quarta-feira, 27 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14669: Os nossos seres, saberes e lazeres (96): Tomar à la minuta (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Por muito insólito que pareça, tenho casa em Tomar, troquei uma casa em pedra no concelho de Pedrógão Grande por um andar junto de um lugar mágico, a magia é sempre produto da nossa imaginação ou dos nossos credos. Vou conhecendo Tomar, tateia-se aqui e acolá, descobre-se o cineclube, o espaço dedicado a Lopes Graça, um museu de arte contemporânea com a doação do professor José Augusto França à cidade, percorro as ruas do centro histórico, vou ao Café Paraíso, impecavelmente Arte Deco, há muitíssimos pontos a descobrir. E por isso tomei a liberdade de escancarar algumas imagens para vos convocar ao idílio tomarense.
Espero que gostem.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (1)

Beja Santos

Trago uma relação idílica com este local que é, sem qualquer exagero, um dos berços da Nacionalidade. Berço e berçário: aqui se afirmou a Ordem do Templo, os guerreiros guardiães que afugentavam mouros e que partiam em cruzada para Jerusalém, quando extintos o gémeo de um rei concebeu a nacionalização dos seus bens, a Tomar vinha o Infante D. Henrique avaliar as suas posses, daqui partiu muito capital para as expedições para cá e para lá do Bojador; o Convento de Cristo é mesmo património da Humanidade, visita-se a charola, ali perto a mais bela janela que existe em Portugal, a do Capítulo, um devaneio de D. Manuel I, de que o filho certamente considerava excêntrico, aquele D. João III que resolveu entaipar o ponto alto da arquitetura tomarense construindo um convento para que ninguém tivesse acesso aos delírios do grande patrocinador do estilo manuelino.

Tomar oferece muito: o Nabão, que serpenteia entre vales dulcíssimos; tem a Igreja dos Templários, que comove e arrepia; tem a Festa dos Tabuleiros, um dos fenómenos mais mirabolantes do culto do Espírito Santo; tem cineclube, teatro amador, bandas, futebol e hóquei; tem sinagoga, raríssimo exemplar de templos judaicos medievais; tem espécimenes de valor absoluto na arte da Contra-Reforma, basta pensar-se no claustro de D. João III, ali muito perto dos delírios manuelinos; tem a singularidade de um museu dos fósforos, aparentemente uma estopada, e de facto um regalo para os olhos; tem um centro histórico onde apetece passear, numa atmosfera apaziguante; e tem o RI 15, daqui partiram muitos mancebos do nosso tempo para a Guiné e outras paragens. Habito em cima de uma lezíria, no termo do Ribatejo, da janela da sala avisto castelo, convento e charola e também os choupos do Nabão, a ventania apresenta-se com regularidade, sibilante, lavando os ares e torcendo a ramaria das árvores. Ponho-me a caminho, e centenas de metros à frente encontro monumentos de valor incalculável, a recordar o encontro das hostes do Contestável D. Nuno com os homens do Mestre de Avis, uma memória a El Rei D. Sebastião, sigo depois por uma avenida onde habita a comunidade cigana, seguem-se stands, lojas dos chineses, de roupa para noiva, aqui e acolá moradias magníficas e vestígios da Tomar industrial, pois aqui pontificou Jácome Ratton e Manuel Mendes Godinho. E estou no centro histórico, o Nabão corre desalmado e entro naquela que é a minha rua mais bela, a Serpa Pinto ou a Corredoura. Daqui perto, minha avó partiu com 14 anos, levando bonecas, destinada a casar com um homem de 36, a viver no Cuanza Norte. Chega de conversa, vou dar-vos algumas imagens em passo de corrida, são imagens ligadas a lugares da minha atração, pode muito bem acontecer que depois, pelo adiante, se dê sequência e se faça uma apresentação mais acabada e até mais vistosa.



Estamos no Museu dos Fósforos, chama-se Aquiles da Mota Lima, este senhor foi assistir à coroação de Isabel II, viu caixas de fósforos, tomou-lhe o gosto e juntou-as aos muitos milhares, de muitos países. Doou a sua coleção à edilidade tomarense, prantaram o museu no antigo RI 15, resulta bem, entra-se e temos uma infinidade de compartimentos, com fósforos por todos os lados. É impressionante, recomendo a visita ao forasteiro.



Estamos na Igreja da Misericórdia, deixo-vos duas imagens contrastantes, a riqueza polícroma e ao fundo uma nave típica da Contra-Reforma, severa, é uma das grandes peças da arquitetura religiosa tomarense, uma das demonstrações do poder das misericórdias.


Por aqui se entra para visitar o Convento de Cristo, o guardião da Ordem, o Infante D. Henrique passou muito provavelmente por aqui, bem perto está o Paço, são ruínas imponentes nem dá para perceber como D. Catarina de Áustria, que foi regente do reino até D. Sebastião atingir a maioridade, pode viver com o mínimo de conforto.



Recomenda-se a visita guiada a quem se afoitar a entrar pelas muralhas do castelo, é tudo extenso e muito é indecifrável. Quando estamos para entrar no convento avista-se uma construção monumental arruinada, o teto há muito que desapareceu. Nesse lugar celebraram-se as Cortes de Tomar onde Filipe II de Espanha foi aclamado como Filipe I de Portugal, percebe-se o incómodo logo a seguir à Restauração. O que não se entende são as belas paredes pejadas de salitre e o Paço Real todo desconjuntado.



Lá dentro as coisas fiam mais fino. Fiz a visita no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, havia descontos chorudos na loja de vendas, comprei um álbum de desenhos de Domingos Sequeira ao preço da chuva. E o teto da loja é a magnificência que vos mostro. E a seguir entrei na charola, é sempre a primeira vez, à falta de uma Capela Sistina temos outra sorte de fausto, é um cocktail de arte oriental, opulência de ouros, frescos, tudo cheio de telas em madeiras que vieram do Báltico, o monarca não se poupou a despesas, convocou grandes mestres flamengos e o produto final é o deslumbramento, ficamos de garganta seca, aturdidos com tanto e tal esplendor.



Sai-se da charola e deparam-se detalhes de como o severíssimo D. João III quis esconder o estilo manuelino, a primeira imagem é quase um entaipamento, os motivos escultóricos ficaram encobertos, o piedoso fomentador da Inquisição exigiu que o desafogo se concentrasse numa peça feita ao estilo italiano, o claustro, reconheça-se que é muito belo, mas fica-se indignado como o monarca absoluto, ao tempo que o nosso Império atingira a sua máxima extensão e se encaminhava para o declínio, escondeu manuelino só para que o visitante se sinta enfeitiçado por esta arte depurada do neoclassicismo, um pouco da Itália em Portugal. Isto assombra, mas volto as costas a D. João III e aos seus rigores, vou-me desenfastiar a contemplar a mais linda janela que foi feita em Portugal.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14649: Os nossos seres, saberes e lazeres (95): Se fosse presunto... (Manuel Luís R. Sousa)

2 comentários:

Joaquim Luís Mendes Gomes disse...

Tenho a obrigação e o gosto de agradecer esta maravilhosa partilha que nos fez. A nossa TV esbanja o tempo com futilidades e bem podia dedicar-se a difundir estas nossas preciosidades. Adoro Tomar....
Obrigado
Joaquim LMendes Gomes

Luís Graça disse...

Portugal, país tão lindo,
Portugal, país tão belo,
Metade é Jorge de Brito,
Metade é Jorge de Melo...


Era exagero, mas era verdade... a cantilena do "antigamente". Portugal continua a ser um país de assimetrias e de deslumbramentos. Temos a obrigação de divulgar, conhecer e amar a nossa história e o nosso património... Tomar é um das muitas terras que merece visita prolongada. Alguns de nós passaram por lá em tempo de tropa e de guerra.

E a propósito da importãncia histórica dos judeus (e depopis cristão novos) na vida (económica, social, cultural...) de Tomar, o Mário Beja Santos vai, por certo, num próximo poste, falkar um pouco mais da sinagoga... É o único templo judaico proto-renascentista existente hoje no país. E sabem quem o descobriu e oefereceu ao Estado Português ? O avô materno, judeu de origem polaca, do nosso saudoso amigo Pepito (1949-2014)... Já aqui temos falado dele e da sua família: Samuel Schwarz... Era pai da nossa decana Clara Schwarz, hoje com 100 anos...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinagoga_de_Tomar

http://tomarnarede.blogspot.pt/2015/03/samuel-schwarz-doou-sinagoga-de-tomar.html

http://www.desgensinteressants.org/samuel-schwarz/

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/search/label/Samuel%20Schwarz