Assunto: Diamang, Cmdt Vilhena, Cunha Leal - tanta coisa que não sabemos
Caros amigos Luís, Rosinha e C.Martins
Estive de férias e não vi atempadamente o poste da iniciativa do Mário Vitorino Gaspar (*), que se refere àqueles três ítens, a que poderia junar-se outro sobre Salazar e os negócios de Estado, no caso vertente sobre as colónias.
Sobre a Diamang [, vd. aqui fabuloso arquivo digital, com mais de 6 mil imagens], convém desde já referir que se tratava de uma empresa público-privada, detida maioritariamente pelo Estado, e que registava uma dispersão do restante capital, tanto por pequenos investidores, como pelas grandes empresas (internavcionais) do trust. Detinha por contrato com o Estado a exclusividade de prospeção e exploração diamantífera em Angola.
Trabalhei na Companhia de Maio/72 a Dezembro/74. Tive lá um tio durante inúmeros anos, que pediu a aposentação em 1973, quando se preparava um atentado ao interesse português, com a cedência de "claims" (áreas de exploração), quando no inicio dos anos setenta foi criada a Condiama, onde se invertia a proporcionalidade de importância dos accionistas: a maioria do capital era detida pelas empresas do "trust", enquanto ao Estado ficava reservada uma posição minoritária.
Mas a questão foi além disto e a promiscuidade era latente para uns poucos funcionários atentos e com oportunidade de constatar a situação. Havia técnicos sul-africanos a cirandar pelos corredores da Companhia, e os diamantes provenientes da actividade da Condiama eram canalizados para a Estação Central de Escolha da Diamang, em Andrada. Na época, eram responsáveis máximos pela Diamang em Angola, os engenheiros Mexia e Matos, respectivamente director-geral, e director-técnico.
Na época, também, o eng Krus Abecasis, administrador-geral, era citado pela revista Paris-Match como beneficiário de um dos maiores rendimentos entre os executivos europeus (ou mundiais?). Como agora, os executivos nacionais impunham-se aos estrangeiros.
Eu trabalhei inicialmente nas explorações mineiras, mas ainda em 1972 fui transferido para a ECE, depois de uma breve passagem pelo MD-5 (central de meio-denso), por uma lavaria de que não recordo o nome, e pela lavaria dos ensaios.
Talvez o Mário se lembre de um colega da Dialap, o João Brás, que fui encontrar na estação. Ali chegado, pedi logo transferência para regressar às minas, o que só veio a acontecer em Setembro/Outubro de 74.
Portanto, e descontando pormenores que não sei, bem como a corrosão da memória, a verdade é que os diamantes, quer da Diamang - o grosso, quer os da Condiama, eram tratados em separado, mas guardados na ECE até às exportações.
Uma ocasião o meu tio cruzou-se com um sul-africano no corredor de acesso ao gabinete, que o indagou provocatoriamente: ainda cá está?
Do que se expõe, não será díficil inferir, que a actividade da Diamang, a prazo, perderia rentabilidade, em favor da Condiama, e que o "trust" passaria a tirar muito mais proveito da riqueza portuguesa. Li alguns relatórios do Banco de Angola, e era curioso que faziam referência às dificuldades de colocação nos "mercados" da produção da provincia, quer de produtos minerais, quer de produtos agrícolas, geralmente tutelados pelos institutos (do café, do algodão,etc). E o valor do quilate angolano (as melhores gemas no cotejo internacional), era comparável a valores de explorações insigificantes, como na Libéria, ou na URSS, relação não dada a conhecer.
O Comandante Ernesto Vilhena [Ferreira do Alentejo, 1876 - Lisboa, 1967; fotos á esquerda, cortesia de José Adelino Maltez, ] foi um rico colecionador de arte e de antiguidades. Era, obviamente, íntimo de Salazar. As companhias coloniais detinham acervos de administradores oriundos de funções políticas, pelo que representavam excelentes recursos nas relações com o Estado. Por outras palavras, estavam ao serviço dos grandes accionistas, numa promiscuidade idêntica à actual (vide a quantidade de ex-ministros que mexem cordelinhos em administrações de empresas-públicas).
Cunha Leal [, foto á direita, cortesia da Wikipédia, ] foi sempre lutador, quer por ideais, quer pela defesa dos interesses nacionais, quer pela defesa dos seus próprios interesses. Curiosamente, foi um obstinado opositor de outro português que governou Angola, e concitou o ódio das empresas coloniais (através da actuação da maioria de deputados da A.N: - Assembleia Nacional ), o Gen Norton de Matos [Ponte de Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955], que tentou repetidamente estabelecer regras de contratação laboral, que dignificassem os nativos.
Depois de se demitir de ministro, Cunha Leal ], Penamacor, 1888-. Lisboa, 1970] não voltou a dar descanso ao poder. São fáceis de adquirir alguns títulos seus, edições de autor, que o comprovam substancialmente. Em "A Pátria em Perigo", 1962, apontava como solução para Portugal, a adopção dos princípios estabelecidos na Carta das Nações que se reportavam à autodeterminação, beneficiando do prazo de 30 anos para incremento da autonomia política, social e económica, que poderia ser objecto de referendo sobre a escolha das populações: independência, ou auto-determinação. O futuro do ultramar poderia ter sido bem diferente, pacífico, e próspero.
Mas Cunha Leal é também autor de outro tìtulo, "Coisas do Tempo Presente", 1957, que se refere a anómalias na gestão da Diamang, de que era um pequeno accionista, que congregava outras minorias, e reproduz alguns mimos trocados em assembleias-gerais com o Cmdt Vilhena. Essas picardias, resultavam da acusação de gestão dolosa/danosa, com relevantes prejuízos que apontava na direcção do interesse público. tema actual, qual ciclo vicioso!
Salazar [Santa Comba Dão, 18989 - Lisboa, 1970], que de tudo isso tomava conhecimento, mantinha-se à parte, não intervinha, e parecia submeter-se ao interesse estrangeiro. No entanto, o ditador parecia - e há quem o garanta, como o seu biógrafo Franco Nogueira - manter apreço pelo antigo ministro. Ainda tenho outros dois títulos: "Ilusões Macabras" e a "Gadanha da Morte". Aparecem nos alfarrabistas. (**)
Com abraços
JD
Trabalhei na Companhia de Maio/72 a Dezembro/74. Tive lá um tio durante inúmeros anos, que pediu a aposentação em 1973, quando se preparava um atentado ao interesse português, com a cedência de "claims" (áreas de exploração), quando no inicio dos anos setenta foi criada a Condiama, onde se invertia a proporcionalidade de importância dos accionistas: a maioria do capital era detida pelas empresas do "trust", enquanto ao Estado ficava reservada uma posição minoritária.
Mas a questão foi além disto e a promiscuidade era latente para uns poucos funcionários atentos e com oportunidade de constatar a situação. Havia técnicos sul-africanos a cirandar pelos corredores da Companhia, e os diamantes provenientes da actividade da Condiama eram canalizados para a Estação Central de Escolha da Diamang, em Andrada. Na época, eram responsáveis máximos pela Diamang em Angola, os engenheiros Mexia e Matos, respectivamente director-geral, e director-técnico.
Na época, também, o eng Krus Abecasis, administrador-geral, era citado pela revista Paris-Match como beneficiário de um dos maiores rendimentos entre os executivos europeus (ou mundiais?). Como agora, os executivos nacionais impunham-se aos estrangeiros.
Eu trabalhei inicialmente nas explorações mineiras, mas ainda em 1972 fui transferido para a ECE, depois de uma breve passagem pelo MD-5 (central de meio-denso), por uma lavaria de que não recordo o nome, e pela lavaria dos ensaios.
Talvez o Mário se lembre de um colega da Dialap, o João Brás, que fui encontrar na estação. Ali chegado, pedi logo transferência para regressar às minas, o que só veio a acontecer em Setembro/Outubro de 74.
Portanto, e descontando pormenores que não sei, bem como a corrosão da memória, a verdade é que os diamantes, quer da Diamang - o grosso, quer os da Condiama, eram tratados em separado, mas guardados na ECE até às exportações.
Uma ocasião o meu tio cruzou-se com um sul-africano no corredor de acesso ao gabinete, que o indagou provocatoriamente: ainda cá está?
Do que se expõe, não será díficil inferir, que a actividade da Diamang, a prazo, perderia rentabilidade, em favor da Condiama, e que o "trust" passaria a tirar muito mais proveito da riqueza portuguesa. Li alguns relatórios do Banco de Angola, e era curioso que faziam referência às dificuldades de colocação nos "mercados" da produção da provincia, quer de produtos minerais, quer de produtos agrícolas, geralmente tutelados pelos institutos (do café, do algodão,etc). E o valor do quilate angolano (as melhores gemas no cotejo internacional), era comparável a valores de explorações insigificantes, como na Libéria, ou na URSS, relação não dada a conhecer.
O Comandante Ernesto Vilhena [Ferreira do Alentejo, 1876 - Lisboa, 1967; fotos á esquerda, cortesia de José Adelino Maltez, ] foi um rico colecionador de arte e de antiguidades. Era, obviamente, íntimo de Salazar. As companhias coloniais detinham acervos de administradores oriundos de funções políticas, pelo que representavam excelentes recursos nas relações com o Estado. Por outras palavras, estavam ao serviço dos grandes accionistas, numa promiscuidade idêntica à actual (vide a quantidade de ex-ministros que mexem cordelinhos em administrações de empresas-públicas).
Cunha Leal [, foto á direita, cortesia da Wikipédia, ] foi sempre lutador, quer por ideais, quer pela defesa dos interesses nacionais, quer pela defesa dos seus próprios interesses. Curiosamente, foi um obstinado opositor de outro português que governou Angola, e concitou o ódio das empresas coloniais (através da actuação da maioria de deputados da A.N: - Assembleia Nacional ), o Gen Norton de Matos [Ponte de Lima, 1867 - Ponte de Lima, 1955], que tentou repetidamente estabelecer regras de contratação laboral, que dignificassem os nativos.
Depois de se demitir de ministro, Cunha Leal ], Penamacor, 1888-. Lisboa, 1970] não voltou a dar descanso ao poder. São fáceis de adquirir alguns títulos seus, edições de autor, que o comprovam substancialmente. Em "A Pátria em Perigo", 1962, apontava como solução para Portugal, a adopção dos princípios estabelecidos na Carta das Nações que se reportavam à autodeterminação, beneficiando do prazo de 30 anos para incremento da autonomia política, social e económica, que poderia ser objecto de referendo sobre a escolha das populações: independência, ou auto-determinação. O futuro do ultramar poderia ter sido bem diferente, pacífico, e próspero.
Mas Cunha Leal é também autor de outro tìtulo, "Coisas do Tempo Presente", 1957, que se refere a anómalias na gestão da Diamang, de que era um pequeno accionista, que congregava outras minorias, e reproduz alguns mimos trocados em assembleias-gerais com o Cmdt Vilhena. Essas picardias, resultavam da acusação de gestão dolosa/danosa, com relevantes prejuízos que apontava na direcção do interesse público. tema actual, qual ciclo vicioso!
Salazar [Santa Comba Dão, 18989 - Lisboa, 1970], que de tudo isso tomava conhecimento, mantinha-se à parte, não intervinha, e parecia submeter-se ao interesse estrangeiro. No entanto, o ditador parecia - e há quem o garanta, como o seu biógrafo Franco Nogueira - manter apreço pelo antigo ministro. Ainda tenho outros dois títulos: "Ilusões Macabras" e a "Gadanha da Morte". Aparecem nos alfarrabistas. (**)
Com abraços
JD
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Notas do editor:
(**) Último poste da série > 23 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11298: Historiografia da presença portuguesa em África (44): Evolução do estatuto político-administrativo da Guiné, desde 1890 até à independência (José Gouveia, ex-fur mil, CART 1525, Os Falcões, Bissorã, 1966/67)
4 comentários:
Tenho algumas dúvidas sobre a alegada "intimidade" do Vilhena com Salazar... O homem forte da Diamang conmeçou por ser monárquico mas serviu a República e, naturalmente, o Estado Novo... Mas tinha, em relação a Salazar, a grande vantagem do "conhecimento do terreno", da "vivência", da "experiência humana e profissional... E escreveui sobre as "colónias", como sempre se chamou, sem hipocrisisa, aos territórios ultramarinos, até ao final dos anos 40...
Eis algumas publicações do comandante Ernesto Jardim Vilhena (que chegou a ser procurador à Câmara Corporativo do Estado Novo, mas nunca tomou posse, "por falta de tempo", e terá inclusive movido influências para que o seu nome não constasse da lista dos "anais" da CC...
Porquê ? Não era bom para o seu currículo ?)
Moçambique
Regimen dos prazos da Zambézia / Ernesto Jardim de Vilhena. - Lisboa, 1916. - 1 fl.
Descritores: Moçambique | Legislação
VILHENA, Ernesto Jardim de
Questões coloniais : discursos e artigos / Ernesto Jardim de Vilhena. - Lisboa : Ed. do A., 1910. - XI, 407 p.
Descritores: Moçambique | Angola | Aculturação | Etnologia | Crédito | Açúcar
ILHENA, Ernesto Jardim de
A mão de obra agrícola e Moçambique / Ernesto Jardim de Vilhena. - Lisboa, 1910. - 200 p.
Descritores: Mão-de-obra | Moçambique
VILHENA, Ernesto Jardim de
Relatórios e memórias sobre os territórios / Ernesto Jardim de Vilhena. - Lisboa : Typographia da A Editora, 1905. - 33 p.
Descritores: Religião | Economia | Moçambique
VILHENA, Ernesto Jardim de
Territórios da concessão da companhia do Nyassa [material cartográfico] / Ernesto Jardim de Vilhena. - Escla 1:750.000. - Lisboa, 1904. - 1 carta ; 950 x740 mm
VILHENA, Ernesto Jardim de
Territórios da concessão da companhia do Nyassa [material cartográfico] / Ernesto Jardim de Vilhena. - Escla 1:750.000. - Lisboa, 1904. - 1 carta ; 950 x740 mm
VILHENA, Ernesto Jardim de
Estudos sobre a Zambezia : de Tete a Quiloa / Ernesto Jardim de Vilhena. - Lisboa : Livraria Ferin, 1902. - 36 p.
Descritores: História | Moçambique
VILHENA, Ernesto Jardim de
De Tete a Quiloa / Ernesto Jardim de Vilhena
In: Revista Portugueza Colonial e Maritima. - vol. 10, nº 55 (1901-1902), p. 1-14; vol. 10, nº 56 (1901-1902), p. 49-59; vol. 10, nº 57 (1901-1902), p. 97-107
Descritores: Moçambique | Exploração geográfica | Ocupação militar
Fonte:
http://memoria-africa.ua.pt/Catalog.aspx?q=AU%20vilhena,%20ernesto%20jardim%20de
A II Legislatura da Câmara Corporativa correspondeu ao período de 25 de Novembro de 1938 (início) a 21 de Fevereiro de 1942 (fim)... Eleição: 30/10/1938.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_Corporativa#Legislaturas
Caro camarada J.Dinis
O Sr. Eng. Francisco da Cunha Leal que conheci pessoalmente já na fase final da sua vida (era meu conterrâneo)..foi militar,político e reitor da Universidade de Coimbra.
Opositor da política ultramarina de Salazar, não hesitou em apoiar o envio de tropas para Angola após os trágicos acontecimentos de 1962.
Dizia que, apesar de não concordar com a política praticada, preferia ver Angola sobre administração Portuguesa do que ver esta subjugada a interesses económicos estrangeiros.
Era um Homem visionário.
Não o adjectivo mais porque posso parecer suspeito.
C.Martins
Amigo Luís Graça, O Comandante Vilhena era tão "intimo" de Salazar, como teria sido Humberto Delgado, herói da TAP, Craveiro Lopes, ex-presidente da República, deportado para Moçambique, Henrique Galvão, menino bonito da "expo40", que saíu da prisa e foi no Santa Maria, ou do próprio Cerejeira a quem deportou um bispo do Porto.
E se Vilhena morreu sem novidades, talvez porque era mais velho que ele.
Diziam os mais velhos que quando o super Ministro Duarte Pacheco se acidentou a 100 à hora, Salazar teria ficado aliviado porque já estava farto com os "esbanjamentos" dele.
"Intimos", penso Luís que só a Dona Maria.
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