1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos em 29 de Setembro de 2009 a seguinte mensagem:
Camaradas,
Aqui fica uma réplica ponderada ao camarada José Belo, hoje que vivemos as consequências
dum dia pós eleitoral, onde alguns conceitos adquiriram estatuto de desactualização ainda que os nossos concidadãos ausentes da realidade nacional deles possam não se aperceber.
Nem mesmo Ruy Belo teria razão nos dias de hoje, pese embora o lindíssimo poema que o Luís Graça nos recorda!
Camarada José Belo,
Estou perfeitamente convicto que dizer-se que Portugal é um país de tolerância e humanismo ou, quiçá, de brandos costumes, é chão que já deu uvas e nem a sua repetição à exaustão consegue hoje disfarçar a falácia que se lhe associa.
Percebo que todos aqueles que engrossam a nossa diáspora exprimam essa ideia, mas atribuo-a a um sentimento de saudade e ao fado que a necessidade intrínseca de se perfilarem ao lado da nação-mãe num misto de patriotismo e falta do seu colo implica.
A falta de tolerância está muito bem patenteada neste dia pós eleições onde, não tendo despontado qualquer maioria absoluta, são constantes as declarações dos vários partidos com assento parlamentar na indisponibilidade de viabilização da governabilidade do país.
Aproximamo-nos inexoravelmente dum precipício social de dimensões incalculáveis e onde os brandos costumes já deixaram de ser paradigma de Portugal.
Estamos um país muito moderno;
Já nos matamos nas ruas em tiroteios de fazer calar um qualquer cowboy do farwest americano;
Já silenciamos uma estação de televisão privada onde um governo mexe (ou é mexido?) pelos cordões das marionetas em mãos hábeis escondidas atrás do biombo ;
Já se escuta clandestinamente, dizem, o gabinete do Presidente da República;
Criam-se inventonas e intentonas ao nível de um qualquer Watergate;
Sustentam-se até ao limite da prescrição, crimes tipo Casa Pia onde a culpa só não morre solteira porque havia um estúpido dum Bibi que serviu de cobaia;
Enfim, até tentamos envolver a figura do Santo Padre nas eleições do bairro!
Não queria deixar este texto ao tratamento de mero e singelo comentário mas antes dar-lhe uma exposição de poste ao nível do que melhor se faz neste blog uma vez que discordo da opinião do José Belo ao se confranger com a crítica irónica a que se sujeitam os brandos costumes.
Meu caro, já lá vai esse tempo, mas agora, a globalização que bem conhecerás aí pelos lados nórdicos dos fleumáticos senhores das neves, também nos trouxe a crua realidade da vida moderna com as suas vantagens, é certo, mas com injustiças pungentes que uma democracia permite na sua qualidade da pior forma de governo exceptuando todas as outras já tentadas (Churchill dixit).
Com amizade,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
3 comentários:
Caro António Matos. Compreendo bem a tua análise do Portugal actual em que vives.Eu,depois de mais de três décadas de ausencia,acabo por (e repescando as palavras de Eca de Queirós que António Graca de Abreu me ensinou)olhar Portugal com os telescópios da alma.Integrado na sociedade sueca,com família indígena,e com a decisao de aqui acabar os meus dias terei perdido a capacidade de reagir "a quente"ao que se vai passando no portugal distante."Assuecado",auto-ironia por mim muito usada.Como apontas,o Portugal do "exigrado" acaba por se tornar num Portugal a atirar para o mítico,apesar da descricao por ti feita (acertadamente)de alguns dos acontecimentos actuais me fazerem recordar o tao "saudoso"P.R.E.C. de 74/75.As distancias no espaco nao ajudam á concentracao nos promenores por muito importantes que sejam numa prespectiva local-imediatista.E,mesmo quando a problemática é compreendida,as análises de resposta acabam por divergir.Creio que,em nome de muitos de nós,escreveu Fernando Pessoa:-O barco em que nao vamos é que seria o barco da nossa viagem! Mas como,quanto a mim,é impossivel o Portugal ideal sem a existência dos portugueses(!),nao acabará por haver uma continuidade subjacente nos nossos míticos,e tao "nuanceados" brandos costumes? Um abraco Amigo do J.Belo. (Peco desculpas da ortografia em teclado.....sueco!)
É um prazer imenso falar contigo, meu caro José Belo !
Talvez porque estás "assuecado", talvez porque referenciaste Fernando Pessoa, talvez porque o fado de que falei ainda esteja presente em ti, dedico-te algo em que os pessoanos refletem :
"Deus quer, o homem sonha, a obra nasce...
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!"
Não falo como um desgostoso com a vida, pelo contrário !
Fruo o melhor possível dela e até lhe acho graça ...
Portugal é sui generis e, de vez em quando, torna-se charmoso e algo "in".
Regra geral é sol de pouca dura mas enquanto o pau vai e volta, folgam as costas ...
Nessas ocasiões somos levados a recordar os tais "brandos costumes" mas, de facto, não passam de flashes ...
Um abraço,
António Matos
Caro António Matos
Leio e releio sempre com muita atenção os teus escritos, para evitar a tentação de "primeiras impressões".
São, quase sempre, motivo de reflexão, de apelo ao raciocínio e muitas vezes não deixei de concordar contigo tendo inclusive, aqui e ali, manifestado publicamente esse acordo.
Desta vez estava a achar-te irremediavelmente pessimista, um pouco "azedo" até, mas quando agora li que "Não falo como um desgostoso com a vida, pelo contrário !
Fruo o melhor possível dela e até lhe acho graça ... " fiquei mais descansado, se bem que também digas que achas que Portugal por vezes se "torna charmoso e 'in'. embora seja sol de pouca dura".
Assim como assim, há esperança!
Um abraço
Hélder S.
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