segunda-feira, 25 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14658: Notas de leitura (717): O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Junho de 2014:

Queridos amigos,
É costume nas incursões que fazemos sobre o século XIX guineense descurar o pano de fundo que foi a deslocação do império luso-brasileiro para terras africanas e para o Índico.
Houve planos imperiais, como o de Sá da Bandeira, que não tiveram êxito. Mas o fim do comércio negreiro e das reexportações brasileiras exigiram uma resposta que teve apoiantes e uma onda cética. Em torno desta evolução do império português o investigador Valentim Alexandre escreveu um ensaio que julgo dever ser objeto da nossa reflexão.
A Guiné, enquanto tudo isto se passa, não tem existência constitucional e há mesmo que aspire a que seja entregue a uma companhia majestática, não passava da Guiné de algumas praças e presídios.
Foram coisas que aconteceram.

Um abraço do
Mário


O Império Português (1825-1890): Ideologia e Economia

Beja Santos

Na altura em que estava a preparar com Francisco Henriques da Silva o livro “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro”, senti claramente que havia um vazio a preencher, uma cena a iluminar, um contexto a esclarecer: a transferência da ideia imperial finda a presença portuguesa no Brasil para as paragens africanas. A moldura achada para as explicações oitocentistas na Guiné socorreu-se da Convenção Luso-Francesa, de 1886, decorrente da Conferência de Berlim, de 1884-1885, é formalmente conveniente mas após ler um importante artigo do investigador Valentim Alexandre sobre o império português oitocentista, publicado na revista Análise Social no nº 169, 2004, considero que este trabalho é esclarecedor de como a Guiné e as outras parcelas africanas foram encaradas pelas elites portuguesas.
Por isso dou como vantajoso aqui resumir as linhas de força do artigo de Valentim Alexandre e cujo título encima esta recensão.

Chegado ao Brasil em 1807, D. João VI, então príncipe regente, decretou a abertura dos portos brasileiros aos navios das nações amigas, o que veio pôr fim ao regime de exclusivo comercial de que a metrópole até então beneficiara. Com este gesto, começou a desagregação do império luso-brasileiro que terá o seu clímax com a declaração de independência do reino americano. A economia portuguesa ficou severamente abalada devido à quebra da reexportação dos produtos coloniais brasileiros. Com o Brasil independente, Portugal perdia igualmente importância no contexto internacional. É nesta atmosfera que houve que repensar o destino dos vários territórios dispersos pelo mundo, restos dos antigos sistemas, até então as relações com estas possessões eram muito ténues. Acresce dizer que as colónias de África continuaram ligadas sobretudo ao Brasil pelo tráfico negreiro que irá manter números elevados, embora ilegalizado, até 1851. É sabido que não há uma referência explícita à Guiné na constituição liberal, fala-se exclusivamente em Cacheu e Bissau, usam-se termos avulsos para falar desta região como Senegâmbia, “rios da Guiné”, sabe-se perfeitamente que a soberania de Lisboa pouco mais era do que nominal.

À luz dos desenvolvimentos mais recentes da historiografia, sabe-se que logo no primeiro período liberal (1820-1823) surgiu a ideia de construir um novo império em África, cedo se conjeturou a necessidade de proteção de uma potência mais poderosa, indispensável para evitar a absorção pela Espanha. Incentivaram-se os negociantes da Praça de Lisboa a estabelecer laços mercantis diretos com as colónias africanas, mas nada aconteceu. A seguir à guerra civil, os liberais retomaram o plano imperial, tiveram em Sá da Bandeira o seu principal ideólogo. Os projetos de consolidação do domínio territorial não tiveram sequência, por carência de recursos. Só a partir de 1851 se criaram condições mais favoráveis para o desenvolvimento do projeto colonial, consolidou-se o domínio territorial pela ocupação, em Angola, de toda a linha de costa a norte da foz do Rio Congo e, em Moçambique, do litoral entre o Rio Rovuma, a norte, e a baía de Lourenço Marques, a sul. Era um plano muito caro a Sá da Bandeira, nas suas palavras as possessões garantiriam o acesso a mercados vantajosos, Portugal seria abastecido em géneros de que carecia e iriam aparecer empregos na navegação e correlativos.

A ideologia colonial tem pois duas componentes principais: a reformulação do mercado imperial e a visão de que o império é um testemunho das glórias do passado, esta missão histórica civilizadora era uma das matrizes da identidade nacional.

Forma-se a Companhia União Mercantil, teve desde o início uma existência precária. Como escreve Valentim Alexandre, o plano de consolidação e de modernização do sistema imperial encontrou oposição dos núcleos coloniais em África, que se mantinham diretamente interessados na escravatura e no tráfico de escravos, estes núcleos estavam fortemente apoiados pelo aparelho administrativo. Enfim, o plano imperial de Sá da Bandeira falhou quase por completo. Tudo começa a mudar devido a fatores exógenos devido à economia do café e à exportação de oleaginosas em Moçambique e a partir de 1870 começa a corrida para o continente africano, a saga dos exploradores; em 1875, funda-se em Portugal a Sociedade de Geografia de Lisboa. Andrade Corvo usa a ideia imperial com o objetivo supremo de quebrar o isolamento, de abrir Portugal à civilização e ao progresso. Corvo ambicionava uma política de concertação para a delimitação das fronteiras em África. Enceta-se a liberalização mercantil, concede-se grande parte da Zambézia a Paiva de Andrada, conclui-se com a Grã-Bretanha um tratado sobre Goa, Lisboa tinha todo o interesse em que o governo inglês construísse um caminho-de-ferro ligando o porto de Mormugão à rede ferroviária britânica.

Este projeto colonial é questionado pelos céticos, caso de Rodrigues de Freitas que não esconde as suas dúvidas de que o país está a agir erradamente em esperar de além-mar maiores riquezas, maior glória para Portugal e recursos para saldar todas as dívidas. O nacionalismo radical irá triunfar: a maior parte da África central pertencia a Portugal por direito histórico, estamos a ver o caminho que as coisas irão ter entre a Conferência de Berlim e o Ultimo Inglês de 1890. Se por um lado a Conferência de Berlim reforçou em Portugal a corrente dos que defendiam a necessidade de investir em África, o ultimato irá ser habilmente aproveitado pelos republicanos que chamarão a si o populismo imperial e as pulsões nacionalistas. As instituições monárquicas sentiram-se ameaçadas não só pela tentativa de revolta no Porto em 31 de janeiro de 1891 como pela crescente influência britânica na chamada área do mapa cor-de-rosa. Esta crise levou os partidos monárquicos a serrarem fileiras e a procurar uma rápida solução com o confronto com a Grã-Bretanha – solução a que se chegou pelo Tratado de 11 de junho 1891. Que acalmia trouxe este tratado? Ficava sob a soberania britânica a margem a oeste do lago Niassa bem como a região planáltica do interior da África Central. Objetivamente, os limites fixados representavam para Portugal uma forte expansão, concedendo-lhe vastos territórios onde não se detinha até então qualquer poder ou influência. Mas a perceção que no país se teve dos factos e da solução encontrada foi outra: na memória coletiva ficou a ideia de um vasto império perdido em finais do século XIX por imposição da Grã-Bretanha.

E a Guiné? A Guiné continuará à deriva, sonha-se com empresas majestáticas que lhe tragam desenvolvimento, escassos contingentes militares sustêm temporariamente as incursões e as rebeliões de várias etnias que conseguem confinar a presença portuguesa a um número restrito de praças e presídios. Era grande a indiferença pela Senegâmbia, mas Honório Pereira Barreto consegue firmar acordos na região do Casamansa e definir uma fronteira que se irá perder com a Convenção Luso-Francesa de 1886.

Para Valentim Alexandre é inútil tentar explicar uma realidade complexa com uma expansão colonial portuguesa pelo recurso a uma única chave interpretativa, é preciso saber cruzar os direitos históricos, o mercantilismo e o populismo imperial para perceber que o império africano teve fortíssimas razões idealismo e mercantilismo, o império africano do século XIX foi feito com alma e avidez de negócios, à sombra dos mesmíssimos princípios de desenvolvimento, modernidade e progresso com quem ainda hoje funcionamos.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14646: Notas de leitura (716): Guiné-Bissau. um País Adiado, por Manuel Vitorino, Orfeu (2) (Mário Beja Santos)

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