terça-feira, 27 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Junto mais um relato (do 3.º dia), da minha ida à Guiné, para a série A Guerra Vista de Bafata. (cheguei finalmente à conclusão que Bafata se escreve assim mas que se lê Báfata)

Muito brevemente vou mandar o 1.º capítulo da série NA KONTRA KA KONTRA.

Um abraço
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BÁFATA - 26

Diário da ida à Guiné – Dia três (06-03-2010)


Nesta manhã, o Chico Allen disse que tinha que ir a Bissau tratar de uns assuntos. Bafata pareceu-me mais uma vez fora de questão. Achei portanto que era a oportunidade de ter a primeira experiência de caça. Engoli qualquer coisa e, como era a primeira vez e não conhecia a região, fui na companhia do balanta José. (Nos dias seguintes fui sempre sozinho).

Partimos em direcção a Sul, por carreiro bem marcado. Numa encruzilhada virámos à direita para Poente por onde o carreiro mal se via. Em determinada altura encontrámos um homem que se dedicava à recolha de vinho de palma o qual me explicou todos os procedimentos e mostrou os apetrechos da recolha. Achei interessantíssimo o funil para conduzir a seiva para a cabaça de recolha, lá no cimo das palmeiras, feito com pedaços de folha de palmeira.

Foto 1 > O recolector de vinho de palma com o “cinturão” usado para subir às palmeiras.

Foto 2 > Em cima da cabaça de recolha podem ver-se uns doze funis de folha de palmeira encaixados uns nos outros. São usados no número necessário para cada caso.

Passámos por uma plantação de mandioca, tendo o José aproveitado para arrancar uma raiz e roê-la, quiçá o seu pequeno almoço. Inflectindo novamente para Sul, fomos ter a uma grande clareira com um charco no meio. Daí debandaram algumas garças brancas e uns pássaros que ao voar pareciam prateados. Noutro dia, já sozinho, escondido na vegetação pude verificar que se tratava de simples pica-peixes matizados de branco e preto que ao esvoaçar pareciam de prata. Ambos os passarocos não valiam um tiro, pelo que não disparei.

Foto 3 > O balanta José, que me acompanhou na primeira saída para o mato, com outro homem que encontrámos.

Ainda fomos mais para Sul e Nascente, mas como eu ia mais como observador, levava a máquina fotográfica enquanto ele levava a caçadeira. Regressámos ao empreendimento.

O resto do grupo almoçou em Bissau e eu cozinhei qualquer coisa para mim. Foi bom pois descansei pela primeira vez. A meio da tarde já com o grupo reunido, soubemos que na tabanca de Bofo tinha morrido uma mulher grande, pelo que ia haver festa (choro). Logo para lá nos dirigimos para não perdermos aquele autêntico espectáculo. O ritmo da batucada balanta (não com tambores mas com troncos de interior escavado) era de tal forma contagiante que não demorou muito a que todos nós andássemos aos saltos no meio de toda aquela gente africana. Era alegria, também pó, muita cor, movimento, mas sobretudo ritmo. Tenho muita pena de não pôr aqui os filmes que fiz para ver todo o pessoal do nosso grupo aos saltos.

Foto 4 > O tronco escavado que os balantas usam nos batuques.

Foto 5 > A alegria contagiante estampada na cara do Mesquita.

Foto 6 > Muito pó à mistua.

Foto 7 > Muita cor.

Foto 8 > O Pimentel ensaiando um passe.

Foto 9 > As rusgas sucediam-se.

Foto 10 > Outra rusga.

Foto 11 > A alegria era constante. Iam-se formando grupos que entoavam “cantares”, ininteligíveis para nós, não balantas.

Foto 12 > Toda a gente vestiu a melhor roupa para o choro (festa).

Porém, como de vez em quando alguns africanos disparavam caçadeiras para o ar, uma moça do nosso grupo assustou-se e tivemos que a levar embora dali. Foi uma pena pois perdi a cena que estava a começar, a da largada de seis ou sete vacas, para serem abatidas e comidas durante os festejos.

Foto 13 > Um dos disparos de caçadeira que motivou o medo da moça e consequentemente a nossa retirada.

Tornando ao Anura deparámos com um macaquinho abandonado, quase acabado de nascer que um dos guardas tinha recolhido. A mãe fugira perseguida pelos cães. Diariamente passei a alimentá-lo com um biberão improvisado.

Foto 14 > O macaquinho a que passei a dar leite diariamente.

Jantámos uma autêntica “bianda” feita pelo namorado da filha do Allen. Noticiário, conversa e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2010). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Fernando Gouveia

Ainda faz pouco tempo, em comentário a um post recente meu, o Vasco da Gama se lamentava de haver poucos relatos das viagens à Guiné feitas recentemente por vários dos nossos camaradas.

Fosse para 'dizer bem', fosse para 'dizer mal' ou apenas para relatar as emoções, dos encontros com lugares e/ou pessoas, do desencanto, das ilusões, de coisas interessantes.

Esta tua série marca de facto a diferença. Nestes teus relatos podemos 'ver' o teu (vosso, do grupo) dia-a-dia, as tuas emoções e de alguns companheiros e tudo bem documentado com fotos, algumas delas até muito intessantes.

Continua!

Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Tronco escavado=Bombolom. Instrumento tambem usado para a comunicacao entre tabankas. Uma especie de internet de uma longinqua era na Guine.

Luís Graça disse...

Fernando:

Estás um prefeito etnógrafo. Estou a adorar o diário de campo... Vinte valores. Luís

Jorge Narciso disse...

Caro Fernando

Excelente trabalho.
Venham de lá os próximos capitulos

Abraço

Jorge Narciso