segunda-feira, 5 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9560: Notas de leitura (339): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
A obra de Leopoldo Amado tem 400 densas páginas, é um estudo muito apurado, pela primeira vez vi sistematizado o período pré-revolucionário e enunciadas as etapas da subversão, o segundo capítulo deste trabalho é de grande singularidade e premeia o esforço de pesquisa. Procurei resumir alguns dos aspetos da evolução e consolidação da guerrilha, ainda tenho pela frente todo o complexo período que medeia até à descolonização da Guiné-Bissau. Muito provavelmente, para aguçar o apetite dos leitores, tenho mais dois textos pela frente. Peço-vos paciência, o confrade Leopoldo Amado fez obra asseada, há que a mostrar e agradecer-lhe.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (3)

Beja Santos

A operação “Camaleão” foi a derradeira tentativa por parte de um diplomata português, com a aparente anuência de Salazar, para se encontrar uma solução pacífica para a Guiné. Luís Gonzaga Ferreira, cônsul português em Dakar, procurou entender-se com o Bloco dos Naturais da Guiné, conforme relata Leopoldo Amado no livro que, em substância, é a sua tese de doutoramento: Guerra Colonial versus guerra de libertação nacional: o caso da Guiné-Bissau (IPAD, 2011). Nos textos anteriores, procedeu-se à súmula de alguns aspetos mais relevantes do que o nosso confrade Leopoldo Amado apresentou na sua investigação histórica: considerações gerais sobre guerras revolucionárias; origens do conflito guineense; portugueses e guineenses face à guerra; quadro das organizações nacionalistas, o aparecimento do PAIGC e a fundação da FLING; e o desencadear das hostilidades a partir de 1963. Benjamim Pinto Bull chegou a encontra-se com Salazar, com a aquiescência de Senghor. O autor do plano terá sido o governador Peixoto Correia. Havia a promessa para se intensificar a africanização dos quadros da província, confiando alguns lugares a gente da FLING. No seu discurso de 12 de Agosto de 1963, Salazar cortou qualquer saída para esta solução. A guerrilha, que já tinha eclodido em Janeiro, tornou-se imparável.

Em 1964, as operações de subversão espalharam-se por todo o território, como escreve o autor: “Em todo o primeiro semestre o PAIGC despendeu esforços enormes para dispersar as tropas portuguesas, nomeadamente com a abertura de novas frentes de combate. No final de Janeiro, Farim encontrava-se quase isolado, as unidades guerrilheiras do PAIGC destruíam pontes, montavam emboscadas, colocavam abatises e minas, procuravam cortar as estradas que ligavam a vila às povoações de Bigene, a oeste, Bissorã, a sudoeste, Mansabá a sul, e Cuntima, a nordeste. Além disso, havia notícias de novas infiltrações de grupos do PAIGC pelas fronteiras leste e nordeste da Guiné”. A partir do Oio, o PAIGC alastra a sua atuação na direção de Binar e Bula. A estrada Mansabá-Bafatá irá ficar intransitável. Em Fevereiro desse ano, no Congresso de Cassacá, o PAIGC consolidou as estruturas do partido e reorganizou as Forças Armadas, tendo também estabelecido serviços de educação, de saúde, judiciais e económicos.

Em Maio de 1964 dá-se a primeira colocação de minas, à volta de Binta as populações, apanhadas entre dois fogos, refugiam-se no Senegal e em Bissau. Leopoldo Amado descreve pormenorizadamente a escalada da guerra, como os conflitos se alastram para a região centro-leste, a partir de Jugudul a estrada até à povoação de Geba vai sendo progressivamente abandonada. Béli e Madina do Boé começam a ser sujeitas a flagelações ininterruptas. Os meios navais vieram em socorro quando as vias terrestres se tornaram altamente perigosas ou intransitáveis. Descreve-se a batalha do Como cujos resultados, como é sabido, não alteraram o conceito de área libertada controlada pelo PAIGC. Escreve o historiador: “O confronto entre as forças portuguesas e a guerrilha do PAIGC não foi fácil de gerir pelas autoridades portuguesas. Durante o primeiro ano de conflito a chefia militar máxima do exército português da Província foi substituída quatro vezes, apenas se registando alguma estabilidade em Maio, altura em chega à Guiné Arnaldo Schulz (…). Este optou por tentar recuperar algumas áreas do território, procurando controlar o Sul e o Centro-Oeste da Guiné, desencadeando uma série de operações militares, como as do Cantanhez, Como e Quitáfine, operações de grande envergadura, mas que não deram resultado”. O segundo semestre de 1964 não se mostrou favorável aos guerrilheiros, mas mesmo com a diminuição da atividade militar mantiveram-se ativos, é por esta época que se vão definir os corredores de infiltração e abastecimento, equipamento entretanto melhorara muito, as unidades dispunham de morteiros, metralhadoras ligeiras, espingardas automáticas e semiautomáticas e minas anticarro. Em 1965 chega a assessoria cubana, no mesmo ano em que a contrainformação militar ganha relevo e vai haver infiltração do PAIGC pela DGS.

A profunda investigação de Leopoldo Amado contou com um trabalho em profundidade nos arquivos da PIDE-DGS, documentação do PAIGC e muitas entrevistas, análise de relatórios das forças em conflito. É nesse ano que começam a chegar notícias de que Osvaldo Vieira pretende depor as armas, em que a FLING quase desaparece e a organização de unidade africana reconhece o PAIGC como único interlocutor. A comunidade internacional está cada vez mais atenta ao que se passa na Guiné. 1966 é o ano de abandono de Béli, sujeita a doze dias de ininterruptos bombardeamentos. O PAIGC começou a permitir que os jornalistas estrangeiros visitassem as áreas sobre o seu controle, alguns desses documentários irão ser vistos em toda a Europa e nos EUA. Segundo o autor, no primeiro semestre de 1967, manteve-se a situação estacionária da guerra, o PAIGC enfrentava grandes dificuldades de abastecimento na fronteira norte, devido à permanente desconfiança das autoridades senegalesas. Mas de 1967 para 1968 a situação deteriorou-se. Em Maio de 1968, o brigadeiro Spínola entra em cena, para além do seu carisma ele traz novos conceitos que irão ser plasmados na estratégia “Por uma Guiné Melhor” e uma tentativa de subtrair apoios da população à guerrilha, de imprimir uma maior dinâmica ao desenvolvimento económico e social. Na parte militar, Spínola também irá introduzir profundas alterações no dispositivo: por exemplo com a criação de agrupamentos operacionais e, mais tarde, com a africanização da guerra. Leopoldo Amado foca a sua atenção na ação psicológica, enumera as ações que por vezes puseram o PAIGC em estado de choque, caso da libertação de Rafael Barbosa, então presidente do Comité Central do PAIGC, em 3 de Agosto de 1969, ele irá ler em público um discurso que a rádio amplamente difundiu: “Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guiné portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas do vento da história, se deixou conduzir e desviar do reto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e amargura, de ilusão. Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e reconhecer o meu erro”. A propaganda do PAIGC também evoluiu, em 1968 os meios de difusão estavam em verdadeiro confronto.

Leopoldo Amado procede minuciosamente à apresentação das alterações e ajustamentos que Spínola adotou em todas as Forças Armadas, destacando o papel da armada não só no controlo dos rios e da dissuasão do abastecimento das unidades e grupos de guerrilheiros, como também na missão de transporte, reabastecimento ou fiscalização marítima aproveitando-se da rede de 32 portos nos rios Cacheu, Geba, Rio Grande Buba, Rio Cobade, Cubijã Cabedú e Cacine. E mesmo antes de lançar meio através da africanização, Spínola procura equilíbrio militar. Começara o duelo de titãs.

(Continua)

Imagem retirada da brochura dedicada à Guiné-Bissau e publicada em 1980 pelo Real Instituto Tropical dos Países Baixos. Mostra um transporte público já em vias de extinção, anos depois a empresa faliu e as viaturas não resistiram à falta de manutenção.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

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