1. Mensagem de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 25 de Setembro de 2009:
Caríssimo Carlos,
Aqui vai o terceiro e último texto sobre a obra do sargento Talhadas, muito digna da nossa atenção.
Já tenho mais dois livros para ler: “Um amor em tempos de guerra” do Júlio Magalhães e “Os heróis e o medo” de Magalhães Pinto.
Não prometo para quando há recensões, estou num momento crucial da escrita da "Mulher Grande" e tenho afazeres profissionais inadiáveis.
Um abraço do
Mário
Memórias de um guerreiro colonial (3)
Beja Santos
A Guiné, entre 1970 e 1971
O Destacamento de Fuzileiros Especiais 12, a Unidade do Sargento Talhadas, entrou em ritmo frenético operacional, ao longo de 1970. Como ele escreve:
“Foram assaltados acampamentos no interior do território. Foram feitas acções armadas contra aldeias, onde podiam pernoitar grupos de guerrilha. Foram realizados golpes de mão em áreas junto, ou mesmo dentro, do Senegal, que culminaram com a mais espectacular, a entrada na base de Sanou, dois quilómetros internada na região de Casamansa, no prolongamento das então portuguesas bolanhas de Sano e Bucaur. Mas, no ritmo operacional, a nossa fronteira verdadeira era o rio Cacheu. Saltitávamos, entre as duas margens, por um território extenso, com a parte sul totalmente despovoada de quartéis”.
Comparativamente à comissão anterior (entre 1967 e 1969), havia cada vez mais operações e os fuzos eram a única Unidade de intervenção do COP 3. O Sargento Talhadas dá a sua opinião sobre a evolução da guerra:
“As unidades do Exército limitavam as suas deslocações ofensivas à volta dos seus acampamentos, que sofriam, constantemente, bombardeamentos, que os desgastavam. Havia muita desmoralização entre as tropas, chegadas à colónia, cada vez mais, com uma instrução deficiente, ainda por cima dirigida por capitães cansados. Qualquer deslocação entre dois aquartelamentos exigia a organização de toda a máquina militar desse quartel, e o movimento dessas tropas transformava-se mesmo em pesadelo, em termos de segurança”.
E relata a emboscada a elementos da Companhia de Bigene montada pelo PAIGC que, perante a fraca capacidade dos emboscados, permitiu a aproximação dos guerrilheiros. Pediu-se apoio aos fuzos que, quando chegaram, encontraram soldados completamente desorientados, encolhidos debaixo das viaturas:
“Contaram então que os guerrilheiros os tentaram apanhar à mão, tendo eles escapado, andando à volta dos veículos, numa correria que mais parecia uma brincadeira entre o gato e o rato. Os homens do PAIGC, que não quiseram – ou não puderam – abater os soldados, acabaram por retirar, levando algumas armas e equipamento rádio. Fez-nos recordar um episódio da guerra do Solnado”.
O Sargento Talhadas não esqueceu Sambuiá, o cemitério de fuzileiros na Guiné. Era um ponto estratégico, uma zona de cambança do PAIGC do interior do Senegal para sul do Cacheu, terreno de vegetação frondosa, mata fechada, muito palmeiral e abertas com capim alto. O inimigo tinha na região alguns grupos de combate. Foi aí que em 24 de Outubro de 1970 morreu o telegrafista Max Mine. O inimigo fez uma emboscada perfeita, com diferentes grupos, os fuzos perderam capacidade de manobra. Max Mine fora atingido gravemente com uma bazucada. Os helis vieram salvar a situação, com o Lobo Mau à frente. Escreveu então à namorada:
“Fomos emboscados e quase todo o destacamento foi apanhado em campo aberto. É terrível sentir a morte de um colega, com o qual vivíamos há nove meses. Era um jovem satisfeito com a vida e que assim de um momento para o outro desaparece”. E o autor explica Max Mine: “De seu nome Ulisses de Pereira Correia, adquiriu essa alcunha nas andanças de comboio entre a sua Beira Baixa e Lisboa. Quando lhe perguntaram em que carruagem vinha ele, respondeu: na do Max-Min, referindo-se ao facto de estar indicado apelas os lugares a informação de mudança de temperatura, conforme se queria mais calor ou mais frio”.
As recordações de Max Mine permitiram ao autor regressar à base de Sano e a novas Operações com destruição de moranças e captura de material.
Da base de Ganturé, donde os fuzileiros vigiavam o Cacheu, a Unidade do Sargento Talhadas partiu para dar protecção à construção de uma estrada alcatroada entre Teixeira Pinto e Cacheu: durante 24 horas consecutivas, uma Unidade de Fuzileiros patrulhava a região e ao fim desse tempo era substituída por uma Companhia de Comandos. Depois do assassinato de três majores e um alferes, em Abril de 1970, o estado de espírito em Teixeira Pinto era de desalento e frustração. Cresceram as tensões e ouve mesmo confrontação entre militares, entre fuzos e soldados africanos. A Unidade do Sargento Talhadas foi punida, foram metidos numa lancha, ficaram três dias ao largo de Bissau. Daí foram transferidos para Porto Gole. Foi a partir daqui que passaram a intervir na região do Corubal. Voltaram a destruir acampamentos e, na região de Gampará capturaram imenso material e destruíram um hospital. Recebe o segundo prémio Governador da Guiné, é condecorado com a medalha de Valor Militar com Palma, casou.
Na segunda metade de 1971 voltou a Ganturé, recomeçaram as Operações, capturaram o Comandante, mas a vida no COP 3 passara a ser desinteressante. A qualquer momento, a guerra reacendia-se, as tropas especiais pouco mais podiam fazer que fazer recuar temporariamente as forças do PAIGC.
A comissão acabou, o Sargento Talhadas ficou na Marinha, foi destacado para a capitania de Setúbal.
Por fim, Angola
Tudo começara em Angola, tudo iria acabar em Angola. A seguir ao 25 de Abril, foi-lhe feito o convite para integrar uma Unidade que iria preceder à transição dos postos navais para os antigos guerrilheiros ao longo do rio Zaire. Ele pensava que ia voltar à Luanda dos tempos maravilhosos da sua adolescência. Encontrou uma cidade cheia de medo onde se movimentavam os refugiados à procura do primeiro meio de transporte para fugir. Partiu para o rio Zaire e precedeu à entrega do posto da Pedra Feitiço à FNLA. Surgiram os desacatos e as tensões. O Sargento Talhadas não apreciou o que viu em gente que renegava aos seus princípios. Volta à Luanda e assiste ao caos, que ele descreve minuciosamente. E por fim deixou Angola abordo do paquete Uige:
“Eu que fora um guerreiro colonial de alma e coração, abandonava a terra de expansão portuguesa, sem glória”.
Encostado à amura do navio, as lágrimas rolam-lhe pela face. A pátria em que acreditara deixara de existir.
As memórias do Sargento Talhadas são expressivas, na singeleza de alguém que não precisa de promover vanglórias ou dourar a imagem. Tudo ressuma a sinceridade, sente-se que ele responde por tudo quanto experimentou e observou. Disciplinado, não deixa de protestar perante inúmeras injustiças que presenciou. Por todas estas razões, o registo de todas as suas recordações merecia ser amplificado pelo próprio, juntando-se a ele muitos outros testemunhos das forças especiais.
Este livro passa a pertencer ao património do blogue.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5011: Notas de leitura (24): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte II (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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