domingo, 25 de abril de 2010

Guiné 63/74 – P6245: Estórias avulsas (33): O lírico, ou com a ditadura não se brinca (Mário Migueis)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis(1) (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72) com data de 17 de Abril de 2010:

Carlos
Para te compensar dos textos que te enviei em cima do acontecimento, ajudando à confusão, remeto-te agora um bastante mais pequeno e com vários dias de antecedência, já que tenho a ousadia de te solicitar que o publiques a 25 de Abril. É que esta data ainda é, pelo menos para mim, o Dia da Liberdade, pese embora a cáfila de oportunistas que nele se dependuraram para nos sorverem até à medula. Haja fé em Deus e nos restantes (nos honestos, óbviamente)!...

Um abraço,
Mário Migueis

PS: Antes de fechar para férias, gostaria de encontrar disposição para, aproveitando a maré, escrever algo sobre o Spínola. Sabes bem que o meu forte é falar mal (interpreta o "falar mal" como quiseres que, em qualquer dos casos, estarás a interpretar bem), mas, neste caso, para não destoar do resto da malta, até sou capaz de falar bem (interpreta o "bem" no sentido de positivamente, embora eu possa mudar de ideias entretanto - quem sabe?...).


O Lírico

Tendo regressado definitivamente das guerras da Guiné em finais de Outubro do ano anterior, deparou, naquela manhã de Agosto de 1973, com o anúncio, no jornal, da realização de uns jogos florais - poesia/tema livre - integrados no programa das Festas em Honra da Senhora do Bom Regresso, na cidade de Vale de Lágrimas, próxima do seu torrão natal. Da composição do júri, apensa ao regulamento do concurso, faziam parte - como era tradição de antanho, independentemente do respectivo grau escolar -, um representante da comissão de festas e outro da presidência da câmara, para além de três elementos ligados ao ensino – esses, sim senhor! -, com formação académica superior na área das letras, dois dos quais doutorados e com obra literária publicada e de reconhecidos méritos e notoriedade a nível nacional.

Impressionado com o currículo da generalidade dos juízes, que, sem dúvida nenhuma, ofereciam todas as garantias de sapiência e isenção que o acto requeria, entusiasmou-se a sério e fez-se a pergunta que, logo à partida, não implicava qualquer resposta: “Porque não concorrer com algum dos meus poemazitos da Guiné?!...” E, pronto, da interrogação à não resposta - o mesmo é dizer-se, do pensar ao executar -, foi obra de um piscar de olhos.

Cônscio da força moral que o seu estatuto de cumpridor do venerável serviço militar em terras do ultramar português lhe conferia, resolveu concorrer com um poema que começava assim:

“Este é o grito lancinante dos mortos
Na revolta de uma morte cruel e impiedosa
Aos olhos de um mundo podre de vis actos
………………………………………………………………... “


Oito dias depois, em carta registada, devolveram-lhe o poema com uma grande cruz a lápis por cima e sem qualquer observação (a cruz era por demais elucidativa, convenhamos…). Ficou furioso e vociferou alguns impropérios, mas logo serenou, quando uma voz feminina – as mulheres sempre tiveram mais tacto que os homens! - o chamou à realidade:

- Cala-te, cala-te, que muita sorte tiveste tu, meu grande palerma!...


Esposende, 14 de Abril de 2010
Mário Migueis Ferreira da Silva
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6139: Estórias avulsas (83): Emboscada em Lamel (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)

11 comentários:

Manuel Reis disse...

Caro Miguéis:

Evocaste uma data,histórica, um marco para a nossa geração, que quero também recordar.

Concordo contigo que o 25 de Abril foi desvirtuado por um mundo de oportunistas, mas o que tem de mais belo ainda permanece intacto, a LIBERDADE.

Não imagino a existência deste Blogue, espaço de Liberdade, sem o 25 de Abril, e é com algum desencanto que deparo com poucas intervenções por parte da Tertúlia,alusivas à data.

Perdoem-me o exagero, mas tenho a percepção que abordar o tema constitui, para muitos, um acto condenável.

Para mim será sempre uma referência, uma data marcante, não pela justiça social, que tanto ambicionava, mas pelo muito de bom que ainda permanece e o que de muito mau desapareceu.

Para todos os que, directa ou indirectamente, contribuíram para hoje fosse possível trocarmos as nossas ideias de modo desprendido, sem medo, sem qualquer tipo de mordaça, o meu BEM HAJA.

O meu apreço pela acção destemida dos militares e pela coragem dessa massa humana anónima, que durante décadas foi minando o suporte do regime ditatorial, como por exemplo a classe operária, os movimentos estudantis e alguns intelectuais.

Um abraço amigo a todos os camaradas desta Tertúlia.

Manuel Reis

Manuel Reis disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Manuel Reis disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Manuel Reis disse...

Bastava-me um comentário.

Há boicote!...

Manuel Reis

JD disse...

Camaradas,
O poste elucida sobre o obscurantismo do Antigo Regime. Porém:
O 25 de Abril foi um caso prematuro, resultado de um golpe de classe, de militares que já estavam endinheirados, que no geral nem faziam a guerra, mas que permaneceram demasiado tempo fora das famílias, com os inconvenientes que isso acarreta.
Em 1974 lembro-me de ter lido uma entrevista com o Otelo, que referia considerar-se, talvez social-democrata, sem ter a certeza.
A seguir veio o povo para a rua, gozar a liberdade, uma espécie de vingança estimulada por alguma inteectualidade. Imediatamente chegaram os oposicionistas, sem que se soubesse bem quem eles eram, endeusados na virtude de se oporem ao regime anterior.
Desde logo resultoyu a necessidade de se impor a democracia e a descolonização, consagradas no programa do MFA. Assim mesmo, impunha-se a democracia e a descolonização, sem que se percebesse suficientemente os significados, as formas, e os alcances. Foi o período revoucionário.
Os políticos propagandeavam exaltadamente; os militares controlavam-se exaltadamente; o povo comportava-se exaltadamente; a igreja doutrinava exaltadamente. Portugal tornou-se um país de exaltados e, ainda hoje, reflecte essa clivagem.
Desde então faltou a seriedade política, reveladora de uma menoridade que o antigo regime tolhia e atrofiava no que respeita ao interesse da nação, ao progresso social e económico. Por curiosidade, era no Ultramar (Angola e Moçambique) que se registavam elevados indíces de crescimento e desenvolvimento, apesar das muitas restrições do poder central.
Com o desenhrolar do tempo, o povo tem-se mostrado refém dos partidos, que sobranceiramente se manifestam como cóios de interesses particulares, sem qualquer respeito pelo interesse público, antes, devassando-o.
Ora, sem o interesse público acautelado pelos diversos patamares da organização política, a democracia implode, as funções do estado passam a servir ocasionalmente, o país perde em organização colectiva, perde em em progresso económico e social, perdem em ordem e justiça, enfim, hipoteca o que tem e não tem, compromete inapelavelmente o equílibrio dos próximos dez anos, que podem tornar-se em vinte ou trinta, se, entretanto, não descobrirmos um rumo de seriedade, de sobriedade e de esforço colectivo.
A "liberdade" trazida em 25 de Abril e malbaratada ao longo dos anos, pode constituir uma efemeridade, se nos conduzir às catacumbas da parelesia, se nos deixar nas garras de um qualquer FMI, se nos deixar cativos de tanta irresponsabilidade impune.
Abraços fraternos
J.Dinis

Anónimo disse...

Manuel Reis:

A prova de que este espaço é um espaço de liberdade, é o teu próprio comentário, manifestando o teu próprio desencanto pela falta de postes alusivos a esta efeméride...

Eu próprio gostaria que houvesse
mais intervenções, nomeadamente para a série "No 215 de Abril eu estava em...".

Infelizmenet, hoje vou estar pouco disponível para escrever... Mas tu e todos os demais camradas tens todas as portas e janelas abertas da nossa Tabanca Grande.

Luís Graça

Carlos Vinhal disse...

Os comentários eliminados eram do camarada Manuel Reis que muito justamente se queixou do boicote que os multiplicava.
Carlos Vinhal

Luís Graça disse...

Ainda bem que temos um editor de serviço... E agora, felizmente, sem o lápis (azul) da censura, ou sem esquemas de auto-censuira na cabeça, como nós tínhamos antes do 25 de Abril (falo por mim, que fui para a tropa com a profissão de jornalista averbada na caderneta militar).

O nosso camarada Manuel Reis deve ter tocado três vezes seguida na barra "Publicar o deu comentário"... Daí a repetição e o seu comentário, bem-humorado, de que estava a haver boicote...

Boicote ? Nem neste dia (muito menos neste dia) nem nunca mais! Por mim, e à maneira dos poetas, dou vivas à liberdade livre. Luís Graça

PS - Para mim, esta efeméride, o 25 de Abril, é sobretudo um data de festa, justamente, popular, de todos os que amam a liberdade, que é o bem mais precioso que temos, a seguir à vida.

Não tem que ser apropriada por ninguém. E daí haver, pelo país fora, as mais variadas manifestaçõpes culturais... Todos os países têm feriados nacionais alusivos a datas marcantes da sua história... O 14 de Julho, por exemplo, em França. É hoje, 200 anos depois, uma data consensual... O que não quer dizer que todos os franceses façam a mesma leitura da tomada da Bastilha (ponto de partida para a "revolução francesa")...

No nosso caso, também sou de opinião que deve e pode haver um 25 de Abril de todos e de cada um... De resto, não há liberdade se não houver pluralidade (... e tolerância).

Manuel Reis disse...

Amigo Luís:

ESCLARECIMENTO:

O que escrevi parece-me claro.

Constatei um facto e manifestei o meu desencanto. Só isso.

Como cada um vive este momento à sua maneira, longe de mim a ideia de me referir a alguém.

Explicitei o espaço de Liberdade que o Blogue constitui para todos nós e relacionei a sua existência com o 25 de Abril. Onde errei?

A repetição das mensagens deve-se, como dizes, a ter clicado 3 vezes, sem receber a indicação que seria publicado, como normalmente sucede.
Foi um processo que não controlei, daí eu referir-me "ao boicote" de forma humorada.

Manuel Reis

Anónimo disse...

Viva o dia que me encheu de alegria quando num famoso buraco no sul da Guiné, corria o dia 25 de Abril ano de 1974, me deram conta de que a Democracia nascera em Portugal e que a malfadada guerra iria terminar.

Podiamos regressar ao nosso Portugal!

Não iria ter mais mortos e feridos numa guerra estúpida.

Não é o momento azado, propício, para analisar o desvirtuamento que o dia da Liberdade sofreu, nem para falar dos oportunistas que na teta da liberdade vão mamando, nem sequer teorizarmos politicamente o que nos vai na alma.

Para o nosso Comandante Luís que não apontou qualquer erro, para o meu preclaro amigo Manuel Reis, que não errou em lado nenhum, (apenas no facto de ter demorado muito tempo a teclar a senha), um abraço de muita amizade neste espaço de LIBERDADE, SOLIDARIEDADE e AMIZADE que é o nosso querido Blogue, LUÍS GRAÇA E CAMARADAS DA GUINÉ.
Vão também saudações cordiais para o autor do Post, o camarada Miguéis, e uma palavra para o pipi da linha com quem terei todo o gosto de, aprofundadamente, conversar sobre o seu comentário.

Uma pequena comichão pelo facto do dia que hoje se comemora em todo o Portugal ter passado tão despercebido no nosso espaço.

Abraços do meu Buarcos lindo, do

Vasco Augusto Rodrigues da Gama

JD disse...

Meu Caro Vasco,
Receio que não tenhas entendido o conteúdo do meu comentário.
Como referes, hoje é dia de festa. Muito bem, tem havido discursos, música e desfiles, mas amanhã é outro dia.
Cumpridas as cerimónias, voltamos ao râme-râme, à rebaldaria, à decadência.
Também eu acreditei no 25 de Abril, lá longe, em Angola. Por pouco tempo, infelizmente.
Não me parece mal que durante a comemoração do vilipendiado dia(no que ele representou de esperança e solidariedade), se faça uma reflexão, se pergunte que caminho estamos a seguir, e o que podemos fazer para evitar (se formos a tempo e com decisão) o desastre.
Um abraço para o Vasco e tabancal.
J.Dinis
J.Dinis