sexta-feira, 30 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6283: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (13): Baixas da CCAÇ 3518 em Guidaje

1. Continuação da publicação do trabalho Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidaje de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74).


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XIII

Daniel de Matos


Baixas da CCaç 3518, em Guidaje


Mortos no abrigo do Obus:

José Carlos Moreira Machado, furriel miliciano, natural de Sá, Ervões, Valpaços.

Gabriel Ferreira Telo, primeiro-cabo atirador, natural do Paul do Mar, Calheta, Madeira.

João Nunes Ferreira, soldado atirador, natural de Câmara de Lobos, Madeira.

Jorge de Andrade Gonçalves, soldado atirador, natural de Pedra da Nossa Senhora, Campanário, Ribeira Brava, Madeira. Era casado.


Feridos no abrigo do Obus:

Quirino do Sameiro Correia Igreja, alferes miliciano, de Vila Verde, (viria a ser evacuado para a metrópole).

Vitorino Ferreira da Cruz, alferes miliciano de Lordelo, Paredes

Bernardo Gomes Monteiro, furriel miliciano de armas pesadas, de Cascais, (esteve evacuado no HMP, para onde foi a 3 de Novembro de 1973).

Ângelo César Carneiro da Silva, furriel miliciano de minas e armadilhas, da Trofa.

José Cipriano Ferreira, soldado atirador, da Madeira.

José Virgílio Vieira, soldado atirador, da Madeira, que chegou mais tarde à companhia em “completamento”, a 6 de Março de 1972 (esteve evacuado no HMP).


Feridos nas emboscadas do percurso Guidaje/Binta:

José Manuel de Abreu, soldado atirador, do Funchal.

Fernando Gomes dos Santos primeiro-cabo atirador, (do COMBIS, mas que acompanhou a operação integrado na companhia).


Seria lógico e justo referir aqui a identidade dos feridos das outras unidades ao longo destes dias. Os números ditos oficiais referem um total de 122, cuja identificação individual será muito difícil, senão impossível, de elencar.


Resumo de outras baixas da CCaç 3158 durante a comissão de serviço:

Outro sangue derramado em terras da Guiné ao longo da comissão.

Falecidos em Gadamael:


Alfredo Rodrigues França, (6 de Março de 1972), soldado atirador, Paul do Mar, Calheta, Madeira. Ferido em combate, sepultura em Paul do Mar.

António Alberto Gonçalves, (15 de Abril de 1972) soldado atirador (era casado) Câmara de Lobos, Madeira, morto devido a acidente, – afogamento na margem do rio Sapo (afluente do Cacine), – em Gadamael. Sepultura no Cemitério Municipal de Câmara de Lobos.

João Heliodoro Gomes da Silva, (27 de Junho de 1972), primeiro-cabo atirador, Sítio do Calhau, São Roque, Funchal, Madeira, ferido “por acidente com arma de fogo”, “tiro inopinado” na caserna, em Gadamael. Sepultura no Cemitério das Angústias, São Martinho, talhão de militares falecidos no Ultramar.

Na verdade, o tiro inopinado foi disparado à queima-roupa por um membro da companhia, durante um desaguisado. O causador do “acidente com arma de fogo”, vulgo, assassinato, foi preso de imediato (preventivamente, por autorização da Chefia do Serviço de Justiça).

Em 14 de Junho de 1973, “por despacho de 10 de Abril de 1973, Sua Exa o Director do Serviço de Pessoal determinou que o soldado atirador Carlos Nóbrega de Freitas tivesse baixa do serviço por incapacidade física, por haver sido julgado incapaz do mesmo pela Junta Hospitalar de Inspecção, reunida no HMP, em sessão de 30 de Março de 1973, podendo angariar subsistência”. Ao saber-se disto, a revolta não podia ser maior no seio da companhia: “uns a alinhar e um tipo destes a ficar livre, parece que foi premiado”! Tinha sido preso formalmente em 1/7/72.

Os camaradas mais próximos do João Heliodoro, choravam de raiva e, a quente, juravam que no regresso à Madeira matariam o Freitas, antigo coveiro de profissão. O certo é que ele morreu anos mais tarde, após uma cena de pancadaria na Madeira, não se sabe com quem, ao cair de uma ravina, disse-me um dia o capitão, em sua casa. Depois do gesto irreflectido, foi difícil arrancar-lhe a arma das mãos. O capitão perdeu a cabeça e espancou-o, esmurrando e pontapeando à toa o corpo já tombado no chão. Só parou de o fazer quando o consegui dominar, filando-lhe os braços por trás e imobilizando-o como num abraço, “não se desgrace também, meu capitão”, que a coisa estava feia. Foi metido no abrigo que serviu de prisão algumas vezes em Gadamael (o ex-soldado guineense Inácio Soares da Gama que o diga!) e, dias mais tarde, seguiu com escolta sob prisão, já não me recordo se para a sede do batalhão ou se para Bissau.



Ângelo Manuel dos Santos Raposeiro, (7 de Agosto de 1972) soldado atirador, Lisboa freguesia de Benfica, (era casado e tinha vindo transferido da CCav 3462 – BCav 3874) ferido em combate em Gadamael (accionou mina antipessoal), depois de evacuado faleceu no Hospital Militar de Bissau. Sepultura no cemitério de Benfica.

Malan Mané, (13 de Novembro de 1972), soldado milícia do Pelotão de Milícias 236 (adido à companhia), ferido em acidente com arma de fogo, na sequência do rebentamento de uma mina antipessoal, sepultado em Gadamael.

Outros, nem sempre identificados:

Ussumane (Baldé?), caçador, saiu à caça levando a sua velha Mauser, e accionou inadvertidamente uma mina antipessoal (montada pelo furriel Ângelo Silva, ou por mim, já não me recordo) no cruzamento de Ganturé.

“Informador” (presumível). Desconheço se é um morto que contabilizemos como nosso (quase que garantidamente, não, de todo!), se como do IN ou se de coisa nenhuma. Caiu também numa das nossas minas ao fundo da pista velha. As feridas no pé impediram-no de fugir dali. O capitão mandou-me ver o que tinha feito rebentar a mina e quando cheguei, lá estava o homem sentado no chão, encostado a um coqueiro, olhos recriminatórios, indescritíveis, inesquecíveis… Trouxemo-lo para o quartel mas a evacuação aérea só foi possível no dia seguinte. Soube de sevícias inqualificáveis que alguém lhe fez para o obrigar a confessar ser “turra”. Depois, morreu. Pelos muitos cabelos e bigode brancos via-se ter uma idade avançada. Enterrei-o na pista antiga, na margem do rio, por ordem do capitão Manuel de Sousa. Só eu e os quatro ou cinco homens que foram comigo sabemos (sabíamos) onde ficou. No caso dele, nenhuma família o reclamará nunca, não saberá sequer como nem quando se finou…


Feridos em combate:

(não inclui os feridos, – e foram alguns – cujas chagas foram adquiridas por acidentes vários, por exemplo, devido a falsos alarmes, quando procuravam refugiar-se de ataques não consumados). Cito, apenas os de maior gravidade:

João Nunes Ferreira, soldado, 7 de Agosto de 1972 (morreria a 25 de Maio de 1973, em Guidaje).

João Manuel Duarte Oliveira, soldado (pelotão de reconhecimento Fox 2260, adido à companhia) 7 de Agosto de 1972.


Louvados na “operação Guidaje”


Independentemente do desempenho notável e do grande espírito de sacrifício e de solidariedade para com os camaradas (e de todas as unidades envolvidas) que estiveram em Guidaje, na breve “história da companhia”, (escrita e composta na secretaria pelo primeiro-cabo escriturário Alexandre Vasco de Castro, em “stencil”, com máquina de escrever, “cera” e estilete), ficaram louvados pelo seu comportamento e pela “invulgar capacidade de prontidão de reacção e sangue frio debaixo de fogo” ao longo desta Operação, tendo demonstrado “raras qualidades militares, espírito de sacrifício e alto nível de camaradagem e compreensão, sempre prontos para tudo”, os seguintes militares:


Soldado José Virgílio Vieira:

“durante toda a operação demonstrou possuir raras qualidades de militar destemido. Debaixo de fogo IN, depois do rebentamento de uma granada dentro de um abrigo, em Guidaje, indiferente ao perigo, só tinha em mente ajudar os feridos, seus camaradas e superiores, e transportá-los para a enfermaria. Ainda debaixo de fogo IN, enfrentando o perigo, dirigiu-se a um Obus e, com as fracas noções que lhe deram, consegue fazer fogo com o mesmo, respondendo, assim, de um modo rápido, ao fogo IN. Na emboscada IN reagiu corajosamente, incentivando os seus camaradas a seguirem-lhe o exemplo. Numa das emboscadas, ainda indiferente ao fogo IN, dirigiu-se a uma das viaturas onde se encontrava um Morteiro 60 com bastantes granadas e trouxe tudo para a berma da estrada. Uma vez aí fez fogo com o mesmo.”


Soldado Manuel de Sousa:

“é digno de nota pela sua prontidão de reacção e sangue frio. Um dos elementos IN que nos tentavam envolver, na emboscada da zona do Cufeu, foi imediatamente alvejado por este soldado, ao mesmo tempo que chamou a atenção aos seus camaradas da existência de mais elementos IN. A sua rápida reacção encorajou de tal modo os seus camaradas que os elementos IN imediatamente tiveram que retirar, dado o potencial do fogo das Nossas Forças”.


Soldado José António da Silva Pires (também conhecido por “Jaca”)

“indiferente ao fogo IN, reagiu corajosamente fazendo fogo com o Morteiro 60. De salientar ainda que, na retirada dos elementos IN, este soldado progrediu no terreno fazendo fogo onde as árvores o permitiam. A sua atitude teve o mérito de encorajar os seus camaradas a colaborarem com redobrado esforço”.


Após o regresso a Portugal (à metrópole e à região insular, – os últimos a chegar a Lisboa, no Niassa, aportaram a 3 de Abril de 1974), perdeu-se o contacto com muitos soldados madeirenses, em virtude de uma parte significativa ter emigrado, especialmente para a Venezuela e para a África do Sul. Destes três, desconheço o destino que terão levado o José Virgílio Vieira e o Manuel de Sousa, presumindo que terão deixado de viver naquela Região Autónoma. Quanto ao Jaca (José António da Silva Pires), soube que infelizmente terá falecido há meia dúzia de anos atrás. Era um homem de grandes rebeldias mas que se sabia fiável e amigo do seu amigo, e cujo feitio tanto lhe originava repreensões e “porradas” sérias, como louvores idênticos a estes, umas e outros, em geral, merecidos. O capitão, bem como os agravamentos que se seguiam, aplicaram-lhe vários dias de detenção, prisão disciplinar, etc., (curiosamente aconteceu o mesmo com o soldado José Virgílio Vieira, cuja acção em combate também é agora enaltecida, e tinha sucedido com o soldado Raposeiro, morto em Gadamael ao accionar uma mina). Creio que por volta de 1990, ao encontrar-me no Funchal com o comandante de companhia (ex-capitão miliciano Manuel Nunes de Sousa), ele me contou que o Jaca experimentaria bastantes dificuldades, por não (querer) arranjar emprego e passar horas na mendicidade, a ver se alguma coisa caía, à volta do Mercado dos Lavradores. Noutras deslocações que efectuei ao Funchal procurei-o por várias vezes, no intuito de o abraçar e, porventura, o poder ajudar nalguma coisa. Foi o José Maria Fernandes, – antigo companheirão que com o mesmo sorriso de sempre nos aturava os copos e o resto, na messe de Gadamael, – que me informou do que teria acontecido ao Jaca. Para além das vicissitudes e das partidas que a vida nos prega, custa muito, revolta-nos ver como um ex-combatente que em certas ocasiões foi justamente considerado um herói, tenha vivido com stress os últimos anos da sua vida, na condição de mendigo e sem qualquer apoio social do mesmo Estado que serviu o melhor que pôde e soube!

Nos anos das três frentes de guerra (Guiné, Angola, Moçambique), o regime escondia os mortos para não desmoralizar nem os activos que andavam a combater nem a população. A famigerada Comissão de Censura cortava as notícias dos jornais, rádios e televisão que falassem de baixas entre nós. Apenas no 10 de Junho se dava conta de alguns, se homenageados postumamente. Havia, obviamente, quem na imprensa procurasse resistir. Aproveitando essa coragem, enviei de Bissau uma notícia com comentários pessoais para o semanário Notícias da Amadora, dirigido pelo jornalista e escritor Orlando Gonçalves (também já falecido) e de que era assinante. Os comentários ficaram na gaveta mas os nomes dos camaradas tombados, respectivos pais e esposas saíram, transcrevendo uma nota dos Serviços de Informação Pública das Forças Armadas (além dos quatro Marados de Gadamael e do furriel Fernandes, foi publicada a identidade de mais três praças falecidos também na Guiné). O jornal viveu dias difíceis particularmente nesse ano (estavam marcadas para Outubro as “eleições” para a Assembleia Nacional) e as suas instalações foram ocupadas pela PIDE/DGS, que apreendeu tudo o que havia lá dentro.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6255: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (12): Os três G e a proclamação da Independência

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro Daniel Matos.

Mais uma vez quero expressar os meus sinceros parabéns pelo trabalho sobre os “Marados” que estás a descrever para blogue, eles podem estar orgulhosos de terem a sua história narrada da forma que tu o estás a fazer.

Depois da parte operacional, a justa homenagem aos restantes que foram também distinguidos, e ao conhecimento de todos os factos que envolveram a tua Ccaç. 3518.

De referir o facto de enviares as notícias dos camaradas falecidos para o jornal “Notícias da Amadora”, e a posterior publicação das identidades no referido jornal, é digna de apreço para o jornal e o seu director, pela coragem demonstrada á época.

Já agora espero que haja mais, continua.

Um grande abraço

Manuel Marinho

Anónimo disse...

(CCaç 3518, Gadamael, 1972/74)
Há qualquer coisa aqui que não bate certo.
Então nesse período não era a CCaç 4743 que estava em Gadamael?

Anónimo disse...

Bate tudo certo sim senhor eu era da 4743 e rendemos essa companhia em gadamael, estava mos a braços com a batalha de gadamael e eles com a de guidage


Jose Sales