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Queridos amigos,
Faltaria à verdade se não dissesse que este documento oferece uma leitura aliciante e polémica. Tem por detrás uma laboriosa e séria investigação, dentro dos parâmetros do que é uma tese de doutoramento. É nos alvores do nacionalismo, na identificação dos grupos, na evolução da guerra que esta leitura oferece, em condições ímpares, uma interpretação lógica e cronologicamente coerente. É controversa quanto à gama de presunções em torno das chamadas contradições e lutas internas dentro do PAIGC, como se dirá mais adiante, a interpretação do assassinato de Cabral refere a responsabilidade moral da PIDE/DGS, facto comprovado, e alude a um conjunto de maquinações e círculos concêntricos da conspiração que, por falta de fundamento histórico, são inadmissíveis em documentos desta natureza.
Um abraço do
Mário
Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (4)
Beja Santos
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Nesta recensão o enfoque prende-se com os anos da governação Spínola. Ele chega à Guiné em Maio de 1968 e manda imediatamente proceder à elaboração de estudos que irão durar cinco meses, será partir daí que ele traçará a sua linha de ação “Por uma Guiné melhor”, um plano orientado para a captação das populações, dando prioridade à promoção económica e social, colocando uma boa parte do dispositivo das Forças Armadas ao serviço da realização dos serviços provinciais e, no setor estritamente militar, revendo a implantação desse dispositivo e criando uma nova toada ofensiva. Arrancam ou continuam a construção de estradas de asfalto, a criação de centro materno-infantis, maternidades e dispensários, apetrecha-se uma escola de formação de professores, tudo sob o lema “viver em paz, trabalhando para uma vida melhor, ou viver na intranquilidade da guerra e na vã esperança de uma independência que conduzirá ao desaparecimento da Guiné e a uma vida pior”. O objetivo é retirar ao PAIGC a possibilidade de controlar certas populações, reagrupando-as em aldeamentos. Para dar um sinal de magnanimidade e benevolência, mandou restituir à liberdade um elevado número de presos políticos que estavam na colónia penal das Ilhas das Galinhas. No ano seguinte, em 3 de Agosto, haverá um cerimonial em que Rafael Barbosa tomará a palavra e se revelará arrependido. A guerra psicológica irá refinar-se com o uso da radiodifusão, a profusão de cartazes, as próprias diretivas que determinam aos militares ações psicológicas em torno do bem-estar e do conforto das populações. Leopoldo Amado enumera algumas dessas iniciativas envolvendo programas radiofónicos, entre outros.
O dispositivo militar também se reconfigurará. Spínola elevará a parada em Lisboa pedindo cada vez mais apoios necessários para a continuação da guerra. Logo em Novembro de 1968 irá fazer uma exposição no Conselho Superior de Defesa Nacional onde apontará a possibilidade de derrocada e acusando os chefes militares que o antecederam de não terem posto o problema com verdade. O autor observa: “Data desta reunião a cisão nítida entre Spínola e a maior parte dos altos comandos das Forças Armadas, os quais passam a tê-lo por vaidoso, ambicioso e fanfarrão, ao passo que o novo comandante da Guiné não se coíbe de manifestar o desprezo que sentia pela incompetência que neles verificava”. A relação com Marcello Caetano parece ser idílica, as suas declarações estão manifestamente em consonância. Na Guiné, os três ramos das Forças Armadas confluem para o Comando-Chefe, este passa a ser o centro nevrálgico de toda a atividade operacional. Com a libertação de espaços, irão intensificar-se os bombardeamentos, haverá mesmo zonas exclusivas de intervenção do Comando-Chefe. Igualmente haverá uma africanização da guerra, mais Companhias de Caçadores, de Comandos, de Fuzileiros. Para Leopoldo Amado, enquanto se procura o equilíbrio militar, começa a haver notícias de dissensões no seio do PAIGC, sobretudo entre os dirigentes máximos guineenses e cabo-verdianos, teria havido mesmo desentendimentos entre Amílcar Cabral e Osvaldo Vieira. O PAIGC parecia capaz de anular os efeitos devastadores da ação psicológica da era Spínola mas estava permeável ao trabalho de infiltração da PIDE/DGS em estreita articulação com os Serviços e Informação e Ação Psicológica. Em Maio de 1970, alguns dirigentes do PAIGC irão ser presos e comprovadamente acusados de colaborar com a polícia política.
Leopoldo Amado repertoria a evolução da guerra. Consolida-se, por parte do PAIGC, a utilização de corredores a partir do Senegal e da Guiné-Conacri. O PAIGC reorganizou-se, o Comité Central transformou-se no Conselho Superior da Luta, mantém-se o Conselho de Guerra do qual dependem os Corpos do Exército e as Frentes Militares. Entrou-se num período de reconhecimento internacional e reassumiu-se o potencial de combate e mobilização. Em 1970 tem lugar o Congresso dos Povos da Guiné, no “chão manjaco” uma vasta operação desencadeada para neutralizar o PAIGC na área acaba num massacre de oficiais. Num esforço para sair do impasse, e com a anuência de Marcello Caetano, tem lugar a operação “Mar Verde”, irá saldar-se num desaire diplomático. A recuperação da supremacia militar, por parte do PAIGC, é notória em 1971, Amílcar Cabral consegue mais apoios, Spínola procura reagir com um programa de progressiva autonomia da Guiné, assim se chega a conversações com Senghor, é admissível que Spínola tenha procurado uma iniciativa no quadro do anúncio da revisão constitucional de 1971. Recorde-se que recrudesceram a partir de 1972 os violentos ataques aos centros urbanos. Logo em Janeiro, Bafatá, depois um ataque-surpresa ao aeroporto de Catió. Refere o autor que a rivalidades e as contradições dentro do PAIGC, por essa época, também subiam de tom. Na contrainformação, foi lançado o boato de que Osvaldo Vieira teria assumido as funções de secretário-geral do PAIGC, os filhos da Guiné estavam descontentes porque Amílcar Cabral só os mandava para o mato enquanto os cabo-verdianos ocupam funções de comandantes. Um outro boato referia que Rafael Barbosa tencionava eleger um governo provisório. É nesse contexto que uma missão da ONU se desloca à Guiné e o seu relatório era bastante favorável ao trabalho do PAIGC. O ano acaba com o princípio da deterioração no relacionamento entre Caetano e Spínola, este sentiu-se preterido por não ter sido indigitado como candidato à presidência da República.
Estamos perante um documento de intenso labor, com uma recolha impressionam-te de informação. O próximo e último texto será dedicado às teses sobre o assassinato de Amílcar Cabral, a independência da Guiné-Bissau, a leitura de Leopoldo Amado faz da herança política e ideológica de Cabral e as respetivas conclusões.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 5 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9560: Notas de leitura (339): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (3) (Mário Beja Santos)
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