Vicente Batalha, foto de "O Mirante" (2010) (com a devida vénia) |
Julgo, de resto, que não temos nenhum "foto-cine", ou "operador de fotocine", entre os membros da nossa Tabanca Grande. E são escassas, na Net, as referências a estes camaradas que também andaram nas guerras de África...
Depois da Guiné, o Vicente Batalha continuou na tropa e, como tenente a trabalhar nos serviços mecanográfticos do exército, é chamado a fazer o curso de capitães milicianos. A frequência do Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, dá-lhe a possibilidade de ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema 3011, na Região Militar de Angola.
Destaca, entre os seus instrutores, os nomes de Jorge Botelho Moniz, Lauro António e Fernando Matos Silva (este último o realizador de "Acto dos Feitos da Guiné", 1980).
Em Angola, diz que comandou um "excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema [e] rádio" que desenvolveu "um notável trabalho de reportagens". Além disso, "tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola".
A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de foto-cine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos... E, se sim, por onde para hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75) ?
Em 2014, e a propósito dos 40 anos do 25 de Abril, o semanário regional "Correio do Ribatejo" (, fundado em 1891, e com sede em Santarém,) ouviu o "testemunho geracional" do ribatejano Vicente Batalha. Desses quatro artigos, retirámos alguns excertos, com a devida vénia. (LG).
(…) Arrancado aos bancos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a 11 de setembro de 1964, assentei praça, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém (EPC), como cadete, para frequentar a instrução básica do Curso de Oficiais Milicianos (COM).
A 17 de dezembro, jurei bandeira, e continuei na EPC, para a instrução especial, de atirador de cavalaria. Em abril de 1965, fui promovido a aspirante-a-oficial miliciano, e mandado apresentar, no Centro de Instrução de Operações Especiais de Lamego (CIOE), onde fui selecionado, para a frequência Curso de Operações Especiais, vulgo, “Ranger”.
Findo o curso, fui mandado apresentar, no Regimento de Cavalaria nº 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Ia fazer parte da Companhia de Cavalaria 1483 (CCAV), mobilizada para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG). Comandante, capitão José Olímpio Caiado da Costa Gomes, e os quatro alferes eram o retrato do país em guerra: 1º Pelotão, Azevedo, do Porto, 2º, Batalha, de Pernes-Santarém, 3º, Diogo, de Tavira, e 4º, Garcia, da Serra da Estrela; e, os, 1º Sargento, Dias Jorge, e 2ºs Sargentos, Tibério e Arvana. Com a CCAV 1483, iam para a Guiné mais três companhias: comandadas por, CCAV 1482, Capitão Alves Ribeiro, CCAV 1484, Capitão Pessoa de Amorim, e CCAV 1485, Capitão Lemos Alves.
Fizemos a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no RI 13 de Vila Real, e, a 19 de outubro, desfilamos, até à estação da cidade, e partimos de comboio, via Porto, para Lisboa, tendo feito a viagem durante a noite. A 20 de outubro de 1965, perante uma multidão, choros e gritos, amigos que me chamavam, daqui e dali, que quiseram estar na despedida, ao som de marchas militares, com “Angola é nossa” a martelar os ouvidos, desfilamos. Aguentei, comovido, sem uma lágrima. Submersos num mar de lenços e adeuses, embarcamos, no “Niassa”, do Cais da Fundição, Santa Apolónia, rumo à Guiné. (…)
Findo o curso, fui mandado apresentar, no Regimento de Cavalaria nº 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Ia fazer parte da Companhia de Cavalaria 1483 (CCAV), mobilizada para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG). Comandante, capitão José Olímpio Caiado da Costa Gomes, e os quatro alferes eram o retrato do país em guerra: 1º Pelotão, Azevedo, do Porto, 2º, Batalha, de Pernes-Santarém, 3º, Diogo, de Tavira, e 4º, Garcia, da Serra da Estrela; e, os, 1º Sargento, Dias Jorge, e 2ºs Sargentos, Tibério e Arvana. Com a CCAV 1483, iam para a Guiné mais três companhias: comandadas por, CCAV 1482, Capitão Alves Ribeiro, CCAV 1484, Capitão Pessoa de Amorim, e CCAV 1485, Capitão Lemos Alves.
Fizemos a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no RI 13 de Vila Real, e, a 19 de outubro, desfilamos, até à estação da cidade, e partimos de comboio, via Porto, para Lisboa, tendo feito a viagem durante a noite. A 20 de outubro de 1965, perante uma multidão, choros e gritos, amigos que me chamavam, daqui e dali, que quiseram estar na despedida, ao som de marchas militares, com “Angola é nossa” a martelar os ouvidos, desfilamos. Aguentei, comovido, sem uma lágrima. Submersos num mar de lenços e adeuses, embarcamos, no “Niassa”, do Cais da Fundição, Santa Apolónia, rumo à Guiné. (…)
(…) Cinco dias depois, a 26 de outubro 1965, estávamos a atracar, no cais de Bissau, em ebulição. As viaturas militares esperavam no cais. Foi em breves minutos, que desembarcamos com as nossas bagagens, saltamos para as viaturas, e lá fomos, com rumo desconhecido… por entre a pequena cidade de Bissau, que olhamos de soslaio, chegamos à jangada (a jangada de João Landim, que está sempre avariada, como diz o “cancioneiro da malta”), que nos levou à outra margem, e continuamos até Bula, a sede do Batalhão de Cavalaria 790, sob o comando do tenente-coronel Henrique Calado, ilustre cavaleiro hípico, dono do célebre “Caramulo”, que nos representou nos Jogos Olímpicos de Tóquio, 1964. Entre escassas palavras, trocávamos olhares, tristes e surpreendidos, perdidos naquele mundo estranho…
Em fase de adaptação, ainda, a 9 de novembro [de 1965], o aquartelamento foi alvo de flagelação, e, na noite seguinte, véspera de S. Martinho, perante informações seguras de novo ataque, recebi a missão de ir montar uma emboscada, para impedir, que o inimigo voltasse a atacar… às tantas, montado o dispositivo, o tiroteio infernal iniciou-se, vindo de todos os lados… foi esse o nosso baptismo de fogo. Regressado ao quartel, recebi ordens, para voltar a sair, para ir buscar o 2º comandante, major Laranjeira, que estava na povoação, que distava algumas centenas de metros do quartel, por entre novo tiroteio, a fechar aquela noite de todos perigos, uma entre tantas, que se iam suceder…
O dispositivo tinha uma companhia, em Có, e Pelundo, outra, em Teixeira Pinto e Cacheu; e do outro lado, a terceira, em Ingoré e Ingorezinho. O meu irmão, tinha embarcado, em rendição individual, a 10 de Janeiro, para a Guiné, onde passamos juntos o Natal de 1965, o primeiro Natal, em pleno teatro de operações. É difícil explicar a saudade, que vivemos nesse Natal, a ler os inúmeros cartões, cartas, a desembrulhar as prendas, que nos chegaram, foi tocante… os meus pais, sobretudo, o meu pai, nunca recuperaram das aflições, desassossego e tristeza, por ter dois filhos num complexo cenário de guerra.
Regressamos, com vida e saúde, mas a amargura de meus pais é uma fatura, que nunca lhes foi paga. Dado o agravamento da situação de guerra, no setor Oeste, e após ter passado três meses, como companhia operacional do BCAV 790, a nossa unidade foi colocada em quadrícula, em São Domingos, terra de felupes e baiotes, mais a norte, a 3 quilómetros da fronteira com o Senegal, com o 3º pelotão, em Susana, e o 4º pelotão, em Varela.
O dispositivo tinha uma companhia, em Có, e Pelundo, outra, em Teixeira Pinto e Cacheu; e do outro lado, a terceira, em Ingoré e Ingorezinho. O meu irmão, tinha embarcado, em rendição individual, a 10 de Janeiro, para a Guiné, onde passamos juntos o Natal de 1965, o primeiro Natal, em pleno teatro de operações. É difícil explicar a saudade, que vivemos nesse Natal, a ler os inúmeros cartões, cartas, a desembrulhar as prendas, que nos chegaram, foi tocante… os meus pais, sobretudo, o meu pai, nunca recuperaram das aflições, desassossego e tristeza, por ter dois filhos num complexo cenário de guerra.
Regressamos, com vida e saúde, mas a amargura de meus pais é uma fatura, que nunca lhes foi paga. Dado o agravamento da situação de guerra, no setor Oeste, e após ter passado três meses, como companhia operacional do BCAV 790, a nossa unidade foi colocada em quadrícula, em São Domingos, terra de felupes e baiotes, mais a norte, a 3 quilómetros da fronteira com o Senegal, com o 3º pelotão, em Susana, e o 4º pelotão, em Varela.
O ano 1966, foi de guerra intensa: a 14 de fevereiro, sofremos o maior ataque ao aquartelamento, da uma às cinco da manhã, onde foram usados pela 1ª vez canhões sem recuo, gerou-se o pânico; a 4 de dezembro, sofremos a primeira mina, na estrada para Nhambalã. Isolados, com pontões queimados, de um lado, no acesso a Susana, e, do outro, no acesso a Poilão de Leão e Ingoré, o cerco fechava-se e remetia-nos cada vez para o interior do arame farpado. Os ataques sucediam-se, e o setor Oeste foi desdobrado em 1 e 2, pelo que, para São Domingos, foi deslocado o Batalhão de Caçadores 1894, comandado pelo tenente-coronel Fausto Laginha Ramos, e a CCAV 1483 voltou a ser companhia operacional. (…)
O meu irmão regressou, em abril, eu regressei, em agosto de 1967. (…)
O meu irmão regressou, em abril, eu regressei, em agosto de 1967. (…)
(…) Surgiu [, entretanto,] o convite, para continuar na tropa, num serviço, que permitia conciliar estudo e trabalho, e aceitei. Fui colocado nos Serviços Mecanográficos do Exército, onde, como tenente, num ambiente descontraído, com a presença de senhoras, os militares trajavam à civil, no horário, 13h30-19h00. Ao meu cargo, as especialidades, que vinham do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, e as consequentes mobilizações do contingente geral. O Largo da Graça, de que gostava muito, passou a fazer parte da minha nova rotina.
Em 1971, fui chamado para o Curso de Capitães, na EPI, em Mafra, com um escol de gente das mais variadas profissões, chefes de família, regressados à tropa, a par dos chamados capitães-proveta… apesar da condenação da guerra, muitas críticas, e incomodidades, foi um curso diferente, familiar, com grande formação política, criei amigos para toda a vida.
Estágio no CIOE, o regresso a Lamego. Como 2º classificado do curso, podia escolher, e decidi frequentar o Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, para ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema da Região Militar de Angola.
Tive instrutores essenciais, Jorge Botelho Moniz, Lauro António, Fernando Matos Silva.
No Regimento de Transmissões, formei o DFC 3011, excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema, rádio (o meu abraço, Sansão Coelho), desenvolvemos um notável trabalho de reportagens.
Capitão mil, cmdt do Destacamento de Fotagrafia e Cinema 3011,
na Região Militar de Angola (1972-74)
na Região Militar de Angola (1972-74)
A 9 de janeiro de 1972, embarquei para Angola, no paquete, “Vera Cruz”, a sua última viagem como transporte de tropas. A, 16 de janeiro, desembarquei em Luanda (no cais, os meus compadres e família), e, no dia seguinte, assumi o comando do Destacamento [de Foto Cine 3011], instalado numa aprazível vivenda, entre o Comando da Região Militar, de que dependia administrativamente, e o Comando-Chefe das Forças Armadas, sediado na Fortaleza, de que dependia operacionalmente, a meio caminho, ficava o Palácio do Governo-Geral de Angola.
Capa da revista Fotocine [Angola, 1973-74]... Cortesia da Hemeroteca da Biblioteca do Exército |
Adorei a cidade, a vida agitada da cidade, com uma vida cultural em ascensão. Convivia com toda a estrutura militar, e seus comandos, espalhados pelo vasto território. O mal-estar era evidente, trocavam-se opiniões, discutia-se a situação política, e, aqui e ali, caíam notícias, sobre o alastrar dos protestos e movimentações. Tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola.
As minhas funções giravam entre a área cultural e a comunicação social, pois no DFC dirigia um programa, “A Hora do Soldado”, emitido todos os dias, das 11 às 12 horas e das 24 às 01 horas, a partir da Emissora Oficial de Angola. O director da Emissora proibiu a Norberto de Castro um programa sobre o pacifista Bertrand Russel, pedi-lhe a bobina e transmitia-a em “A Hora do Soldado”, o que criou uma situação delicada…mas, já não havia força para me punir. (…)
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Fonte: Excertos, com a devida vénia ao autor, Vicente Batalha, e ao semanário "Correio do Ribatejo":
Vicente Batalha – Testemunho geracional (1962-1965), nos 40 anos do 25 de Abril. [Em linha] Correio do Ribatejo. 11 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1962-1965-nos-40-anos-
do-25-de-abril/
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1965-1974-nos-40-anos-do-25-de-abril/
Vicente Batalha – Testemunho Geracional (1974-1975), nos 40 Anos do 25 de Abril. [Em linha]. Correio do Ribatejo, 25 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1974-1975-nos-40-anos-do-25-de-abril/
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso
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Nota do editor:
Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso
4 comentários:
"O director da Emissora proibiu a Norberto de Castro um programa sobre o pacifista Bertrand Russel."
Aqui entramos na minha guerra.
Não andei na tropa com Russel, mas com Norberto de Castro com quem fiz a recruta, o CSM, na mesma companhia, e eu e ele já na peluda fomos re-convocados para enfrentar a UPA em 1961, ele amanuense, eu de armas pesadas, mas como não havia armas operacionais em armazem em Angola, para a minha especialidade, quase acabava a guerra sem me mandarem para fora de Luanda.
Norberto de Castro já faleceu, de doença embora tenha arriscado a vida, após o 25 de Abril.
Dos falecidos é sempre incómodo falar, mas como parte da vida dele vem na Internet, e foi em vida notícia nos jornais cá e em Angola, penso que posso dizer alguma coisa sobre a censura e ele.
Primeiro, este angolano foi sempre, ostensivamente alinhado connosco, colonos anti-independência.
Segundo, como jornalista e reporter radiofónico sempre fez reportagens para toda a gente ler e ouvir, tipo «angola é nossa, angola é portugal»
Terceiro, após o 25 de Abril, como angolano não quiz perder o comboio e fazer como muitos angolanos, fazer os caixotes e vir para a Metrópole como fizeram imensos angolanos da idade nossa, minha e dele.
Aí sim, sofreu a bom sofrer, mas aguentou tudo e mais alguma coisa com os movimentos.
Embora fosse um pé cá outro lá, como quase todos os políticos de todos os movimentos, de todas as colónias, lá se aguentou até falecer já há algum tempo.
Mas sobre a censura e Norberto de Castro, aqui vou contar algo que em 1974 no 25 de Abril, deixou Luanda boquiaberta, resolveu fazer discursos anticoloniais e anti pidescos e coisas que entraram na moda.
E declarou-se aliado do MPLA e em vez de moderar um pouco, não, a pide isto, os brancos aquilo...até que a pide denunciou-o como colaborador da pide, com número e tudo a que tinha direito.
Aí sim foi censura a sério.
Sabemos é que aparece mais tarde como deputado pela UNITA, mas parece que o MPLA o aliciou e é melhor é eu ficar por aqui...e viva Angola que Portugal ainda é nosso.
Quem esteve com ele na bancada da UNITA foi a esposa do banqueiro, já falecido também, Horácio Roque, que esteve também connosco na tropa no RIL em 1961, era 1º cabo.
STOP, que já não sei se foi tudo uma desgraça, se foi tudo um pagode.
É melhor auto censurar-me!
Cumprimentos.
Rosinha, tu como "o mais velho de todos nós" (com exceção da nossa decana, Clara Schwarz, que vai fazer este ano 101 anos!, Deus, Jeová, Alá e os bons irãs a guardem, a protejam e lhe deem ainda muitos anos de vida com a cabeça fresca como ela tem!...),. és o único com carta aberta para dizeres tudo o que tens a dizer, incluindo a tua dúvida, histórica, em jeito de balanço: "já não sei se foi tudo uma desgraça, se foi tudo um pagode"...
De resto, a autocensura faz-nos mal...
A única regra verdadeiramente de ouro do nosso blogue é, afinal, o "bom nome" dos vivos e dos mortos... Dos nossos vivos e dos nossos mortos... Fizeste bem em vir a terreiro falar de um homem que, apesar de ser uma figura pública, foi teu camarada na tropa e na guerra...
Só por economia de análise é que a gente não fala mais vezes de Angola, e de outros territórios a que estamos (e conbtinuaremos a estar) ligados, histórica, cultural e emocionalmente ligados...
"Buona fortuna e auguri" para 2016... que em Roma temos de ser romanos!... Luis
Tinha um convite da Catarina Laranjeiro para ir ver o filme na Cinemateca e fui, mas devo dizer que o documentário do F. Matos Silva dececionou-me, ou melhor, não me entusiasmou... A mim e ao João Sacôto, que representavamos o blogue...
Fiz uma intervenção no fim, para dizer isso mesmo ao realizador... As imagens de guerra que ele utiliza, não são dele mas dos franceses (a equipa da ORTF, que captou a emboscada no sector de Bula, em 1969, Op Ostra Amarga) e do realizador sueco Lennart Malmer (que documentou a cerimónia da proclamação da independência da Guiné-Bissau em 24 de setembro de 1973)...
O documentário do FMS tem o mérito de vir contra a corrente; depois do 25 de abril, ninguém queria ouvir falar da guerra colonial!, muito menos a malta do Grupo dos Nove, que saiu reforçada com o 25 de novembro de 1975 e que estava no conselho da revolução... Por isso o filme passou despercebido: apareceu em má altura, ia contra a corrente... Por outro aldo, o golpe de estado do 'Nino' Vieira em 1980 foi um terr+ivel balde de água fria para os amigos e admiradores do PAIGC...
Comecei a escrever coisas sobre a guerra colonial no "Jornal", nessa época (1980), numa iniciativa do Afonso Praça... Eu e outros antigos combatentes.. A malta começou a "exorcizar os fantasmas da guerra colonial" (a frase era minha). Passadas umas largas semanas houve pressões do Grupo dos Nove para acabar com o dossiê "Memórias da Guerra Colonial"... Foi o que Afonso Praça mo garantiu. Infelizmente ele já não está entre nós... Deu-lhe material (fotos, cartazes, etc.) para se fazer uma exposição que nunca viria a realizar-se. Também ele foi combatente, em Angola, recorde-se... O "Jornal" estava próximo do grupos do Nove e cedeu ás pressões, dizem, do Costa Gomes...
O filme do FMS foi filmado no Alentejo e em Bolama, é uma mistura teatro, cinema de ficão e documentário... Mas do "fotocine" FMS temos pouca coisa... Refiro-me a cenas de guerra... Ele disse-me que os chefões não estavam interessados em filmar a guerra, a não ser algunas cenas para efeitos de propaganda na retaguarda (as LFG, da marinha, por exemplo, a "varrer" as margens dos rios, e os fuzlleiros nos zebros em alta velocidade!)...
Além disso, o FMS pôe o Amilcar Cabral a falar em francês, sem legendas em português... Eu disse-lhe que era um insulto à memória do português Amílcar Cabral!... Por outro lado, ele integra no filme o material dos outros, sem qualquer contextualização, e sem referir no fim esses créditos, o que me parece ética e deontologicamente reprovável... Quem não conhecer esse material, julga que é do realizador!....
Enfim, é um documentário datado, o que não lhe tira alguns méritos... Não o vi na época... Hoje já não tem a memsa "novidade"... Faz uma leitura redutora, ideológica, estereotipada da história da nossa presença na Guiné e sobretudo da guerra colonial (que foi também uma "guerra civil", com, guineenses a combater em lados diferentes)... Não é decididamente a história que vamos contar aos nossos netos...
Para o João Sacôto que não conhecia o vídeo da ORTF (televisão francesa):
Vou pôr aqui o link para ele poder consultar:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2007/12/guin-6374-p3333-op-ostra-amarga-ou-op.html
Disse ao Virgínio Briote, em email:
O vídeo, disponível em www.ina.fr, tu conhece-lo bem, compraste inclusive os direitos de "téléchargemenmt" para visualização no nosso blogue, e conseguiste apanhar a Geneviève Chauvel, a perturbante repórter do Paris-Mach , que tinha feito a cobertura de várias guerras mas nunca tinha vista nada parecido...
Recordo o que na altura escrevi, na introdução a esse poste do Virgínio Briote:
15 DE DEZEMBRO DE 2007
Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2007/12/guin-6374-p3333-op-ostra-amarga-ou-op.html
A jornalista francesa (hoje, escritora, autora de romances históricos) Geneviève Chauvel terá sido uma das raras mulheres, jornalistas, estrangeiras, a testemunhar uma cena de combate no TO da Guiné, no período da guerra colonial, embebed (como se diz agora, depois da guerra do Iraque) numa unidade das NT...
Na sequência de contactos com o actual Coronel, na reforma, Sentieiro , o nosso co-editor, o ex-comando Virgínio Briote, localizou, na Internet, a bela e misteriosa jornalista francesa e tem-se correspondido com ela...
Hoje damos conta desse aventura... à procura do tempo perdido... Nas fotos, acima, a Madame Geneviève Chauvel (e não Chaubel, como erradamente procurámos na Net...), tal como pode ser vista na sua página pessoal...
Como editor do blogue, manifesto aqui publicamente o meu apreço pelas diligências feitas pelo VB, a sua persistência, a sua inteligência emocional, a capacidade de utilização da sua rede de contactos sociais (ou não tivesse sido ele um homem do marketing farmacêutico, a par de um andarilho da Guiné)...
E já agora, uma última curiosidade, talvez um pouco mórbida, ou roçando mesmo o mau gosto: será que em Bula ou em Bissau alguém se lembrou de traduzir, para a nossa amiga Geneviève, o nome da operação em que ela participou ? Ostra amarga, "huître amère"... com mais o irónico pormenor de, em França, em Paris, as ostras portuguesas, até aos anos sessenta/setenta serem conhecidas simplesmente como "les portugaises": eram as melhores do mundo, para o exigente palato do parisiense...
Esta, na Guiné, foi mesmo uma ostra amarga para todos... Coincidência ou não, na mesma altura, ao virar da década de 1960, a portuguesa desaparecia dos viveiros dos ostreicultores de França e da mesa dos consumidores franceses, devido a uma estranha doença: (...) Portugaise ('crassostrea angulata') : Espèce d'huîtres creuses introduite dans le Bassin d'Arcachon au milieu du 19ème siècle. Les huîtres portugaises disparurent du Bassin au début des années 1970 à la suite d'une maladie ...(LG)....
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