terminava a carta pedindo a sua substituição, o que só aconteceria em Setembro, com a chegada à Guiné, do General Bettencourt Rodrigues.
É já com Bettencourt Rodrigues que as forças portuguesas na província recebem algum reforço militar em homens, material AA de 94 mm (obsoleto como arma antiaérea) e um navio patrulha, mas nada que permita aumentar substancialmente o potencial de combate na Guiné.[32]
A 24 de Setembro, numa cerimónia na região do Boé, o PAIGC proclama, perante um grande número de convidados estrangeiros, a independência da Guiné-Bissau, mas esta nova situação não tem impacto no desenrolar da guerra.
A FAP tenta recuperar a iniciativa aumentando as missões de ataque assim como o espectro de actuação das aeronaves empenhadas. Além das missões diurnas, a Força Aérea começa também a desenvolver missões nocturnas usando para esse efeito, o G.91 e um C-47 adaptado a missões de bombardeamento.
(Continua)
[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no blogue: LG}
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Referências:
[1] Hernández, Humberto Trujillo, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, p.114.
[2] Pessoa, Miguel, Um Fiat Abatido in a Guerra de África de José Freire Antunes, Volume 2, Círculo de Leitores, 1995, pp. 987-990.
[3] Rebocho, Manuel Godinho, Elites Militares e a Guerra de África, Roma Editora, 2009, p. 306
[4] Estado Maior da Força Aérea, Processo n.º 1242 de Averiguações por Acidente em Serviço, de José Fernando de Almeida Brito, Bissalanca, 3 de Abril de 1973, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH).
[5] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 13, 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Arquivo da Defesa Nacional (ADN) /F2/SSR.002/87.
[6] Informação nº 198 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Atribuição de Fiats à ZACVG, 6 de Junho de 1973, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.
[7] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 28 e 29/73 do COMZAVERDEGUINÉ, ADN F2/SSR.002/87.
[8] Relatório imediato da Delegação em Moçambique da DGS, Assunto: Míssil solo-ar Strela 2, 3 de Novembro de 1973, ADN/F3/1/1/1.
[9] Informação Suplementar do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: União Soviética: Míssil Terra-Ar individual GRAIL (SA-7), Fonte: DGS, 9 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7.
[10] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, Arquivo Histórico-Militar AHM/DIV/2/4/228/2.
[11] Fraga, Luís Alves, A Força Aérea na Guerra de África (1961-1974), Editora Prefácio, Lisboa, 2004, p. 113 e Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1.
[12] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.
[13] Calheiros, José Moura, A Última Missão, Caminhos Romanos, Porto, 2010, p. 634.
[14] SITREP Circunstanciado n.º 14/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 439.
[15] Catarino, Manuel, Operação Ametista Real in As Grandes Operações da Guerra Colonial, Volume 10, Presselivre, Imprensa Livre SA, Lisboa, 2010, pp. 47-52 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 433.
[16] Relatório da Operação Ametista Real, Bissau, 26 de Julho de 1973, Arquivo Histórico Militar AHM/DIV/2/4/133/2.
[17] Catarino, op., cit. p. 54.
[18] Entrevista de António Spínola a Manuel Bernardo in Marcelo e Spínola: A Ruptura – As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo, 1973-1974, 3ª Edição, Edium Editores, Porto, 2011, p. 209.
[19] Calheiros, op., cit. pp. 437-463.
[20] Calheiros, op., cit. pp. 516-521.
[21] Informação prestada ao autor pelo TGen. Martins de Matos.
[22] Calheiros, op., cit. pp. 513-545.
[23] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87.
[24] Calheiros, op. cit., p. 543.
[25] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.
[26] Spínola, António, País Sem Rumo, Editorial SCIRE, 1978, p. 56.
[27] Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 53.
[28] Acta da reunião de Comandos de 8/6/73, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.
[29] Ibidem.
[30] Ibidem.
[31] Spínola, op., cit. pp. 60-62.
[32] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.
[33] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20503: FAP (114): O helicóptero Alouette II
Três dias depois, a 28 de Março, outro Fiat, desta vez pilotado pelo Tenente-Coronel Almeida Brito é também abatido por um Strela, no sul da Guiné, provocando a morte do piloto [Fig. nº 2, acima].
Na manhã desse dia, o Centro de Operações da Base Aérea n.º 12 (BA12) intercepta uma mensagem proveniente da guerrilha que referia a presença de uma viatura na estrada de Ché Ché para Madina do Boé, no sul da Guiné, com uma individualidade importante do PAIGC. Dois G.91 em alerta na BA12 descolam e dirigem-se imediatamente para Ché Ché. A partir daí percorrem o trilho até Madina do Boé e continuam até próximo da base Kambera, já no território da Guiné-Conakry. Não tendo descoberto nada, os dois pilotos (Tenente-Coronel Almeida Brito e Capitão Pinto Ferreira) fazem o percurso inverso, a cerca de 500 pés de altitude. Na picada entre Gobije e Madina do Boé, a 3 km da fronteira, Almeida Brito dá conta a Pinto Ferreira de uma mata suspeita. Nesse mesmo instante, o avião de Brito explode no ar atingido por um SA-7.
Um segundo míssil é disparado contra Pinto Ferreira, que faz uma manobra brusca, passando muito baixo sobre o terreno e, saindo assim, fora do alcance do míssil. Em seguida, sobe para os 10 mil pés para identificar o local do incidente e comunica à base o sucedido.[4]
Além de Comandante do Grupo Operacional 1201 (GO1201), Brito era um oficial experiente e muito estimado pelos restantes pilotos. A sua morte provoca grande consternação em Bissalanca. Percebe-se depois que a mensagem interceptada era falsa e que se destinava apenas a atrair os aviões a uma armadilha. Com a morte de Brito, o comando do GO1201 passa para o Major Fernando Pedroso de Almeida.
O impacto do míssil na actividade aérea dos G.91 sente-se de imediato. O número de horas voadas pelos caças passa de 30 horas na última semana de Março para 22 horas na primeira semana de Abril e para apenas 9 horas na segunda semana desse mês, quando a ameaça do míssil ganha contornos dramáticos com o abate de 2 aviões Dornier DO 27 e um T-6. Porém, na semana seguinte, volta a aumentar para 22 horas e atinge novamente as 30 horas, na última semana de Abril, o que mostra que os “Tigres” se adaptaram à nova ameaça.[5]
No entanto, a perda de dois jactos afecta também o quantitativo atribuído à BA12. De 11 aviões disponíveis, os “Tigres” passam para 9. A situação leva, em Junho, a que sejam atribuídos mais 2 Fiat à ZACVG (Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné) para compensar as perdas de Março, sendo o 5428, acabado sair de IRAN, cedido pela Base de Monte Real (BA5) e o 5434, ainda em IRAN, retirado da reserva nas OGMA (Oficinas Gerais de Material Aeronáutico).[6] Os 2 aviões chegam à BA12 em meados de Julho.[7]
Novas tácticas
A informação recolhida junto do BND indica que o SA-7 não tem capacidade de actuação acima dos 1500 metros de altitude (5000 pés) nem abaixo dos 50/60 metros (160/190 pés) - embora informações recolhidas mais tarde mostrem que o SA-7 podia actuar até aos 8000 pés (2400 metros)[8] - e que é possível evitar o míssil por meio de manobras evasivas e da adopção de altitudes de segurança.
A informação da DGS refere também as características positivas e negativas do míssil salientando, nas positivas, o manuseamento e utilização fácil, além da alta velocidade e mobilidade da arma. Quanto às negativas, era referido que só são possíveis tiros de perseguição, e a impossibilidade de utilização em todas as condições meteorológicas, o alcance efectivo relativamente pequeno, os reflexos térmicos provenientes do solo que podiam confundir o sensor de infravermelhos, a fácil identificação pelo rasto de fumo e ainda o baixo peso da ogiva (1kg), que exigia o impacto directo do míssil para a destruição do alvo. [9]
Munidos desta informação, os “Tigres” passam então a usar novas tácticas de aproximação ao alvo e fuga, de forma a evitar os mísseis. As missões de ataque ao solo passam a ser feitas com altitudes de entrada e saída mais elevadas.
Nas missões ATIP (Ataque Independente Planeado), o início da picada começa nos 10 000 pés com a largada de bombas a 6000 pés, sendo que o ponto mais baixo da trajectória não deveria situar-se abaixo dos 2500 pés. Nas missões ATAP (Ataque de Apoio Próximo), os Fiat podiam levar apenas bombas tendo que executar as missões nas mesmas condições de ATIP.[10]
Além disso, a actuação em parelha passa a ser obrigatória, pois permite que um dos caças fique em posição de vigilância fora do alcance do míssil, perscrutando o solo e o espaço aéreo em torno do outro jacto, que efectua o ataque, com o intuito de detectar disparos do míssil e lançar, na frequência de intercomunicação, a mensagem de alerta de míssil.
Relativamente ao disparo do SA-7 podia ser detectado tanto pela assinatura que deixava no terreno como também no ar. No terreno, a assinatura era caracterizada pelo aparecimento repentino duma bola de fumo muito branco, resultante da ignição e expulsão projéctil do tubo de disparo. No ar, a assinatura era formada pelo rasto de fumo da carga impulsora de combustível sólido, indiciando a trajectória do projéctil. Desta forma, quando um piloto visse um Strela a aproximar-se podia sair fora do alcance relativamente estreito do detector de infravermelhos através de uma rápida mudança de altitude e direcção.
As manobras evasivas
A eficiência destas manobras é confirmada mais tarde, em Outubro de 1973, quando um atirador de mísseis do PAIGC, Armando Baldé, se entrega na guarnição de Tite às forças portuguesas. O ex-guerrilheiro revela então que os insucessos nos lançamentos do míssil contra o G.91 se deviam sobretudo à dificuldade do Strela em adquirir o alvo durante a picada do avião e também devido ao facto dos pilotos saírem dos passes de bombardeamento ou tiro, numa manobra de volta muito apertada, que superava as capacidades de manobra do míssil. [11]
Esta táctica exigia, contudo, frieza e presença de espírito da parte do piloto, para executar a manobra mantendo o mais correcto equilíbrio entre a aceleração e a ascensão. Se apertasse demasiado (na gíria aeronáutica “se aplicasse muitos Gs”) o avião perdia velocidade e razão de subida, muito rapidamente. A geometria da volta passava a ser rectilínea quando olhada do solo. Caso enfrentasse um atirador de Strela experiente e calmo, podia ser abatido se o atirador atrasasse o disparo do míssil, na expectativa de que o piloto cometesse o erro descrito.
Outra excelente manobra de evasão era metralhar a picar e sair dos passes de tiro a descer em volta até ao nível um pouco acima do topo das árvores. Com esta manobra expunha-se muito menos a fonte de emissão de infravermelhos do avião, o cone de escape, à leitura do sensor de infravermelhos do míssil, comparativamente ao que acontecia quando se faziam saídas de ataque a subir, onde essa exposição era maior. A possibilidade de sobrevivência aumentava muito, conferida tanto pela velocidade como pela protecção oferecida pela baixa altitude, onde o calor irradiado pelo solo suplantava o emitido pelo avião.
Este procedimento tinha, todavia, o problema da última aeronave a sair do passe de tiro não ter a vigilância e o aviso do outro avião, quanto a um eventual disparo do míssil. Desta forma, quando praticada, esta manobra exigia um cuidadoso planeamento da saída do último caça do passe de tiro. Com o decorrer do tempo, alguns pilotos praticaram este procedimento.[12]
As grandes ofensivas da guerrilha
Sabe-se hoje que as primeiras acções com o míssil visavam sobretudo preparar o terreno para duas grandes ofensivas da guerrilha contra duas guarnições de fronteira: Guidage e Guileje.[13] [Fig. nº 3]
Em primeiro lugar, os guerrilheiros atacam e isolam o quartel de Guidage, perto da fronteira com o Senegal. O primeiro bombardeamento a Guidage acontece a 6 de Abril e aproveitando a evacuação de um ferido em DO-27, os guerrilheiros abatem dois aviões destes, além de um T-6, que participa, mais tarde, na operação de busca dos aviões abatidos.[14] O quartel fica praticamente isolado durante todo o mês de Maio. As vias de comunicação são minadas e as colunas de reabastecimento caem várias vezes em emboscadas.
A situação leva as forças portuguesas a montar uma operação em grande escala (Operação Ametista Real), contra a base de Kumbamori, no Senegal, para a qual é mobilizada uma força de 450 comandos com o apoio de meios aéreos. A Esquadra 121 participa na operação com seis aviões Fiat, cada um equipado com duas bombas de 750 libras. Logo ao começo da manhã do dia 20 de Maio, os “Tigres” levantam voo de Bissalanca, mas um dos aviões pilotado pelo Capitão Pinto Ferreira é obrigado a regressar devido a uma colisão com um pássaro, que lhe danifica o motor. Para aterrar em segurança, o piloto larga as bombas com as cavilhas de segurança, no rio Geba.
Entretanto, os outros cinco jactos entram em acção e bombardeiam a zona onde se supunha estar situada a base.[15] As bombas atingem alguns paióis de munições provocando rebentamentos violentos.[16] A base é depois atacada pelos comandos, que se envolvem num longo combate com os guerrilheiros. Só ao início da tarde, após duros combates, os comandos retiram da zona com o apoio da Força Aérea. A manobra de retirada é lenta e difícil e é pedido apoio de fogo aéreo e os Fiat, que tinham ficado em alerta na BA12, voltam a descolar rumo a Kumbamori para apoiar a retirada.[17] Nenhum avião é atingido, embora existissem na zona mísseis Strela.
Fig. nº 3 – As grandes ofensivas da guerrilha na Guiné em 1973. Infografia: cortesia de Paulo Alegria.
Guidage resiste com grande custo ao cerco da guerrilha, sendo visitada, a 13 de Maio, pelo General Spínola, que desceu de helicóptero na povoação sitiada.[18] Spínola incita os militares a resistirem e sob o comando do Tenente-Coronel Correia de Campos, a guarnição aguenta o cerco até ao final de Maio, nunca abandonando a posição.[19]
Depois de Guidage é a vez de Guileje, no sul da Guiné. Este quartel ficava situado numa zona vital da rota de reabastecimento da guerrilha e o seu abandono seria uma vitória importante para o PAIGC.
A guarnição de Guileje é sujeita a violentas flagelações, entre os dias 18 e 21 de Maio. Nesta última data, o quartel é bombardeado com intensidade e fica sem comunicações rádio com Bissau e com as Unidades mais próximas.
Nessa altura, a 22 de Maio, o comandante da guarnição, Major Coutinho e Lima, decide abandonar Guileje com tudo o que lá havia, permitindo a entrada do PAIGC no quartel, três dias depois, sem qualquer resistência. A guerrilha permanece no quartel apenas algumas horas retirando de seguida. Os militares e a população de Guileje refugiam-se em Gadamael Porto, mas os guerrilheiros, motivados pela vitória alcançada, atacam de seguida Gadamael.
Os primeiros bombardeamentos começam no dia 31 de Maio e prolongam-se pelos dias seguintes de forma intensa provocando grandes estragos no quartel e também a fuga de muitos militares.[20] Os Fiat actuam logo nos primeiros dias, bombardeando as posições de artilharia do PAIGC, na vizinha República da Guiné.[21]
Quanto a Gadamael, resiste graças à intervenção de duas companhias de tropas paraquedistas enviadas para a defesa do quartel.[22]
Depois da perda de Guileje, o comando militar em Bissau, não podia perder mais nenhum quartel no sul da Guiné, daí o empenho na defesa de Gadamael.
Como se pode ver, mesmo no pico da crise militar, os Fiat de Bissalanca continuam a voar actuando tanto a norte na zona de Guidage e Binta, como a sul em Guileje e Gadamael, sendo flagelados algumas vezes quer por mísseis terra-ar, mas sem consequências,[23] quer pelas armas antiaéreas de Kandiafara nos ataques que fazem a esta base da guerrilha no país vizinho para aliviar a pressão sobre Gadamael. [24]
O número de horas de voo dos “Tigres” [Fig. nº 4] sobe assim de 83 horas em Abril para 128 horas em Maio. Como se pode ver pelo gráfico seguinte, a exploração operacional dos G.91 aumenta a partir de Agosto/Setembro mantendo uma média mensal de 150 horas até ao final do ano. A média dos 10 meses é, no entanto, de 130 horas mensais.[25] [Fig. nº 5]
Fig. nº 4 - Linha da frente em Bissalanca.
Crédito fotográfico: Alberto Cruz
Fig. nº 5 - Exploração operacional: horas de voo (1973)
A saída de Spínola
A difícil situação militar leva Spínola a escrever, a 22 de Maio de 73, ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), General Costa Gomes, e ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, pedindo um reforço de meios para a Guiné “não tanto em ordem à obtenção do sucesso militar, mas tão-somente à prevenção de um colapso a prazo mais dilatado.” [26]
Spínola alerta Costa Gomes e Silva Cunha para a possibilidade de um colapso militar na Guiné, o que provoca grande preocupação em Lisboa. É então decidido enviar o CEMGFA à província para se inteirar da situação.[27] Costa Gomes desloca-se à Guiné a 6 de Junho e fala com os diversos sectores militares para diagnosticar a situação.
No fim da visita, a 8 de Junho, preside a uma reunião no quartel-general em Bissau, com a presença de Spínola e dos principais comandantes militares no território. Durante a reunião, os oficiais presentes, defendem que a situação militar exige um retraimento do dispositivo que evite o aniquilamento das guarnições de fronteira e concentre meios na zona mais interior da província de forma a “ganhar tempo e consolidar um reduto final que “in extremis” ainda possa permitir uma solução política do conflito.”[28]
Outra preocupação manifestada na reunião é a possibilidade da guerrilha usar meios aéreos e Spínola alerta para a “extrema gravidade que se revestirá um ataque aéreo a Bissau, dada a vulnerabilidade dos órgãos essenciais de apoio logístico.”[29]
Face a esta análise, Spínola salienta a necessidade urgente de novos meios de combate na Guiné capazes de contrabalançar o crescente poderio militar do PAIGC. Para a Força Aérea são pedidos 8 aviões de transporte Skyvan, 12 caças Mirage, 5 helicópteros e 1 radar de detecção. A este pedido acresce ainda mais homens e material para o Exército, além de lanchas para a Marinha. No fecho da reunião, Costa Gomes refere que não é possível, por absoluta falta de meios, reforçar o teatro de operações com os pedidos feitos por Spínola, mas concorda com a remodelação do dispositivo no sentido da retracção das unidades de fronteira.[30]
A impossibilidade de fornecer novos meios de combate e a alteração no dispositivo levam Spínola a escrever uma nova carta ao ministro do Ultramar manifestando a sua discordância quanto à retracção do dispositivo militar e ao abandono de certas áreas geográficas junto às fronteiras deixando à sua sorte as populações aí residentes, solução com a qual não se identificava, embora a considerasse necessária perante a falta de meios.[31] Desiludido com a política seguida pelo Governo, Spínola terminava a carta pedindo a sua substituição, o que só aconteceria em Setembro, com a chegada à Guiné, do General Bettencourt Rodrigues.
É já com Bettencourt Rodrigues que as forças portuguesas na província recebem algum reforço militar em homens, material AA de 94 mm (obsoleto como arma antiaérea) e um navio patrulha, mas nada que permita aumentar substancialmente o potencial de combate na Guiné.[32]
A 24 de Setembro, numa cerimónia na região do Boé, o PAIGC proclama, perante um grande número de convidados estrangeiros, a independência da Guiné-Bissau, mas esta nova situação não tem impacto no desenrolar da guerra.
A FAP tenta recuperar a iniciativa aumentando as missões de ataque assim como o espectro de actuação das aeronaves empenhadas. Além das missões diurnas, a Força Aérea começa também a desenvolver missões nocturnas usando para esse efeito, o G.91 e um C-47 adaptado a missões de bombardeamento.
(Continua)
[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação no blogue: LG}
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Referências:
[1] Hernández, Humberto Trujillo, El Grito del Baobab, Editorial de Ciencias Sociales, Havana, 2008, p.114.
[2] Pessoa, Miguel, Um Fiat Abatido in a Guerra de África de José Freire Antunes, Volume 2, Círculo de Leitores, 1995, pp. 987-990.
[3] Rebocho, Manuel Godinho, Elites Militares e a Guerra de África, Roma Editora, 2009, p. 306
[4] Estado Maior da Força Aérea, Processo n.º 1242 de Averiguações por Acidente em Serviço, de José Fernando de Almeida Brito, Bissalanca, 3 de Abril de 1973, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH).
[5] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 13, 14, 15, 16 e 17/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Arquivo da Defesa Nacional (ADN) /F2/SSR.002/87.
[6] Informação nº 198 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Atribuição de Fiats à ZACVG, 6 de Junho de 1973, SDFA/AH-SEA/Guiné 1964-1974/Fiat Processo 430.121.
[7] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 28 e 29/73 do COMZAVERDEGUINÉ, ADN F2/SSR.002/87.
[8] Relatório imediato da Delegação em Moçambique da DGS, Assunto: Míssil solo-ar Strela 2, 3 de Novembro de 1973, ADN/F3/1/1/1.
[9] Informação Suplementar do Secretariado Geral da Defesa Nacional, Assunto: União Soviética: Míssil Terra-Ar individual GRAIL (SA-7), Fonte: DGS, 9 de Abril de 1973, Lisboa, ADN SGDN/5681/7.
[10] Directiva 20/73 do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 29 de Maio de 1973, Arquivo Histórico-Militar AHM/DIV/2/4/228/2.
[11] Fraga, Luís Alves, A Força Aérea na Guerra de África (1961-1974), Editora Prefácio, Lisboa, 2004, p. 113 e Relatório Imediato nº 5641/73/DI/3/SC da DGS sobre o míssil solo-ar Strella-2, 31 de Outubro de 1973, ADN/F3/1/1/1.
[12] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.
[13] Calheiros, José Moura, A Última Missão, Caminhos Romanos, Porto, 2010, p. 634.
[14] SITREP Circunstanciado n.º 14/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 439.
[15] Catarino, Manuel, Operação Ametista Real in As Grandes Operações da Guerra Colonial, Volume 10, Presselivre, Imprensa Livre SA, Lisboa, 2010, pp. 47-52 e José Moura Calheiros, op., cit. p. 433.
[16] Relatório da Operação Ametista Real, Bissau, 26 de Julho de 1973, Arquivo Histórico Militar AHM/DIV/2/4/133/2.
[17] Catarino, op., cit. p. 54.
[18] Entrevista de António Spínola a Manuel Bernardo in Marcelo e Spínola: A Ruptura – As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo, 1973-1974, 3ª Edição, Edium Editores, Porto, 2011, p. 209.
[19] Calheiros, op., cit. pp. 437-463.
[20] Calheiros, op., cit. pp. 516-521.
[21] Informação prestada ao autor pelo TGen. Martins de Matos.
[22] Calheiros, op., cit. pp. 513-545.
[23] Análise dos SITREPS Circunstanciados n.º 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25/73 do COMZAVERDEGUINÉ, Bissau, ADN/F2/16/87.
[24] Calheiros, op. cit., p. 543.
[25] SITREPS circunstanciados do COMZAVERDEGUINÉ, ADN/F2/SSR.002/87 e 88.
[26] Spínola, António, País Sem Rumo, Editorial SCIRE, 1978, p. 56.
[27] Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 53.
[28] Acta da reunião de Comandos de 8/6/73, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.
[29] Ibidem.
[30] Ibidem.
[31] Spínola, op., cit. pp. 60-62.
[32] Estudo do CCFAG sobre a área do Boé, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Processo n.º 2202, Pasta A, ADN F3/17/34/4.
[33] Informação prestada ao autor pelo General Fernando de Jesus Vasquez.
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Nota do editor:
Último poste da série > 7 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20503: FAP (114): O helicóptero Alouette II