segunda-feira, 21 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18659: Notas de leitura (1068): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
O trabalho deste franciscano é o mais importante sobre a história da missionação na Guiné. Não é uma história risonha, iremos detetando obstáculos logo entre o século XV e XVI, os missionários encontravam muçulmanos indefetíveis, vinham impreparados para resistir àquele clima mortífero, a presença do colonizador era diminuta e o traficante de escravos de modo algum se podia relacionar bem com esses missionários que pretendiam batizar os nativos.
Teremos que ir forçosamente por partes, a trama é naturalmente complexa e enorme, estou seguro que quem se interessa pelo tema encontrará neste relato um investigador dotado de uma enorme capacidade de surpreender.

Um abraço do
Mário


História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema (1)

Beja Santos

Em 1982, a Editorial Franciscana, Braga, dava à estampa aquele que é mais importante documento histórico sobre a missionação católica na Guiné, do século XV ao século XX. O padre franciscano Henrique Pinto Rema conheceu perfeitamente a Guiné e começou a publicar o produto da sua investigação no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, ainda na década de 1960, continuou as suas investigações nos anos seguintes e a obra publicada em Braga é seguramente o documento mais abalizado para o conhecimento da missionação católica.

O livro abre com a evangelização da Guiné entre 1434 e 1533. Explica pormenorizadamente o projeto henriquino e como este deu um passo decisivo com a ultrapassagem do Cabo Bojador em 1434. O Infante D. Henrique fez acautelar o seu projeto através da chancela de Roma. Assim, pela Bula Romanus Pontifex (8 de Janeiro de 1454), Nicolau V confiou ao Infante a conquista, ocupação e apropriação de todas as terras, portos, ilhas, mares, desde os cabos Bojador e Não até à Guiné, com poder de legislar e impor tributos e penas, invadir, conquistar e ocupar terras de mouros e pagãos, edificar mosteiros e igrejas com privilégio de padroado. A Bula Inter Cetera, de Calisto III, datada de 13 de Março de 1456, insiste na entrega à Ordem de Cristo da “espiritualidade nas ilhas, vilas, portos, terras e lugares desde os cabos de Bojador e Não até por toda a Guiné”. A Bula Dum Fidei Constantium, de Leão X (7 de Junho de 1514) em que se reserva ao rei de Portugal e dos Algarves todas as igrejas e benefícios eclesiásticos, desde os cabos Bojador e Não até aos índios, ficando sujeitos à jurisdição canónica do Vigário e Santa Maria de Tomar.

Analisando o problema da escravatura, Pinto Rema recorda que o Batismo era a primeira porta que se abria para obter o estatuto de negro forro. São muitas as referências nas Crónicas onde encontramos menções aos pretos forros. Está perfeitamente documentado que os missionários, designadamente a partir do século XVIII estiveram na vanguarda da batalha contra a escravatura. Todo este processo está perfeitamente documentado, e assim chegamos ao Marquês de Sá da Bandeira que em Dezembro de 1836 por decreto pôs termo ao tráfico de negros em todas as possessões portuguesas. Em 3 de Novembro de 1856 foi abolido completamente o trabalho forçado dos escravos; em 1876, a abolição da escravatura era um facto assente.

Entremos agora propriamente na missionação da Guiné. Religiosamente, a Guiné estava muçulmanizada ao Norte, pelo contacto com os mercadores do rei de Túnis, e era cada vez mais idólatra à medida que se avança para o Sul. Esta idolatria aparece ricamente documentada nos depoimentos, entre outros, de Valentim Fernandes, Jerónimo Münzer, Luís de Cadamosto.

Havia falta de religiosos por causa da extensão do território bem como pela extrema pobreza dos habitantes, é assim que observa Pio II em Outubro de 1462. Em Dezembro desse ano, o franciscano Frei Afonso de Bolando foi nomeado prefeito da missão da Guiné, com direito de “escolher quaisquer religiosos e pessoas para tal necessárias”. Mas só chegou à costa Ocidental africana muito depois, na década de 1470. O autor comenta que a escolha não terá sido a mais correta numa altura em que havia já um profundo diferendo entre as coroas portuguesa e castelhana quanto à natureza da missionação. Nesta época, já os portugueses tinham atingido o fundo da Serra Leoa e encontrado as ilhas do arquipélago de Cabo Verde. Os territórios desde os cabos Bojador e Não até ao Sul da Serra Leoa formavam a “província da Guiné”.

O autor resume a missão à Guiné com a chegada dos franciscanos e que se revelou ineficaz por diferentes razões: clima mortífero, o isolamento em que viviam os missionários, as dificuldades sentidas como inultrapassáveis criadas pelos prosélitos do islamismo, a dificuldade de penetrar em terras selvagens e inóspitas. Por motivos idênticos se tornaram ineficazes as expedições dos missionários dominicanos a Benim e ao Senegal em 1487 e 1488 respetivamente.

Uma carta de D. João III a Clemente VII, datada de 20 de Maio de 1532, pedia-se a elevação da diocese do Funchal a sede metropolitana. Ficar-lhe-iam sufragâneas as dioceses dos Açores, Cabo Verde e Guiné, S. Tomé (Costa da Mina e Congo) e Goa. Esta petição real foi deferida. A criação do bispado em Santiago que iniciou uma nova era na missionação do arquipélago de Cabo Verde e Guiné.

O primeiro testemunho da criação de uma igreja em território onde de facto havia presença portuguesa foi a igreja de ilha de Goreia, hoje Senegal. Cerca de 1456, Diogo Gomes consegue chegar à fala com o poderoso rei Nominans, chefe do país de Barbara, ao Norte da embocadura do rio Gâmbia. Este escreveu ao Infante D. Henrique para pedir um sacerdote e que se batizasse toda a gente. Desconhece-se o êxito evangelizador junto deste rei.

O rei Bemoim, da região de Jaloph, entre os rios Senegal e Gâmbia, manifestou interesse em ser batizado, veio até Lisboa onde foi batizado com pompa e circunstância tendo como padrinhos a família real, regressou ao seu reino numa armada comandada por Pêro Vaz da Cunha, pretendia-se construir uma fortaleza na foz do rio Senegal. Por razões não explicadas, tudo acabou por terminar mal, Pêro Vaz da Cunha matou D. João Bemoim à punhalada, a explicação que deu a D. João II foi de que havia suspeita de traição, o rei reprovou-o, a fortaleza não se construiu.

Desde a primeira hora que se conhece a expressão “grumetes” da Guiné, eram os naturais que a partir do momento em que eram batizados se consideravam brancos. Este conceito terá um grande peso na figura do grumete e na história da precária missionação que aconteceu na Senegâmbia e depois na Guiné Portuguesa.

Em jeito, de conclusão foram magros os frutos de evangelização colhidos na Guiné durante o primeiro século, depois de 1434, quando Gil Eanes dobrou o Cabo Bojador, até 1533, ano da criação da diocese de Cabo Verde e Guiné. Por razões facilmente explicáveis, a evangelização em Cabo Verde foi um sucesso total. E dentro dos limites do atual território da Guiné-Bissau nada de especial se construiu. Henrique Pinto Rema vai analisar seguidamente as primeiras missões da costa da Guiné, entre 1533 e 1640.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18649: Notas de leitura (1067): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (35) (Mário Beja Santos)

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