quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Guiné 63/74 – P5035: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (21): A noz-de-cola


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 21ª estória:

Camaradas,

Arranjando sempre um bocadinho do meu super-ocupado tempo, nomeadamente nas minhas lides profissionais diárias, lá vou rebuscando no meu baú das memórias da guerra e, para minha surpresa, vou encontrando alguns dos meus velhos textos que há dava como esquecidos e, outros, que até já os julgava perdidos.

Este é mais um deles:

A NOZ-DE-COLA

Confesso que sempre me fez confusão os elementos da Milícia, ou os elementos do Pelotão de Nativos, que saíam connosco regularmente para o mato, estarem sempre a mascar uma semente parecida com uma noz, a que chamavam COLA.

Eram homens que não comiam e pouco bebiam durante o tempo que duravam as nossas missões. Sendo seres humanos como nós deviam naturalmente, no mínimo, terem necessidades idênticas como os restantes.

A desidratação provocada pelo calor, provocava-nos a inevitável sede e a consequente necessidade de água, que se tornavam era um tormento permanente e comum a todos.

Esta estranheza, fazia-me questionar sobre o comportamento dos elementos nativos, apesar de eu logicamente saber que eles estavam perfeitamente habituados às tão adversas condições climatéricas do território, nomeadamente nas temidas e indesejáveis épocas das chuvas.

Um dia, para meu espanto, os mesmos militares mostraram-me uma semente, a que chamavam Cola, muito parecida com uma noz de cor escura.

Eles não paravam de as mascar, e foram-me dizendo que a Cola, lhes dava força, tirava a sede e cortava a fome.

Pedi-lhes um bocado para experimentar o sabor e o efeito do produto.

Se quanto ao sabor conclui que era amargo, áspero e seco, já quanto ao efeito não retirei qualquer resultado prático.

Levado pela minha curiosidade, fui perguntar ao Furriel Enfermeiro Agostinho da minha Companhia, o que sabia sobre a Cola.

O mesmo por estar ocupado, ou não me querer aturar, deu-me um dicionário e disse-me: “Procura”.

Não me fiz rogado e com uma bojeca a acompanhar lá fui procurando naquelas páginas o eventual “segredo” da coisa.

Encontrei, Noz-de-cola, que estava assim descrita: (É um forte estimulante, antioxidante, melhora a concentração, aumenta o poder de resistência e diminui o apetite. Afrodisíaco ligeiro.).

Fiquei esclarecido, numa época em que os narcóticos eram desconhecidos e tabu, já os nativos os usavam para fins de subsistência física e psíquica.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Mário Pinto
Gostei desta tua abordagem. Não sei se já a tinham feito antes (não reparei, mas pode acontecer que sim e eu de facto não li tudo...), mas é muito interessante que se possa relembrar essa da noz-de-cola.
De facto a descrição que fazes quanto ao aspecto, sabor e efeitos são coincidentes com o que a minha própria lembrança me dá.
E café com "bolinha"? Nunca tomaste?
Em Piche, no "café", "restaurante", "tasca", loja, etc., do libanês (Taufick?) fazía-se "bicha"....

Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro Mário Pinto,
Ao ler a tua história veio-me à boca o sabor estranho, mas que bem descreves, da cola (assim a chamavam os nativos de Cacine)!
Também eu, como provavelmente muitos que por lá passaram, tive a curiosidade de experimentar a cola, que os milicias mascavam durante os patrulhamentos mas... tambem não senti qualquer efeito!
Um abraço.
Juvenal Candeias