Do livro de Amadú Bailo Djaló, Guineense, comando, português: 1º volume, comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p. 281:
(...) Depois de 25 de Abril e até 20 de Agosto de 1974, quando entregámos as armas, o comportamento das pessoas mudou, passou a ser diferente. Ninguém queria ser nosso amigo, nem acompanhar os Comandos. Agora, a maioria eram nossos inimigos, e outros, a quem tínhamos feito favores, começaram, a prender as pessoas, Comandos ou não.
Antes de 11 de Março de 1975, foram mortos o Tenente Bacar Djasso, o Tenente Jamanca, o Alferes João Uloma e o 1º Sargento Lalo Baio, todos Comandos [ E este último, mandinga, sobrinho do chefe da Tabanca de Morucunda, em Farim, antigo militante do PAIGC, nos primeiros anos da luta; apresentou-se posteriormente às autoridades portuguesas, desertando com mais 10 elementos armados].
Foi uma era muito difícil para todos os que estiveram com os brancos. Poucos falavam connosco, éramos marginalizados completamente pela gente que, antes, estava à nossa protecção e que, depois, passaram a ser os nossos maiores inimigos.
Foi também uma grande experiência, que ajudou quem sobreviveu a viver tranquilo para o resto da vida.
O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.
Durante esses onze anos, de 1974 a 1985, eu não podia falar do que passei, em nenhum lado da terra onde nasci e cresci. Passei a ser insultado nas reuniões e obrigado a abater palmas aos insultos que me faziam.
Diziam na minha cara que, no dia 22 de Novembro de 1970, na ida a Conacri, os portugueses saltaram os seus cães com dois pés, isto é, nós. Chamavam-me cão e eu tinha que aplaudir. Suportei tudo, bati-lhe palmas até, aceitei tudo o que me disseram. Nada era mal, tudo parecia ser bom. (...) (*)
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Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 25 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6247: (Ex)citações (53): Pai, és o meu orgulho, te amo muito, muito, muito (Ana Djaló, Londres)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
Caros camaradas
Esta passagem é soberba. Escrita de uma forma simples, sincera, genuína e altamente ingénua.
O que é que há para causar admiração?
É tudo lamentável, é certo, mas não é tudo uma consequência da guerra?
Hélder S.
Camaradas
Belo e singelo relato sobre a vacuidade da confiança, e de como cada um, simplesmente, pode ser atraiçoado e abandonado.
Eu diria que a natureza humana foi bem estilizada.
Abraços
JD
Camaradas
Talvez não seja apenas e só uma consequência da guerra, meu caro Helder. O Dinis anda lá mais perto com a futilidade da natureza humana.
Para não entrar em grandes filosofias citaria GHANDI
" O que mais me impressiona nos fracos é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes..."
Esta citação, obviamente, é válida em todas as circunstâncias, quero dizer no antes no decurso e no após guerra e até em situações de paz.
Abraço para toda a malta
Vasco A.R. da Gama
#" O que mais me impressiona nos fracos é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes..."
Esta citação, obviamente, é válida em todas as circunstâncias, quero dizer no antes no decurso e no após guerra e --até-- em situações de paz.# Vasco A. R. Gama.
Caros Camaradas
Se me permitem só retirava o até.
Depois sublinhava o que o Amadú diz: após, por aquelas privações passar, um homem fica liberto para o resto da vida. As palavras não são estas. Eu é que as escrevo assim. Eu é que quero -sempre - vincar a situação revoltante vivida pelos nossos Camaradas no pós guerra.Eu é que continuo a dizer que não se deve esquecer; quando a perdoar???Eu não...outros podem até dar a outra face... Nada mais acrescento.
Um abraço TM
Camaradas
Singelas mas belíssimas palavras que definem um estado de alma. O abandono, a humilhação, a raiva contida, a incerteza de um povo.
Não conheci o Amadu, mas conheci o seu comandante de companhia, o tenente-comando Jamanca, quando eu era o Comandante de Instrução da Companhia de Milícias em Bambadinca e a CCAÇNAT21 ali estava a operar. E lembro-me da forma enérgicas como dirigia os seus homens e da sua operacionalidade. É triste quando nos recordamos da indignidade que foi praticada contra estes homens e pela forma como os nossos governantes se comportaram para com estes combatentes, deixando-os expostos a estas vinganças e muitos terem tido o fim que sabemos.
Um abraço
Luís Dias
Pois é Amadú, não quiseste continuar a aplaudir e saiste da tua terra.
Outros, não tiveram escapatória e tiveram que continuar a aplaudir (engolir) os insultos.
Nos outros territórios coloniais tambem se aplaudiu, toda a gente teve que aplaudir, até aqui se aplaudiu.
Muitos como tu Amadú, tambem foram para fora da terra, para parar com os aplausos.
Antº Rosinha
O que me mete mais impressão é como é que os esquerdalhos traidores á patria como Mário Soares e companhia limitada foram capazes de abandonar estes homens á sua sorte.
Homens que combaterem por Portugal.
Não sabia o nome deste senhor, já o tinha visto no prós e contras aqui há uns tempos, mas não sabia o nome dele.
A minha homenagem a este grande Português, este senhir Amadu Djaló e a todos os que foram fuzilados pelo regime do PAIGC, mas a grande culpa disto é dos traidores iberista feitos com os espanhóis como esse Mário Soares, esse traidores da roubalheira pós- abriladaque deixaram estes homens entregues á sua sorte.
Mas o legado dos comandos africanos não acabou, Portugal conta hoje com dezenas de comandos de ascendencia africana nas suas fileiras, homens que têm a obrigação de honrrar a tradição dos comandos africanos, grandes patriotas como Amadu Djalo.
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