sábado, 1 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6289: (Ex)citações (69): Antes procuravam-me, depois evitavam-me e a seguir chamavam-me cão e eu tinha... que aplaudir (Amadú Djaló)

Do livro de Amadú Bailo Djaló,  Guineense, comando, português: 1º volume, comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p. 281:

(...) Depois de 25 de Abril e até 20 de Agosto de 1974, quando entregámos as armas, o comportamento das pessoas mudou, passou a ser diferente. Ninguém queria ser nosso amigo, nem acompanhar os Comandos. Agora, a maioria eram nossos inimigos, e outros, a quem tínhamos feito favores, começaram, a prender as pessoas, Comandos ou não.


Antes de 11 de Março de 1975, foram mortos o Tenente Bacar Djasso, o Tenente Jamanca, o Alferes João Uloma e o 1º Sargento Lalo Baio, todos Comandos [ E este último, mandinga, sobrinho do chefe da Tabanca de Morucunda, em Farim,  antigo militante do PAIGC, nos primeiros anos da luta; apresentou-se posteriormente às autoridades portuguesas, desertando com mais 10 elementos armados].


Foi uma era muito difícil para todos os que estiveram com os brancos. Poucos falavam connosco, éramos marginalizados completamente pela gente que, antes, estava à nossa protecção e que, depois, passaram a ser os nossos maiores inimigos.


Foi também uma grande experiência, que ajudou quem sobreviveu a viver tranquilo para o resto da vida. 


O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.


Durante esses onze anos, de 1974 a 1985, eu não podia falar do que passei, em nenhum lado da terra onde nasci e cresci. Passei a ser insultado nas reuniões e obrigado a abater palmas aos insultos que me faziam.


Diziam na minha cara que, no dia 22 de Novembro de 1970, na ida a Conacri, os portugueses saltaram os seus cães com dois pés, isto é, nós. Chamavam-me cão e eu tinha que aplaudir. Suportei tudo, bati-lhe palmas até, aceitei tudo o que me disseram. Nada era mal, tudo parecia ser bom. (...) (*)
______________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 25 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6247: (Ex)citações (53): Pai, és o meu orgulho, te amo muito, muito, muito (Ana Djaló, Londres)

7 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Esta passagem é soberba. Escrita de uma forma simples, sincera, genuína e altamente ingénua.
O que é que há para causar admiração?
É tudo lamentável, é certo, mas não é tudo uma consequência da guerra?
Hélder S.

JD disse...

Camaradas
Belo e singelo relato sobre a vacuidade da confiança, e de como cada um, simplesmente, pode ser atraiçoado e abandonado.
Eu diria que a natureza humana foi bem estilizada.
Abraços
JD

Anónimo disse...

Camaradas
Talvez não seja apenas e só uma consequência da guerra, meu caro Helder. O Dinis anda lá mais perto com a futilidade da natureza humana.
Para não entrar em grandes filosofias citaria GHANDI

" O que mais me impressiona nos fracos é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes..."

Esta citação, obviamente, é válida em todas as circunstâncias, quero dizer no antes no decurso e no após guerra e até em situações de paz.
Abraço para toda a malta

Vasco A.R. da Gama

Torcato Mendonca disse...

#" O que mais me impressiona nos fracos é que eles precisam de humilhar os outros, para se sentirem fortes..."

Esta citação, obviamente, é válida em todas as circunstâncias, quero dizer no antes no decurso e no após guerra e --até-- em situações de paz.# Vasco A. R. Gama.

Caros Camaradas

Se me permitem só retirava o até.

Depois sublinhava o que o Amadú diz: após, por aquelas privações passar, um homem fica liberto para o resto da vida. As palavras não são estas. Eu é que as escrevo assim. Eu é que quero -sempre - vincar a situação revoltante vivida pelos nossos Camaradas no pós guerra.Eu é que continuo a dizer que não se deve esquecer; quando a perdoar???Eu não...outros podem até dar a outra face... Nada mais acrescento.

Um abraço TM

Luís Dias disse...

Camaradas

Singelas mas belíssimas palavras que definem um estado de alma. O abandono, a humilhação, a raiva contida, a incerteza de um povo.

Não conheci o Amadu, mas conheci o seu comandante de companhia, o tenente-comando Jamanca, quando eu era o Comandante de Instrução da Companhia de Milícias em Bambadinca e a CCAÇNAT21 ali estava a operar. E lembro-me da forma enérgicas como dirigia os seus homens e da sua operacionalidade. É triste quando nos recordamos da indignidade que foi praticada contra estes homens e pela forma como os nossos governantes se comportaram para com estes combatentes, deixando-os expostos a estas vinganças e muitos terem tido o fim que sabemos.

Um abraço

Luís Dias

Anónimo disse...

Pois é Amadú, não quiseste continuar a aplaudir e saiste da tua terra.

Outros, não tiveram escapatória e tiveram que continuar a aplaudir (engolir) os insultos.

Nos outros territórios coloniais tambem se aplaudiu, toda a gente teve que aplaudir, até aqui se aplaudiu.

Muitos como tu Amadú, tambem foram para fora da terra, para parar com os aplausos.

Antº Rosinha

Saraiva disse...

O que me mete mais impressão é como é que os esquerdalhos traidores á patria como Mário Soares e companhia limitada foram capazes de abandonar estes homens á sua sorte.

Homens que combaterem por Portugal.

Não sabia o nome deste senhor, já o tinha visto no prós e contras aqui há uns tempos, mas não sabia o nome dele.

A minha homenagem a este grande Português, este senhir Amadu Djaló e a todos os que foram fuzilados pelo regime do PAIGC, mas a grande culpa disto é dos traidores iberista feitos com os espanhóis como esse Mário Soares, esse traidores da roubalheira pós- abriladaque deixaram estes homens entregues á sua sorte.

Mas o legado dos comandos africanos não acabou, Portugal conta hoje com dezenas de comandos de ascendencia africana nas suas fileiras, homens que têm a obrigação de honrrar a tradição dos comandos africanos, grandes patriotas como Amadu Djalo.