sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12592: Notas de leitura (553): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Aqui se continua a procurar sintetizar o que há de mais relevante numa tese de licenciatura em que José Manuel Braga Dias, que esteve na Guiné e muito próximo do Comando-Chefe pôde estudar e entrevistar e ter acesso a documentação restrita onde baseou o seu trabalho “Mudança Sociocultural na Guiné-Portuguesa”.
Permite ficar com uma imagem de atitudes e comportamentos das populações face à luta armada, releva erros crassos da administração colonial na nomeação da régulos e outros chefes que se saldaram em boas oportunidades para a propaganda do PAIGC.
O leitor tem aqui uma boa ocasião para perceber algumas das razões profundas que levaram a que a luta armada tivesse atingido todas as famílias, todas as etnias, tumultuando as sociedades tradicionais e gerando grandes equívocos nas chamadas sociedades modernas ou aculturadas, equívocos que depois o poder constituído pelo PAIGC não soube superar, após a independência.
O nosso olhar sobre a Guiné e a sua história fica bastante afetado depois de se ler este trabalho, estranhamente ignorado pela melhor investigação.

Um abraço do
Mário


Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa (2)

Beja Santos

A dissertação de licenciatura “Mudança Sociocultural na Guiné Portuguesa”, por José Manuel Braga Dias e publicada pelo ISCPU em 1974 introduz um dado bombástico, a subversão afetava toda a sociedade guineense, tanto os estratos mais tradicionalistas como os modernos, constituídos estes por diferentes grupos socioprofissionais agindo nos centros urbanos.

O autor desagrega o comportamento da população face ao movimento subversivo, é aqui sem dúvida alguma que o trabalho é manifestamente interessante. No texto anterior, referiu-se as atitudes dos Fulas e Mandingas. Vejamos agora os Oincas ou Mandingas do Oio. Iniciada a subversão, a população fugiu maciçamente para o Casamansa; os que ficaram, excetuando os que viviam em Olossato, Mansabá e Bissorã, aderiram ou foram obrigados a aderir ao PAIGC. Para o autor, o comportamento futuro dos Oincas dependerá da aceitação no novo régulo do Oio e da resolução das tensões étnicas, sobretudo com os Fulas. Os Jacancas e Saracolés são ramos da etnia Mandinga ligados ao comércio ambulante – gilandade. Foi aqui que as autoridades portuguesas e o PAIGC encontraram bons informadores. Os Padjadincas mostraram-se maioritariamente apoiantes das autoridades portuguesas. Mas o autor recorda os conflitos étnicos existentes entre Fulas e Padjadincas e a questão de reinança surgida pela morte de Sene Sane poderão constituir fatores a explorar pelo PAIGC. Os Felupes-Baiotes não deram nenhuma colaboração ao PAIGC, o mesmo não se passando com os balantas que deram um expressivo apoio ao PAIGC. Banhuns, Cassangas e Caboianas revestem-se de minuta importância, no entanto num destes territórios o PAIGC estabeleceu santuários, caso da região da Caboiana. O autor interpreta este facto devido ao cuidado que houve, por parte do PAIGC em procurar manter uma sociedade homogénea, sem impor uma nova ordem aos seus membros, mas servindo-se de velhos argumentos com a tradicional hostilidade dos Caboianas à presença portuguesa. A subversão dos Manjacos fora fácil em regulados do norte, para Sul a ação de aliciamento foi mais demorada, os chefes legítimos opuseram-se. Para o autor, competia às autoridades portuguesas reconhecer os verdadeiros chefes, conhecer quem decide nas estruturas tradicionais Manjacas havendo que dialogar o posicionamento dos reordenamentos para impedir futuros comprometimentos da população com o PAIGC na região de Cacheu. O “chão Papel” tinha sido invadido por diferentes etnias, os Papéis estavam em desagregação quando chegou a luta armada e na sua maioria os Papéis de Bissau e Cacheu não se mostraram entusiastas em apoiar o PAIGC. No caso dos Brames ou Mancanhas também estavam em fase de perda de coesão e com tensões de diferente ordem (por exemplo, os Brames da região de S. João não eram reconhecidos pelas autoridades portuguesas). E o autor observa: “A vingança pessoal e o ódio étnico ao Fula, ao Mandinga e ao Papel foram os motivos principais da adesão de grande número de Mancanhas à subversão, exercem lugares de chefia no PAIGC e têm posições dominantes na máquina política e administrativa deste. Quanto aos Beafadas, secundaram posições dos Mandingas nas áreas em que com eles convivem". E escreve: “Os Beafadas dividiram-se na atitude tomada face à subversão; se em certas áreas da circunscrição de Fulacunda e nos regulados do Cuor e Xime aderiram e colaboraram com o PAIGC, noutras, como em Gadamael, e nas povoações de Jabadá e Fulacunda tornaram-se fiéis colaboradores das autoridades”. Os Nalus e Sossos concretizaram vinganças ao apoiar o PAIGC, igualmente exteriorizaram o seu ódio aos Fulas. O PAIGC parecia apostado em explorar as tensões existentes entre Fulas e Nalus e as estreitas relações entre os Nalus e os Sossos da República da Guiné. Quanto aos Bijagós, a luta armada nunca se manifestou em qualquer região do arquipélago. Acresce que depois de campanha de Canhabaque (1936) os chefes tradicionais legítimos ou legais manifestaram-se desinteressados pelo que quer que pusesse em risco a sua maneira de viver em paz e sem preocupações. Segundo o autor, os Bijagós que viviam em pequenos núcleos na Guiné continental, teriam aderido ao processo subversivo do PAIGC.

De seguida a investigação centra-se sobre o comportamento das elites tradicionais face à subversão. O autor recorda que o sistema de regulados nem sempre se mostrou eficaz, colocando em confronto dois poderes políticos com interesses divergentes. Nuns casos as autoridades portuguesas manifestavam indiferença nas lutas travadas entre régulos ou apoiavam os régulos em desfavores de outros. E escreve: “É enganador julgar-se que foram somente os povos do litoral, como autoridade centralizadora, como é o caso dos Manjacos, Brames e Papéis, que se opuseram à presença portuguesa. O que se passou foi que a nossa presença fez-se sentir primeiro nas rias, tendo de lutar com as mesmas dificuldades à medida que se estendia para o interior. Poderá talvez dizer-se que houve maior resistência em sermos aceites pelos povos invasores da Guiné, na medida em que, a partir do século XIX, as lutas entre régulos e etnias Mandingas, Fulas e Beafadas, agitaram diretamente ou indiretamente todo o território”. As campanhas de pacificação saldaram-se na perda de prestígio dos régulos e no desmembramento ou extinção de alguns regulados, criaram-se mesmo novos regulados fiéis às autoridades mas que não gozavam de prestígio entre as populações. As consequências foram por vezes manifestamente explosivas: perda de prestígio dos régulos em benefício das autoridades administrativas; existência de regulados fictícios e sem projeção fictícia; importância da etnia Fula em detrimento das outras; fomento de rivalidades étnicas entre os antigos detentores do poder político e os novos senhores; reação da nova geração, parcialmente enculturada em padrões ocidentais à autoridade de um chefe fantoche, entre outras.

O autor seguidamente sistematiza a organização política dos povos da Guiné, refere detalhadamente S. Domingos, Farim, Bigene, Mansabá e Olossato, Cuntima, Cacheu, regulados não dependentes do régulo de Bassarel; depois dirige a sua atenção para o concelho de Bafatá, depois o Gabu (lembra que o território do Boé foi integrado na Guiné Portuguesa depois da Convenção Luso-Francesa de 1886), segue-se Fulacunda, adiante Bolama, depois o concelho de Bissau. É inquestionavelmente o levantamento riquíssimo, temos aqui as estruturas políticas étnicas, vemos como o não reconhecimento dos chefes tradicionais leva quase automaticamente à adesão à subversão, na generalidade dos casos é percetível que a falta de prestígio dos régulos, as tensões étnicas, a manifesta fraqueza da estrutura tradicional, constituíram-se focos explosivos que em muitos casos o PAIGC explorou a seu favor. O autor é minucioso, vê-se que teve meios para estudar, ouvir e consultar informação pertinente, seguramente lhe fora facultada pelos serviços do comando chefe. Tratou-se de uma situação privilegiada que assegurou um levantamento ímpar, daí este riquíssimo mapa que cobre todo o território, e assim pôde anotar fidelidades e traições que agora podem ser compreendidas à luz de um levantamento histórico onde a política colonial portuguesa também se manifestou por um acervo de erros em nomeações de régulos ou chefes que a propaganda do PAIGC, sempre que possível, explorava com sucesso. Só um dado entre os muitos que o autor apresenta no seu mapa, o regulado de Chanha, um campo experimental da chamada “política de independência das raças”, perseguida pelas autoridades, depois de 1927. O regulado foi dividido em três chefados e as respetivas chefias repartidas por um Fula-Forro, um Fula-Preto e um Mandinga. Em breve se verificou que esta política era impraticável e voltou-se a entregar de novo a chefia do regulado ao seu legítimo régulo, Nhala Bobo. Depois da morte deste, as autoridades pretenderam impor o régulo atual que até tinha perdido as eleições. As autoridades tradicionais existentes, quando começou a subversão, não tinham qualquer prestígio, e a perante a evolução da subversão, mostraram a sua incapacidade, criaram mais um problema às autoridades portuguesas.

(Continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12580: Notas de leitura (552): "Mudança Sócio-Cultural na Guiné Portuguesa", dissertação de licenciatura de José Manuel Braga Dias (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

Mais uma trabalheira de BS.

Mas a paciência de um antigo Alferes, José Manuel Braga Dias, é que deve ter suado as estopinhas para interpretar as "fofocas" de tanta etnia.

(provavelmente sem conhecer as diversas línguas)

É que os guineenses são tão intriguistas entre si, que se enrolam a eles próprios, enrolaram Spínola, e Inocêncio Kani deu um tiro na cabeça de Amílcar faz anos daqui a 3 dias, dia 20 de Janeiro.

Vamos ver se a que conclusão chega José Manuel Braga Dias.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Carlos Vinhal disse...

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Obrigado
Carlos Vinhal
Co-editor