1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), dirigida a Francisco Henriques da Silva, Embaixador na situação de pré-aposentação e ex-Alf Mil da CCAÇ 2402:
Meu muito querido amigo,
Acabo de saber do teu e-mail. Há dias, li no Diário da República que o Estado te mandou para a aposentaria. Espero que estejas em Portugal. Um dia encontrámo-nos no aeroporto, seguimos ambos para Bruxelas, foi uma tarde de sábado maravilhosa, em vossa casa. Nas grandes amizades, não há hiatos, há, quanto muito, uma suspensão do tempo. Tenho dois livros sobre a Guiné para te oferecer. Sei que existe felizes acasos, ter-te reencontrado será um deles. Espero para a semana começar a escrever “A Viagem do Tangomau”, o livro da nossa juventude, quando eu pertencia aos católicos progressistas, quando tive a felicidade de te conhecer.
Depois iremos para Mafra, separamo-nos, iremos reencontrar-nos na Amadora, teremos as peripécias do Vargas, de novo a vida nos separará. Paro aqui, tu conheces bem a história. Iremos separarmo-nos diferentes vezes. Talvez esta seja a última. Para acabar este livro, preciso de voltar à Guiné, revolvem-se as entranhas a supor o sofrimento que me está preparado. Mas terá que ser assim, um tangomau ficará sempre com uma porção de si próprio em África. Estou em supor que vocês estão bem, e os filhos ainda melhor. Em 2 de Julho do ano passado, um tsunami assolou a minha vida, morreu a Glorinha com 32 anos, sofria de perturbação bipolar, continuo a aguardar o resultado da autópsia por parte do Instituto de Medicina Legal. Deixo-te os meus contactos telefónicos. O da Direcção-Geral do Consumidor (213564686), o de minha casa (217972317) e o meu telemóvel (917457675) que está amordaçado em casa, só anda comigo aos fins de semana, é bicho a quem não dou confiança.
Recebe toda a minha saudade e uma estima sem fim,
Mário
Mensagem resposta do Embaixador Francisco Henriques da Silva a Mário Beja Santos:
Meu caro Mário,
Foi uma grande e agradabílissima surpresa ter recebido o teu e-mail. Emocionou-me. De alguma forma, já o esperava, depois de um reencontro com o Raul, há uns tempos e de trocas várias de correspondência. Inevitavelmente, o teu nome veio à baila e soube que o nosso amigo comum mantinha contactos contigo.
Tal como nas plataformas das estações de comboio, uns chegam, outros partem, outros esperam alguém ou não sabem muito bem o que por lá fazem. A vida é um pouco tudo isso e a imagem reflecte largamente a realidade. Encontramo-nos um belo dia num cais qualquer, na sala de espera de um aeroporto, a chegar, ou a partir, ou, simplesmente, à espera. Perdemo-nos, reencontrámo-nos, voltamos a perder-nos, voltamos a reencontrar-nos. A vida dá muitas voltas, mas sendo o mundo pequeno como é, é fatal como o destino que lá estamos nós, mais uma vez numa plataforma de comboios, num terminal de aeroporto, numa estação de metro ou num outro qualquer local de passagem.
Bom, com altos e baixos, terminou a minha vida de errâncias constantes, de peregrinações sem fim à vista, de deambulações pelos 4 cantos do mundo com a casa às costas como o caracol, por vezes "com perigos e guerras esforçados". Tive de tudo um pouco e tenho muito, mas mesmo muito, para contar. Sinto-me mais velho, mas ainda com genica e estou a escrevinhar as minhas memórias, nas horas vagas que são muitas, designadamente as da Guiné-Bissau, nas duas etapas diferentes que por lá passei: como alferes de infantaria, na guerra dita do ultramar ou colonial e, depois, como embaixador de Portugal, no conflito civil que deu de vez conta do país em formação, que deixou de existir. Vais ter uma amarga e dolorosa decepção. Aconselho-te a que não vás. É muito pior do que imaginas.
A disponibilidade, a que sou legalmente obrigado por ter atingido os 65 anos de idade, é uma situação, digamos, de pré-aposentação, que deverá passar à fase derradeira dentro de alguns meses (Junho? Julho? Quem sabe?) Podia ter continuado, num serviço moderado ou aligeirado, no MNE em Lisboa, mas, por razões pessoais, solicitei a aposentação, logo que cheguei a Portugal, em Dezembro. Em suma, como julgo que deves saber, está tudo, mas tudo, muito atrasado. Não sei quando é que esta saga vai terminar.
Soube pelo Abílio Sá Costa que encontrei, há uns tempos, do falecimento da tua filha - o que muito lamento - e que, posteriormente, me foi confirmado pelo Raul.
Não tinha as tuas coordenadas. Não pude entrar em contacto contigo. Enfim, deve ter sido uma dor muito grande. Eu nem quero imaginar uma situação dessas que para mim seria insuportável, sob todos os pontos de vista. Não sei como conseguiste aguentar, mas sempre foste um homem forte e tudo se ultrapassa. O resultado da autópsia vai ser também um momento difícil, prepara-te para isso.
Os meus filhos estão muito bem. Vivem ambos fora do país: o Pedro em Nova Iorque, casado com uma pianista argentina e professor catedrático efectivo da NYU, de composição e teoria musical; a Inês, que assentou arraiais em Madrid, é economista e perita em questões bancárias (hedge funds, private banking, etc.) e, depois de ter feito um percurso pelas grandes instituições do ramo, trabalha hoje como consultora e responsável por aqueles sectores, para nós um tanto esotéricos, para o Bankinter (4.º banco espanhol). É casada com o director financeiro de uma empresa de telecomunicações - a ONO - e tenho 2 netinhas. Enfim, os percursos da minha prole são completamente diferentes, mas estas radicações no estrangeiro têm que ver com a minha ex-vida profissional. Portugal é sempre, para ambos os casais, uma referência cultural e linguística e, mais do que isso, sentem que é a sua pátria e onde estão as suas raízes, quanto ao mais é a vida da estranja.
Estou-me a alongar e a esgotar temas que poderiam ser abordados em próximo encontro a 3 com o Raul Albino. A propósito, estava a pensar em almoçarmos na próxima semana, em data e hora que te seja conveniente. Lá para 4.ª, 5.ª ou 6.ª feira ou então na semana seguinte. O que é que achas? Podemos escolher qualquer sítio simpático, exceptuando a gare do Oriente, Santa Apolónia ou o aeroporto...
As minhas coordenadas são as seguintes:
[...]
A propósito do nosso feliz futuro reencontro, não resisto a mencionar um bilhetinho que o cardeal Cerejeira escreveu ao Salazar, após longos anos de separação e de alguns desentendimentos entre ambos (li isto não sei onde, mas a frase ficou-me gravada): "António, Porque não vens aquecer-te à lareira antiga e recordar tempos idos. Teu, Manuel"
O Raul enviou-me o texto que mandaste para o blogue do Luís Graça e que muito me sensibilizou. Sei que apesar do tempo, da distância e dos desencontros sempre fomos amigos. Bem hajas!
Um abração do fundo do coração
Francisco
3. Mensagem de Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), dirigida ao nosso Blogue:
Caro Carlos Vinhal,
Conforme pedido do Beja Santos, junto anexo algumas fotos do nosso companheiro de armas (meu e do Beja), da CCaç 2402, ex-Alf Mil Inf e ex-Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, penso que para o Beja Santos elaborar um artigo sobre o ex-militar e diplomata neste momento aposentado.
Ficas com uma foto actual e uma foto tipo passe dele como militar. Acrecentei uma com a presença do Medeiros Ferreira, que consta num post meu sobre a CCaç 2402. Vai também uma com a equipa de futebol, salvo erro em Có, onde ele figura em pé à direita e outra ainda com a primeira secção do seu grupo de combate, tirada antes da partida para a Guiné.
Se tu ou o Beja Santos tiverem algumas dúvidas de identificação, não hesitem em me perguntar.
Que tenhas um bom regresso de férias.
Um abraço,
Raul Albino
Segundo Pelotão/Segunda Secção
Equipa de futebol de oficiais e sargentos
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6259: Notas de leitura (98): Em Chão de Papel na Terra da Guiné, de Amândio César (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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